A PANDEMIA NA CRISE FUNDAMENTAL DO CAPITAL
Inflação global, o estouro da mais recente bolha financeira mundial e desintegração social na particularidade do Brasil sob administração de Bolsonaro
Fábio Pitta
Allan Silva
“A propagação global da inflação é explicada de maneira simplista como consequência da política anticíclica e do intervencionismo estatal, no contexto de medidas de emergência para conter a pandemia de Covid-19, que foram exacerbadas pela guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, desde o surto de Covid-19, epidemiologistas da administração da crise e defensores da paranóia da conspiração sinofóbica têm estado em desacordo, mas sem reconhecer os determinantes mais profundos da origem desta pandemia na crise do capital, incluindo nas suas formas de aprofundamento do racismo e do patriarcado. Logo quando ela surgiu, Rob Wallace pôde ver a falsa contradição entre, por um lado, uma crítica obscurantista e redutora da ciência moderna – por vezes chamada liberal, por vezes autodesignada como crítica da 'microbiopolítica' – que vê a pandemia como consciente dominação técnico-científica dos corpos por parte da 'Big Pharma' e dos Estados, e, por outro lado, uma tecnocracia epidemiológica instalada, que se esforça por culpar os chineses e os seus hábitos alimentares ditos "primitivos" pela emergência da SARS-CoV-2, visando a possibilidade de um novo surto de modernização dos sistemas alimentares na Ásia, em vez destas práticas consideradas bárbaras. Neste ensaio, "A Pandemia na crise fundamental do capital: Inflação global, o estouro da mais recente bolha financeira mundial e a desintegração social na particularidade do Brasil sob administração de Bolsonaro", Fábio Pitta & Allan Silva tomam como ponto de partida a crítica da antinomia do Estado e do mercado, bem como a crítica da dissociação-valor, a fim de localizar a emergência da pandemia de Covid 19 na dupla dinâmica do processo histórico do colapso da modernização, nomeadamente como produto da destruição da natureza impulsionada pelos surtos de modernização e determinada pela crise da reprodução ficcionalizada do capital global. Esta é finalmente transferida para a produção de mercadorias, como momento da inflação dos títulos de propriedade com a sua economia de bolhas financeiras como capital fictício real, acelerando o atingir dos limites internos e externos da forma social capitalista. Ligadas a esta dinâmica estão as formas sacrificiais de administração da crise sanitária e económica no Brasil, na sua mediação com as "ideologias da crise" do novo extremismo de direita, aqui entendido como "pseudo-rebelião imanente" (Robert Kurz). Finalmente, o recente processo inflacionista é explicado como manifestação de outra bolha financeira mundial prestes a estourar, resultando na desintegração social, com o asselvajamento do patriarcado, do racismo e da precarização do trabalho.” (Apresentação do texto na exit! nº 20, 04/2023)
Apresentação: E então a inflação se dissemina mundialmente… * Inflação como resultado imediato da tentativa de administração da pandemia na crise? * Os antecedentes históricos da pandemia de covid-19: ficcionalização do capital, contradição entre matéria e forma e a natureza em ruínas * A produção de mercadorias em crise e sua produção de catástrofes: A hipótese do blind weapon makers de Rob Wallace para o SARS-COV-2 * A pandemia da covid-19 no brasil e o novo radicalismo de direita: Espacialização por frigoríficos, sufocamento doloso, testes em humanos e o sacrifício dos supérfluos * Inflação dos derivativos de futuros de commodities e sua transmissão como determinação da inflação global da pandemia de covid-19: O estouro da atual bolha financeira mundial * Bibliografia
O capitalismo é uma cultura de combustão, assente num emprego de energia em crescimento contínuo que, de certa maneira, se queima a si mesmo e consigo o futuro da humanidade. A retórica oca do posto de trabalho e a igualmente oca retórica do clima apoiam-se mutuamente, no seu sentido contrário. A crise económico-social e a crise ecológica começam a cruzar-se e a potenciar-se uma à outra. (KURZ, “A queima do futuro”, 2007)
Apresentação: E então a inflação se dissemina mundialmente…
Escrevemos em meados de 2022. A pandemia de COVID-19 não terminou (lá se vão mais de dois anos desde que fora decretada pela OMS, em 11 de março de 2020), recentes ondas de contaminação retornam com força à China, desencadeando nova série de lockdowns, e a crise fundamental do capital se desdobrou, por um lado, em uma nova escalada de preços de ativos financeiros (desde 2020), que quase imediatamente derivou para os preços presentes de energia, de commodities e das mercadorias como um todo, configurando um processo inflacionário generalizado do capital fictício real [fiktives Realkapital] (KURZ, 2005); e por outro na guerra na Ucrânia (BÖTTCHER, 2022a e 2022b).
A ordem descrita acima não é casual, já que não foi a guerra na Ucrânia que desencadeou o processo inflacionário atual generalizado a partir das sanções à Rússia – com a tentativa por parte do ocidente de bloquear seu acesso ao mercado de capitais internacional e redução da possibilidade de o mercado acessar seu petróleo e gás (e demais commodities e fertilizantes); assim como interrupção da produção de trigo, demais grãos e commodities pela Ucrânia, importante fornecedor mundial. A guerra, na verdade, acelerou um processo ligado às determinações ulteriores da crise fundamental do capital, com sua dessubstancialização que se aprofunda.
O gráfico em IndexMundi: https://www.indexmundi.com/commodities/, de dois dias antes da invasão da Rússia ao território ucraniano, já demonstrava que a inflação dos preços de commodities (inclusive energia) nos mercados financeiros globais conduzia estes a patamares que já se equiparavam aos picos históricos da bolha das commodities do início do século XXI (PITTA, 2020).
Dados da OCDE de maio de 2022 (1) apresentam inflação de preços para os últimos 12 meses de 8,3% para os EUA, 8,1% para a União Europeia, 9,2% para seus países membros e 12,1% para o Brasil. Já era, assim, a maior escalada de preços dos últimos 40 anos (ROBERTS, 2022a), desde a chamada “estagflação” da crise de acumulação do boom fordista (KURZ, 2019 [1995]) e a entrada do capitalismo no seu momento de crise fundamental, com a crise do trabalho pós anos 1970.
Teriam sido então as medidas de tentativa de salvamento dos bancos centrais das designadas principais economias mundiais, que imprimiram dólares e euros a ponto inclusive de (re)comprarem de forma inédita seus próprios títulos de dívida (TOOZE, 2021), em razão da parcial paralisação econômica global causada pela pandemia de COVID-19, que teriam conduzido ao recente fenômeno inflacionário?
Como ocorre a mediação entre a criação de capital fictício por parte de tais bancos centrais e dos mercados de capitais e a produção, troca e consumo de mercadorias em processo contraditório de confinamento e reabertura desde o início da primeira onda de infecção do vírus, ainda em 2020? Qual relação tal mediação tem com a reprodução social capitalista em crise nos últimos 50 anos?
No Brasil, tal criação inédita de capital fictício também foi levada adiante, tendo conduzido o endividamento público brasileiro hoje a aproximadamente 90% do PIB (que já é ficcionalizado, ver Pitta, 2020), inclusive obtendo acesso direto ao FED (Banco Central dos EUA) para adquirir dólares para seus bonds estadunidenses (TOOZE, 2021). Como se manifestou a pandemia na particularidade capitalista brasileira, sob governo de Jair Bolsonaro (2019–2022), negacionista desta, sabotador das medidas de tentativa de contenção do vírus e acelerador de sua disseminação, sendo um dos principais chefes de Estado do mundo a encampar abertamente práticas de darwinismo social como a “imunidade de rebanho” como forma de se lidar com a pandemia (AUMERCIER et al., 2020)?
Como veremos a partir da particularidade brasileira, mas sem deixar de mediá-la com o fenômeno pandêmico e com as formas de desdobramento do valor-dissociação a nível mundial, a pandemia de SARS-COV-2 é parte do modo capitalista de produção de doenças (WALLACE, 2021a; e SILVA, 2020) que, por sua vez, insere-se no contexto da economia de bolhas financeiras (KURZ, 2014) cada vez mais profundas e aceleradas, economia esta determinada pela historicidade da contradição em processo capitalista. As tentativas mais ou menos descontroladas de se lidar com a pandemia apenas podem ocorrer sob condições históricas dadas, isto é, como formas desdobradas de administração de crise (KURZ, 1999 [1991]). Após o estouro da bolha financeira mundial de 2008 e da sua derivada bolha das commodities, a simulação de acumulação de capital no Brasil por meio da intermediação entre criação de capital fictício e a produção de mercadorias nunca retomaria a aparência de crescimento do PIB, configurando um fenômeno de crise econômica e desintegração social, crise que se estende desde 2012-2014 até os dias atuais (ABOUCHEDID, RAIMUNDO e BELLUZZO, 2021).
De forma alguma, entretanto, isso significou que o aumento da composição orgânica do capital e a expansão das fronteiras para ampliação da produção de commodities (agropecuárias, minerais e energéticas) com acirramento da destruição da natureza teria estancado. Pelo contrário, mesmo nos momentos de crise econômica com estouro de bolha financeira, o capital precisa continuar sua expansão igualmente intensiva e extensiva como tentativa de ficcionalizar processos de valorização do valor, aprofundando a expulsão [Wegrationalisierung] do trabalho vivo do processo produtivo em termos absolutos, a precarização e superfluidade do mesmo com maior desigualdades sociais, consequência do asselvajamento [Verwilderung] do patriarcado e do racismo. No caso da pandemia no Brasil, mas também a nível mundial, isso significou o agravamento do colapso da modernização e da decomposição da forma social do sistema do patriarcado produtor de mercadorias (SCHOLZ) – ou seja, daquelas condições sociais já vigentes e que produziram e espacializaram a própria pandemia globalmente. Apenas para se ter uma referência com relação a tal asselvajamento, a fome disparou no Brasil entre 2014 e 2021, mais do que dobrando entre os 20% mais pobres da população, saindo de 36% destes em 2014 e subindo para 75% (!), em 2021. No total, as mulheres são muito mais afetadas do que os homens, já que a fome teria assolado 26% dos homens em 2021, com 14% em 2014. Para as mulheres, o índice subiu atualmente para 47%, sendo que em 2014 era de 20% (FOLHA DE SP, 26 de maio de 2022). Deve-se considerar que a população brasileira mais pobre é majoritariamente composta pelas populações de negros e indígenas. A inflação atual, (2) que se acelera ainda mais em relação aos alimentos por ter iniciado nos mercados de futuros de energia e commodities, como veremos, vai agravar tais condições de sobrevivência dos trabalhadores supérfluos mediados pela forma social capitalista. Mudanças qualitativas na decomposição da sociabilidade capitalista, no entanto, ainda deverão ser cuidadosamente percebidas e analisadas, no transcorrer dos próximos momentos do processo histórico contemporâneo de colapso (cf. KONICZ, 2022b), a partir de um “realismo dialético” da sua totalidade concreta fragmentada.
Inflação como resultado imediato da tentativa de administração da pandemia na crise?
Böttcher e Wissen (2021) já apresentaram uma fundamental crítica à interpretação por certa parte da esquerda acerca de um suposto renovado primado da política para com o tratamento da pandemia, o qual em verdade a replicava de maneira aprofundada por meio da mediação das determinações do capital fictício. Essa administração da crise fora tentada após a crise financeira mundial de 2008, com os bancos centrais imprimindo dívida para impedir o derretimento completo dos mercados de capitais:
A crise do coronavírus actua como um acelerador, deixando claro o que é inerente ao capitalismo e à sua crise. É certo que a crise económica continua no fundo da consciência, dado que as actividades estatais de resgate parecem não ter fim. A multiplicação simulada de capital através de mecanismos de dívida e de transacções financeiras parece novamente inesgotável – não obstruída pelo limite lógico e histórico da produção de valor e mais-valia associado à eliminação da força de trabalho. Em todo o mundo, os bancos centrais sustentam os sistemas financeiros. Os governos estão a contrair empréstimos exorbitantes para apoiar a economia. [destaques nossos, sem paginação]
Mesmo que os mecanismos e a forma de intermediação dos Estados para garantir a recompra das dívidas, a flexibilização dos endividamentos, as baixas taxas de juros e a liquidez de dólares e euros (“quantitative easing”) para o capitalismo mundial já tenham sido ensaiados anteriormente, a sua prática durante a pandemia permitiu que esta passasse a ser lida como causa do fenômeno inflacionário contemporâneo, seja a partir da crítica à intervenção estatal na economia, por parte dos liberais e da forma desta intervenção pelos keynesianos; seja a partir de um paradigma produtivista, desde que baseado no socialismo do proletariado, por parte do marxismo da luta de classes.
No que concerne ao chamado mainstream economics, por parte do liberalismo de gênese neoclássica (como em Milton Friedman), um excesso de “intervenção” do Estado na economia com massiva impressão de dinheiro teria conduzido a uma lacuna entre liquidez e produção de mercadorias, o que teria conduzido à inflação corrente (ROBERTS, 2022b). Assim, para que o capitalismo retomasse sua produtividade e apresentasse crescimento econômico, uma política monetária com juros mais elevados faria com que a inflação deixasse de “corroer” os lucros das empresas, que voltariam a investir.
Por parte dos economistas ligados à matriz keynesiana de interpretação dos movimentos dos fenômenos macroeconômicos, que localiza no lado da demanda as causas de processos de inflação e deflação das mercadorias, em razão de como se configura o emprego na “economia monetária de produção” (BELLUZZO, 2012), a causa da inflação corrente teria sido o excesso de liquidez proporcionado pelas políticas dos Estados ao longo da pandemia que conduzira a um excesso de demanda (com trabalhadores acessando o dinheiro impresso pelo Estado) e a uma redução dos lucros das empresas em razão dos altos salários exigidos pelos trabalhadores para retornarem ao trabalho (como preconiza Paul Krugman, em suas recentes colunas no “NY Times”). A inflação guiada pelo emprego deveria ser contida com política monetária contracionista, já que causaria desemprego desejável e conduziria o capitalismo a novas rodadas de crescimento econômico.
Michael Roberts, marxista tradicional que se debruça nas causas mais gerais da crise do capital (2016), veicula uma crítica às duas formulações acima, apresentando que a causa da inflação corrente e da provável nova recessão econômica mundial proviria do choque de oferta [suply shock] causado pela pandemia de COVID-19. Este acontecimento teria agravado uma desaceleração da economia mundial que já se fazia presente em 2019, em razão da queda da taxa de lucros do capital, o que já teria resultado em uma redução no nível dos investimentos na produção de mercadorias. Para Roberts (ROBERTS, 2022b), uma política monetária de elevação dos juros e tentativa de contenção da liquidez ou da demanda agravaria o problema da oferta e aprofundaria a inflação mundial. Esta acabaria por corroer as taxas de lucro dos capitalistas que não investiriam na produção de mercadorias, travando-a, consequentemente.
Apesar da diferença entre monetaristas e keynesianos de um lado, os quais não se baseiam em uma teoria do valor trabalho (incorrendo na naturalização da relação social capitalista), e Roberts, de outro, este último também preconiza um paradigma modernizador e produtivista e inclusive sugere “soluções” para o fenômeno inflacionário do atual momento da pandemia:
It is to boost investment and production through public investment. That would solve the supply shock. But sucient public investment to do that would require significant control of the major sectors of the economy, particularly energy and agriculture; and coordinated action globally. That is currently a pipedream (ROBERTS, 2022b) (3)
Roberts compartilha de uma formulação reduzida acerca do capitalismo a partir da crítica da alienação do produto do trabalho do proletariado, classe para ele revolucionária, que deveria assumir o controle da economia com a estatização dos meios de produção nas mãos dos trabalhadores. Para ele, assim, se os valores de uso ficassem com os trabalhadores, estes satisfariam suas “verdadeiras” necessidades, “invertendo” a finalidade do capitalismo, a dominação social do capitalista por meio da acumulação do trabalho abstrato alheio. O socialismo de Estado também lograria controlar a concorrência entre os capitalistas gananciosos ou rentistas por poder, o que para ele conduz às crises de acumulação capitalista, em razão das quedas cíclicas nas taxas de lucro (ROBERTS, 2016). Aqui, neste sentido, o papel do capital financeiro ou da “financeirização do capitalismo” apenas aparece como sendo o de capital parasitário que se apropria indiretamente da mais-valia produzida pelo trabalhador.
