exit! Crise e Crítica da Sociedade das Mercadorias nº 19 – Índice e Editorial
Sai em Abril de 2022, publicada na zu Klampen Verlag. Preço de capa 22 euros (ISBN 978-3-86674-820-0) ou assinatura.
Índice
•Thomas Meyer Alternativas ao capitalismo – Em teste: Ecossocialismo
•Tomasz Konicz Sobre profetas da catástrofe, preparadores e aproveitadores da crise – Ideologia de direita na crise
•Kim Posster A masculinidade é a crise?! – Sobre a história e a relação entre a crise latente e manifesta do sujeito burguês e a sua natureza social (de género)
•Anselm Jappe Narciso ou Orfeu? Observações sobre Freud, Fromm, Marcuse e Lasch
•Roswitha Scholz Exit! – Ora diga lá o que pensa da religião? – Um esclarecimento
•Herbert Böttcher Sr. Kant, tenha piedade de mim! Deus em tribunal na crise do coronavírus
•Robert Kurz A intelligentsia depois da luta de classes – Da desconceitualização à desacademização da teoria
•Andreas Urban e F. Alexander von Uhnrast Teoria monetária com cabeça de Janus – Notas sobre “O dinheiro” de Eske Bockelmann
Editorial, carta aberta e apelo a donativos
Que grande farsa! Depois de o Tribunal Constitucional Federal ter repreendido o governo na Primavera por não fazer o suficiente contra as alterações climáticas e, assim, pôr em perigo os interesses da vida e da liberdade das gerações futuras, os "funcionários do capital" não conseguiam parar de se elogiar pomposamente e de sublinhar o quanto já tinham feito e concretizado em termos de política de protecção do clima. É claro que a corporação jurídica não tem aqui mais nada em mente senão que a "crise climática" possa ser resolvida dentro da "ordem de base democrática livre". Com a "política certa", as "condições de enquadramento certas", já seria implementado "o que é certo", sob reserva de "financiabilidade económica" e "crescimento económico". Nada mais se pode esperar do regime da coligação-semáforo. Muito menos da "comunidade internacional de Estados", como mostram repetidamente as chamadas "cimeiras do clima".
A alegação de que as gerações futuras não devem ser sobrecarregadas com "hipotecas", a fim de lhes permitir estar "aptas para o futuro", é enfatizada com particular gosto quando se trata de justificar o desbaste da rede de segurança social e a deterioração das infra-estruturas. A geração jovem não teria futuro se o Estado ficasse sobreendividado. Por isso devem tornar-se pobres, fazer sacrifícios e, se necessário, morrer. A suposição ingénua aqui é pensar que reduzindo as despesas governamentais podem aumentar as receitas governamentais para que o Estado tenha mais para gastar no futuro. Claro que também se aplica aqui que todas as despesas governamentais são iguais, mas algumas são mais iguais do que outras (em citação livre de George Orwell). Não está efectivamente prevista nenhuma redução das despesas governamentais com o armamento.
Mobiliza-se e remodela-se o presente para a chamada sustentabilidade futura a fim de ir ao encontro dos interesses actuais da valorização ou abrir novas oportunidades de valorização. A isto chama-se "modernização" ou "desenvolvimento" que pode, evidentemente, ser "sustentável", desde que o crescimento económico não seja permanentemente prejudicado. Os principais critérios continuam a ser o retorno do investimento e os chamados postos de trabalho, que poderiam eventualmente ser criados (ou recriados sob condições mais difíceis). Apenas aquilo que contribui ou poderia contribuir para um movimento contínuo e crescente de valorização do capital é considerado 'progressivo' ou 'sustentável'. Medidas deste tipo sacrificam o presente e, portanto, os seres humanos e a natureza por um futuro que nada mais é do que uma abstracção subjugadora da realidade, que nada tem a ver com uma abertura ao novo ou algo semelhante, mas é apenas pensado como continuação do presente. As chamadas visões do futuro pressupõem as relações de dominação e de fetiche existentes. (1) O que deve ou tem de ser feito (protecção ambiental e climática) torna-se assim uma questão menor, se não exactamente o seu contrário. No final, pretende-se que os efeitos sejam combatidos com meios que causem desde logo esses mesmos efeitos. Se a "capacidade de modelação" da política (por meio de impostos, etc.) falhar, aponta-se para soluções técnicas finais (geoengenharia, inteligência artificial ou "tecnologias milagrosas" que possam ser inventadas em algum momento), que supostamente inverteriam a situação no último momento. Tal subjugação às condições elas próprias criadas e à fetichização da tecnologia que a acompanha equivale ao auto-sacrifício da humanidade.
