Pontos de partida para uma teoria crítica da crise do coronavírus

 

Andreas Urban & F. Alexander von Uhnrast (Viena)

 

 

01 Números coronavírus como "charlatanice matematizada".

Situação catastrófica dos dados, interpretação e manipulação questionável dos números coronavírus como base para confinamentos e outras medidas, por exemplo

• Problema do teste (alta susceptibilidade a erros em testes de pessoas sem sintomas e com baixa prevalência).

• Apresentação incorrecta dos números (pessoas positivas como "novas infecções" ou "pessoas doentes")

• "Taxa de incidência" como extrapolação de resultados positivos de testes em vez de casos de doença

• Contagem incorrecta das mortes ("morreu de" e "morreu com o coronavírus")

• Análises enganosas de excesso de mortalidade sem padronização da idade

• "Fraude" com as camas dos cuidados intensivos (https://www.focus.de/politik/deutschland/scharfe-kritik-an-spahn-zahl-der-intensivbetten- manipulated-would-put-previous-scandalos-in-theshadow_id_13382899.html)

Gerd Antes, estatístico da saúde: "Quase todos os erros que podiam ser cometidos foram cometidos" https://www.cicero.de/innenpolitik/interview-gerd-antes-corona-daten-studien-rki

 

02 Difamação generalizada das críticas às medidas

As críticas ao regime de medidas foram – também na esquerda – indiscriminadamente rotuladas como "de direita", "de teoria da conspiração", "negação do coronavírus" etc., apesar das contradições evidentes nas justificações oficiais das medidas e sem discussão do conteúdo dos argumentos dos críticos.

Mesmo cientistas de renome, cujas opiniões cientificamente fundamentadas se desviam da narrativa dominante do coronavírus, são objecto de campanhas de difamação nos media e são de facto excluídos do discurso social (exemplos: Wolfgang Wodarg, John Ioannidis).

 

03 Desaparecimento da crítica do Estado

"Em vez de se compreender a pandemia, juntamente com as restrições confusas e cada vez mais autoritárias de uma burocracia sobrecarregada, e as reacções por vezes abstrusas de partes da população, como manifestações da crise capitalista global, os acontecimentos são interpretados como uma ameaça às condições democráticas. A consequência lógica é rastejar para debaixo das asas de um aparelho cada vez mais autoritário. Esta parte da esquerda segue assim à risca as instruções mais absurdas do aparelho burocrático. (Gerd Bedszent, "Concorrência Total ou Administração Repressiva das Pessoas?", 2021, http://www.obeco-online.org/gerd_bedszent10.htm)

 

04 Aspectos biopolíticos

Preservação e aumento da "saúde pública" como objetivo essencial de controlo biopolítico, padronização e disciplinamento:

"Um Estado que garanta a segurança por excelência tem de intervir sempre que o curso normal da vida quotidiana é interrompido por um acontecimento extraordinário e único. Então a lei não é mais suficiente. São então necessárias intervenções que, apesar do seu carácter extraordinário e extralegal, não devem no entanto aparecer como arbitrariedade ou abuso de poder, mas como uma expressão de cuidado". (Michel Foucault, "Analytik der Macht" [Analítica do poder], 2005, 139s.)

 

05 Críticas ao complexo industrial farmacêutico

Contra o pano de fundo do coronavírus e especialmente da campanha de vacinação, todos os elementos de uma crítica à Big Pharma e ao complexo industrial sanitário parecem ter desaparecido completamente do público em geral, bem como da discussão de esquerda.

O que no "Süddeutsche Zeitung" ainda poderia ser manchete em 2015 ("A indústria farmacêutica é pior que a máfia"), mesmo a esquerda radical parece não ousar mais pensar hoje. (https://www.sueddeutsche.de/gesundheit/kritik-an-arzneimittelherstellern-die-pharmaindustrie- is-worse than themafia-1.2267631)

Um olhar sobre as recentes "pandemias", por exemplo a gripe suína, é suficiente para ver paralelos notáveis com o presente (alarmismo mediático, aprovação acelerada de vacinas, etc.) – ver como um exemplo a documentação "Exploradores do medo" de 2009 (https://www.ndr.de/der_ndr/presse/mitteilungen/pressemeldungndr4958.html)

 

06 Tendências totalitárias

Desinformação e propaganda

Exemplo: "Vacinação = Liberdade" (https://www.rtl.de/cms/duesseldorfer-rheinturm-mit- message-4720750.html)

Censura e proibição de manifestações

Relatórios unilaterais, eliminação de publicações no YouTube, enquadramento de opiniões dissidentes como "desinformação médica", proibição de manifestações críticas de medidas.

Medo concertado e alarmismo

Exemplo: "pânico" difundido pelo Ministério do Interior alemão a partir de março de 2020 (https://www.bmi.bund.de/SharedDocs/downloads/DE/veroeffentlichungen/2020/corona/s zenarienpapier-covid19.html)

Também no Reino Unido, os cientistas das task forces coronavírus admitiram agora abertamente ter usado métodos "anti-éticos" e "totalitários" (https://www.telegraph.co.uk/news/2021/05/14/scientists-admit-totalitarian-use-fear- control-behaviour-covid).