De nossa parte, a partir da crítica da totalidade fragmentada da forma social capitalista entendida como mediação social dos seres humanos por meio das mercadorias e seu fetichismo, assim como do momento feminino dissociado (SCHOLZ, 2000) em relação à própria valorização do valor, entendemos que a crítica da alienação do trabalho repõe as determinações sociais que Roberts parece querer criticar.
Nós dizemos “parece”, pois Roberts se baseia ainda em uma ontologia do trabalho (cf. KURZ, 2004) de positivação da relação entre sujeito e objeto (ADORNO, 1995 [1969]) que é historicamente determinada e conformada tanto enquanto objetividade fantasmagórica (MARX, 1983), como hipostasiada pelo fetichismo de sujeito da modernidade. Este sujeito pretende controlar os objetos em geral (incluída aqui a natureza objetificada nesta forma social) a fim de satisfazer suas vontades por meio deles e projeta tal fetichismo como se devesse ser a finalidade de toda e qualquer forma de sociabilidade. Sua crítica se limita, assim, à disputa pela distribuição das mercadorias produzidas (com enfoque no controle dos meios de produção). Para a crítica do valor-dissociação, em contrapartida, o fetichismo de sujeito e sua consequente ontologia do trabalho têm determinidade na forma mercadoria de dominação social, cuja unidade contraditória entre valor e valor de uso pressupõe que, pela ação dos sujeitos (nesta forma constituídos) do trabalho (abstrato e concreto) e da valorização do valor, o sujeito automático é o capital que deve se mover historicamente como contradição em processo. Inevitavelmente, portanto, as lutas sociais reduzidas em torno de distintos interesses para melhor acesso aos mais diversos valores de uso das mercadorias produzidas acabam por reproduzir ditames do sistema patriarcal produtor de mercadorias em diversos de seus desdobramentos históricos.
De fato, a pandemia aparece socialmente como se fosse causa dos desdobramentos inflacionários atuais. Reconhecemos, com a crítica do valor-dissociação, que houve paralisação parcial das cadeias produtivas, com principal foco desta nos serviços, nas vendas a varejo do comércio em lojas, no turismo, entre outros (BÖTTCHER & WISSEN, 2021). De todo modo, a produção de mercadorias não foi amplamente paralisada, até porque contam com cada vez menos trabalho vivo para ativá-las. Ao mesmo tempo, as cadeias logísticas de distribuição global foram afetadas (TOOZE, 2021), o que poderia passar a impressão de que este seria mesmo o problema na oferta das mercadorias que estaria parcialmente conduzindo ao fenômeno inflacionário atual. Na tentativa de salvamento da bancarrota da simulação de capital por meio do capital fictício, os Estados também “imprimiram” dinheiro de forma inédita, com o FED acumulando títulos em seu balanço no montante inédito de aproximadamente 9 trilhões de dólares (KONICZ, 2022a). Tal fato, aliado às baixas taxas de juros e endividamento inédito das empresas, famílias e Estados, (4) teria garantido a continuidade parcial da produção de mercadorias e assim parece colaborar com uma explicação que foque na pandemia para se chegar às causas da inflação presente.
Robert Kurz, porém, em sua crítica ao individualismo metodológico (2014; cf. PITTA, 2020) como forma de consciência, inclusive no que concerne ao marxismo pós-moderno acadêmico que nega a substância abstrata material negativa do capital (como o faz Michael Heinrich), estabeleceu que a crítica social categorial não pode parar nas formas particulares de aparecimento dos fenômenos em si mesmos (cf. também SCHOLZ, 2009). Estes são apenas indícios em desdobramento do processo social fundamental do sujeito automático do capital, mas que dele diferem, embora sejam seus produtos (Kurz, 2014, pg. 158). Por isso, a própria produção social da pandemia deve ser historicamente compreendida em relação ao movimento histórico da essência negativa da forma social do valor-dissociação, o que não pode ser apreendido de forma imediata, mas apenas através de uma teoria que compreende esta forma social como totalidade concreta cujas particularidades são socialmente mediadas (SCHOLZ, 2009).
Os antecedentes históricos da pandemia de covid-19: Ficcionalização do capital, contradição entre matéria e forma e a natureza em ruínas
Michael Roberts não localiza a recessão global ao longo da pandemia apenas no “choque de oferta” (suply shock) desencadeado por ela. Interessado a seu modo nos processos de acumulação e crise do capital, Roberts relaciona tal “choque” a características de médio prazo da acumulação de capital em anos recentes. Para o autor, o capitalismo mundial já vinha apresentando uma queda nas suas taxas de lucro desde meados de 2019 (ROBERTS, 2020), induzindo os capitalistas a reduzirem os investimentos no capital produtivo, o que as parciais paralisações da pandemia acabariam por agravar.
Para Roberts, o papel que o capital portador de juros e o capital fictício desempenham aqui é apenas o de migração dos investimentos para o mercado de capitais com queda nos lucros, na tentativa de compensar tal queda por meio da “financeirização”. As taxas de lucro das empresas e o PIB de um país não são, para Roberts, entendidos como ficcionalizados, enquanto soma dos preços de uma economia nacional ou global, conforme defendemos a partir de Kurz (PITTA, 2020, cap. 3). A “financeirização do capital” significa para ele apenas uma forma modificada de acumulação nos momentos de crise do capital, aprofundando-a por meio do rentismo financeiro, sem criar em si inflação: “All that money credit from ‘quantitative easing’ ended up as near-zero cost funding for financial and property speculation. ‘Inflation’ took place in stock and housing markets, not in the shops” (ROBERTS, 2022b, sem paginação). (5) De todo modo, para Roberts, o capital sempre pode reduzir seus custos e voltar a se valorizar, iniciando novos ciclos de alta nas taxas de lucro, já que trabalho é ontológico, e sempre que há produção de mercadorias há trabalho suficiente a ser explorado pelos proprietários dos meios de produção, que sempre se beneficiariam por sua dominação social sob o capitalismo.
Partindo da constatação de Roberts de que o capitalismo se caracteriza pela produção “anárquica” promotora de “desigualdades sociais” a beneficiar os proprietários dos meios de produção, SMITH et al. (2021) ainda tentam desenvolver a formulação acerca da recuperação e queda nas taxas de lucro dos capitalistas como ciclos cada vez mais rápidos e vertiginosos, a partir da ideia de Roberts (2016) de uma “longa depressão”, desde a crise financeira mundial de 2008-2009. Os autores defendem que a chamada “financeirização” do capital (pg. 163) significou sob a flexibilização propiciada pelo “neoliberalismo” o aumento da precarização do trabalho e exploração dos trabalhadores a fim de compensar as cíclicas quedas nas taxas de lucros das últimas décadas, ao mesmo tempo que necessitou de uma maior proeminência do capital fictício para adiantar trabalho a ser explorado no futuro: “fictitious profit belongs to a ‘temporal mode of value’, [...] namely ‘anticipated future value’” (6) (pg. 163), o que sustentaria a reprodução ampliada do capital, porém, às custas de cada vez piores condições de reprodução para os trabalhadores em geral.
Smith et al. (2021) explicam a lei da queda da taxa de lucro marxista a partir da formulação de um “displacement of living labor from production”, o que conduziria ao travamento da produção de mercadorias, se a classe capitalista não pudesse manter a exploração do trabalho com os mecanismos acima descritos, dentre os quais o capital fictício, que assume para eles papel determinante. A substituição do trabalho vivo do processo produtivo, aqui, porém, apenas ocorre de forma relativa com o aumento do capital constante na composição orgânica do capital (ou seja, o capital constante aumenta em cada vez maior proporção em relação ao capital variável, que porém, também continua a aumentar), já que ao capitalista é sempre possível aprofundar a exploração do trabalho, inclusive por meio do adiantamento de trabalho futuro ainda não explorado. Aqui trabalho também é ontológico e a crítica dos autores incide novamente e de forma reduzida na alienação do produto dos trabalhadores, por parte dos capitalistas, o que um Estado socialista controlando a produção de mercadorias e o trabalho abstrato garantiria que não ocorresse, ao contornar as crises de acumulação de capital e realizar uma dominação da mercadoria pelos trabalhadores a fim de satisfazer suas “verdadeiras” vontades e interesses.
Por fim, vinculada a este argumento se encontra a explicação por parte de Smith et al. (2021) para os inéditos pacotes fiscais e monetários de trilhões de dólares mobilizados desde 2008 na tentativa de “salvamento” da economia capitalista, com ganho escalar a partir do início da pandemia, que foi usada como uma “desculpa bem-vinda para favorecer” os maiores capitalistas globais, das grandes corporações e do setor financeiro, de forma que consigam lidar com a queda mais recente em suas taxas de lucro: “Given that a severe financial crisis and economic contraction was already in the making by late 2019, would it have been possible, in the absence of the COVID-19 health emergency, to have sold the public on the need for an enormous infusion of funds from central banks and governments into banks, corporations and stock markets? We think the answer is no. A simple repeat of the highly unpopular bailouts of 2008-2009 would have been met with immense popular outrage. From the point of view of certain powerful elite interests, then, the pandemic might well have been a strangely welcome development [...]” (SMITH et al., 2021, pg. 28, destaque nosso). (7)
Os autores aqui considerados incorrem em individualismo metodológico (KURZ, 2014), não tematizando o fetichismo dos valores de uso e seu desdobramento no fetichismo de sujeito (KURZ, 2007) ao observarem um aumento da desigualdade social e concentração de renda em uma parte das elites funcionais capitalistas, como se isso significasse controle dos movimentos da sociedade por parte destes sujeitos sujeitados [unterworfenen Subjekten] e consequentemente da acumulação (produtiva) de capital. Pelo contrário, conforme veremos aqui, a pandemia demonstra o descontrole da sociedade capitalista em relação aos desdobramentos históricos de si mesma.
Causa frustrante estranhamento, para se dizer o mínimo, que círculos de crítica teórica próximos à crítica do valor também incorram em formulações que se aproximam do criticado acima, como é o caso de Urban e Uhrast (2022), ao apresentarem os capitalistas que se “beneficiam” das medidas estatais adotadas entre 2020 e 2021. Tal leitura abre mão de criticar teoricamente o “materialismo vulgar” (KURZ, 2003) e assim de tematizar que aqueles mediados pelo valor-dissociação estão dominados pelos desdobramentos da contradição em processo desta forma social. Tal flerte com o “materialismo vulgar” os conduz, inclusive, a negarem a existência da pandemia de COVID-19, ficando então presos ao ponto de vista do conflito de vontades e interesses para se ver quem controla e se beneficia dos valores de uso produzidos socialmente no presente momento histórico do capitalismo. Essas abordagens não conseguem apreender a relação mais fundamental entre a crise do capital e a pandemia.
Kurz, em seu último livro (2014, pg. 182 [2012]) centrou seus esforços em romper com o ponto de vista dos ontólogos do trabalho e seu individualismo metodológico, que observam a multiplicação de dinheiro sem valor por parte de capitalistas individuais como se significasse capacidade de contínua valorização do valor para assim dominarem o resto da sociedade e se beneficiarem ao acessarem valores de uso. Kurz escreve:
“Também os marxistas costumam render‑se, pelos motivos referidos, a essa perspectiva burguesa, equiparando com frequência e sem cerimónias os valores estatísticos ao plano do valor (ou seja, por exemplo, efabulando acerca da estatística de uma ‘taxa de lucro’ que, sendo uma taxa real do capital global, nem sequer se pode manifestar de imediato e, como mera soma das taxas de lucro empíricas individuais, abarcadas no plano da respectiva economia nacional e não mediadas directamente com o plano do valor, não pode deixar de ter uma imagem totalmente distorcida por resultado)” (KURZ, 2014, pg. 182-183, destaques nossos).
Kurz está preocupado aqui em diferenciar valorização do valor por meio da exploração de trabalho vivo produtivo – no que concerne ao nível da totalidade do processo social capitalista –, de simulação de acumulação de capital, que pode aparecer como simples multiplicação de dinheiro ao nível do capital individual, cuja aparência, por sua vez, não necessariamente significa que o capital como totalidade esteja acumulando de maneira produtiva, ou seja, esteja valorizando o valor como um todo. Tal simulação, por sua vez, é parte central da atual crise fundamental do capital em seu processo de autodecomposição.
Como não é novidade, para a crítica do valor-dissociação a partir dos anos 1970 e 1980, com a terceira revolução industrial e a expulsão do trabalho vivo do processo produtivo em números absolutos, o capital entra em sua crise fundamental. O polo dissociado do valor, a seu modo, também entra em crise, não de forma subordinada ao polo do valor, mas na relação entre ambos (SCHOLZ, 2004). Tal crise está, na verdade, baseada na crise do trabalho, o que permite que o formulemos como constituído socialmente e passível de ser suplantado, assim como os momentos dissociados do valor. Neste sentido, a crítica da ontologia do trabalho e da lógica identitária fundada no homem branco ocidental estão no cerne do preconizado no presente texto.
Na tentativa de lidar com sua crise fundamental, mas sem conseguir contorná-la, o capital fictício passa a ter papel determinante para a reprodução (nunca idêntica e tampouco de forma ilimitada) na crise da sociabilidade capitalista. Kurz, desta maneira, não designa nenhuma “financeirização do capital”, nem um papel acessório do capital fictício a constituir um “novo regime de acumulação”. De toda forma, a criação de dinheiro ex nihilo permite uma simulação de acumulação que não mais o é de maneira substancial (cf. KURZ, 2005), o que não impede a precária continuidade da produção ampliada da monstruosa coleção de mercadorias (MARX, 1983). O capital fictício, ao se tornar capital fictício real [fiktives Realkapital], reproduz o fetichismo do capital, do valor de uso e do sujeito e as bases sociais materiais da forma de consciência do “materialismo vulgar”, porém agora uma forma de consciência anacrônica, já que é simulada pela criação de dinheiro sem valor (8) da crise do trabalho e atualizada por formas recrudescidas da moral do trabalho e do sujeito da crise. Conforme a produção de mercadorias se prolonga, sob as condições aqui descritas, cada unidade de mercadoria passa a representar cada vez menos valor (configurando “uma contradição entre matéria e forma”, cf. ORTLIEB, 2009). Ao passo que a composição orgânica do capital continua a aumentar, a expulsão do trabalho do processo produtivo se aprofunda, assim como dessubstancialização do valor, consequentemente, com implicações históricas inéditas. No que concerne à economia capitalista, as bolhas financeiras se tornam cada vez mais frequentes e profundas, o desemprego estrutural e a precarização do trabalho se explicitam e o asselvajamento do patriarcado, do racismo, da desigualdade social, assim como a natureza em ruínas (KURZ, 2001) (com consequente produção de pandemias e catástrofes ambientais, como inundações, deslizamentos de terra, incêndios, desertificações, erosões costeiras, assoreamento e destruição de rios, extensiva contaminação por agrotóxicos, produção de zonas mortas no oceano, proliferação de eventos climáticos extremos etc, cf. AUMERCIER et al., 2022) são as características prementes da crise da forma social capitalista. O sistema do patriarcado produtor de mercadorias continua a existir em condições de asselvajamento e declínio social e os sujeitos nele mediados não sucedem em controlar este processo, mas apenas a agirem movendo o ulterior desdobramento da contradição imanente da forma mercadoria entre valor e valor de uso e da dimensão da totalidade fragmentada de valor e dissociação, o que agrava ainda mais aquilo que supostamente pretendem conseguir dominar.
Qualquer formulação afeita ao “materialismo vulgar” que não alcance a apreensão do nível da essência negativa abstrata em dessubstancialização com consequente desacoplamento entre valor e dinheiro (Entkopplung, KURZ, 1995) e fique presa às formas de aparência fetichista da sociabilidade capitalista contribui, inclusive em suas críticas reduzidas, para reproduzir, rumo à sua dissolução bárbara e inconsciente, as bases da forma social do valor-dissociação que nos dominam e necessitam ser suplantadas.
Desta maneira, a concepção de um capital fictício real de Kurz (2005) é, aqui, central para nós. Ela nos permite localizar historicamente, não apenas o fenômeno inflacionário atual como momento crítico de mais um momento de bolha financeira global a estourar, realimentado de forma particular a capital fictício desde 2008. Realimentação esta que foi, sim, aprofundada pela pandemia, mas também nos permite localizar a própria pandemia de COVID-19 como parte da crise fundamental do capital e como ponto de inflexão importante para seus próximos desdobramentos.