Isto também é evidente na digitalização. Não se desperdiça um pensamento sobre o conteúdo real que deve ser colocado em forma digital (educação, medicina, etc.). A pandemia de coronavírus deu um novo impulso à mania da digitalização e às práticas de dominação com ela relacionadas. A digitalização presta-se perfeitamente a uma dominação tecnocrática de terror, como se pode ver facilmente no regime chinês. (2) O "Ocidente dos valores" está também a mover-se numa direcção semelhante ou comparável. A mudança através da aproximação é aparentemente o lema dos regimes (pós)democráticos de crise. (3) A pandemia de coronavírus também está a ser utilizada para expandir e modernizar os instrumentos de repressão existentes, a fim de continuar e intensificar o "processamento" de crises de todo o tipo em termos de Estado policial (por exemplo, minando ainda mais a liberdade de manifestação, o direito à greve e os direitos dos trabalhadores). (4) Isto é comparável ao 11 de Setembro, quando o aparelho de segurança foi também expandido e modernizado, supostamente apenas para combater o terrorismo islamista. (5)
Os catastróficos "efeitos colaterais" da digitalização (psicossociais e ecológicos) são minimizados como preço do "progresso" ou como "danos colaterais"; em última análise são conscientemente aceites como "destino", contra o qual o Estado procura intervir com regulamentos loucos ("auto-compromisso voluntário" de empresas, aumentos ou reduções de impostos, etc.) ou/e utilizando o seu punho visível para assegurar que o chamado progresso seja aplicado pela força como uma alegada "necessidade histórica" (pense-se na extracção de matérias-primas e nas expropriações que as acompanham, na expulsão e assassinato de povos indígenas, etc.). Não se pode fazer uma omelete sem partir os ovos. Estalinismo e (neo)liberalismo estão unidos nisto. Ambos oferecem uma pérfida rábula quando se trata de vender coerção repressiva como 'liberdade'. A visão da necessidade capitalista estabelece assim o quadro no qual a "liberdade" tem de ser realizada. O punho visível do Estado e dos seus capangas dos serviços secretos velam para garantir que isto se mantenha assim. (6) A "ordem básica liberal-democrática" (com ou sem estado de excepção e vários suplementos ditatoriais) permite assim a participação activa ou a aceitação passiva da destruição do mundo. A liberdade burguesa torna-se assim uma liberdade de morrer. Esta revelação da liberdade burguesa é tanto mais clara quanto mais o "quadro de modelação e escolha" se estreita, e quanto mais todas as medidas políticas se reduzem a nada ou têm o efeito contrário. O limite do negócio estatal é e continua a ser a sua própria viabilidade financeira e, portanto, uma valorização bem sucedida do capital, que, no entanto, falha cada vez mais e se revela um programa de destruição do mundo (o que nos traz de volta ao problema inicial). Afinal não resta nada para escolher ou modelar no quadro da constituição capitalista fetichista, mas ela mesma tem de tornar-se objecto de crítica, tanto teórica como prática, e todos os imperativos que dela decorrem (financiabilidade, rentabilidade, empregos) terão de ser resolutamente enfrentados. Devem ser rejeitados como inválidos todos os "critérios de sucesso" capitalistas e não as pessoas que (já) não são capazes de os satisfazer. Do mesmo modo, deve ser rejeitado que toda a produção só tenha lugar se ocorrer uma possível contribuição para a valorização do valor (ou que ainda tenha lugar porque o capital é valorizado – mesmo que apenas a crédito).
