GENDER TROUBLE NA KRISIS (1)
Depoimento comum de três mulheres
que já antes tinham penetrado no santuário da Krisis, a redacção.
A repentina cisão da Krisis não se explica pelos acontecimentos e declarações das últimas semanas, mas assenta em profundos problemas estruturais e de relacionamento. O facto de Franz Schandl ter acusado Robert Kurz, por este "alucinar" o contexto da Krisis como "associação masculina", não só demonstra a absoluta falta de reflexão de Schandl a este respeito, mas também torna claro até que ponto são mais que horas de, finalmente, algumas das raras mulheres que até há pouco foram activas no círculo interior da Krisis dizerem de sua justiça sobre o assunto, e não apenas os próprios membros da dita associação masculina. Calámo-nos sobre muitos acontecimentos e ocorrências do passado, não só por termos estado empenhadas em preservar a coesão da Krisis, único contexto, em nossa opinião, para a questão da relação assimétrica entre os sexos no seio do capitalismo poder ser tematizada adequadamente em termos teóricos; e não apenas por termos privilegiado uma atitude de que "também os homens são apenas humanos", mas infelizmente também por não termos tido plena consciência de um modo imperdoavelmente ingénuo, como uma mulher tem agora de admitir do alcance da problemática do relacionamento entre os sexos no interior da Krisis, que subsistia nos contextos concretos da mesma, não obstante toda a tematização abstracta da crítica do valor-separação. Agora, porém, após a tentativa de achincalhamento e golpe por parte dos Schandl, Trenkle & Cia., já não é possível continuar a ignorar esta problemática fundamental em todo o seu alcance.
1. As mulheres na associação masculina Krisis
É um facto: na Krisis, tal como é característico das associações masculinas, as mulheres sempre foram alvo de olhares sobranceiros, foram ignoradas, evitadas, espoliadas dos seus pensamentos sem indicação da respectiva autora, "esquecidas" na partilha de informações etc. até ao achincalhamento descarado (Brigitte Hausinger por parte de Ernst Lohoff, Norbert Trenkle e Karl-Heinz Wedel no grupo de Nuremberga), orquestrado por um homem desdenhado e por elas pessoalmente criticado (Ernst Lohoff). No grupo de Nuremberga até se chegou a vias de facto: Ernst Lohoff não se conteve de levantar a mão a Roswitha Scholz.
Infelizmente é assim mesmo: no grupo Krisis, as mulheres são toleradas sobretudo se e enquanto não passarem de apêndices passivos. O que delas se pretende é que se limitem a "assistir" e, de preferência, assumam posições sexualmente neutras. Até hoje, é este o sub-texto do relacionamento Krisis, próprio de uma associação masculina (embora isto não se aplique por tabela a todos os membros masculinos da Krisis, sendo em especial verdade não por acaso para a clique dos golpistas), apesar de toda a apreciação superficial, de uma adesão apenas em palavras à teoria do valor-separação (frequentemente sem mencionar a respectiva autora) e de uma entretanto alardeada sensibilidade sexual em abstracto. Esta estrutura é um facto puro e duro, ainda que agora, na aflição do conflito, significativamente se tragam mulheres da periferia da Krisis para afiançar o contrário, sem conhecerem de perto por experiência própria as ocorrências e as situações continuadas criticadas.
Mas mesmo nos casos excepcionais, em que uma mulher tenha logrado aceder ao Olimpo da produção teórica, é-lhe exigido um forte "lado feminino". Ela tem de fazer tudo o que esteja ao seu alcance para aplacar as almas facilmente ofendidas dos homens (sendo Lohoff o caso paradigmático) e manter a "coisa", o projecto Krisis, em movimento. Não é nada fácil cumprir os requisitos, visto que um dos pressupostos principais do cumprimento rigoroso do cerimonial tipo pátio andaluz consiste em nunca esquecer que uma mulher só pode ter conseguido entrada em consequência directa da protecção de algum dos cortesãos ou da respectiva clique. Qualquer rebeldia é imediatamente punida, como foi dado a conhecer a Brigitte, sendo a execução (a exclusão do grupo, devida ao facto de a sua mera presença se ter tornado "insuportável" ao homem Lohoff) anunciada à delinquente por um adjunto (por informação telefónica de Trenkle, simpática como sempre, no sentido de ela não ter de voltar a aparecer). Uma mulher apenas pode fazer parte da equipa da Krisis se for apadrinhada por um homem ou por uma clique masculina, caso contrário não pode ser coisa nenhuma!