Para a crítica do valor-dissociação, a partir dos anos 1970 e 1980 a crise do trabalho e a consequente dessubstancialização do capital resultam na impossibilidade de valorização do valor em termos do capital entendido como totalidade, o que move os capitalistas a buscarem taxas de rendimento maiores para seus investimentos nos mercados de capitais. Tal movimento acaba por capitalizar, de forma inflacionada os preços dos títulos de dívidas, de propriedades e de derivativos financeiros (os ativos financeiros no jargão econômico). As próprias empresas produtoras de mercadorias passam também a se inserir neste processo, investindo também nos mercados de capitais, realimentando processos altistas. De toda forma, a criação de capital fictício que tal movimento engendra não fica restrita a estes mercados, mas se entrelaça e se medeia com a própria produção de mercadorias, tornando-se capital fictício real, passando pela corporeidade dos valores de uso e simulando os lucros das empresas produtoras de mercadorias, ao mesmo tempo em que agrava a crise de acumulação do capital e suas consequências.
Concretamente, para nos atermos ao século XXI, Kurz pesquisou como isso ocorreu no que concerne à bolha financeira mundial, que iniciou a inflação dos preços a partir de 2002 e estourou em 2008. O cerne desta bolha foi o mercado imobiliário estadunidense e europeu. Correlacionada a ela, ocorreu a bolha das commodities (PITTA, 2020), iniciada nos mercados financeiros internacionais. Ambas se entrelaçaram com o “circuito de déficit do pacífico” (cf. KURZ, 2014 [2012], pg. 307), principalmente na relação entre China e EUA, expressão do nível global da crise fundamental do capital. (9)
No caso da bolha imobiliária de 2008, o capital fictício real ocorre a partir de uma cadeia de endividamento, fomentada pelos baixos juros após o estouro da bolha da NASDAQ de 2001, o que financia o crédito para produção e consumo imobiliário a partir de então. Tal cadeia de endividamento é vendida como derivativo nos mercados secundários, que também passa por um processo de capitalização e inflação de preços, o que amplifica a criação de dinheiro e realimenta ainda a disponibilidade de crédito e o endividamento. As casas passam a ser usadas como garantia para novas rodadas de empréstimos e isso fomenta sua capitalização com inflação de seus preços, ao que se soma à criação de “capacidade aquisitiva improdutiva” (KURZ, 1999 [1991]) a nível da totalidade do capital, ou seja, capital fictício real a simular acumulação de capital de forma disseminada. Os níveis de criação de capital fictício que se multiplicam, aparecendo nas alavancagens dos bancos e empresas, por exemplo, exigem a própria ampliação desenfreada da produção de mercadorias em geral e, a nível mundial, determinando processos de dispêndio de recursos, energia e consequente amplificação da destruição da natureza, o que inclusive moveu uma “corrida por terras” para uso agrícola e especulativo, que também passam a funcionar como um “ativo financeiro” – o land rush, no Leste Europeu, China e demais regiões da Ásia e Sul Global.
Quando a capitalização inflacionada de títulos de propriedade e de dívida se disseminam pela economia estadunidense como um todo e o FED tem de subir as taxas de juros na tentativa de conter o descontrole de tal processo, as cadeias de endividamento se rompem e os títulos financeiros despencam, assim como os preços das casas que lastreavam novas dívidas, estourando a bolha (ALFREDO, 2010) com a inversão da taxa de juros futura entre as dívidas de curto e de longo prazo (TOOZE, 2018). A disseminação do fenômeno inflacionário tem relação mediada com a disseminação da inflação prévia dos títulos de dívida e de propriedade para a sociedade capitalista como um todo, incluso aqui o mercado imobiliário, sendo tal disseminação parte do momento ascendente de uma bolha financeira, que “estoura” após isso, com consequências mundiais.
Quando do inflar de tal bolha, a produção imobiliária e de infraestrutura ocorre com cada vez ainda menor quantidade de trabalho produtivo (ALFREDO, 2010), apesar da ampliação da demanda por recursos materiais para tanto, configurando algo que poderíamos designar por uma produção fictícia do espaço (PITTA, 2020). Como bolha financeira, estava ocorrendo o aprofundamento do desacoplamento entre valor e dinheiro; entre trabalho vivo produtivo em declínio e mobilização de recursos materiais crescentes a partir da criação de capital fictício crescente, inflação de preço de ativos e posteriormente disseminação desta inflação para os preços das mercadorias em geral. O processo inflacionário aqui não tinha a ver, assim, com choque de oferta, de demanda ou com um “excesso” de criação de capital fictício, como apareceu nos autores que criticamos anteriormente, mas sim com o desacoplamento entre valor e dinheiro, capital e trabalho, próprio da crise fundamental do capital, além de sua economia de bolhas financeiras (que não se reproduzem sempre da mesma forma), o que move uma inflação estrutural secular em razão da dessubstancialização do capital e dos processos inflacionários das mercadorias como antecedente do estouro de uma bolha financeira. Ao final do presente texto, abordaremos como isso se deu no que diz respeito à inflação global atual.
No que concerne à bolha das commodities, a inflação dos preços futuros destas nos mercados de derivativos internacionais se iniciou a partir de 2002, como se fossem um ativo seguro para parte dos investimentos financeiros a tentarem lidar com o estouro da bolha da NASDAQ. Esta tendência realimentou a subida dos preços das commodities, que atingiu recordes históricos em 2008 e depois em 2011 (ver Gráfico em IndexMundi, mencionado acima). Tal subida passou a servir para que as empresas ligadas à produção de commodities utilizassem tais preços futuros como garantia para desenvolvimento das suas forças produtivas, aprofundamento da expulsão de trabalho vivo do processo produtivo e enorme mobilização de recursos materiais, no afã de concorrerem por novas rodadas de endividamento. Cabe o destaque que gigantes do setor, como no caso de produtores de soja, açúcar, carne, petróleo, minério de ferro no Brasil adquiriram dívidas em montantes muito superiores à sua capacidade de produzir commodities e pagar tais dívidas. Assim, não bastava que desenvolvessem as forças produtivas, mas necessitavam expandir em área, a fim de lastrear novas rodadas de endividamento sobre preços futuros ascendentes. Estamos aqui também diante de uma produção fictícia do espaço, que moveu destruição de florestas nativas e de zonas úmidas no Brasil e América do Sul; e também na África e no Sudeste Asiático através de processos de expropriação de comunidades rurais que não foram inseridas em um mercado de trabalho produtivo (não implicando assim em uma valorização do valor).
Quando da queda dos preços ficcionalizados com o estouro da bolha das commodities, intimamente ligado ao estouro da bolha financeira mundial, as empresas não eram nem mais capazes de simular uma acumulação de capital e acabavam por falir ou tentavam continuar produzindo mercadorias, porém em condições economicamente deterioradas. Já que tais empresas apresentam cada vez maior endividamento e sua capacidade de financiamento estava a ruir, elas passaram de todas as formas a tentar expandir sua produção em área, mobilizando novas rodadas de recursos materiais, energéticos e de destruição da natureza, aprofundando a expulsão do trabalho vivo do processo produtivo, porém, sem nem lograrem mover uma simulação de reprodução ampliada do capital. Isso valeu para o Brasil como um todo, se desejarmos ficar com um recorte nacional, e conduziu ao fenômeno de crise econômica no qual o país se inseriu desde 2012-2014 até hoje.
Assim, com o estouro da bolha financeira de 2008, mesmo que o ritmo de crescimento da produção de mercadorias tenha se reduzido, o que aparece como queda no PIB de um país ou até mundial, tal movimento definitivamente não significou diminuição da produção de valores de uso e dispêndio de energia e recursos materiais, mas seu oposto. De todo modo, a dessubstancialização do capital vai se aprofundando, assim como suas consequências trágicas.
A produção fictícia do espaço – seja para criação de infraestrutura, habitações, gigantescos empreendimentos industriais ou para produção de commodities como capital fictício real – necessita de cada vez maior criação de dinheiro sem substância nos mercados financeiros, mas também exige tal nível de desenvolvimento das forças produtivas com centralização e concentração de capitais, que além de significarem os limites internos da sociabilidade capitalista, também significam o atingir de seus limites externos, o que promove a produção de pandemias, como no caso contemporâneo da COVID-19 (WALLACE, 2021a). (10)
No que concerne ao período posterior ao estouro da bolha de 2008, a China deve ser enfocada de maneira sintética, já que mobilizou em maior velocidade do que os demais países a criação de capital fictício e de cadeias de endividamento, a fim de tentar reproduzir as relações sociais capitalistas, com maior ênfase após a crise das dívidas europeias de 2011/2012. Tal criação de capital fictício mediada pelos bancos públicos autárquicos e bancos sombra na relação com construtoras estatais ou privadas, como destaca Konicz (2015), mobilizou o consumo de concreto em tais quantidades (6,6 gigatoneladas), apenas entre 2011 e 2013, que ultrapassou o consumo de concreto feito pelos EUA ao longo de todo o século XX. Isso já há quase 10 anos... Mcmahon (2018) destaca que o cerne da tentativa chinesa para lidar com o estouro da bolha financeira de 2008 foi fomentar, por meio de “endividamento massivo” (11) (atingindo 260% do PIB no final de 2016, em uma velocidade sem precedentes históricos para tal endividamento), a produção de terras, casas, infraestrutura e indústrias.
As Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) chinesas já haviam constituído uma etapa de modernização retardatária [nachholende Modernisierung], que transformou a agropecuária do país, mimetizando o agronegócio estadunidense nas formas técnicas e no regime de produtividade atrelado ao mercado de capitais internacional, através da abertura para investimentos estrangeiros diretos (IEDs), oriundos principalmente dos EUA, da Europa e do Japão, e que totalizaram 45 bilhões de dólares entre 1979 e o final dos anos 1990. A rodada de modernização retardatária do agronegócio chinês transformou relações de trabalho no campo e a relação com a propriedade da terra, abriu caminho para o arrendamento fundiário para capitais internacionais e interligou, por fim, as bolhas financeiras e o capital fictício real com o “modo capitalista de produção de doenças” (WALLACE, 2021a; e SILVA, 2020). O entrelaçamento entre o capital mundial em crise e a produção de pandemias ensaiou o seu primeiro grande evento na “epidemia asiática” de 1997 – um surto de gripe aviária (H5N1), que levou cerca de 300 pessoas a morte na China, que aconteceu simultaneamente ao crash de Hong Kong em 1997 (KURZ, 1997).
Como apontam as investigações de Wallace, as duas décadas seguintes passaram a ser palco de consecutivas epidemias, produzidas no âmago das operações da pecuária industrializada intensiva em capital no sudeste da China (a epidemia de H5N1 de 2005) e na zona do NAFTA, entre México e EUA (a pandemia de H1N1 de 2009). Em linhas gerais, Wallace defende a tese de que a industrialização da pecuária, principalmente de suínos e aves, consolidada ao redor do planeta entre os anos 1940 e 1980, industrializou também a produção de patógenos (vírus, bactérias, fungos) cada vez mais mortais e de maior velocidade de contágio tanto para os animais da pecuária como para os humanos, atingindo em um primeiro momento os trabalhadores dos sistemas de produção verticalmente integrados para em seguida alcançar circuitos regionais de mobilidade de mercadorias e trabalhadores e então constituir as epidemias e pandemias que temos visto emergir nos últimos 20 anos. A hipótese de Wallace permite ainda se contrapor aos entusiastas do bem-estarismo animal, assim como certo setor de epidemiologistas produtivistas e modernizadores, que acreditam ser possível, através do provimento de maior controle sobre a indústria e sobre os sistemas alimentares, nomeadamente do chamado “Sul Global”, interromper novas epidemias futuras. Wallace, por sua vez, ao contrário dos gestores epidemiológicos do capitalismo de crise e catástrofe, vê na aplicação contumaz dos métodos racionais de incremento de produtividade na fabricação industrial de carnes a raiz do problema da emergência das atuais epidemias/pandemias. Wallace parece estar em consonância com as críticas à matriz patriarcal da ciência moderna (ORTLIEB, 1998), matriz que lê a natureza como um objeto externo, como um material inerte passível de controle total, a ser subjugado pela razão androcêntrica do sujeito moderno, ora personificado pelo empreendimento pecuarista industrial. Pois bem, para Wallace, é exatamente a aplicação contumaz dos métodos de racionalização produtiva da pecuária que preconiza a industrialização de patógenos, às costas da pecuária industrial. Cumpriria ainda dizer que a produção capitalista de epidemias e pandemias de seu “modo capitalista de produção de doenças” se inscreve, portanto, no recrudescimento da tentativa de dominação fetichista do patriarcado produtor de mercadorias sobre a natureza, cujas consequências contraditórias ora retornam sobre a sociedade como se se tratasse de um ataque da natureza sobre os seres humanos.
A esse processo, sobrepôs-se, a partir da segunda década do século XXI, a construção de obras gigantescas, que mobilizam recursos naturais e energéticos de maneira inédita, movidas a capital fictício e que se metamorfoseiam em capital fictício real no aprofundamento da crise do trabalho, que por fim realimentam também o recrudescimento da destruição da natureza e o atingir dos limites externos da sociabilidade capitalista.
Mcmahon (2018) fala de uma crise de superprodução de mercadorias em diversos níveis na China – apesar da diferenciação que possamos fazer dele com relação a tal enfoque vinculado a uma simples explicação de “profit squeeze” para tal crise – o que corrobora a tese por nós aventada acerca da relação íntima e imanente entre crise fundamental do capital em seu momento contemporâneo e a produção de pandemias.
Ainda no caso chinês, tal criação de capital fictício para uma tentativa de manutenção de crescimento econômico se mediou com os bancos sombra a financiarem o endividamento de empresas privadas, trabalhadores e famílias (KONICZ, 2015), assim como os próprios governos provinciais criam capital fictício por meio da lançamento de títulos de direitos sobre uso das terras em mercados secundários (os Local Government Financial Vehicles – LGFV; Mcmahon, ver capítulo 5) para se financiarem e produzirem a própria terra a ser vendida e a infraestrutura necessária para a promessa e tentativa de atração dos demais empreendimentos imobiliários e industriais a realimentar o processo de simulação de acumulação. Mcmahon destaca ainda a cada vez maior dificuldade na realização dos empreendimentos imobiliários e na concretização dos industriais, assim como a tautológica produção de terra para sua comercialização por meio de seus mercados financeiros secundários como indícios do esgotamento de tal movimento de simulação.
De toda maneira, a redução no ritmo de crescimento econômico (LI, 2016) chinês da última década demonstra uma condição do capitalismo pós crise de 2008 que vigora mundialmente, a saber a necessidade de cada vez maior criação de capital fictício a fim de mobilizar capital fictício real na tentativa de simular a própria reprodução de capital. Diversos autores de fato também reconhecem os picos históricos de inflação de títulos de propriedade em bolsa de valores e nos mercados imobiliários ocidentais dos últimos anos (cf. SMITH et al., 2021; ROBERTS, 2020), com índice Dow Jones crescendo aproximadamente 5 vezes entre 2008 e o início de 2020; e com os preços das casas nos EUA batendo novos recordes recentemente (ROBERTS, 2022b). Tal inflacionamento esteve longe inclusive de corresponder ao crescimento do PIB mundial nas mesmas proporções: “Presencia-se, década após década, uma diminuição da taxa média de crescimento anual do PIB global, passando de 5,4%, em 2010, para 3,5%, em 2015, diminuindo, ainda, para 2,9%, em 2019” (CARNUT et al., 2021).
No Brasil, o forte processo de desindustrialização (IEDI, 2021), em razão do estouro da bolha das commodities não pôde ser contido com ajustes fiscais, precarização das condições de trabalho, desemprego e destruição da natureza como tentativa de simular acumulação do capital, já que tais medidas não lograram minimamente nem a retomada do crescimento econômico (ABOUCHEDID, RAIMUNDO e BELLUZZO, 2021), mesmo antes da pandemia de COVID-19.
De toda forma, tais características apenas implicam aceleração dos movimentos de inflação e estouro de bolhas financeiras, com um deslocamento do endividamento massivo baseado nos títulos subprime, presentes nos investimentos do sistema financeiro para o endividamento generalizado de governos, empresas e famílias, através dos mercados de bonds / títulos de dívidas a serem negociados em mercados secundários, após 2008. Com o crédito barato desde 2008, empresas recompraram ações, elevaram os preços destas em bolsas de valores, realizaram movimentos de fusões e aquisições, porém apenas aprofundaram a crise fundamental do capital em seus limites interno e externo. A expulsão do trabalho vivo dos processos produtivos se ampliou, o consumo de recursos materiais e energéticos só pode se aprofundar a cada rodada de reprodução simulada do capital, que, movida a capital fictício real, chega a montantes inéditos.