Passar fome (7) para se tornar "apto para o futuro" em sentido capitalista, ou seja, para poder prevalecer na concorrência à custa dos outros, é essencialmente um culto arcaico do sacrifício humano: "O capitalismo como religião" (Walter Benjamin) revela-se assim uma sinistra idolatria. Que a "viabilidade futura" também pode falhar torna-se claro pelo facto de ser negada a certas pessoas. Se as pessoas aparecem apenas como "factores de custo" ou, em termos fascistas, como "existências que são um fardo" ou como "pragas do povo", se o valor da sua vida é medido apenas de acordo com a sua contribuição para o produto interno bruto, então a sua destruição é apenas uma questão de tempo (mesmo que seja aceite indirectamente, através da violência estrutural). (8) (9) O pensamento e a acção social-darwinistas (a interface comum entre fascismo/nacional-socialismo e (neo)liberalismo) são assim a gestão de empresas aplicada.
Só quando as decisões e acções humanas não são pré-estruturadas ou pré-decididas pela matriz a priori da constituição capitalista da forma é que se anuncia a possibilidade de um futuro não causado nem forçado pelo sacrifício contínuo do presente. A verdadeira viabilidade futura só poderá, portanto, tornar-se uma realidade se se tomar nota em primeiro lugar de tudo o que aqui está previsto, e se em primeiro lugar se questionar radicalmente aquilo que criou o presente como algo que põe em perigo o futuro. É evidente que esta não é apenas uma questão teórica, e de modo nenhum é uma questão jurídica.
Como muitas edições anteriores da exit!, também esta 'não tem realmente' um tema principal, uma vez que os temas aqui abordados se sobrepõem e se referem uns aos outros de algum modo. A "divisão" académica em textos centrados e não-centrados no tema principal parece-nos, pois, fazer pouco sentido.
Numa nova contribuição para a série de artigos "Alternativas ao capitalismo – Em teste", (10) Thomas Meyer centra-se no "ecossocialismo". Na sequência da catástrofe do clima e da contínua destruição do ambiente pelo modo de vida e de produção capitalista, estes temas estão a receber uma atenção crescente. O ecossocialismo reivindica-se de uma 'combinação' de ecologia e teoria marxiana. Dependendo da orientação dentro do ecossocialismo, encontra-se em Marx & Engels um grau diferente de pensamento ecológico. Meyer delineia assim o "discurso ecológico" tal como encontrado na obra de Marx & Engels e como ele é avaliado por diferentes ecossocialistas. Aqui é fulcral o processo do metabolismo humano com a natureza e como esta é moldada pelo processo capitalista de valorização e, assim, estragada para o capital. Torna-se claro que a "contradição entre matéria e forma" (Ortlieb) não é apenas evidente no mundo das mercadorias, mas também no processo de metabolismo com a natureza. Além disso, Meyer aborda os défices teóricos dos ecossocialistas. Estes variam desde um entendimento redutor da crise e do Estado até opiniões que podem ser claramente classificadas como reaccionárias ou pequeno-burguesas.
O artigo "Sobre profetas da catástrofe, preparadores e aproveitadores da crise – Ideologia de direita na crise" de Tomasz Konicz tenta delinear os elementos mais importantes da ideologia de crise e da práxis de direita nos últimos anos – desde o colapso da bolha imobiliária transatlântica até à crise dos refugiados e à pandemia de coronavírus. Partindo da recepção instrumental da teoria da crise de Marx e da crítica do valor pelos mestres da Nova Direita, os movimentos, narrativas e ideologias individuais são examinados na sua interacção com os respectivos episódios de crise: Desde as cliques de extrema-direita e putchistas no aparelho de Estado, passando pelo chamado movimento prepper e pela interpretação reaccionária e estruturalmente anti-semita dos acontecimentos da crise por autores de extrema-direita, até à diferenciação sem fim da loucura, no séquito dos protestos de pensamento transversal. Finalmente deve ser salientada a função irracional da ideologia de direita, que é totalmente absorvida nas tendências sociais e ecológicas de autodestruição que o capital está evidentemente a executar na sua crise letal.