Correspondentemente, nos e-mails dos golpistas e nos seus restantes enunciados, já nem sequer era mencionada qualquer justificação específica da intenção de se excluir Roswitha Scholz da redacção. Mesmo como suposta "aniquiladora de homens" (assim a designou Karl-Heinz Wedel), ela não deixa de ser um adereço de Robert Kurz. Assim sendo, a sua exclusão já acaba por ser plausível por inerência!
2. Os homens e a concorrência na associação masculina Krisis
No entanto, se falamos de uma "associação masculina" ou de uma "estrutura própria de uma associação masculina", deveríamos começar por assegurar-nos do que pode ser entendido como tal, em geral. Eva Kreisky escreve sobre este assunto, de uma forma problemática pelo seu positivismo (embora isso aqui não venha ao caso): "As associações masculinas são sempre associações que se agrupam em torno de valores. A afinidade e a solidariedade entre homens têm uma base não só racional, mas igualmente emocional, afectiva e, não raro, até erótica. As associações masculinas têm uma estrutura interna extremamente hierárquica: em torno da figura central do herói masculino (Führer, guia, mestre) reúnem-se os irmãos, amigos, camaradas libidinosamente vinculados. As associações masculinas necessitam da aura do misterioso. Os ritos iniciáticos, as cerimónias, as técnicas mágicas, a linguagem, estabelecem a união. As imagens artificiais do inimigo (...) galvanizam apesar de todas as diferenças e oposições internas".
Este foi (apesar do seu estatuto não oficial, de uma forma em tudo semelhante ao que acontece nas corporações académicas ou instituições políticas) o estado aproximado do grupo Krisis até ao início dos anos 90. As inovações quanto ao conteúdo do "mestre" Robert Kurz foram adoptadas tão bem como sempre, com a facilidade com que se corta manteiga; mas esse estado de coisas apenas se prolongou até ao dia em que ele, contra a resistência renhida de todo o grupo de Nuremberga de então, começou a apoiar a teoria do valor-separação de Roswitha Scholz. Sem o seu apoio, essa teoria teria sido rejeitada liminarmente. Mas a partir desse momento Robert Kurz, antes considerado um antifeminista, tornou-se uma espécie de delegado feminino informal no relacionamento da Krisis. Deste modo paradoxal, "o mestre" pôs em causa a própria associação masculina, e até se tornou, tanto emocional como intelectualmente, um traidor aos olhos dos outros membros masculinos da mesma é assim que as coisas se nos afiguram hoje, após tudo o que se passou. E neste momento é que está perfeitamente claro que as estruturas imanentes ao valor-separação, existentes nomeadamente no círculo interior da Krisis, se viram agora definitivamente contra o próprio líder da associação masculina, o que vai ao ponto de ele ser apodado até de patológico, no âmbito de uma campanha de achincalhamento (em especial por Franz Schandl).
As pessoas que vêm agora com tentativas de rotular outros como psicopatas, na maior parte dos casos não são capazes de especificar as razões por que designam algo de patológico em termos psicológicos, ou, parafraseando Dostoievski: "Será que uma pessoa não é louca por encarcerar o seu vizinho?" A exclusão, como foi agora executada no reduzido âmbito do contexto da Krisis, pelo golpe formal contra Robert Kurz e Roswitha Scholz, tem uma longa história no Ocidente, tal como a forma do seu entendimento. No entanto, a exclusão pela atribuição de uma personalidade alegadamente psicótica, com a consequente presunção da respectiva inimputabilidade, acompanhada do controlo do seu portador por uma estrutura responsável pela sua tutela e supervisão (é preciso colocá-lo sob curatela!) tinha permanecido um apanágio da socialização capitalista, pelo menos até à data. Afinal é por demais agradável para um homem, pondo em segundo plano o contexto social que ninguém há-de dar por isso executar não só a subsunção sob a norma especial socialmente específica e objectiva, mas igualmente, e no mesmo acto, brindar o poder discricionário masculino próprio, ou seja, particular, com uma ilusória "vitória final". Afinal um homem apenas contraiu um empréstimo, mais concretamente junto da mediação social habitualmente tão vituperada; mas uma vez que esta, como afinal o crítico encarteirado do capitalismo julga saber, de qualquer modo é de uma "natureza" exclusivamente repressiva, assume (um homem) de momento que o exercício da liberdade relativa que lhe é alocada deve encontrar-se fundamentado alhures, em todo o caso para além da sociabilidade capitalista.