Thomaz Meyer (2020) já demonstrara com Marx e Kurz a necessidade do capitalismo em acelerar teleologicamente o consumo da natureza como recurso material a fim de valorizar o valor, sua finalidade tautológica abstrata, relacionando o chamado “efeito de ricochete” com a dessubstancialização do capital e suas consequências sociais catastróficas. Conforme a contradição entre matéria e forma se desdobra, é-se exigido cada vez maior destruição de natureza e mobilização do substrato material a comporem os valores de uso a serem produzidos na tentativa de compensação da crise de acumulação, porém agravando seus desdobramentos. Sandrine Aumercier (2020) demonstrou isso para a suposta “questão energética”, imanente à sociabilidade capitalista, que produz a própria escassez que visa minimizar, no processo de dispêndio energético ampliado tautológico e autodestrutivo.
A partir da conceitualização de Kurz acerca da ficcionalização do capital e de um capital fictício real e sua mobilização sem precedentes da natureza enquanto recurso material e energético na tentativa de simular processos de acumulação de capital, com cada vez maiores dificuldades, apenas podemos revelar o descontrole das ações dos sujeitos sujeitados [unterworfenen Subjekten] sobre os desdobramentos histórico das próprias contradições do capital e sua imanência com relação à produção de pandemias, como a que ainda vivenciamos no Brasil e no resto do mundo.
A produção de mercadorias em crise e sua produção de catástrofes: A hipótese do blind weapon makers de Rob Wallace para o SARS-CoV-2
Desde o eclodir da Covid-19, epidemiologistas da administração de crise, de um lado, e a paranoia conspiratória sinofóbica, de outro, se engalfinham sem serem capazes de enxergar as determinações mais profundas na origem desta pandemia na crise do capital, inclusive com suas formas de racismo e patriarcado que ora se aprofundam. Desde o seu início, Wallace (2021a; 2021b) (cf. Böttcher, 2021) foi capaz de subverter essa antinomia, falsa contradição entre, por um lado, uma obscurantista e reduzida crítica à ciência moderna – ora pintados de liberais, ora autointitulados críticos da “micro-biopolítica” – que vê a pandemia como dominação tecnocientífica consciente da BigPharma e dos Estados sobre os corpos e, por outro, a tecnocracia epidemiologista de plantão, ansiosa por responsabilizar os chineses e seus ditos hábitos alimentares “primitivos” como responsáveis pela emergência do SARS-CoV-2, vislumbrando a possibilidade de uma nova rodada de modernização dos sistemas alimentares na Ásia, no lugar destas práticas imputadas como se fossem bárbaras.
Para contornar o reducionismo das explicações autonomizadas da epidemiologia, Wallace perfaz a vereda aberta por Davis (DAVIS, 2005) para investigar a complexa mediação em diferentes níveis entre a urbanização, a economia política global e os estudos ambientais. Assim, por meio do que este chama de “ecologia social das doenças”, a emergência de uma sequência de epidemias/pandemias desde os anos 1970 é compreendida pelo autor no interior das transformações no uso do solo, do avanço do extrativismo mineral e do monocultivo agropecuário e das modernizações retardatárias na África Ocidental e no Sudeste Asiático, que passaram a configurar novas zonas “ecótonas” [Ökoton], ou seja, zonas onde diferentes espécies de animais se sobrepõem, nas quais os capitais provenientes da Europa, dos EUA e do Japão arrancam patógenos de áreas florestais e zonas úmidas, espacializando-os através da produção, circulação e consumo de mercadorias do agronegócio transnacional. Assim o foi com mais de 70% das novas doenças infecciosas que emergiram nas últimas 3 décadas – dentre elas Covid-19, H1N1, H5N1, Ebola e Aids. As epidemias de Ebola e Aids na África nos anos 1990 e 2000 estão ligadas, em primeiro lugar, a um aumento do contato entre humanos e animais repositórios desses vírus: chimpanzés no caso do HIV e morcegos no caso da Ebola. No caso da Aids, por trás desse aumento está, em primeiro lugar, a disseminação da pesca industrial de arrasto na costa atlântica africana, movida a créditos dos governos europeus e responsável por diminuir a biomassa de peixes em 50% entre 1977 e 2000 na região. Tornados escassos e caros, os peixes vão dando lugar à carne de caça na alimentação na África Ocidental. A prática da caça, por sua vez, ocorre justamente para alimentar os trabalhadores da indústria da madeira, que avança sobre as florestas africanas. O contato entre animais silvestres portadores de vírus é dirigido pela mobilidade dos investimentos de capitais (DAVIS, 2005) fictícios.
Para Wallace (2021a), a particularidade capitalista da epidemia de Ebola (2013-2016) na África Ocidental pode ser percebida na intensificação da mercantilização das terras na região, apresentada pelo Banco Mundial como “última fronteira” financeira global às vésperas da eclosão da epidemia (WORLD BANK, 2012). Tal sinalização abre caminho para uma avalanche de capitais transnacionais, acompanhada por uma “corrida por terras”, sempre no âmbito do que para Wallace aparece ainda como uma crise de acumulação no centro, o que para nós significa levar a produção do espaço para um patamar de ficcionalização, enquanto o capital a nível global busca saídas, atualmente sempre insuficientes, para a sua reprodução ampliada (PITTA, 2020). Entre 1976 e 2000, a África Ocidental perdeu uma área florestal equivalente a 500.000 km2, em grande parte devido ao avanço inédito da indústria de óleo de palma para abastecer as corporações globais de alimentos processados. Florestas nativas foram gradativamente substituídas por campos de cultivo de palmeiras, com um impacto indelével sobre a fauna de morcegos que, por sua vez, se adaptaram rapidamente ao forrageamento justamente nas copas onde os trabalhadores parcialmente assalariados colhiam a sua matéria-prima. O contato antes fortuito entre morcegos e humanos tornou-se constante e ampliou drasticamente as taxas de contágio por Ebola, atingindo em 2014 a marca de 30.000 casos e 10.000 mortes – um aumento de vinte vezes no número de casos e mortes quando comparado às primeiras epidemias de Ebola, ocorridas em 1976 e 1996. A territorialização do contágio seguiu as rotas de mobilidade desses trabalhadores, das zonas rurais às cidades regionais nas quais a matéria-prima é processada (WALLACE, 2021a).
Apesar de situar a sua interpretação da emergência do vírus SARS-CoV-2 “em campo”, ou seja, como consequência da intrusão da pecuária industrial sobre áreas florestais no sudoeste da China, em artigo de 2013, Wallace já havia alertado para a criação de milhares de laboratórios que manipulam materiais biológicos em nível máximo de segurança (BSL 3 e 4) ao redor do planeta após o 11 de setembro de 2001, sob a justificativa de estudar patógenos que pudessem ser utilizados por terroristas. E acidentes ocorrem nestes laboratórios com uma preocupante regularidade (WALLACE, 2021a), de maneira que cientistas e suas fundações de pesquisa convivem constantemente com a possibilidade de o feitiço virar contra o feiticeiro. Em outras palavras, Wallace está mais preocupado com o habitual descontrole do business as usual da BigScience do que com uma guerra microbiológica. A hipótese da manipulação genética ou acidente laboratorial, porém perde força à medida que novos estudos são publicados, demonstrando a pouca proximidade do SARS-CoV-2 com outros coronavírus anteriormente conhecidos (ANDERSEN et al., 2020) e da identificação de duas linhagens diferentes para o SARS-CoV-2 entre novembro e dezembro de 2019, indicando que o “salto zoonótico” do animal hospedeiro aos humanos teria ocorrido duas vezes (PEKAR, 2022), a partir de dois hospedeiros diferentes contaminados com linhagens diferentes do SARS-CoV-2. Isso significa que os eventos de “transbordamento” entre morcegos e animais hospedeiros intermediários também teriam acontecido ao menos duas vezes. Em outras palavras, o desmatamento no sudeste asiático, movido pela produção fictícia do espaço, estaria arrancando coronavírus de morcegos e lançando-os sobre os animais da pecuária industrial em um ritmo nunca antes visto.
Contudo, tal como afirma Wallace (2020a), não devemos por isso refutar as críticas à dinâmica da indústria de manipulação de vírus e bactérias em laboratórios de biossegurança, já que a proliferação destes laboratórios amplia a possibilidade de acidentes desta natureza ocorrerem a qualquer momento. Mesmo sem estar informado da crítica do valor e da crítica do fetichismo da mercadoria, Wallace vê a moderna produção de ciência para o agronegócio como uma “fábrica de armeiros cegos” – blind weapon makers – inscritos, antes de tudo, em uma forma de produção cujas consequências lhes escapam do controle. Para nós, isso significa que seus desígnios se inscrevem na própria lógica fetichista e autodestrutiva de mercantilização total das pessoas, da terra, plantas, animais, biomas e ecossistemas inteiros, em sua perseguição tautológica por incremento de produtividade dirigida pela abstração real capitalista, nas suas determinações ficcionalizadas de crise fundamental contemporâneas (KURZ, 2001; KURZ, 2014).
A pesquisa recente de Wallace, por sua vez, fortalece as interpretações que situam a trajetória do SARS-CoV-2 em uma cadeia que conecta a destruição da natureza, o avanço sobre áreas florestais nas quais habitam animais silvestres portadores de coronavírus e a produção, circulação e consumo da indústria de proteína animal de carnes não-convencionais. Como se sabe, um grupo de pesquisadores identificou cepas de coronavírus com 95% de semelhança ao SARS-CoV-2 em diferentes espécies da família de morcegos-ferradura, cujo habitat compreende quase a totalidade dos territórios do sudeste asiático (Laos, Camboja, Vietnã, Tailândia, Mianmar), o centro e o sudeste da China e o noroeste da Índia. A estrutura genética do SARS-CoV-2 foi associada a uma recombinação destas cepas de coronavírus quando da sua infecção em outro animal hospedeiro intermediário: os pangolins originários da Malásia—o manis javanica (XIAO et al., 2020).
O desmatamento das florestas do sudeste asiático e sua conversão em áreas de plantio – cerca de 82.000 quilômetros quadrados somente entre 2000 e 2018 (ZENG et al., 2018) – foi responsável pelo aumento do contato dos morcegos com os pangolins, os quais passaram a ser produzidos em sistemas de criação intensiva na China. Tal intensificação em tecnologia e capital da indústria de carnes não-convencionais na China ocorreu como consequência da crise do mercado suinícola que atinge a Eurásia como um todo pelo menos desde 2007, quando eclodiu a variante da Geórgia do vírus da Peste Suína Africana. Depois de devastar rebanhos no leste europeu e na Rússia, a Peste Suína Africana levou à morte duzentos milhões de porcos no sudeste asiático entre 2018 e 2019. O contágio em massa de porcos pela Peste Suína Africana, por sua vez, não pode ser separado do “modo capitalista de produção de doenças” que, ao confinar para o abate dezenas de milhares de animais imunodeprimidos e sem diversidade genética e imune, abre a vereda para que os patógenos amplifiquem a sua virulência sobre os animais hospedeiros.
Diante desta matança generalizada dos rebanhos de porcos em todo o sudeste asiático pelo contágio em massa da Peste Suína Africana, a produção de pangolins em escala industrial avançou em ritmo inédito e as fazendas de criação intensiva de pangolins alcançaram as províncias de Hunan e Guanxi, ao sul de Wuhan, formando com esta última o território de produção, circulação e consumo de mercadorias que fundamentou o transbordamento dos vírus dos morcegos aos pangolins e destes aos humanos. Mais uma vez, o tempo da evolução e contágio por vírus e o tempo da produção pecuária encontram-se perversamente sincronizados pela cega tautologia do sujeito automático do capital. Em síntese, a destruição das florestas do sudeste asiático pelo avanço da agropecuária no contexto da produção fictícia do espaço na Ásia removeu áreas de pousio de morcegos, que passaram a conviver de forma constante com outros animais, como os pangolins em fazendas de produção intensiva nas quais os vírus teriam sofrido as mutações que facilitaram a ligação com as células humanas.
A pecuária industrial cumpriu um papel fundamental na emergência da pandemia – mas não foi só isso. Em países como o Brasil, os EUA e até a Alemanha, as fábricas de processamento de carnes funcionaram como aceleradores do contágio e intermediaram a interiorização da doença em pequenas e médias cidades, longe dos holofotes da mídia mainstream e das urbanas passeatas dos enfadados negacionistas, como veremos a seguir.
A pandemia da Covid-19 no Brasil e o novo radicalismo de direita: Espacialização por frigoríficos, sufocamento doloso, testes em humanos e o sacrifício dos supérfluos
O curso da pandemia da Covid-19 no Brasil foi fundamentalmente determinado pelo darwinismo social do novo radicalismo de direita (Kurz, 2020 [1993] e Scholz, 2020), encarnado em primeiro plano pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (2019 – 2022). Em que pese a enorme dificuldade que todos os países enfrentaram para tentar mitigar a pandemia e as mortes por meio de ações não farmacológicas, tais como o uso de máscaras e a prática do distanciamento social, no Brasil o contágio foi acelerado (CATALANI, 2019) pela aplicação de medidas que buscavam levar a doença à população. Guiados por teorias relativistas e negacionistas e com a recomendação de tratamentos danosos e ineficazes amarradas em uma concepção de “imunidade de rebanho”, governantes e empresários produziram verdadeiras zonas de sacrifício que atingiram maciçamente, mas não somente, a população negra, indígena e as famílias chefiadas por mulheres pobres nas periferias das grandes cidades (INSTITUTO PÓLIS, 2020; 2021) em situação de declínio [Niedergang] social própria da crise do trabalho, agravada ainda mais pela pandemia em vigor. Pedro Hallal, um epidemiologista que teve seu projeto de pesquisa sobre a incidência social da Covid-19 descontinuado às pressas pelo governo federal enquanto acumulava elementos demográficos, depois caracterizados como “genocídio” por Deisy Ventura e seus colegas (VENTURA et al., 2021), estima que 400.000 das já quase 700.000 mortes por Covid-19 eram evitáveis (AGÊNCIA SENADO, 2021). A transformação do darwinismo social em protocolo de adoecimento e morte foi levada a cabo no Brasil pelo chamado “gabinete paralelo” (REDE BRASIL ATUAL, 2021), um grupo de médicos e empresários responsáveis por popularizar tratamentos preventivos a base de ivermectina e cloroquina, deslegitimar o uso de vacinas e desestimular a sua adoção pelo governo federal. Munidos deste arsenal bastante “eficiente”, tais ideologias encontram terreno fértil na sociedade brasileira, comunicando internamente um desprezo pela vida, na tentativa mal sucedida de retomada da simulação de reprodução ampliada do capital, aprisionadas em quadros autorreferenciais, míopes pelo individualismo metodológico que transfere atributos de um corpo masculino ideal e abstrato, apto para o trabalho, para a saúde pública, deixando pelo caminho uma pilha de mortos, de pessoas envelhecidas, incapazes, doentias, mas também de miseráveis e considerados supérfluos, entendidos como fraqueza da nação. (12)
As medidas efetivamente tomadas pelo governo federal para a “administração da pandemia” diziam respeito, antes de tudo, à imediaticidade da “necessidade de manter a economia funcionando”. Nesse espírito, parte da produção de mercadorias, como os frigoríficos produtores de carnes de todos os tipos, que, responsáveis pelo abastecimento nacional e internacional, foram autorizados e incentivados a permanecer abertos durante toda a pandemia (PRESIDÊNCIA, 2020). Após o estouro da bolha das commodities, diversas reformas, na tentativa de retomada da simulação da acumulação de capital no Brasil foram sendo levadas a termo. Ainda em 2015 se fez um ajuste fiscal e o desemprego escalou até chegar a cerca de 14% nos anos mais recentes. Após o golpe contra Dilma Rousse (do Partido dos Trabalhadores) (PITTA, 2020) por meio de um impeachment, em 2016, outras mudanças, como o congelamento dos gastos públicos, uma reforma trabalhista, uma previdenciária, dentre outras, além de algumas privatizações, visaram “acalmar” os mercados internacionais de capitais, fonte mundial essencial de criação de capital fictício. Com a taxa de câmbio desvalorizada, a exportação de commodities atingia volumes recordes, as quais mesmo com preços declinantes (até a subida recente dos preços das commodities em mercados de futuros, ver Gráfico 1), seguiam um crescimento vertiginoso, a fim de alcançar superávit das contas públicas a servirem de lastro da tentativa de manter a rolagem do endividamento galopante do país (ALFREDO, 2020). O que importa aqui é a produção de materialidade (a atingir o limite externo do capital) a servir de garantia fisiocrática para a ampliação do endividamento, como fim tautológico da ficcionalização da produção de mercadorias. Sob o governo de Bolsonaro, isso se aprofundou demasiado, com especial incentivo para a expansão da produção de mercadorias, causadora da destruição da natureza com incêndios e desmatamentos em níveis históricos, com fomento à extração de petróleo e gás, extração minerária (inclusive ilegal) e de madeira (também ilegal, com participação do ministro do meio ambiente acusado de tráfico internacional), esta a dar lugar para a produção agropecuária, ou seja, um incentivo no que concernia à produção de commodities em geral. (13)
No caso da produção industrial de carnes, os frigoríficos tornaram-se centros especiais de contágio da COVID-19 no Brasil, antes mesmo da definição de protocolos mínimos de prevenção e controle, como resposta à pressão das gigantes transnacionais do setor – JBS, BRF e Marfrig – para mantê-los em funcionamento. Pela somatória de suas condições sanitárias específicas e o desprezo pelos seus trabalhadores sacrificáveis, em geral imigrantes não-brancos, mulheres e indígenas, os frigoríficos espalhados pelos interiores do país atuaram como espaços aceleradores do contágio de Covid-19 sobre os seus territórios, impactando exponencialmente a escala e a espacialização da pandemia no Brasil.