Kim Posster, na sua contribuição "A masculinidade é a crise?! – Sobre a história e a relação entre a crise latente e manifesta do sujeito burguês e a sua natureza social (de género)", aborda aspectos da história da 'masculinidade'. O foco está em que a 'masculinidade' tem de ser produzida sempre de novo no patriarcado produtor de mercadorias, sem que seja capaz de alcançar 'estabilidade' em si: a 'verdadeira masculinidade' não pode simplesmente existir. Ou "ainda não existe realmente", ou "quase já não existe". Sempre em perigo de ser apenas um desvanecimento do passado. Nunca conseguindo evitar o desaparecimento no futuro. Que a masculinidade está em crise é, portanto, um diagnóstico que parece aplicar-se a todo o momento, sendo geralmente apresentado como argumento para recuperar a soberania patriarcal. Mentes mais críticas contrariam isto: 'A masculinidade é a crise!', e apontam para a constituição fundamentalmente precária da masculinidade e para o medo subjacente de fraqueza e decadência. Mas, por mais correcto que seja rejeitar a apologia da mítica natureza eterna do género, que quer mudar tudo para que tudo possa finalmente voltar a ser como sempre foi, é igualmente errado ignorar a história que nela está guardada. Assim, em vez de apenas desfazer desconstrucionistamente o eterno presente do género e o variar em 'diversidade' colorida, como faz também o feminismo queer, a compulsão do género à repetição na sociedade burguesa deve ser materialistamente perseguida através das convulsões históricas. Apenas uma história da mítica eternidade do género, ou seja, uma consideração da história interna da natureza social (de género) pode clarificar a relação entre a crise latente e manifesta do género em geral e da masculinidade em particular. A masculinidade pode ser desenvolvida como uma categoria "primordial" da relação de valor e da sua dissociação de género, que no desdobramento histórico da contradição em processo, isto é, do capital, decai sempre e tem de ser renovada em cada fase histórica. A forma como esta decadência é actualmente julgada pelos homens e a forma bárbara como sobretudo as ideologias nacionalistas e islamistas lutam por uma renovação revelam como a crise se manifesta hoje, após o "fim da história", e sobretudo que potenciais regressivos ela liberta.
O artigo "Narciso ou Orfeu? Observações sobre Freud, Fromm, Marcuse e Lasch" de Anselm Jappe é uma contribuição sobre a relação entre a psicanálise freudiana e a crítica social radical. Descreve sobretudo a discussão sobre Freud que Erich Fromm, Theodor Adorno, Norman Brown, Herbert Marcuse, Christopher Lasch e outros conduziram durante meio século, em que cada um argumentou em nome da emancipação social e da crítica do capitalismo, acusando os seus opositores de permanecerem involuntariamente no quadro da sociedade que pretendiam ultrapassar. Os conceitos de 'narcisismo' e de 'pulsão de morte' desempenham um papel especial neste contexto. Os ataques de Adorno e Marcuse a Fromm parecem paradoxais, uma vez que parecem defender o 'conservador' Freud: De acordo com eles, Freud reconheceu a impossibilidade de uma harmonia entre a estrutura da pulsão e a sociedade capitalista. Christopher Lasch, na sua obra A Cultura do Narcisismo (1979), sublinha que a clássica estrutura familiar edipiana, atacada pela "esquerda freudiana", contém a possibilidade de desenvolver um ego autónomo, enquanto que o narcisismo, hoje predominante, está em pleno acordo com o capitalismo de consumo. Implica uma constante oscilação entre sentimentos de impotência e de omnipotência, que se expressa, entre outras coisas, no constante desenvolvimento das tecnologias. Mas o que também falta no trabalho de Lasch é um exame das causas históricas do aumento do narcisismo e a tematização do isomorfismo de narcisismo e valor: ambos se baseiam num esvaziamento do mundo e na sua redução a uma única (pseudo-)substância: no caso do valor, o trabalho abstracto; no caso do narcisismo, o ego sem relacionamento e sem mundo.
