O cocktail de desejos do keynesianismo de esquerda
Agora é que os ricos vão ser finalmente apanhados. Uma aliança com o nome de “Partilhar de novo com justiça” [Umfairteilen], iniciada pela ATTAC, Verdi e Confederação Conjunta Paritária [Paritätischen Gesamtverband], apela, não sem alguma ousadia gramatical, para uma acção de âmbito nacional em 29 de Setembro de 2012: "Há um caminho para sair da crise económica e financeira: a redistribuição! Nós não queremos que os serviços públicos e as prestações sociais se deteriorem e que a grande maioria da população seja mais sobrecarregada. Em vez disso, a riqueza excessiva e a especulação financeira têm de ser finalmente tributadas. Não se trata apenas de dinheiro, mas também de solidariedade vivida na nossa sociedade”. Exige-se um imposto sobre a propriedade e uma contribuição única da propriedade para o "financiamento adequado dos necessários gastos públicos e sociais e para a redução da dívida", e também a "luta consistente contra a evasão fiscal e os paraísos fiscais e por um imposto sobre as transações no mercado financeiro, contra a especulação e contra a pobreza a nível mundial”.
Partes do SPD e dos Verdes saúdam a campanha e apontam para a sua concretização nos seus próprios programas, devendo a taxa máxima de IRS ser aumentada dos actuais 42 para 49 por cento. Eles escondem deliberadamente que é da sua responsabilidade a redução havida na década de 1990 de 53 por cento para o valor de hoje. Como ambos os partidos têm apoiado a inclusão do travão da dívida na Constituição, bem como a política de austeridade do governo de Merkel, o que se pode esperar de um possível governo vermelho-verde após 2013 é provavelmente pouco mais do que política simbólica: aqui se inclui um aumento moderado da taxa máxima de IRS, para sinalizar que estamos “todos" no mesmo barco. Finalmente podem vender-se melhor os próximos cortes nas pensões se for possível mostrar aos atingidos que também “os de cima” contribuem com a sua parte.
Os membros da aliança, no entanto, tomam a coisa mais a sério. A ATTAC, por exemplo, exige uma contribuição única progressiva sobre a propriedade para milionários e bilionários correspondente a cerca de 50 por cento dos seus activos a serem entregues nos cofres públicos. Assim se obteriam 4 biliões de euros em toda a Europa. De resto parece que a salvação da actual crise é vista como consistindo em restaurar a distribuição do rendimento e da riqueza que havia na década de 1970, juntamente com os instrumentos fiscais correspondentes. Queremos o nosso capitalismo renano de volta!
A explicação da crise subjacente a estas reivindicações é em todo o caso superada com toda a simplicidade pelo mainstream alemão e pela sua chanceler, que se orienta pelo modelo neo-clássico da "dona de casa da Suábia": porque "todos nós" e especialmente "os do sul" temos vivido acima das nossas possibilidades, o que é preciso agora é poupar, poupar, poupar. Desde os decretos de emergência de Brüning [último chanceler de República de Weimar (N.T.)] que é sabido que esta política só leva a aprofundar a crise e portanto não vamos aqui falar mais sobre isso.
O modelo keynesiano de esquerda apresentado pela ATTAC e outros, pelo contrário, vê na repartição desigual do rendimento e da riqueza a causa – e não a consequência – dos desenvolvimentos da crise: o neoliberalismo é que nos teria desviado do caminho correcto do "bom capitalismo" e levado à crise.
Em contraste com isso, remete-se para a teoria da crise formulada já em 1986 por Robert Kurz e cuja quintessência foi por ele recentemente apresentada na Konkret 2/2012. Como já fora observado por Marx, o capital é a autocontradição em processo, de tal modo que, por um lado, baseia-se no trabalho como única fonte da sua riqueza abstrata e, por outro lado, retira cada vez mais força de trabalho humano do processo de produção com o aumento da produtividade. Marx considerava esta contradição capaz de "fazer ir pelos ares" a “base tacanha" do capital. Há vários indícios de que o capitalismo, com a aplicação da microeletrónica, cujos potenciais de automação de modo nenhum estão esgotados, terá entrado desde a década de 1970 nesta fase final teoricamente antecipada por Marx.
A cadeia de crises financeiras nos últimos 30 anos, que assumiu proporções globais pela primeira vez com o crash de 2008, teve o seu ponto de partida na chamada "estagflação" dos anos setenta, ou seja, na ocorrência simultânea de uma estagnação económica global e de elevadas taxas de inflação, que chegaram aos dois dígitos A política económica keynesiana, então ainda indiscutível em todo o mundo, pôde realmente atenuar os fenómenos de crise, mas já não foi capaz de gerar um novo impulso de acumulação auto-sustentável. Ela falhou portanto na percepção geral e até mesmo do ponto de vista das suas próprias pretensões e foi substituída pelo neoliberalismo.
A resposta deste à incapacidade de obter produção de mais-valia real suficiente consistiu, resumidamente, em assegurar os lucros de outra maneira: primeiro, permitiu que o aumento do desemprego exercesse pressão sobre os salários; segundo, na senda da chamada "orientação para a oferta", os impostos sobre as empresas e sobre os ganhos de capital baixaram; e, terceiro, muitas empresas, por falta de oportunidades de investimento reais, viraram-se para o sistema de crédito, participando portanto com o seu capital monetário na geração de bolhas financeiras e conseguindo assim melhorar a aparência das contas. A empresa Siemens, por exemplo, já nos anos noventa era referida ironicamente como um banco com um departamento de electricidade anexo.
Fenomenologicamente a ATTAC e outros têm toda a razão: Por um lado, os salários reais caíram, na Alemanha, por exemplo, graças à agenda de 2010, em média de 4 por cento em 8 anos e bem mais no sector de baixos salários que entretanto se constituiu. Por outro lado nos últimos 30 anos – também graças à desregulamentação do sector financeiro – a riqueza em dinheiro e em activos financeiros cresceu 20 vezes a nível mundial, mas sem lhe corresponderem valores reais.
Aqui está o problema: esta riqueza é em grande parte fictícia, criada por bolhas financeiras ou assente em créditos duvidosos. Qualquer tentativa de transformá-la em grande escala em riqueza material levaria à sua desvalorização imediata. Esse seria também o resultado da contribuição única exigida pela ATTAC cobrando metade desses ativos. – A ideia de que o dinheiro é suficiente e só precisa de ser distribuído de forma diferente é um pouco simples demais, só comparável com a ideia de imprimir simplesmente notas de banco no montante necessário.
Também a exigência de regressar ao “bom capitalismo” dos anos setenta em termos de distribuição de rendimento e de riqueza é irrealista. A revolução neoliberal não foi um simples erro, mas sim uma resposta dentro do capitalismo à crise dos anos setenta e ao fracasso do keynesianismo. A crise não foi portanto vencida, mas apenas adiada e mesmo agravada. E o facto é que o regresso ao ponto de partida é impossível, dado que as condições para a produção de mais-valia real se deterioraram ainda mais, devido ao crescimento da produtividade desde então alcançado.
Ninguém pode ser impedido de exprimir os seus desejos. Mas, fora das festas de aniversário das crianças, deveriam ser mais bem esclarecidas as condições em que eles se podem realizar. Quanto à realização das expectativas de “Partilhar de novo com justiça”, de qualquer modo, é preciso fazer notar: nunca nas condições do capitalismo.
Original LINKSKEYNESIANISCHER WUNSCHPUNSCH em www.exit-online.org. Publicado em KONKRET, 9/2012