Em todo o mundo, frigoríficos industriais são locais onde os vírus respiratórios são capazes de prosperar e de se espalhar em razão de serem ambientes fechados, totalmente insalubres, com circulação restrita de ar, temperaturas e umidades baixas, proximidade entre trabalhadores executando tarefas físicas em turnos volumosos e compartilhando de áreas de alimentação, vestiários, meios de transporte e quando não as próprias moradias. A esse conjunto de características adiciona-se a ausência de equipamentos de proteção individual apropriados e a ausência ou o descumprimento de protocolos de prevenção e controle de doenças infecciosas (DYAL et al., 2020). No entanto, frigoríficos são tão propícios ao contágio por doenças respiratórias que mesmo a aplicação de protocolos de prevenção e controle não foi capaz de evitar surtos em escala nos EUA (HERSTEIN, 2021).
Outra pesquisa conduzida em 2020 no interior da maior planta de processamento de carnes da Alemanha (GUENTHER et al., 2020) – a Tonnies de Rheda-Wiedenbrück – constatou que a convivência dentro de frigoríficos eleva o raio de transmissão do vírus para uma área superior a 8 metros. Este frigorífico havia passado por um surto em junho de 2020, quando 400 dos seus 500 funcionários, em sua maioria das nacionalidades recém aceitas na zona da União Europeia, como romenos, búlgaros e poloneses, haviam testado positivo para Covid-19 (DEUTSCHE WELLE, 2020). Contratados para executarem trabalhos temporários enquanto residiam em precárias moradias coletivas oferecidas pela empresa, os imigrantes passaram a ser alvo de ataques xenófobos por comunidades locais, elevados a bodes expiatórios na onda da sinofobia que tomou conta dos noticiários globais após a eclosão da pandemia (SORIC, 2020). ZERO À ESQUERDA—n. 0—p. 133 Aqui, como costuma acontecer com a imediaticidade da consciência na crise fundamental do capital (BÖTTCHER & WISSEN, 2021), os imigrantes, os quais compõem a maior parte da força de trabalho do setor, são responsabilizados pelo surto por sua alegada “falta de higiene”, “incompatível com os hábitos ocidentais”, ao mesmo tempo em que são oferecidos no altar sacrificial dos trabalhadores essenciais e supérfluos, heróis da alimentação do país, por fim descartados como as carcaças dos animais que eles mesmos abatem, em um gesto derradeiro de darwinismo social desta pandemia. Ressoando Marx: o abatedor de carnes, como o trabalhador na crise, é alguém que leva a sua própria pele para o mercado e agora não tem mais nada a esperar, exceto o—curtume” (MARX, 1983, p. 292). Também nos EUA, Alex Azar, secretário de saúde federal, jogou a culpa nos imigrantes e suas condições sociais e de saúde, enquanto Kristi Noem, fazendeira e atual governadora de South Dakota, garantiu que 99% dos surtos em frigoríficos teriam acontecido nas casas dos trabalhadores e não nos ambientes de trabalho, fazendo coro com um representante da Smithfield em relação às “diferenças culturais” dos trabalhadores imigrantes quando comparados à “família americana tradicional” (WALLACE, 2020). Enquanto isso, no Brasil, o Dr. Adler Dourado, médico do trabalho da GT Foods responsável pela saúde laboral de 12.000 pessoas, adotou o chamado “tratamento preventivo” e passou a recomendar e administrar comprimidos de ivermectina, (14) enquanto Moacir Ceriguelli, representante da Associação Brasileira de Proteína Animal declarava que os frigoríficos eram ambientes mais seguros do que as cidades para o contágio pela Covid-19 (CANTARUTTI, 2022).
Os ambientes de frigoríficos já eram danosos aos músculos, nervos e cérebros dos seus trabalhadores muito antes de a pandemia da Covid-19 atingi-los. Mulheres trabalhadoras de frigoríficos abortam 240% mais vezes do que em qualquer outro setor da economia brasileira (BARROS, 2022). No Brasil, frigoríficos são responsáveis por 90 acidentes por dia, com sequelas, incapacitações e mortes. A esse cenário terrível veio somar-se a Covid-19 (ALIAGA et al., 2021).
Nos EUA a situação também é crítica: Taylor estima que ao longo da primeira onda, entre março e junho de 2020, o contágio por Covid-19 em frigoríficos estaria associado com algo entre 236.000 e 310.000 casos da doença e entre 4.300 e 5.200 mortes no país (TAYLOR et al., 2020). Lá, as vítimas são, em geral, imigrantes não-brancos e suas famílias e comunidades, compostas por mexicanos, hondurenhos, guatemaltecos, somalis, eritreus, mianmarenses, laocianos, filipinos e vietnamitas (CARRILLO & IPSEN, 2021; LUSSENHOP, 2020). As operações, contudo, estão cada vez mais globalizadas por empresas transnacionais, como a brasileira JBS, controladora das marcas Swift e Pilgrim's Pride e a Smithfield, esta controlada pelo fundo WH de Hong Kong. Ambas avançaram sobre o mercado estadunidense ao assumirem as endividadas Swift e Smithfield, executando modelos de negócio de crise, com crédito subsidiado (capital fictício) brasileiro e chinês, de um lado, e precarização extrema nas condições de trabalho e saúde, de outro, em razão da expulsão do trabalho do processo produtivo que conduz à crise do trabalho, fazendo com que os trabalhadores passem a ter de aceitar se submeterem às péssimas condições de trabalho encontradas no mercado, quando as encontram – o trabalho em frigoríficos é extensivamente descrito pelos trabalhadores como o pior trabalho que alguém poderia ter. Como um trágico retorno do filho pródigo, as economias de Brasil e China, que tiveram seus parques agroindustriais fomentados a capital fictício pelos EUA, agora se tornaram as fiadoras das empresas campeãs em surtos de Covid-19 nos próprios EUA.
No Brasil, a espacialização da Covid-19 por frigoríficos atingiu com força comunidades de trabalhadores imigrantes, destacadamente venezuelanos, haitianos e senegaleses. Em Dourados, no estado de Mato Grosso do Sul, na primeira quinzena de junho de 2020, o contágio por Covid-19 atingiu 1.075 funcionários, o que representava mais de 70% dos casos totais do município. Dourados figura no topo da lista das cidades que mais receberam imigrantes venezuelanos através da Operação Acolhida em Roraima e do Programa de Interiorização de Imigrantes, que experimentam constantemente situações de sobrevida e morte. A imigração de venezuelanos ao Brasil foi resultante direta do estouro da bolha das commodities, com a derradeira queda no preço do petróleo, a partir de 2014, o que conduziu ao aprofundamento da crise social na Venezuela. Um dos frigoríficos desta cidade, controlado pela BRF, emprega ainda centenas de imigrantes africanos e asiáticos muçulmanos, contratados sempre temporariamente para a etapa da degola de frangos exportados para mercados muçulmanos no Oriente Médio e África, por meio da chamada certificação halal (SILVA, 2013). Em mais uma síntese do humanitarismo de crise, o setor halal brasileiro toma os traumas de guerra e perseguições produzidas na soleira das guerras de ordenamento mundial e os atribui, como selos humanitários, às mercadorias produzidas pelos solicitantes de refúgio, como forma de buscar um diferencial simbólico na competição com outros fornecedores de carnes halal no mercado internacional. No entanto, como lembram Böttcher & Wissen (2021), não há nada que impeça que os “cidadãos zangados”, que agora protestam contra as medidas de contenção da Covid-19, tão logo a pandemia arrefeça, continuem a promover de consciência limpa o business as usual do estado de exceção democraticamente executado, ou ainda se voltem imediatamente contra os imigrantes, culpando-os pela crise que não irá desaparecer depois da pandemia, crise esta que pode recrudescer através de uma variante ainda mais virulenta.
Diante dos contágios em massa nos frigoríficos de Dourados, logo as aldeias indígenas da região também foram atingidas, já que indígenas das etnias Guarani e Kaiowá ocupam postos de trabalho nos frigoríficos, levados para trabalhos fora da aldeia pela crise de reprodução social acirrada pela pandemia. Ali, os acidentes e ferimentos graves nas pernas e braços são outra constante. Afastados por 10 ou 15 dias, os trabalhadores desfalcam as equipes e se veem obrigados a correr atrás de incrementos no ritmo de trabalho, estes responsáveis por mais acidentes, afastamentos e contágios. (15) Há registro de diversas mortes de indígenas habitantes da Reserva Indígena de Dourados, onde vivem outros 15.000 indígenas Guarani e Kaiowá, inclusive mortes entre trabalhadores do frigorífico da JBS. Também há casos de espacialização em massa da Covid-19 na região amazônica em razão de frigoríficos, como no caso da planta da JBS em São Miguel do Guaporé, em Rondônia, adquirida como parte de um amplo processo de aquisições de empresas em situação de falência, possibilitadas pelos investimentos e créditos públicos subsidiados, que se tornou centro irradiador do contágio por Covid-19, com 80% do município tendo contraído a doença, diante de um surto que atingiu 60% dos seus trabalhadores. Em todas as situações de contágio em massa, observa-se a ausência de um protocolo de testagem dos trabalhadores, mesmo diante da inevitabilidade da escalada do contágio quando um caso de Covid-19 atinge um frigorífico. Em geral, os frigoríficos passaram a realizar testagens somente em meio aos surtos, quando muito pouco se pode fazer para evitar a escalada do contágio. Em março de 2021, a JBS foi condenada em 20 milhões de reais por dano coletivo moral por descumprir normas de combate à Covid-19, mas o estrago já havia sido feito: em conjunto, dezenas de frigoríficos com surtos de Covid-19 já haviam produzido a aceleração do contágio no Brasil.
Enquanto o contágio queimava o chão do Vale do Guaporé/RO, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, contígua ao município sede do frigorífico, decretou um bloqueio sanitário em março de 2020, atravessando o primeiro ano da pandemia sem nenhum caso grave da doença (SMITH, 2021). Para proteger o território, os indígenas da terra Uru-Eu-Wau-Wau constituíram um grupo de monitoramento, para tentar coibir também a intrusão de grileiros de terras, garimpeiros e madeireiros. Uma das lideranças, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, foi morto após denunciar um caminhão carregado de madeiras dentro da Terra Indígena (16) (RIBEIRO, 2020), em março de 2020. A morte de Ari se assemelha ao assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, ocorrida em junho de 2022, no Vale do Javari, na Amazônia, região com maior concentração de povos indígenas originários isolados no mundo, assassinados que foram enquanto escrevíamos este texto para a revista alemã exit!. Os dois casos revelam a mesma dinâmica de fundo, no qual milícias e grupos armados por empresários organizam saques, principalmente de ouro e madeira e avançam sobre terras indígenas, de afrodescendentes ou de pequenos produtores rurais por meio de expropriação de terras para a produção de soja e criação de gado bovino. Esse quadro traz à tona aquilo que Kurz chamou de barbárie de segunda ordem (KURZ, 2003), caracterizada como circuitos econômicos de saque realizados através da violência extraeconômica, logo direcionados aos circuitos da barbárie de primeira ordem da economia empresarial e à ficcionalização dos preços nos mercados de capitais, o que não significa, como vimos, valorização do valor e reprodução ampliada do capital, mas é parte da própria decomposição da sociabilidade capitalista nacional e mundial. Tanto o ouro, as madeiras, o gado bovino ou a soja, mediados por capital fictício, abastecem as cadeias produtivas globais depois de serem “esquentados” por meio de operações logísticas e fiscais, quase sempre com intermediação do Estado em crise (KURZ, 1994), ora amplamente ocupado por militares e evangélicos (dentre demais cristãos fundamentalistas), e cada vez mais entrelaçado às dinâmicas de milicialização que o governo Bolsonaro passou a trazer para o plano nacional, após ser eleito em 2018. (17) Esse conjunto de características se replica nos mais diversos rincões do território brasileiro, como no caso da Terra Indígena Yanomami, onde garimpeiros trocavam vacinas destinadas aos indígenas por ouro extraído pelos grupos invasores em operações de mineração industrial (com aeronaves e pistas de pouso, as quais também servem para o tráfico internacional de cocaína, cf. MANSO, 2020) e que contou com a ajuda até de um helicóptero registrado em nome da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
No início de 2021, os estados que compõem a região amazônica brasileira enfrentaram um pico no número de mortes diárias em meio à segunda onda da pandemia no Brasil. Naquele momento as mortes foram agravadas pela chamada “crise do oxigênio” de Manaus/Amazonas. Por dois dias seguidos, a capital mais populosa da região, com 2 milhões de habitantes, enfrentou um desabastecimento completo nos seus estoques de oxigênio, levando à morte cerca de 40 pessoas por asfixia (LIMA, 2021a), atingindo três vezes mais sepultamentos diários do que a média até então e empurrando corpos para valas comuns nos superlotados cemitérios municipais. Em meio ao colapso sanitário, o então governador, eleito no caldo do novo radicalismo de direita por um partido cristão bolsonarista e saído diretamente dos sensacionalistas jornais de TV, não hesitou em decretar um toque de recolher, enviando policiais militares para proteger hospitais, enquanto familiares desesperados disputavam os poucos tubos de oxigênio que ainda podiam ser encontrados no mercado, cujos preços haviam saltado, com o apoio da mão fria do mercado, de 500 para 10 mil reais. De forma geral, a administração da crise sanitária em Manaus – e no estado do Amazonas – atuou como um laboratório social para a aplicação e falência da tese de “imunidade de rebanho” por meio da popularização de tratamentos ineficazes por autoridades sanitárias (LIMA, 2021b). Três dias antes da já previamente alertada crise de oxigênio, o general e então ministro da saúde Eduardo Pazuello se reunia com prefeito, governador e a secretária federal de saúde Mayara Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”, para implementar o seu “Plano Estratégico de Enfrentamento da Covid-19 no Amazonas”, constituído essencialmente por “tratamentos precoces”, à base de ivermectina e azitromicina, amplamente distribuídos à população como forma de “imunização” (SANTOS, 2021), expondo-a ao contágio endêmico.