Denúncia e mentalidade de bufo

 

07 Psicologia social e extremismo do centro

A crise do coronavírus como um novo ponto alto na crise do sujeito moderno

Complementando a deriva de grandes grupos da população para ideologias da conspiração (de direita), o medo coronavírus revela uma tendência, especialmente entre as classes médias liberais (de esquerda), para projectar seus medos existenciais relacionados com a crise (colapso económico, crise ecológica, etc.) num suposto "vírus assassino":

"Simplesmente porque diante da fome no mundo, do vício, da auto-imunidade, do suicídio ou do colapso ecológico, nós, como sociedade, não sabemos o que fazer. As nossas respostas a crises, que trazem consigo sempre algum tipo de controlo, não são muito eficazes para lidar com essas condições. Agora aparece uma epidemia contagiosa e, finalmente, podemos entrar em ação. É uma crise para a qual o controlo funciona: quarentenas, bloqueios, isolamento, lavagem das mãos, controlo de movimento, controlo de informações, controlo dos nossos corpos. Isso faz da Covid um receptáculo conveniente para os nossos medos mais rudimentares, um lugar para onde canalizar o nosso crescente sentimento de desamparo diante das mudanças que dominam o mundo. A actual pandemia é uma ameaça que sabemos como enfrentar. Ao contrário de tantos outros medos, a Covid-19 oferece um plano.

As instituições estabelecidas da nossa civilização estão cada vez mais impotentes face aos desafios do nosso tempo. Mais bem-vindo será, nessas circunstâncias, um desafio que finalmente podem enfrentar. Mais ávidas estarão em assumi-lo como uma crise suprema. Mais naturalmente os seus sistemas de gestão de informação selecionarão os retratos mais alarmantes dessa crise. Mais facilmente o público entrará em pânico, acatando essa ameaça com que as autoridades podem lidar como substituta para as várias outras, indizíveis, contra as quais nada podem fazer. ". (Charles Eisenstein, "A coroação", 2020, https://charleseisenstein.org/essays/a-coroacao/)

Desejo de recuperar a sua "liberdade" através do comportamento conformista (máscara, vacinação, etc.) e, ao mesmo tempo, também de disciplinar parte da subclasse indisciplinada – voltar ao autoritário estabelecimento da ordem:

"Após uma era de "diferenças" definidas superficial e abstractamente no pensamento de esquerda pós-moderno, que já não queria conhecer nenhuma verdade, em vez disso tornam-se visíveis as tendências [...] que recorrem novamente a S. Paulo, Lenine e Carl-Schmitt, à teologia e à religião, portanto a um pensamento autoritário messiânico que promete ordem, logo que dolorosamente se faça notar que a coisa começa a apertar em termos materiais bem vulgares. (Roswitha Scholz, "O regresso do Jorge", 2006, http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz5.htm)

Extremismo do centro, ideologia da ausência de alternativa, perda ou negação da realidade projectadas sobre os "negacionistas".

 

08 Dissociação & Administração da Crise

• O sector dos cuidados como palco central da crise do coronavírus

• Dupla carga de trabalho no domínio doméstico (teletrabalho e tele-escola)

• O renascimento dos modelos pequeno-burgueses mesquinhos no curso da tendência de queda da classe média

 

09 Estado de excepção e auto-referencialidade das medidas

• Auto-referencialidade perversa da política de coronavírus (medidas ou flexibilizações são justificadas pela eficácia ou abolição de outras medidas, etc.).

• A suspensão do princípio da separação de poderes, a "guerra contra o vírus" (E. Macron) ameaça tornar-se um estado (de excepção) permanente como a igualmente insustentável guerra contra o terror.

• Capitalismo de vigilância digital

 

10 Origem do vírus

Tanto a "teoria da zoonose" como a "teoria do laboratório" – e indissociavelmente ligada a esta última a pesquisa do "gain-of-function" – bem como a pesquisa das armas biológicas poderiam e deveriam desencadear análises e críticas da esquerda, independentemente de qual abordagem explicativa seja agora considerada mais plausível.

 

11 Crítica da ciência

• O que aconteceu com a crítica do positivismo?

• Idiotice profissional: pessoas que sabem quase tudo sobre quase nada

• "Expertocracia" e conflitos de interesses relacionados

• A precisar de explicação: o comportamento tão diferente nos círculos de especialistas e no público em geral, por exemplo, durante a gripe asiática (1957/58) ou a gripe de Hong Kong (1968-70).

• Modelação como loucura matemática – Qualquer modelo só é tão bom quanto os dados em que se baseia. GIGO: Garbage in – garbage out

 

12 O coronavírus e a crise final da valorização

• Um novo – e o maior de todos! – empurrão na dinâmica da dívida global https://tradingeconomics.com/united-states/government-debt https://www.isabelnet.com/ecb-balance-sheet-with-forecast-until-end-2021/

• Primeiro dinheiro de helicóptero nos EUA; "going direct" – Fed compra títulos do governo americano directamente

• Implantação de facto da União da Dívida e da Responsabilidade na Zona Euro

• Potencial de inflação maciça (já indicado nos preços ao consumidor)

• Novo fenómeno: subida dos preços na bolsa de valores durante a recessão económica https://www.macrotrends.net/1319/dow-jones-100-year-historical-chart

• Mudanças geopolíticas: decadência política e militar do Ocidente, tentativas de desdolarização, a actual luta do PCC pelo controlo da Big Tech e seus oligarcas na China.

• "Great Reset" como novo modelo de acumulação imaginado das elites ocidentais; o núcleo parece ser a administração repressiva da crise dos "supérfluos" nos centros globais

 

 

Apresentado no painel de discussão sobre coronavírus no seminário da exit! em setembro de 2021. Original “Ansatzpunkte für eine kritische Theorie der Corona-Krise” publicado em exit-online.org: https://exit-online.org/pdf/Handout_Urban%26Uhnrast.pdf. Tradução de Boaventura Antunes

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