Acresce que também o poder discricionário, ou seja, a potência de castrar outros homens no sentido figurado e de assim os relegar à esfera subordinada da feminilidade, é constituído tão-só pela relação social, sendo que e neste ponto o capitalismo distingue-se de outras sociedades qualquer homem tem o mesmo direito de constatar a não identidade de outro com o que é objectivamente certo e de tratar de lhe instaurar o necessário processo. Ou seja, contrariamente ao que acontecia em sociedades anteriores, um homem não actua como quem chega a uma opinião, como quem verifica o cumprimento do procedimento correcto e emite sentença disso comprovativa (Robert Kurz, por exemplo, poderia "ele próprio junto com os doze" ilibar-se da acusação, a si e aos seus doze apoiantes no juramento [2]), antes ele ajuíza sobre a verdade material, enquanto aplica aos factos apurados normas materiais, isto é, socialmente objectivadas ("objectividade"). Assim sendo, com o capitalismo o homem (social) tornou-se "objectivo", e a mulher, "histérica".
E agora são logo homens como Norbert Trenkle, Ernst Lohoff, Franz Schandl e Karl-Heinz Wedel, que bateram em mulheres (Lohoff), que achincalharam mulheres (Trenkle, Lohoff, Wedel), que se comportaram de uma forma intriguista (Schandl), que, numa cega fúria de demarcação, repetidamente redigiram documentos internos agressivos contra Robert Kurz (Lohoff), até que este, após tanto ataque assanhado AO FIM DE ANOS finalmente mostrou os dentes, e que agora se dedicam a um achincalhamento extremo do seu antigo "super-pai", acusando-o de psicopata são logo esses os homens que agora, esticando o dedo mindinho, na circular aos sócios em que tentam justificar o seu golpe, lamentam um "asselvajamento das formas de trato internas" que seria da responsabilidade exclusiva de Robert Kurz, criticando ferozmente o seu "estilo de comunicação" e as suas "gaffes comunicativas". Logo esses tipos atrevem-se a escrever: "Queremos constituir um relacionamento organizativo onde ninguém seja coberto de maledicência, ofendido e achincalhado". Aqui uma mulher já só pode cuspir!
O motivo profundo dos conflitos e da cisão no relacionamento Krisis reside, em nossa opinião, sobretudo na problemática sexual. Isso não se refere apenas à relação dos homens da Krisis com as mulheres (irreverentes), mas sobretudo à relação dos homens da associação masculina Krisis entre si. O que aqui está em causa é a inveja, a concorrência, o querer-ter e similares, sobretudo face ao antigo (?) super-pai, ao qual os próprios se esforçaram por colocar no pedestal de que agora o tentam apear (esse foi o caso de Peter Klein, aliás Bernd Suffert, num e-mail em que designa Robert Kurz, que é quase da mesma idade, como o seu antigo super-pai intelectual) e que agora imperdoavelmente virou as costas aos outros, no que diz respeito à actividade editorial e à reputação pública. Depois de solicitamente ter levado a rapaziada para as luzes da ribalta (afinal é da "sua" Krisis que estamos a falar), ele agora não só deu o que tinha a dar, mas parece ser necessário quase que executá-lo para bem da Krisis, para que os antigamente submissos homens individuais da confraria possam, de ora em diante, ter alguma vida própria em termos identitários.