Com o comentário: "Exit! – Ora diga lá o que pensa da religião? – Um esclarecimento", Roswitha Scholz trata da "questão crucial" colocada à exit! Que parece tão sensata quanto necessária, uma vez que materialismo e ateísmo (de acordo com a tradição marxista-leninista) são lidos em círculos críticos não raramente como sinónimo de crítica social. Com isto se pretende contradizer a opinião de que o pensamento teológico é simplesmente reaccionário. (11)
As catástrofes associadas aos processos de crise não são manifestamente suficientes para levantar a questão de Deus e do sofrimento em teologia. Para isso foi necessário o coronavírus. No artigo "Sr. Kant, tenha piedade de mim! Deus em tribunal na crise do coronavírus", Herbert Böttcher trata das interpretações teológicas da pandemia de coronavírus, bem como da sua "realização" em termos de ética afirmativa. A chamada questão da teodiceia foi abordada pelo teólogo Markus Striet. Aqui se mostra, mais uma vez, a miséria de uma teologia que afirmativamente se liga ao iluminismo e ao seu pathos de liberdade. Não é por acaso que a razão prática de Kant constitui o seu ponto de referência central. Na acção prática, o sujeito encontra a pretensão incondicional de agir moralmente. Surge da razão, que é autónoma face à natureza e às cadeias causais de acção. Tal incondicionalidade da obrigação moral está ligada à liberdade de escolha, à liberdade da vontade. O dever e a liberdade estão fundados "para lá" das determinações históricas, temporais e relacionadas com o conteúdo.
Para os teólogos e teólogas, a 'razão prática' é atractiva porque Deus, banido da razão pura metafísica, é usado como postulado para a acção moral. Sem ele, toda a ética entraria em colapso, uma vez que lhe faltaria uma autoridade julgadora que recompensasse a boa acção e sancionasse a má acção. Só assim a moralidade e a felicidade se podem juntar e Deus encontrar piedade pelo menos como "suplente" perante cadeira de juiz de Kant.
Os teólogos e teólogas sentem a oportunidade de ter uma palavra a dizer "à altura do seu tempo", mas falam fora do que estaria ‘a tempo’: a crítica categorial do capitalismo e das suas relações de crise, que estão a mergulhar cada vez mais pessoas no sofrimento e na morte. O coronavírus exacerbou isso. Isso dificilmente cai no campo de visão de uma ética orientada por Kant ou de uma teologia nela baseada. A sua miséria reside na fundamentação do pensamento em formas puras. As condições a criticar são pressupostas como "normalidade" afirmada. A teologia permanece na 'tarefa' que lhe é atribuída: ajudar as pessoas a lidar com a vida, em ligação com o mundo tal como ele é. A alternativa a isto seria uma teologia de crítica social, à qual é inerente uma referência à teoria crítica da sociedade.
O ensaio de Robert Kurz "A intelligentsia depois da luta de classes – Da desconceitualização à desacademização da teoria" do início da década de 1990 é republicado, (12) complementado por um posfácio de Roswitha Scholz.
Finalmente, Andreas Urban e F. Alexander von Uhnrast abordam o livro Das Geld – Was es ist, das uns beherrscht [O dinheiro – O que é que nos governa] de Eske Bockelmann (Matthes & Seitz, Berlim 2020) num detalhado ensaio-recensão.