O chamado “Kit Covid”, começou a ser popularizado por redes de saúde privadas a partir de abril de 2020, quando um médico do grupo Prevent Senior, especializado no tratamento de idosos no estado de São Paulo, do outro lado do país, divulgou suas apressadas conclusões sobre a eficácia do tratamento à base de hidroxicloroquina e azitromicina para pacientes com sintomas gripais. Apesar de o artigo omitir mortes ocorridas em meio ao estudo, sua divulgação foi suficiente para a rede de hospitais iniciar um protocolo de “tratamento empírico” à base destes remédios, sem, contudo, informar pacientes ou familiares de que se tratava de um experimento. Na prática, os hospitais da rede, dos principais a receber infectados pelo SARS-CoV-2, superlotados, foram utilizados como laboratórios para os testes in loco dos medicamentos: a direção da rede pressionava os médicos para a prescrição do kit e para alterar o código de registro da doença e assim esconder as mortes por Covid-19. Mas como há violinistas a tocar mesmo enquanto o navio afunda, a direção da Prevent Senior também pressionou médicos intensivistas para que promovessem as chamadas altas celestiais, que consistiam em desistir do tratamento de pacientes que estivessem há muito tempo nas UTIs, passando-os para tratamentos paliativos – a morte assistida – para dar lugar a pacientes VIP. Na ocasião do escândalo da Prevent Senior, a microbiologista Natalia Pasternak e o historiador Michel Gherman qualificaram as práticas da rede como “nazistas”, (18) por descumprirem o Código de Nuremberg, criado após o julgamento dos brutais experimentos com judeus (GHERMAN & PASTERNAK 2021). Mesmo diante da publicação de estudos sobre a ineficácia do chamado tratamento preventivo (BOULWARE et al., 2021), o governo federal brasileiro passa a adotá-lo e promovê-lo como política pública, com a fabricação do medicamento por laboratórios do exército e o apoio do bilionário Carlos Wizard (PODER 360, 2021), para forrar o Brasil e entupir as aldeias com cloroquina. (MONTEL, 2021)
De qualquer maneira, poucas semanas antes da crise do oxigênio de Manaus, empresários e comerciantes haviam protestado contra as restrições impostas pelo governo para o funcionamento do comércio durante as vendas de final de ano, portando placas de “queremos trabalhar” – o que aponta para um recrudescimento da moral do trabalho diante do seu ocaso, como sacrifício mesmo no altar do dinheiro sem valor. O governador Wilson Lima, alinhado à agenda negacionista de Bolsonaro, não ofereceu resistência aos protestos e logo anulou o seu próprio decreto, que restringia o comércio “não essencial” em que pese o ritmo acelerado do contágio e taxas de ocupação das UTIs beirando aos 100% no final de 2020. Adicionando uma nova camada de complicações, no dia de 10 de janeiro, o governo japonês declarou ter encontrado uma nova variante do SARS-CoV-2, a chamada P.1, em viajantes vindos do Amazonas, ou seja, de onde ela emergiu em primeiro lugar. A análise da P.1 logo revelou se tratar de uma variante de preocupação, com ainda maior capacidade de contágio e de causar maior dano ao aparelho respiratório superior do que as linhagens anteriores. Seu surgimento foi associado à persistência do contágio na população local (FERRANTE, et al., 2022), uma via aberta para a transformação do vírus, o que determinou as suas mutações, atuando sobre a diversidade dos hospedeiros humanos (WALLACE, 2021a). A particularidade da crise de Manaus sintetiza a abordagem brasileira diante da pandemia da Covid-19: ausência de testagens em massa, recusa em implementar ações não-farmacológicas mesmo diante de picos de contágio populacional, com hospitais e cemitérios lotados, ausência de leitos e suprimentos para atender pacientes graves, engajamento popular fomentado por autoridades municipais, estaduais e federais em tratamentos “placebo”, exposição em massa ao contágio em busca da imunidade de rebanho. Nesse cenário catastrófico, as sequelas devastadoras da Covid longa sequer têm espaço para serem consideradas.
Em que pese a tragédia de Manaus, em números absolutos, foi nas grandes metrópoles que a pandemia fez mais vítimas no Brasil, sendo que os estados do Rio de Janeiro e São Paulo combinados computam mais de 250 mil mortos, de acordo com dados do Painel do CONASS (Conselho Nacional das Secretarias de Saúde do Brasil). Aqui, as condições de trabalho, moradia e transporte jogaram as camadas sociais mais pobres no fogo da pandemia, expondo-as ao contágio em níveis muito acima de pequena parte da sociedade que pôde migrar para o trabalho remoto. Em São Paulo, a incidência e a letalidade da Covid-19 foram maiores para jovens pretos e pardos do que para a população branca, assim como mulheres chefes de lar de baixa renda e negros, em geral, foram os que mais morreram (NISIDA e CAVALCANTE, 2020). Essa população também foi a mais afetada por ações de despejo de imóveis alugados. O número de moradores de rua disparou, em razão da crise econômica que se acirrou ainda mais após o início da pandemia e as infecções e mortes dentre estes nem pode ser estimada. Dentre os mais afetados, estamos falando de um grupo social que compõe grande parte da população urbana brasileira, moradores das favelas (em péssimas condições de habitação, saneamento e transporte) – composto por faxineiras, cozinheiras, empregadas domésticas, zeladores, motoristas e entregadores (de aplicativos), trabalhadores dos transportes públicos, seguranças, motoboys, operadores de telemarketing e terceirizados em geral –, basicamente do imenso setor dos serviços (majoritariamente improdutivo do ponto de vista da acumulação de capital), para o qual trabalhar representa a sobrevivência material mais imediata, mesmo que diante do risco de contágio e morte. Em tese, a este grupo social deveriam se voltar as ações de renda emergencial oferecidas—a contragosto—pelo governo federal. De posse de uma insuficiente pequena renda, inferior a um salário mínimo, no entanto, essas pessoas passaram a ter de “investi-la” como capital para pequenos negócios informais, finalização da reforma de uma casa para ser posta para alugar, compra de estoques por comerciantes ambulantes, para abrir uma pequena loja, para comprar uma bicicleta ou iniciar uma dívida para comprar uma moto, a fim de realizar entregas por meio de aplicativos (NEBLINA, 2022) ou realizar qualquer outro tipo de trabalho. Enfim, a disseminação de forma inédita do empresariamento de si mesmo que permitiu que a produção, troca e consumo de mercadorias continuasse a se reproduzir em crise aprofundada. E quando um grupo de entregadores “antifascistas” promoveu o chamado “breque dos apps”, uma paralisação em busca de melhores remunerações, o Ifood contratou uma agência de publicidade para encenar um movimento antigrevista por dentro do movimento dos entregadores, com estratégias de marketing de guerrilha que envergonharia qualquer militante de 68.
No caso brasileiro, desde o início da crise econômica (2012-2014), a crise do trabalho se apresentou socialmente de forma ainda mais contundente e asselvajada do que em anos anteriores. Ao longo da bolha das commodities no começo do século XXI, políticas de distribuição de capital fictício por parte dos governos do Partido dos Trabalhadores, permitiram que este servisse de garantia para o endividamento das famílias e para um aumento no consumo. Tal processo resultou em uma melhora nos índices de miséria no Brasil, promovendo uma parcial ascensão social (das designadas “novas camadas médias”), quando computado o acesso às mercadorias. Tal processo aprofundou ainda a individualização, a concorrência e a exploração do trabalho (na sua maioria improdutivo, mesmo que com aumento da formalização, cf. PITTA, 2020), além de ser sentido pelas camadas médias brancas constituídas na modernização retardatária brasileira do século XX de forma ressentida e com o medo de declínio social. Assim, a maior parte da população brasileira passou a ser classificada como pertencendo às “camadas médias”.
Com o estouro da bolha das commodities, a concorrência de todos contra todos se acirrou ainda mais, na segunda década do século XXI. A crise econômica atingiu a todos, (inclusive de maneira particular as então classificadas “camadas médias”), e grande parte da população brasileira no seu fetichismo de sujeito em crise, imputou, a partir da imediaticidade de sua subjetivação da realidade social, à corrupção do Partido dos Trabalhadores no governo, assim como à política de conciliação por dentro do Estado brasileiro, a “culpa” por sua decadência social.
Kurz, ao formular sobre o novo radicalismo de direita, desdobramento da crise do trabalho, o caracteriza como forma selvagem de pseudorrebelião imanente e limitada (Kurz, 1993, pg. 33). Se aspectos do mesmo já se faziam presentes na sociedade brasileira mesmo antes do estouro da bolha das commodities, com este, o novo radicalismo de direita se disseminou: “A crise econômica e suas consequências sociais, naturalmente, são centrais em uma sociedade que foi dominada em todos os seus poros pela economia (Kurz, 2020 [1993], pg. 63) [...] Aparentemente, existe certo potencial que pode ser ativado por uma pitada de crise” (2020 [1993], pg. 63, nota 25).
Após 2015, principalmente, o desemprego, a precarização do trabalho e o desalento jogaram de volta à miséria e à fome grande parte das então designadas “novas camadas médias”, de ascensão por meio de capital fictício; assim como aumentaram a pressão econômica sobre as camadas médias tradicionais e “elites funcionais” ressentidas e raivosas, servindo a decadência social generalizada de fermento para a ascensão do bolsonarismo ao governo executivo brasileiro (2019), ao se apresentar como que em ruptura com a institucionalidade (cf. CATALANI, 2021). Assim, no que concerne ao trabalho, tal processo que já se fazia presente como parte da crise fundamental da forma social do valor-dissociação se agravou ainda mais, já que a Reforma Trabalhista (Lei № 13.467 de 2017) buscou reduzir os custos de reprodução do capital e ampliou a exploração do trabalho, além de permitir a terceirização total do mesmo, o trabalho intermitente e principalmente plataformizado, por aplicativos e de microempreendedores individuais (MEI), conduzindo grande parte da sociedade à concorrência de morte da luta de todos contra todos.
Para o leitor, assim, cumpre ressaltar que a administração da crise econômico-sanitária no Brasil encontra-se em monstruosa sincronia com a própria ideologia de crise. Em meio à luta para comer, habitar, respirar, uma fração social dos desalentados e monetarizados sem dinheiro ou oxigênio, capturada pelas máquinas de ódio do novo radicalismo de direita, quanto mais se viu diante da ausência de saídas no mundo do trabalho em crise, com mais fervor acolheu teses conspiracionistas e autodestrutivas. Seus asseclas encarnam o condenado n’A colônia penal de Kafka, cuja sujeição, tão canina, dá a impressão de ser preciso apenas um assobio para que entreguem a si ou qualquer passante à execução (KAFKA, 2010). Daí vemos proliferar o sujeito-amoque, cuja frieza para com o próprio eu coincide com as práticas sacrificiais, que por fim explica a aprovação do governo Bolsonaro entre 25 a 30% da população em 2022: o desprezo pela vida advém do vazio da forma do sujeito, desencarnada dos sujeitos que lhes são descartáveis, no momento de sua crise derradeira.
Kurz já antecipara elementos que nos ajudam a apreender o fenômeno bolsonarista:
O medo e o descontentamento crescentes nos segmentos do trabalho assalariado em dissolução não mais encontram consolo nas instituições democráticas, intensificando a panela de pressão social [...]. Assim, a crise sistêmica cada vez mais evidente da democracia de mercado faz quase inevitavelmente com que os próprios critérios sistêmicos sejam reafirmados de modo compulsivo até pelos perdedores manifestos (...), mas, devido à impossibilidade de busca racional de interesses, eles se tornam irracionais e crescentemente mais agressivos (KURZ, 2020 [1993], pg. 64).
Bolsonaro é a própria reafirmação compulsiva dos critérios sistêmicos de forma asselvajada e irracional (que está em relação com a razão) capitalista. Parece repor a crise da forma social, como se ao se identificar com ela conseguisse se “beneficiar” da mesma, como aparece nas interpretações sobre ele em Nobre (cf, “o caos como método”, 2022), em Masterclass de fim de mundo (sendo a crise a sua forma de gestão, 2022) ou em Nunes (2021). De fato, o governo federal brasileiro, ao acelerar a disseminação da Covid-19 fora condizente em suas ações (de sujeito sujeitado) com as promessas de implementação de um liberalismo extremista hayekiano (KURZ, 1994), na tentativa do ministro da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, de se dicotomizar das tentativas de políticas econômicas anticíclicas do Partido dos Trabalhadores após a crise de 2008, imputando a elas a característica de causas da crise brasileira (que em realidade estão enraizadas na sua inserção na crise fundamental do capital como um todo, como vimos em PITTA, 2020). Assim, em diversas situações, ministérios ficaram vazios, sem ninguém a se responsabilizar por suas conduções, principalmente o próprio ministério da saúde, numa postura de ataque ao sistema político vigente (que ainda assim necessita do Estado), (19) tentando submeter o todo da sociedade diretamente às determinações do mercado (espaço institucional da esfera funcional da “economia”, cf. KURZ, 1994) – inclusive epidemiologicamente, acelerando a “livre circulação do vírus” –, porém, no momento do casino da crise de ficcionalização da acumulação de capital. (20) Foi assim que Bolsonaro ainda tentou sustentar apoio social, culpabilizando o sistema político, as “elites” associadas a este, a “vagabundagem” das camadas pobres, de negros, mulheres, indígenas, professores e funcionários públicos pelo aprofundamento da crise social, com sua charlatanice conspiracionista por um lado e racista e machista por outro (CATALANI, 2021). De toda forma, porém, obviamente, para além do apoio da população que se mantém, mesmo após os aproximadamente 700 mil mortos (em que pese a gigantesca subnotificação dos óbitos da pandemia no Brasil), com o aprofundamento do desemprego, da crise econômica, da desintegração social e do asselvajamento do racismo e do machismo, a rejeição a Bolsonaro engloba em torno da metade dos eleitores brasileiros e permite reafirmarmos a crise atual do sujeito nos resultados contraditórios das suas ações. Assim:
Embora o novo radicalismo de direita efetive sua potencialidade social, ele não ganha qualquer capacidade de se impor na sociedade como um todo, já que, no caso de uma consciência conformada pelo sistema (...), tem de estar em linha com o desenvolvimento capitalista. Ele torna-se o fermento da decadência social e das lutas de distribuição sem perspectivas (KURZ, 2020 [1993], 74).
Concomitante à condução da pandemia de forma a fomentar o darwinismo social, correlacionado que está à exclusão dos supérfluos da crise do trabalho, a política econômica do governo federal a incentivar a pilhagem da economia de saque, o armamento da população a defender os interesses das famílias (em crise) em nome da propriedade privada e da “segurança” e a luta de distribuição sem perspectivas dos interesses particulares das máfias, facções e milícias (paramilitares) também aceleraram a reprodução do capital em crise em direção aos seus limites internos e externos e às formas de barbárie que apresentamos na presente parte do texto na totalidade concreta das particularidades do capital fictício real dos frigoríficos espalhados pelo interior do Brasil, da crise de oxigênio da pandemia em Manaus e da disseminação como fogo em palha da Covid nos imensos centros urbanos, dentre os supérfluos que se viram entre o desemprego e a busca pelas últimas formas de trabalho superexplorado e precários e nas condições existentes.
Cabe o destaque, assim, que a inflação global generalizada, já em 2021, atingiu o Brasil em cheio, já que a criação de capital fictício – a tentar salvar os capitais que nem simulação de acumulação logravam apresentar – também foi replicada no Brasil, como parte da criação de capital fictício mundial e serviu como característica mais recente da ruptura de significativa parte da população com o atual presidente, já que radicalizou ainda mais a crise social, aumentando inclusive a fome e a miséria, (21) como já apresentamos. Mesmo que Bolsonaro tente se manter no executivo federal com o suporte das forças armadas, das polícias militares, máfias e grupos paramilitares por meio de um golpe de Estado ou algo similar (para o qual ele está sempre ameaçando explicitamente em seus discursos e entrevistas), o que teremos será que “o aparato de violência assumirá (...) uma vida própria em um estágio avançado da crise, mas então apropriadamente não mais como um fator obscuro de ordem e poder para a sociedade como um todo, mas como um momento parcial de desintegração da coesão social” (KURZ, 2020 [1993], pg. 87). Diferentemente do fascismo histórico dos processos de modernização retardatárias de meados do século XX (incluso o nacional-socialismo alemão, ver KURZ, 2020 [1993]), os quais foram momentos de imposição da democracia de mercado, o novo radicalismo de direita está fincado historicamente na crise fundamental do capital. Esta inclui a crise do Estado e do sujeito, não mais logrando o Estado levar a termo projetos nacionais de modernização (o que não significa paralisação do aumento da composição orgânica do capital e da dessubstancialização do capital), mas atuando como tentativa de administração de crise sobre a massa de supérfluos da crise do trabalho, tentando manter a forma social do valor-dissociação a todo custo e, ao reproduzi-la, a acelera de maneira sacrificial no sentido da sua trágica decomposição em barbárie, irracional e inconsciente, já que ainda nos encontramos dominados pelos desdobramentos da contradição capitalista em processo que deveria ser suplantada, porém, de forma mediada pela sua crítica categorial.
