Claus Peter Ortlieb

A ECONOMIA NÃO É VERDADEIRAMENTE UMA CIÊNCIA

Entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung

 

O que ocorre a um matemático nestes dias sobre o tema Grécia?

O que me impressiona em primeiro lugar, embora não tanto como matemático, é a fúria nacionalista contra os "gregos na falência", atiçada por alguns média, que assim desviam a atenção da contribuição alemã para a miséria grega. Afinal, a Alemanha deve a sua vitória no campeonato mundial de exportação essencialmente às exportações para a Europa do sul, financiadas com o endividamento. Enquanto matemático, o que talvez me chame mais a atenção são os grandes números, agora objecto de muita veneração, e os quais nem um Pitágoras poderia sequer ter imaginado. E outro ponto também muito interessante é esta repentina queda de uma economia nacional normalmente endividada na situação de falência, em que já não há nada a fazer. Que limites foram aqui verdadeiramente ultrapassados? Isto para mim não é realmente claro.

 

Constantemente nos enchem os ouvidos com somas enormes. Na Grécia faltam 120 mil milhões, talvez até 150 mil milhões, dos quais a Alemanha assume 22 mil milhões, ou mesmo mais alguns milhares de milhões. Vamos assim perdendo pouco a pouco o sentido das grandes somas?

Desde a falência do Lehman Brothers, de facto, o negócio são quase exclusivamente grandes números; o milhar de milhão tornou-se, de certo modo, a menor unidade numérica. São números que realmente ninguém pode imaginar, e a educação matemática, de resto, também pouco ajuda. Uma certa ilustração apresenta a conta por cabeça: 8 mil milhões de euros de impostos distribuídos por 80 milhões de habitantes significa 100 euros por pessoa. Isso já se pode então imaginar, podendo contudo também, de certa maneira, induzir em erro, porque aqui as variáveis da economia nacional são simplesmente aplicadas aos orçamentos privados.

 

Quando os políticos atiram com números dão a impressão de competência - mesmo que ninguém possa verificar esses números. Porquê?

Provavelmente é porque, no caso dos números, existe pelo menos a ficção de verificabilidade. Quem lança um número expõe-se ao risco de ser refutado. Nos talk shows¸ no entanto, tal é praticamente impossível, por isso se gosta de argumentar com todo o tipo de números.

 

Surpreendentemente, os políticos e até mesmo alguns economistas gostam de ligar o mundo supostamente racional dos números com o mundo da magia, quando, por exemplo a propósito dos números do desemprego, falam do "limite mágico dos cinco milhões". Como se combina uma coisa com a outra?

Tal fetichismo dos números talvez se pudesse chamar a magia do Iluminismo. Os números tiveram na modernidade uma importância crescente incrível e a economia, precisamente, tenta imitar as ciências naturais, entendendo-se a si mesma como uma física social. Isto leva, na realidade, ao pensamento mágico. Pois é evidente que a sociedade no seu conjunto não pode ser percebida apenas com métodos matemáticos.

 

Incomoda-o que os economistas se dediquem tanto à matemática?

Não, não me incomoda nada, antes pelo contrário: como matemático ganho o meu dinheiro na medida em que a matemática é utilizada noutras ciências e até mesmo fora das ciências. A questão, no entanto, é saber em que domínios e a que problemas faz sentido poder ser aplicado o método matemático das ciências naturais em geral. E aqui há, no mínimo, exageros. Nas ciências naturais matemáticas a ligação entre a matemática e a realidade reside na experimentação, na qual as condições matemáticas ideais apenas são produzidas em laboratório. Só assim se manifesta uma lei matemática da natureza em todo o seu esplendor e glória. Ou então não se manifesta, o que, em seguida, leva a rever a teoria subjacente. Contudo, o que faz uma especialidade como a economia, onde as experimentações não são possíveis, sendo apenas possíveis, quando muito, as observações? Falta aqui o critério de verdade ligado ao método matemático das ciências da natureza, e então o que vem em seu lugar? Daqui decorrem difíceis questões metodológicas. O que eu critico aos economistas matemáticos e que me incomoda realmente no seu procedimento é que eles não enfrentam este problema, pelo menos pelo que me é dado saber.

 

Por que desempenha então a matemática um papel tão grande nas ciências económicas?

A ciência natural matemática, devido ao seu inegável sucesso, assumiu a função de ciência-modelo, de tal modo que por volta de 1900 se tentou adaptar os seus métodos a muitas outras ciências, incluindo a economia. O que estava e está ligado à ideia de ser possível transferir a exactidão da matemática para a própria ciência. Já fiz notar que, sem a possibilidade da experimentação, isso não funciona assim sem mais. Mas tal parece não importar nada hoje. Isto tem talvez a ver com o facto de os economistas, na sua maioria, estarem presentes como conselheiros políticos e nos média, e aí terem sobretudo de impressionar. E, na circunstância, a matemática ajuda. A sua utilização em si mesma já é considerada uma característica de qualidade. Com ela aparenta-se uma exactidão e cientificidade de que não se dispõe de modo nenhum. Se os modelos económicos não são justificados pelas suas hipóteses e não podem ser verificados na realidade, tão pouco a matemática ajuda ainda alguma coisa à veracidade dos resultados.

 

Duvida do modelo neoclássico com as curvas da oferta e da procura?