Também este ano pedimos a todos os interessados na exit! donativos para apoiar a nossa 'práxis teórica'. Faria sentido para os nossos leitores e leitoras, se ainda não o fizeram, assinar a exit! Para também assim contribuírem para a segurança material da revista. A reflexão teórica está em má situação nos tempos que correm. A pandemia de coronavírus de modo nenhum mudou para melhor tal situação – pelo contrário! Mas a resignação e o derrotismo não são opção. Por conseguinte, esperamos sinceramente um apoio para ajudar a segurar o espelho à frente desta sociedade louca.
Por último, algumas publicações devem ser mencionadas. Foram publicadas novas edições: Der Kollaps der Modernisierung – Vom Zusammenbruch des Kasernensozialismus zur Krise der Weltökonomie [O Colapso da Modernização – Da Derrocada do Socialismo de Caserna à Crise da Economia Mundial] (Edição Tiamat) e Weltordnungskrieg – Das Ende der Souveränität und die Wandlungen des Imperialismus im Zeitalter der Globalisierung [A Guerra de Ordenamento Mundial – O Fim da Soberania e as Metamorfoses do Imperialismo na Era da Globalização] (zu Klampen) de Robert Kurz. Outras obras de Robert Kurz (O Colapso da Modernização, Razão Sangrenta e o ensaio O Fetiche da Luta de Classes, escrito com Ernst Lohoff) (13) foram publicadas em tradução francesa por Crise & Critique: L'effondrement de la modernisation – De l'écroulement du socialisme de caserne à la crise du marché mondial, Raison sanglante – Essais pour une critique émancipatrice de la modernité capitaliste et les Lumières bourgeoises e Le Fétiche de la lutte des classes – Thèses pour une démythologisation du marxisme. Também, de Fábio Pitta: Le Brésil dans la crise du capital au XXIe siècle (em alemão em: exit! nº 18. No original português, O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação em: obeco-online.org).
Foi publicada em espanhol uma antologia com textos de Roswitha Scholz: Capital y patriarcado – La escisión del valor, editado por Clara Navarro Ruiz (14) (Ediciones Mimesis, Santiago do Chile); também publicados ensaios de Thomas Meyer "'Aspectos do novo radicalismo de direita' e a democracia totalitária" em grego na revista Πανοπτικόν nº 27 (panopticon.gr) assim como de Herbert Böttcher: "Emanzipation durch Befreiung der Arbeit vom Kapital? – Kritik der positiven Bewertung der Arbeit in theologischem Denken" [Emancipação pela libertação do trabalho do capital? – Crítica da avaliação positiva do trabalho no pensamento teológico] in: Theologie und Glaube nº 1/2021 e "Kapitalismus – Religion – Kirche – Theologie" [Capitalismo – Religião – Igreja – Teologia] in: Füssel, Kuno & Ramminger, Michael (eds.), Kapitalismus: Kult einer tödlichen Verschuldung – Walter Benjamins prophetisches Erbe [Capitalismo: Culto de uma Dívida Mortal – O Legado Profético de Walter Benjamin], Münster 2021.
Sandrine Aumercier, no seu livro recentemente publicado Le mur énergétique du capital (O Muro Energético do Capital), critica o conceito de "desenvolvimento das forças produtivas". Nele, a autora desmascara uma metafísica moderna do progresso que foi papagueada por liberais e neoliberais, bem como por todo o pensamento marxista tradicional. Restos deste pensamento ainda estão presentes mesmo entre alguns autores da crítica de valor, na medida em que também se baseiam numa reapropriação de invenções recentes (como as chamadas "energias renováveis" ou a impressora 3D) sem criticarem as condições capitalistas de produção e as infra-estruturas estatais económicas e sociais que estas inovações pressupõem à partida. A moral da eficiência energética, da escassez, da optimização e da sobriedade fazem parte precisamente desta forma de sujeito, que é moldada de acordo com o modelo de crescimento sem limites. No seu livro, Aumercier regressa à análise de Marx sobre a composição orgânica do capital, em particular para mostrar a estreita relação entre o desenvolvimento tecnológico cada vez mais desenfreado e o capitalismo industrial, que consiste na substituição de trabalho vivo por trabalho morto, a fim de perseguir uma mais-valia que desaparece cada vez mais. A partir daí, a questão-chave é como sobreviveria o trabalho morto sem o trabalho vivo. O desaparecimento do trabalho vivo deve ser entendido como o desaparecimento de todo o trabalho produtivo. A dinâmica histórica desta substituição ilustra tanto a impossibilidade de os desligar (na perspectiva de um pós-capitalismo) como a especificidade da crise energética inerente ao desenvolvimento do capitalismo. Tal análise mostra assim quão incoerente é prever uma abolição das categorias capitalistas (trabalho, dinheiro, Estado, mercadoria) sem ao mesmo tempo criticar a produção industrial, só tornada possível graças à constituição destas categorias.