Inflação dos derivativos de futuros de commodities e sua transmissão como determinação da inflação global da pandemia de Covid-19: O estouro da atual bolha financeira mundial
A escalada historicamente inédita nos preços dos chamados “ativos financeiros” ao longo de 2020 e 2021 pôde ser lida pelos mais diversos apologetas do capitalismo como sinal de que a abertura da economia após um suposto arrefecimento da pandemia significaria um novo “ciclo” de desenvolvimento econômico mundial. Em 2020, a economia mundial apresentou crescimento negativo de 3,6%, já que EUA recuavam 3,4%; a EU 6,3%, o Brasil 4,1% e a China teve crescimento pífio (UOL, 2022). Ao mesmo tempo, os mercados de capitais globais atingiam patamares nunca antes alcançados. Só para termos uma referência, reportagem do The Intercept, de abril de 2020, destacou que o S&P 500 das bolsas dos EUA subira 12% em uma semana – um recorde no aumento para os últimos 46 anos – e atingira pico histórico, ao mesmo tempo que as mortes por Covid-19 subiam 161%, no mesmo intervalo de tempo. Já tratamos também dos recentes recordes de preços do mercado imobiliário em certas economias nacionais e de preços de commodities nos mercados internacionais ao longo de 2021 e 2022.
Porém, após parcial retomada da economia entre 2021 e 2022, como vimos, o processo inflacionário global veio frustrar os prognósticos dos mais otimistas, mesmo antes da suposta retomada da economia. Tal processo, inclusive, levou a pique modas recentes do pensamento econômico apologético do capitalismo como a Modern Money Theory (MMT), preconizadora da criação ex nihilo de capital fictício a engendrar crescimento econômico como forma de estabilização do capitalismo mundial, como que sem consequências no que dizia respeito a um processo inflacionário global. Não foi isso que se viu, porém. Na tentativa de controlar a inflação global, como vimos, a subida recente das taxas de juros nas principais economias mundiais aparece como a responsável por “atrapalhar” uma supostamente possível recuperação econômica sustentada a capital fictício. Na verdade, tal subida das taxas de juros não é simplesmente resultado de uma política econômica “equivocada”, que jogará a economia mundial em recessão novamente, conforme aqueles que se pretendem sujeitos positivos de um processo incontrolável (KURZ, 2010). Como bem salientou Konicz (2022b) em texto recente, os Estados teriam que “subir e baixar as taxas de juros ao mesmo tempo”, o que demonstra a inviabilidade em se controlar tais processos econômicos, resultante de desdobramentos ulteriores contemporâneos da contradição em processo da própria forma social capitalista.
O que está por acontecer, no limite, é um novo estouro de uma bolha financeira mundial, estouro que se interrelaciona com o capital fictício real, impactando assim a produção mundial de mercadorias. A inflação dos títulos de propriedade e de dívida recente se tornou inflação global em um curto espaço de tempo e em relação ao estouro da bolha financeira mundial de 2008, o processo tem ocorrido, como já anunciado, de forma mais rápida e acentuada (cf. Kurz, 2014, cap. 17), com consequências sociais ainda mais catastróficas, dada a cada vez maior necessidade de ficcionalização da produção de mercadorias.
Não é o caso, por sua vez, de nenhum tipo de proposição acerca de uma tentativa de se conter o estouro da mais recente bolha financeira mundial – a qual fora alimentada a capital fictício na segunda década do século XXI e aprofundada sobremaneira durante a pandemia, sendo a pandemia desdobramento justamente desta alimentação prévia.
A proposta de Roberts (2022b), por exemplo, para contenção da inflação visa aprofundar o desenvolvimento das forças produtivas, aumentar a produtividade do capital e reproduzir exatamente as condições históricas determinadas que para nós produziram a pandemia e inflaram tal recente bolha mundial, formadora do processo inflacionário que o mesmo pretende tentar manipular.
Ao mesmo tempo, Smith et al. (2021), com sua formulação de crise periódica do capital por uma queda da taxa de lucro a partir do aumento da composição orgânica do capital (com aumento apenas relativo do capital constante em relação ao variável), o que para eles conduz às crises de acumulação e à necessidade de o capital se “financeirizar” com criação de capital fictício para continuar a valorizar o valor – por meio de aumento da exploração do trabalho e adiantamento da exploração de trabalho futuro –, levando à paralisação do investimento capitalista e à inflação, também reproduzem teoricamente as bases sociais de determinação da inflação presente que pretendem suplantar.
Para estes autores, é a propriedade privada dos meios de produção e a apropriação de trabalho alheio que fundamenta a concorrência intercapitalista e a dominação de uma parte da sociedade sobre outra, a qual para manter-se no poder deve continuar a valorizar o valor, levando à queda na taxa de lucro. Com a estatização dos meios de produção e o controle da política econômica por parte dos trabalhadores, supostamente se esgotariam as crises de acumulação, a paralisação da produção de mercadorias e se controlaria o fenômeno inflacionário.
Em razão da ontologia do trabalho que informa os autores, o paradigma produtivista e modernizador não é questionado, justamente aquele baseado no fetichismo da mercadoria e de sujeito que resta não tematizado por Smith et al., isso para não falar do polo dissociado do valor, que não entra em consideração absolutamente nos apontamentos dos autores aqui apresentados e criticados.
Para nós, o fenômeno inflacionário atual está determinado pelos desdobramentos recentes da dominação social da contradição fundamental da forma social do valor-dissociação e de seu imanente duplo da mercadoria e do trabalho, que impele os seres humanos por tal forma mediados a levarem adiante processos de aumento da produtividade do capital com desenvolvimento das forças produtivas, os quais, no momento atual de dessubstancialização do valor são simulados de forma crítica pela criação de capital fictício, produziram a pandemia na crise do capital e a mais recente bolha financeira mundial, conduzem ao asselvajamento do patriarcado, do racismo e da miséria no mundo, além de servirem de fomento para a ascensão do novo radicalismo de direita ao governo dos Estados Nacionais em ruínas mundo afora, como vimos para o caso brasileiro. Estes últimos foram negacionistas da pandemia e fomentaram sua disseminação, reverberando o estado de amoque do vazio do fetiche de sujeito – e sua frieza para com o próprio eu (KURZ, 2003) – no capitalismo (WISSEN, 2017), em seu momento de ficcionalização do fetiche da mercadoria e de valor de uso: positivação do vazio da satisfação de desejos humanos por meio das coisas e que é mediação para o vazio da simulação contemporânea da valorização do valor (PITTA, 2020). Por sua vez, a escalada da guerra de ordenamento mundial sobre a Ucrânia é mais um desdobramento catastrófico da crise fundamental do capital rumo à sua autodissolução inconsciente e descontrolada, à qual produz barbarização e aniquilação (cf. BÖTTCHER, 2022b), o que, de nossa parte, exige uma crítica categorial da forma social do valor-dissociação para sua suplantação e transformação da forma da relação social entre os seres humanos.
A dessubstancialização do capital da crise do trabalho só fez aprofundar o desacoplamento entre valor e dinheiro (KURZ, 2019 [1995]) e processos de inflação e deflação de preços de ativos que se medeiam com a disseminação de inflação e de deflação nos preços de mercadorias ao nível global do capital – como capital fictício real – se sobrepõem, em sua superfície econômica, à inflação secular do capital. (22) A disseminação da inflação, ao se generalizar, antecede o estouro das bolhas financeiras, cuja deflação de preços não conduz a um reacoplamento entre valor e dinheiro, mas que como vimos, só pode conduzir a novas tentativas infrutíferas de estabilização, com aprofundamento da dessubstancialização, aumento da contradição entre matéria e forma e destruição da natureza, base da própria vida no planeta.
Como se disseminaram os preços das bolhas de títulos de propriedade, de dívida e de preços ficcionalizados dos derivativos de commodities para a produção, troca e consumo de mercadorias e de forma tão rápida quanto a disseminação que ocorreu entre o início da pandemia, os primeiros meses após o inédito quantitative easing para criação de capital fictício dos governos nacionais como tentativa de administração de crise e contenção da derrocada da simulação de acumulação de capital ao longo da pandemia (simulação que já rateava nos anos imediatamente anteriores), produzindo a inflação global de preços das mercadorias atual?
Ernst Lohoff, vinculado ao Gruppe Krisis, de crítica do valor, tenta apreender em texto recente (2022) como a “inflação de ativos financeiros” [asset price inflation] se dissemina para a chamada por ele “economia real”, abordando indiretamente o fenômeno inflacionário atual. Mais preocupado em criticar formulações anteriores de Robert Kurz e da crítica do valor dos anos 90 sobre tal disseminação, o que o faz segundo nossa interpretação de maneira equivocada, Lohoff fundamenta sua explicação da inflação contemporânea na “decomoditização” da “mercadoria monetária” [Geldware] e na necessidade de criação de dinheiro fictício por parte do mercado de capitais em suas relações com o Estado de maneira suficiente a garantir uma “estabilização” do sistema monetário. Como no texto o autor parece mais preocupado em fazer uma economia política contemporânea do capital fictício, o que ele designa por uma “teoria monetária da crítica do valor” (LOHOFF, 2022), ao invés de fazer uma crítica radical da forma social capitalista (a qual deveria considerar uma crítica à própria teoria entendida positivamente, como em KURZ, 2007), nada é tematizado acerca da crise do trabalho, dessubstancialização do capital e economia de bolhas financeiras, o que para nós conduziu ao papel determinante do capital fictício para simular acumulação de capital e aprofundar a crise fundamental do mesmo, enquanto este como forma social ainda vigora, embora em decomposição.
Na verdade, o que se apresenta em Lohoff é o oposto. O capital fictício aparece também em Lohoff como forma de “acumulação de capital” a postergar a crise da mesma. Por conceber o capital fictício como “adiantamento de trabalho futuro” (o que vimos que Smith et al. também fazem a ponto de considerar isso também uma forma de valorização do valor), Lohoff volta a incorrer em uma formulação de fetiche de capital e em seus períodos de acumulação e crise, embora distintos, já que agora movidos a capital fictício para perpetuação da própria forma social.
Abandona-se assim a teoria da crise fundamental, para a qual cada nova rodada de criação de capital fictício apenas pode aprofundar tal crise, o que inclusive permite incluirmos de maneira imanente a esta a produção da pandemia aqui em questão. Ainda no que concerne ao que Lohoff chama de “economia real” (sem distinção entre trabalho produtivo e improdutivo de valor, com ficcionalização deste), o autor também parece confundir o nível dos capitais individuais e o nível global da valorização ou não do valor (sobre o individualismo metodológico de Lohoff, cf. CZORNY, 2014), afirmando que o capital fictício permite que as empresas capitalistas possam continuar assim a acumular:
Nas respectivas indústrias futuras, a dinâmica da criação fictícia de capital sustenta a acumulação e substitui a rentabilidade perdida; nos sectores que realizam produção de valor induzido, a dinâmica da criação fictícia de capital restaura, por agora, a rentabilidade perdida (LOHOFF, 2022).
Sua explicação para a disseminação da inflação termina por focar a incapacidade do mercado de capitais em manter o ritmo de criação de capital fictício em nível suficiente para manter a “acumulação de capital” da “economia real”, o que conduz a que os bancos centrais tenham que emprestar diretamente à sociedade sem passar pelo mercado financeiro, caso isso não ocorra. É como se fosse possível ou até desejável que o mercado de capitais criasse dinheiro de maneira indefinida, perdendo-se o fundamento para a explicação de criação e estouro de bolhas financeiras cada vez mais rápidas e aprofundadas em razão do desacoplamento entre valor e dinheiro (KURZ, 2019 [1995]).
A transição para uma grande inflação só é iminente quando os bancos comerciais falham como parceiros na geração de capital fictício. Isto obrigaria os bancos centrais a abandonar total ou parcialmente o ciclo monetário duplo e a passar à emissão directa de dinheiro do banco central para os agentes económicos que operam fora do sector bancário (LOHOFF, 2022).
Lohoff parece até se posicionar como quem pretende propor soluções para o fenômeno inflacionário global atual, como ao sugerir que o mercado de capitais devesse continuar a criar capital fictício suficiente para “estabilizar a economia capitalista”, como se isso fosse possível. Escreve ele ao tentar criticar a MMT: “Do ponto de vista aqui delineado, torna-se claro que precisamente o supostamente supérfluo é indispensável para manter o carácter de mercadoria do dinheiro e, portanto, a estabilidade monetária”.
De toda forma, com a explicação aqui exposta para a disseminação inflacionária em sua relação com a criação de capital fictício, Lohoff se aproxima perigosamente de uma teoria quantitativa da moeda, em distanciamento até mesmo das explicações de Marx para o fenômeno inflacionário em O capital. A impressão de dinheiro e sua injeção direta na economia por parte dos Bancos Centrais conduziriam a um aumento da demanda, a qual impulsionaria os preços das mercadorias em geral? Cabe o destaque que a explicação pelo excesso de demanda é aquela proferida pelo mainstream economics e pelos keynesianos para o fenômeno inflacionário recente, já no presente texto por nós criticada (cf. também ROUBINI, 2022).
Ao criticar a forma de a crítica do valor dos anos 1990 apreender a transmissão da inflação dos “preços dos ativos financeiros” para a “economia real”, no limite, Lohoff caricaturiza a si mesmo e propositadamente desconsidera ainda como a formulação de Kurz acerca da “inflação dos títulos de dívida e de propriedade” (2005 e 2014) nos mercados de capitais se desdobrou já no grupo Exit. Esta, por sua vez, é o que nos permite justamente mediarmos inflação dos títulos de propriedade e de dívidas com disseminação da inflação para a produção, troca e consumo de mercadorias, conforme fizemos em Pitta (2020) e no presente texto, com a concepção de capital fictício real (KURZ, 2005). Nem Kurz, nem a crítica do valor-dissociação descreveram a criação de capital fictício pelos mercados de capitais como um ciclo de água que fica “armazenado” e é posteriormente “derramado” sobre a designada por Lohoff “economia real” (LOHOFF, 2022). Na verdade, talvez a crítica caiba mais a como o próprio Lohoff apresenta a sua formulação. (23)
Em Kurz, de maneira oposta, o capital fictício não significa nenhuma acumulação substancializada a partir da antecipação de exploração garantida de trabalho produtivo futuro, mas sim, apenas sua hipoteca, a qual só pode simular ficticiamente por um curto período de tempo uma reprodução ampliada capitalista. Isso se dá já que a produção de valor futuro (atualmente em declínio em montantes absolutos, cf. Kurz, 2014) não irá ocorrer de forma suficiente a valorizar o capital fictício previamente criado em razão do aprofundamento da dessubstancialização e do desacoplamento entre valor e dinheiro da crise fundamental do capital.
Kurz (2005) está com Marx (1985, Seção V) no que concerne ao capital fictício. Sendo o capital fictício uma capitalização a preço presente de um fluxo de rendimento futuro, este fluxo futuro sempre envolve uma projeção, que acaba por definir flutuações sobre tal preço de capitalização, as quais podem se desacoplar inclusive de tais fluxos. (24) Quando o fluxo de rendimento sobe ou cai, o preço capitalizado tende a subir ou cair. Porém, a subida ou descida do preço de títulos de propriedade ou de dívida por um período de tempo pode conduzir a uma realimentação do processo altista ou baixista por parte daqueles investidores buscando rendimentos fictícios estritamente no diferencial de preços em si mesmos negociados, o que pode se disseminar posteriormente pela economia como um todo, constituindo, inclusive, capacidade aquisitiva improdutiva (KURZ, 1999 [1991]). Assim, a subida dos preços capitalizados pode definir a transmissão mediada destes para a produção, troca e consumo de mercadorias, constituindo inflação que pode se generalizar, não sendo necessariamente um suposto excesso de demanda, ou um “derramamento” direto de dinheiro dos mercados financeiros para a produção de mercadorias a causa desta, como sugere Lohoff.