Neste contexto, para eles não se trata de modo nenhum de escapar à associação masculina, de superá-la de uma forma emancipatória, mesmo que a pose emancipatória seja forçada, para enganar os mais incautos. É de facto um logro, porque ao mesmo tempo a própria estrutura de associação masculina é veementemente negada e considerada como pura e simples alucinação. Trata-se, contudo e bem pelo contrário, pela liquidação da função do líder/super-pai de outrora, de restabelecê-lo agora na relação "de igual para igual" própria de uma associação masculina, colocando-o sob curatela e sobre os novos pés de irmão, ou seja, "devolvê-lo ao pelotão". O que evidentemente apenas quer dizer que a concorrência voltará a florescer na estrutura não superada de uma associação masculina. Ao mesmo tempo pretende-se deste modo derrotar de vez a ameaçadora "invasão de raparigas e mulheres" (Blüher), que já ameaçara tomar conta da associação masculina Krisis; afinal já eram três (!) as mulheres irreverentes, verdadeiras "aniquiladoras de homens", que tinham logrado penetrar no círculo interior da Krisis, tendo-se demonstrado "assustadoramente" capazes de se apoderarem de determinadas posições, e devendo agora ser delas desalojadas juntamente com Robert Kurz.
Sob esta perspectiva passamos a encarar com outros olhos a seguinte constatação de Bernd Suffert/Peter Klein, que repentinamente reapareceu como administrador do bota-fora de Robert Kurz e Roswitha Scholz: "Para uma organização com uma elevada pretensão teórica, a tendência de Bobby para a administração é veneno puro". Uma formalização acrescida pura e simplesmente ameaça a até agora informal estrutura da associação masculina (a "base do poder" de um Norbert Trenkle), porque, não em último lugar, oferece às mulheres alguma hipótese e segurança. Demos mais uma vez a palavra a Blüher: "Nada no estado deve depender nunca do voto de uma mulher. É que o estado (...) está vocacionado para se tornar a maior e mais poderosa ferramenta do espírito no mundo. Como a mulher, no fundo do seu ser, não é capaz de levar a sério nem o estado, nem o espírito, ela também não pode ter nada a dizer no seu seio".
Convém ter presente neste contexto que a teoria do valor-separação também tem consequências de grande envergadura no plano epistemológico, que põem em causa o rei do filósofos, mesmo numa dimensão filosofico-social altamente abstracta. A "execução" do traidor da associação masculina, Robert Kurz, a irradiação da autora teórica Roswitha Scholz, a expulsão das mulheres irreverentes do círculo interior de um modo geral, mesmo contra a vontade da maioria da redacção, a defesa violenta das relações de poder informais (nomeadamente do acesso à caixa) e a tentativa de restabelecimento da conceptualidade androcêntrica têm sem qualquer dúvida de ser encaradas como fenómenos conexos.
3. A organização da "escassez" na sociedade da mercadoria e na associação masculina Krisis.
Se em tempos pré-capitalistas a associação masculina patriarcal organizava a escassez, na sociedade da mercadoria ela organiza a (artificial) criação de escassez. Nem os críticos radicais da sociedade podem furtar-se a esta lógica, que é estruturalmente pressuposta. A produção teórica também se torna necessariamente uma mercadoria, pelo menos quando ela se abalança a libertar-se das limitações de uma pura "ocupação de tempos livres". A contradição implícita a tudo isso tem de ser suportada e designada como tal. Por um lado, o maior número possível de pessoas deve apropriar-se do produto e levar adiante a sua divulgação; por outro, o grupo central original tem de assegurar a necessidade de manter a sua importância para o produto, para assim assegurar a própria reprodução e, com ela, a possibilidade de continuar a impulsionar a crítica radical.
Tal conduz a uma relação entre o interior e o exterior quase clássica no sentido burguês. No contexto da estrutura própria de uma associação masculina não superada, e até perfeitamente irreflectida, esta relação assume uma determinada agregação. Para o exterior, a cooperativa de produção assume-se como uma confraria, que tem de angariar a maior quantidade possível de "prosperidade social" em forma monetária, ao passo que no interior há que distribuir essa "aquisição", nomeadamente devido à obrigatoriedade primordial da distribuição equitativa do produto segundo os princípios da igualdade. Todos têm "direitos iguais" sobre a autoria supostamente comum, e assim igual pretensão de retribuição, tenha ela forma monetária ou de valor imaterial, como o reconhecimento ou a projecção exterior.