Thomas Meyer pela redacção da exit! em Novembro de 2021
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(1) Isto é particularmente claro nas "visões do futuro" dos transumanistas, cf. Meyer, Thomas: Transhumanismus als Rassenhygiene von heute – Zwischen Selbstvernichtung und technokratischem Machbarkeitswahn, 2020, online: https://www.oekumenisches-netz.de/wp-content/uploads/2020/02/nt-2020-1.pdf. Trad. port.: Entre a autodestruição e a ilusão de viabilidade tecnocrática. O transumanismo é a higiene racial actual, online: http://www.obeco-online.org/thomas_meyer12.htm
(2) Como é embaraçoso que partes da esquerda alemã sejam bastante positivas em relação ao regime chinês: Heinelt, Peer: Der große Sprung in der Schüssel [O grande salto no prato], in: Konkret nº. 10/2021.
(3) Tomemos, por exemplo, a brochura de propaganda Smart City Charta – Digitale Transformation in den Kommunen nachhaltig gestalten [Smart City Charta – Configuração sustentável da transformação digital nos municípios] (que pode ser encontrada em bmi.bund.de). Na página 43 diz: "Uma vez que nós [Quem somos nós?] sabemos exactamente o que as pessoas fazem e querem, há menos necessidade de eleições, apuramentos da maioria ou votações. Os dados comportamentais podem substituir a democracia como sistema de feedback social (!)". Não seria este um caso para a chamada "Protecção da Constituição"? Cf. também a seguinte página de propaganda do Ministério Federal da Educação e Investigação (https://www.vorausschau.de/vorausschau/de/home/home_node.html). Um "gabinete do futuro" tenta sondar possíveis futuros. Naturalmente, sem qualquer crítica do presente e de modo nenhum como um aviso. Os autores esboçam as possibilidades de futuro com uma ingenuidade que deixa uma pessoa sem palavras. Com toda a seriedade, um sistema de pontos baseado no modelo do regime chinês é pintado a uma luz positiva: "Um sistema de pontos como instrumento central de controlo político (!) determinará a Alemanha dos anos 2030. Apesar de uma base voluntária e das regras democráticas do jogo [que são?], gera pressão social para participar (!), por exemplo através da competição constante (!) nas redes sociais". Embora parcialmente controverso, este regime de pontos "encontrará aprovação entre a grande maioria na década de 2030". Além disso, em relação às alterações climáticas, "o princípio do poluidor-pagador será tornado transparente" (isto é, nos hábitos de consumo individuais), bem como "serão registados os potenciais de qualificação, e a mobilidade espacial da força de trabalho será eficientemente organizada". Assim, tudo pode continuar a seguir o seu curso capitalista habitual no futuro.
(4) Cf. por exemplo sobre a Grécia: Der Staat ergreift die Gelegenheit [O Estado aproveita a oportunidade], em: Wildcat nº 107 (Primavera/2021).
(5) Cf: Trojanow, Ilija; Zeh, Juli: Angriff auf die Freiheit – Sicherheitswahn, Überwachungsstaat und der Abbau bürgerlicher Rechte [Ataque à liberdade – Obsessão pela segurança, vigilância estatal e desmantelamento dos direitos civis], 2010 Munique.