Para observarmos isso, necessitamos levar adiante um realismo dialético (SCHOLZ, 2009) e apreendermos a objetividade fantasmagórica social capitalista como totalidade (fragmentada) concreta (SCHOLZ, 2009) em processo histórico. Quando apresentamos anteriormente a bolha das commodities (PITTA, 2020) do início do século XXI, destacamos que foram investimentos em preços futuros de derivativos de commodities, a fim de tentarem se proteger do estouro da bolha da Nasdaq de 2001, que levaram à capitalização inflacionária dos preços destes, uma subida que fora realimentada por investimentos que buscavam rendimentos na aposta por diferencial altista de preços de tal tipo de título de propriedade, os quais então foram transmitidos para os preços presentes das commodities, sem ter relação direta com o que ocorria com a demanda por estas (cf. GIBBON, 2013) (25). Isso se dá justamente em razão da contradição entre matéria e forma, que conduz a um montante cada vez mais ínfimo de valor representado fantasmagoricamente pela corporeidade das mercadorias (nunca contido nestas), o que faz com que os preços destas passem a ser definidos nos mercados de derivativos financeiros de futuros, enquanto precificação ficcionalizada destes.
Ao longo da pandemia de Covid-19, algo similar a isto vem ocorrendo com os preços das commodities. Conforme as baixas taxas de juros, o quantitative easing dos Estados nacionais (ainda aprofundado de forma inédita com a pandemia) e a promessa de reabertura econômica, diversos investidores começaram a apostar na precificação (capitalização) de um aumento dos preços futuros das commodities em mercados de derivativos, o que foi realimentado por novos investimentos altistas nos mesmos, a fim de obterem rendimentos fictícios com os diferenciais de preços. Tais preços foram, assim, disseminados para os preços presentes das próprias commodities negociadas em mercados financeiros, de forma inflacionada ficticiamente, não tendo a ver diretamente com um excesso de demanda por estas. Os preços de commodities, englobando aqui energia, minérios e alimentos, nos montantes históricos em que se encontravam já antes da Guerra na Ucrânia, entram nos custos de produção das empresas capitalistas e passam a definir os preços das mercadorias em geral, se disseminando como inflação global, com força a partir de meados de 2022, conforme vimos.
Se os lucros simulados das empresas capitalistas como capital fictício real já apresentavam queda desde 2019, agravados pela pandemia, a subida exponencial nos custos de produção levou o capital a ter de passar para as mercadorias finais o aumento de preços (TOOZE, 2022), o que, por sua vez, não deixou de corroer suas taxas de lucro fictícias e a “travar” a simulação de acumulação do capital, conduzindo as políticas econômicas de diversos Estados nacionais a ter de reverter o quantitative easing e a subir suas taxas de juros, na tentativa infrutífera de conter a mais recente bolha financeira mundial, a qual de forma muita rápida e aprofundada foi inflada, disseminou-se e deve estourar a qualquer momento.
Notas
(1) Consultar: https://data.oecd.org/price/inflation-cpi.htm
(2) Este fenômeno inflacionário da superfície dos mercados não pode, porém, ser confundido com a inflação estrutural do capital (cf. KURZ, 2019 [1995] e 2014, pg. 189 e cap. 17) que se aprofunda conforme sua dessubstancialização secular. Sobre a antecedência de tal fenômeno ao estouro da bolha financeira mundial de 2008 e a miséria e a fome por este último desencadeadas, ver Kurz, “A inflação da fome” (2011).
(3) Deve-se fomentar investimento e produção por meio do investimento público. Isso resolveria o choque de oferta. Mas investimento público suficiente para fazer isso iria requerer significativo controle sobre os principais setores da economia, particularmente energia e agricultura; e uma ação global coordenada. Isso é atualmente uma esperança vã. (tradução dos autores).
(4) “There is ample reason to believe that the next recession will be marked by a severe stagflationary debt crisis. As a share of global GDP, private and public debt levels are much higher today than in the past, having risen from 200% in 1999 to 350% today (with a particularly sharp increase since the start of the pandemic). Under these conditions, rapid normalization of monetary policy and rising interest rates will drive highly leveraged zombie households, companies, financial institutions, and governments into bankruptcy and default” (ROUBINI, 2022, sem paginação). “Há ampla razão para se acreditar que a próxima recessão será marcada por uma severa crise de dívidas estagflacionária. Como proporção do PIB global, os níveis de endividamento público e privado estão muito mais altos hoje do que no passado, tendo crescido de 200% em 1999 para 350% atualmente (com um aumento particularmente acentuado desde o início da pandemia). Sob tais condições, a rápida normalização das políticas monetárias e a subida nas taxas de juros irão conduzir as famílias, companhias e instituições financeiras – todos zumbis amplamente alavancados – e os Estados à bancarrota e ao calote” (ROUBINI, 2022, sem paginação, tradução dos autores).
(5) “Todo dinheiro de crédito do ‘quantitative easing’ terminou por ser um financiamento com custo praticamente zero para especulação financeira e fundiária. A ‘inflação’ se deu nas bolsas de valores e nos mercados imobiliários, não nas lojas” (ROBERTS, 2022b, sem paginação, tradução dos autores).
(6) “[...] o lucro fictício pertence a um “modo temporal do valor’, [...] nomeadamente ‘antecipação de valor futuro’” (pg. 163, tradução dos autores).
(7) “Dado que uma crise financeira severa e uma contração econômica já vinham sendo gestadas no final de 2019, teria sido possível, na ausência da emergência sanitária de COVID-19, vender ao público a necessidade de uma infusão enorme de fundos por parte dos bancos centrais e governos nos bancos, corporações e mercados de ações? Nós achamos que a resposta é não. Uma simples repetição dos muito impopulares bailouts [salvamentos] de 2008-2009 teria desencadeado imensa fúria popular. Do ponto de vista dos interesses de certas elites poderosas, então, a pandemia deve mesmo ter tido um muito bem-vindo estranho desenvolvimento [...]”. (SMITH et al., 2021, pg. 28, destaque nosso, tradução dos autores).
(8) Para nossa análise acerca das transformações na formulação de Kurz sobre a simulação de acumulação de capital através da mediação do capital fictício desde os anos 1980, conforme a contradição em processo da forma social continua a se desdobrar, ver PITTA, 2020, item 3.
(9) Sobre tal relação, consultar ainda, “‘Capitalismo Asiático’ e Crise Global”, de Botelho e Barreira (2021).
(10) Apresentaremos a seguir a hipótese de Wallace que nos interessa para desenvolvermos o argumento geral aqui apresentado. Desejamos adiantar desde já, porém, que o entendimento de Wallace com relação ao capitalismo contemporâneo compartilha da tese veiculada pelos adeptos do capital monopolista (como clássico de Sweezy e Baran; e em Belamy Foster e Magdo, 2009), na qual a financeirização é apenas decorrente dos desdobramentos da troca injusta promovida pelo controle de preços das grandes corporações, sendo para eles as crises do capital crises de subconsumo, o que os conduz a uma defesa de um Estado regulacionista e em formas alternativas de produção de mercadorias. A crítica a esta vertente já foi por nós desenvolvida com profundidade em Pitta (2020).
(11) “According to the People’s Bank of China, since 2008, the Chinese economy has added about $12 trillion worth of debt, roughly the size of the entire U.S. banking system in that year” (Mcmahon, 2018, pg. 11). “De acordo com o Banco Popular da China, desde 2008, a economia chinesa emitiu o valor de 12 trilhões de dólares de dívida, aproximadamente o tamanho do sistema bancário dos EUA daquele ano” (Mcmahon, 2018, pg. 11, tradução dos autores).
(12) “‘Há uma série de fatores que levam à tentativa de enfraquecer as populações, deixando que morram. Se um país colapsa, e se ajoelha, perde a capacidade de produção. Eu luto para que o Brasil se fortaleça, que sobreviva a essa guerra’. A declaração da médica Nise Yamaguchi sintetiza a abordagem do chamado gabinete paralelo, que não lutou para evitar mortes, mas para que sobrevivessem os ‘fortes’, enquanto os ‘fracos’ eram sacrificados em nome da ‘produção’, um gesto irremediavelmente eugenista” (SAMPAIO, 2020).
(13) Vale o destaque que desde meados de 2011, após o estouro da bolha financeira mundial de 2008 e com aprofundamento após a queda nos preços do petróleo (2014) como parte do estouro da bolha das commodities e suas consequências econômicas, o Brasil passa por um processo de fechamento de fábricas para produção industrial manufatureira, ou seja, sem considerar as agroindústrias no cálculo (IEDI, 2021). De forma nenhuma, porém, isso significa que o desenvolvimento das forças produtivas está parado no país, o que aprofunda ainda mais o aumento da composição orgânica do capital, a expulsão do trabalho vivo do processo produtivo e a crise do trabalho.
(14) A produção e distribuição de hidroxicloroquina pelo exército brasileiro respondeu à pressão do chamado gabinete paralelo do governo Bolsonaro. Apresentada como solução, a cloroquina foi amplamente utilizada para relativizar a pandemia e manter a “economia aberta”, ou seja, atuando como uma espécie de remédio placebo sobre a população sacrificável.
(15) Cf. https://www.eldonews.com.br/jbs-divulga-nota-sobre-morte-de-trabalhador-em-frigorifico-de-nova-andradina
(16) Ari teve sua história contada no documentário “O Território” na National Geographic, previsto para lançamento em agosto de 2022. O documentário Uru Eu Wau Wau: Terra em Disputa (2019) também relata roubos de madeira, grilagem de áreas protegidas e ameaças a lideranças indígenas. Cf. https://www.youtube.com/watch?v=PIFcHf99cb8.
(17) Cabe o importante destaque que a família Bolsonaro se fez na política do estado do Rio de Janeiro em estreito vínculo com milícias de grupos paramilitares a controlar as favelas da capital do estado (cidade do Rio de Janeiro), extorquir as populações, lotear ilegalmente terras para produzir o espaço e financiar e garantir as eleições de seus apoiadores na política. Ainda sobre as milícias no Brasil cf. A república das milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, de Bruno Paes Manso (2020).
(18) Em Kurz (1993, pg. 49), lê-se que no totalitarismo da democracia de mercado do boom fordista, ações perpetradas pelo nazismo se disseminaram de forma difusa pela sociedade capitalista desde então, já que se instaurou a autodisciplina internalizada das mônadas sujeitos da forma mercadoria, na qual todos passam a ser seus próprios Hitler. Com o novo radicalismo de direita assumindo os Estados em crise, no momento da crise fundamental do trabalho e da forma social do valor-dissociação após os anos 1970, tais ações se agudizam e se tornam ainda mais explícitas, o que não significa um “retorno” do “nexo total ditatorial” dos fascismos históricos da primeira metade do século XX, mas sim a violenta disputa distributivista de crise entre grupos para alcançar seus diversos interesses particulares fetichistas, que não podem mais se hegemonizar.
(19) Bolsonaro defende que o período de Ditadura Militar no Brasil (1964 – 1985) teria sido a experiência da “verdadeira democracia”. Este foi, na verdade, um momento de modernização retardatária [nachholende Modernisierung] brasileira, que entrou em crise nos anos 1980 (KURZ, 1999 [1991]) e não pode mais ser reproduzido.
(20) Ainda Kurz: “Mas a crise do sistema revela que, em última análise, a política é apenas uma esfera derivada que não tem qualquer poder independente de intervenção. As leis e medidas estatais que não estão em conformidade com o estágio de desenvolvimento do processo sem sujeito do mercado são inócuas e permanecem no papel” (Kurz, 2020 [1993], pg. 83). E continua em nota: “Esse limite da política é, naturalmente, particularmente evidente no caso dos próprios radicais de direita, cujos programas econômicos e sociais ou não existem ou são simplesmente impraticáveis e, regra geral, ainda mais nebulosos do que os dos partidos oficiais” (KURZ, 1993, pg. 83, nota 37).
(21) Por fim, cabe comentar que ao longo de 2021 e 2022, supermercados espalhados pelo país passaram a vender o refugo de certas mercadorias para que os mais pobres fossem ainda levados a comprá-lo; passaram a ser comercializados pés de galinha, ossos de gado e soro de leite, por exemplo.
(22) Para uma apresentação da formulação marxiana da inflação e de inflação secular de Kurz, ver Nuno Machado (2020). Temos por base o ali apresentado, a partir do que desdobramos no que concerne ao momento de crise fundamental do capital os processos de inflação de títulos de propriedade e de dívida, sua transmissão para a produção, troca e consumo de mercadorias e seus processos de transmissão de preços e disseminação da inflação para o capital a nível global como momento que antecede o estouro das bolhas financeiras e sua consequente deflação de preços (às vezes parcialmente contida em razão dos processos críticos de administração de crise).
(23) É de importância notar que não é casual que Lohoff utilize metáforas fisiocráticas como a do “armazenamento de água” para abordar o capital fictício e seu papel nos mercados de capitais, apresentando uma noção linear entre crescimento do armazenamento de capital fictício e “acumulação de capital” no que ele chama de “economia real”. Isso já se apresenta no seu livro A grande desvalorização [Die große Entwertung, 2012], no qual formulações que reaparecem em seu texto mais recente estão aqui criticadas. De maneira totalmente diversa, Kurz fala de um buraco negro a tudo “engolir” ao tratar do desacoplamento entre valor e dinheiro e do necessário estouro das bolhas financeiras com cada vez maior aprofundamento de tal desacoplamento (Kurz 2014, 304 [2012, 339]). Sobre isso ainda, ver Czorny (2014).
(24) “Os títulos de propriedade sobre empresas por ações, ferrovias, minas etc. são, de fato, conforme igualmente vimos, títulos sobre capital real. Entretanto, não dão possibilidade de dispor desse capital. Ele não pode ser retirado. Apenas dão direitos a uma parte da mais-valia a ser produzida pelo mesmo. Mas esses títulos se tornam também duplicatas de papel do capital real, como se o conhecimento de carga recebesse um valor além do da carga e simultaneamente com ela. Tornam-se representantes nominais de capitais inexistentes. Pois o capital real existe a seu lado e não muda ao todo de mãos pelo fato de essas duplicatas mudarem de mãos. Tornam-se formas do capital portador de juros, não apenas por assegurar certos rendimentos, mas também porque, pela venda, pode ser conseguido seu reembolso como valores-capitais [capital fictício]. [...] Mas, como duplicatas que são, em si mesmas, negociáveis como mercadorias e, por isso, circulam como valores-capitais, elas são ilusórias e seu montante de valor pode cair ou subir de modo inteiramente independente do movimento de valor do capital real, sobre o qual são títulos” (MARX, 1985, pg. 20, nosso destaque).
(25) “In the literature, the phrase ‘the financialization of commodity derivatives’ has been used by commentators to refer variously to one or more of the following: - Growth in futures market share of market participants that are essentially financial firms, including hedge funds, mutual funds and pension funds. ‘Managed’ commodity assets increased in value from less than US$10 billion at the end of the 1990s to around US$450 billion by April 2011. […] - Unprecedented levels of futures market volume growth unrelated to changes in the size of physical markets – worldwide, the exchange-based commodity derivative trade increased by over 300 percent between 2001 and 2007, while the OTC trade increased by 1400 percent. […] In each case, financialization is stated to have emerged around 2001-3 and to have significantly accelerated from 2004-5” (GIBBON, 2013, pgs. 8 e 9). “Na literatura, a frase ‘a financeirização dos derivativos de commodities’ foi utilizada por comentaristas para se referirem a um ou mais pontos do que se segue: - Crescimento na participação nos mercados de futuros de firmas que são essencialmente financeiras, incluindo hedge funds¸ fundos mútuos e fundos de pensão. Commodities como ativos administrados cresceram em valor de menos do que 10 bilhões de dólares no final dos anos 1990 para cerca de 450 bilhões de dólares em abril de 2011. [...] - Níveis sem precedentes de crescimento nos volumes dos mercados de futuros sem relação com mudanças no tamanho dos mercados físicos – no mundo, o comércio de derivativos de commodities baseado na troca cresceu 300 por cento entre 2001 e 2007, enquanto o comércio OTC (mercado de balcão) cresceu 1400 por cento. [...] Em cada caso, a financeirização é considerada como tendo emergido por volta de 2001-2003 e significativamente acelerado em 2004-2005”. (GIBBON, 2013, pgs. 8 e 9, tradução dos autores)
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Texto publicado em ZERO À ESQUERDA, nº 0, 2022, pag. 98-169. https://zeroaesquerda.com.br/index.php/revista/ . Tradução alemã na revista exit! – Krise und Kritik der Warengesellschaft nº 20, 04/2023. https://www.exit-online.org/