Sim. Na chamada intersecção de Marshall, ou seja, no modelo neoclássico do mercado simples, é preciso constituir condições muito especiais, com uma série de pressupostos idealizados, isto é, longe da realidade, quer sobre o comportamento dos agentes económicos, quer sobre as condições do mercado. No que respeita à construção do modelo matemático não há nada a opor, isso faz parte do negócio. Um modelo não é simplesmente verdadeiro ou falso, o que ele tem é um domínio de aplicação maior ou menor. Deve falar-se do abuso de um modelo quando o seu domínio de aplicação é ultrapassado, ou seja, quando o modelo é aplicado a situações em que, reconhecidamente, os seus pressupostos não foram verificados. E é precisamente o que se passa com o modelo do mercado simples, que é usado ad nauseam nos livros de introdução à economia política, em todas as situações imagináveis. Num destes manuais padrão encontrei eu o correspondente diagrama mais de noventa vezes ao longo de 800 páginas, e em caso nenhum o autor se preocupou em verificar se os seus pressupostos foram de facto verificados. O ganho de conhecimento de uma tal abordagem é próximo de zero. Aqui abusa-se da matemática para transmitir uma determinada ideologia, ou seja, a ideologia da teoria neoclássica da harmonia do mercado: os mercados supostamente funcionam sempre e em toda parte, desde que se possa garantir que não são perturbados.

 

No entanto, a teoria neoclássica está quase sem concorrência. Qual o motivo disso?

Isto deve-se ao fracasso do keynesianismo na prática, estou a lembrar-me da chamada estagflação dos anos setenta. Começou então a marcha triunfal do neoliberalismo, o recuo do Estado em favor do mercado. E o modelo neoclássico foi de certa maneira o veículo pseudo-científico para isso. Ele apresentou a sua fundamentação ao longo de trinta anos, fundamentação que aconteceu no neoliberalismo, ficando assim do lado dos vencedores. Por outro lado, há a sedução do dogma neo-clássico, dito em forma polémica, na sua clientela habitual, resultante do chamado individualismo metodológico. O qual afirma que deve ser possível explicar o funcionamento de uma economia a partir das acções de cada um dos sujeitos económicos. E essa explicação consiste então muitas vezes em razões simples, que à primeira vista parecem plausíveis, uma vez que pura e simplesmente transferem qualquer tipo situações da vida quotidiana típicas da economia empresarial para economias nacionais inteiras, ou seja, trabalham com analogias. E isso funciona. Tais razões enchem as páginas de economia de muitos jornais e definem o pensamento da classe política.

 

Angela Merkel sugeriu mesmo a poupança de uma “dona de casa da Suábia" como estratégia de gestão da crise.

E esta estratégia, aparentemente, deve ser agora prescrita à economia grega. Naturalmente que isso não pode funcionar: poderia ajudar, sim, no caso de um orçamento familiar endividado, se os seus membros durante três anos se aplicassem a trabalhar no duro e a evitar o consumo. Mas isso não se pode aplicar a uma economia nacional. A renúncia ao consumo traz também a paralisia da produção e só pode levar à depressão.

 

Este é agora novamente um argumento padrão dos economistas de esquerda. A miséria grega dificilmente se pode dominar enquanto por lá o procedimento económico continuar a ser o mesmo.

Você provavelmente está certo, donde apenas se conclui desde logo, porém, que a situação é desesperada. E certamente que eu não tenho uma receita para oferecer, com que a economia grega pudesse voltar a pôr o pé em ramo verde. Não se trata aqui, no entanto, do exemplo da Grécia, mas sim da incorrecção de tal raciocínio ao nível da clientela habitual, que persiste na simples transposição de considerações da economia empresarial para o plano macroeconómico. Mesmo que o resultado alguma vez pudesse dar certo por acaso, tenho de insistir, como cientista, na correcção lógica das justificações.

 

Como matemático entende que a economia não é uma verdadeira ciência?

Pelo menos no que diz respeito à teoria neo-clássica, deve falar-se, sim, de uma ideologia cientificamente ornamentada. Verifico pela leitura regular de manuais de economia política que neles não se reflecte a realidade da economia capitalista. Em vez disso, os seus próprios preconceitos ideológicos são vertidos em modelos matemáticos e estes simplesmente postos a tapar a realidade. Mas, com isto, a disciplina ciência económica em última instância desistiu, de facto, do seu objecto e, em rigor, perdeu o seu estatuto científico.

 

Do seu ponto de vista, que se deve fazer?

Dentro da disciplina da economia política, entretanto, torna a discutir-se de novo amplamente o objecto, os fundamentos e os métodos da sua própria especialidade – por exemplo, no Frankfurter Allgemeine Zeitung. Motivo para isso, claro, é também o facto de a teoria neoclássica da harmonia do mercado ter sido completamente ridicularizada com as manifestações da crise capitalista. Só podemos esperar que daí resulte um novo começo, uma vez que o dogma neo-clássico está completamente deitado abaixo. Como matemático diz-me mais outra consequência, que tem a ver com a formação matemática. Acho que se deverá questionar mais do que até agora a correcta ou incorrecta utilização de modelos matemáticos. O uso da matemática não leva automaticamente a resultados verdadeiros, pelo contrário, o abuso dela também pode servir para transmitir ideologia. Seria um grande ganho, se este entendimento se consolidasse na consciência pública.

Perguntas de Alexander Magui

Original ÖKONOMIE IST EIGENTLICH KEINE WISSENSCHAFT in www.exit-online.org.  Publicado em Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung, 09.05.2010

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