(6) O diário de esquerda Junge Welt está a ser vigiado pelo 'Gabinete de Protecção da Constituição' porque afirma que a RFA é uma sociedade de classes e porque se refere a Marx & Engels e outros. Ora pode-se discutir com razão sobre o marxismo (residual) do movimento operário, mas o ponto crucial aqui é que o "Estado de direito burguês" já nem sequer finge hipocritamente que os conflitos e os diferentes interesses podem ser resolvidos ou mesmo sofridos no quadro da "ordem de base democrática livre". A discussão da desigualdade social e a identificação de uma discrepância entre o ideal e a realidade são aparentemente suficientes para se ser considerado "inimigo da constituição". Cf. Junge Welt, 7.5.2021: https://www.jungewelt.de/keinmarxistillegal/de/article/402169.doppelte-standards.html.
(7) Cf. Kurz, Robert: Schwarzbuch Kapitalismus – Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft, Frankfurt 1999, 218. Trad. port.: O livro negro do capitalismo – Um canto de despedida da economia de mercado, p. 164. Online: http://www.obeco-online.org/o_livro_negro_do_capitalismo_robert_kurz.pdf
(8) Cf. Kurz, Robert: Das Weltkapital – Globalisierung und innere Schranken des modernen warenproduzierenden Systems [O capital mundial – Globalização e limites internos do moderno sistema produtor de mercadorias], Berlin 2005, 345s.
(9) Pouco surpreende que a brutalização geral seja também propagada pelas "elites" do sector da saúde. Por exemplo, por Karsten Vilmar, presidente da Ordem dos Médicos, que em 1998 especulou se "a morte precoce socialmente aceitável (!) deveria ser promovida" por razões de custos, citado em Schui, Herbert: Politische Mythen & elitäre Menschenfeindlichkeit – Halten Ruhe und Ordnung die Gesellschaft zusammen? [Mitos políticos e misantropia elitista – A paz e a ordem mantêm a sociedade unida?] Hamburgo 2014, 61.
(10) Publicados até agora (pela exit! e pela Rede Ecuménica): Economia do Bem Comum (Dominic Kloos), Rendimento Básico Incondicional (Günther Salz), Buen Vivir e Movimento Pós-Crescimento & Commons (Thomas Meyer). É muito provável que se sigam mais artigos.
(11) Cf: Böttcher, Herbert: Kapitalismuskritik und Theologie – Versuch eines Gesprächs zwischen wert-abspaltungskritischem und theologischem Denken [Crítica do capitalismo e teologia – uma tentativa de diálogo entre o pensamento crítico da dissociação-valor e o pensamento teológico] in: Ökumenisches Netz Rhein-Mosel-Saar (ed.): Nein zum Kapitalismus, aber wie? – Different Approaches to the Critique of Capitalism, 2ª edição, Koblenz 2015, 117-163.
(12) Publicado pela primeira vez em: Widerspruch – Münchner Zeitschrift für Philosophie nº 22, Munique 1992, 11-26. Reimpresso em: Kurz, Robert: Der Letzte macht das Licht aus – Zur Krise von Demokratie und Marktwirtschaft [O último apaga a luz – Sobre a crise da democracia e da economia de mercado], Berlim 1993, 37-.57. Tradução portuguesa em Os últimos combates, Vozes, Petrópolis, 1997; disponível online em http://www.obeco-online.org/rkurz38.htm
(13) Também: Scholz, Roswitha: It’s the class, stupid? Deklassierung, Degradierung und die Renaissance des Klassenbegriffs, 2020, em exit-online.org. Trad. port.: It’s the class, stupid? Desclassificação, degradação e renascimento do conceito de classe, obeco-online.org
(14) Ver a entrevista de Clara Navarro Ruiz a Roswitha Scholz, 2017, em exit-online.org [em alemão] e obeco-online.org [em espanhol].
Original exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft Nr. 19 – Inhalt und Editorial in: www.exit-online.org. Tradução de Boaventura Antunes