Enquanto os protagonistas estiverem unidos "firmes na fidelidade", esta construção mantém-se funcional. No entanto, a situação rapidamente começa a degradar-se se alguém, devido à sua hiper-produtividade teórica e editorial, "trair" a associação e "valorizar" a mercadoria comercial comum "por sua conta" e, ainda por cima, com êxito. Embora deste modo se abram novas camadas de receptores, o cálculo dos proventos destes "actos isolados" já não é tão evidente. E isso ainda é mais verdade se o "traidor" impuser a participação no grupo nuclear de um parceiro adicional, que no caso vertente ainda por cima é uma parceira (!), cuja participação além disso altera de uma forma fundamental a qualidade do produto comum. A obrigatoriedade da escassez, à partida imposta de forma sistémica na mediação com o exterior, regressa depois à relação interna sob a forma da lógica da escassez; o grupo masculino, na sua percepção, foi "traído e vendido" pelo renegado.
Precisamente nesta situação, a teoria da separação, se ela tivesse sido recebida seriamente e não apenas em palavras, e se tivesse sido aplicada à própria situação, poderia ter sido aproveitada em prol da clarificação dos estados de alma, da definição da própria estrutura e dos próximos passos a seguir. Em vez disso, ela parece ter sido identificada, juntamente com a sua autora, secretamente e ao que tudo indica de uma forma projectiva, como a fonte de todos os males, sendo adoptada de um modo apenas superficial e "sob coacção". Sobretudo o que estava em causa a partir desse determinado ponto era assegurar para si o quinhão respectivo do produto comum através da ocupação dos lugares-chave organizacionais e pela edificação de estruturas informais sob o ponto de vista da "commotio ex negatione" (interesse negativo).
O resultado de tudo isso foram os acontecimentos de 20.2.2004. Os imediatamente atingidos certamente sofreram consideráveis ferimentos pessoais, tendo também de temer consequências financeiras negativas para o futuro. Mas ainda é maior o prejuízo para o projecto da crítica do valor, tanto mais que a personagem dos golpistas se revelou em grande medida incapaz de pensar de forma realmente activa a sua "própria teoria".
4. A forma de lidar com a teoria do valor-separação na até agora existente associação masculina Krisis.
É evidente que a teoria do valor-separação já não pode ser simplesmente ignorada no contexto actual da Krisis. Afinal é isso que os homens da associação masculina invocam de uma forma sonsa, ao sublinharem (como homilia dominical) que não existem quaisquer diferenças quanto ao conteúdo e que têm em elevada conta a teoria da separação. Mas ao mesmo tempo procedem (eles) com toda a frieza, segundo o mote "as tuas ideias sim, mas tu não", sendo que o rei dos filósofos da crítica do valor pensa dar a volta a essas mesmas ideias a seu gosto. Este método pode ser descrito como uma exclusão e uma incorporação simultâneas. Entretanto é costume e de bom tom os homens da associação masculina Krisis incorporarem ou acrescentarem, a qualquer passo de um artigo, um parágrafo sobre o valor-separação (provavelmente tendo espiritualmente em vista os saltos altos (3) de Roswitha Scholz). Mãos masculinas pouco experientes colocam o remendo pré-fabricado sobre o buraco que se abre no seu glorioso ser-em-si-reflectido e consolam-se com o facto de em todo o caso a "forma do valor se situar hierarquicamente acima da separação" (Norbert Trenkle). O que apenas comprova que em boa verdade nada compreenderam da teoria da separação e nem estão dispostos a compreender seja o que for. Na nova concepção do magazine de crítica do valor "Streifzüge" até existe uma rubrica à parte "Valor-Separação" ou seja, em vez da constatação de um contexto global que perpasse todas as áreas, por assim dizer uma "página para as mulheres" dedicada à crítica do valor. Que bom que ainda nos tenha sido dado presenciarmos tudo isto (antes de nos termos posto a andar)!
O que é mais engraçado nesta "abordagem teórica" apregoada pelos homens da Krisis é o facto de em todos os artigos se fazer um grande alarido em torno do que é cegamente pressuposto em todo o pensamento socialmente imanente, não sendo no entanto atingido o meta-nível do valor-separação, mas apenas mencionado de passagem pelos nossos guias turísticos, como um piso subterrâneo derivado da forma do valor, designado por sombra do valor, juntamente com a ténue referência aos horrores que habitam essas obscuras paragens subterrâneas. É especialmente assustador atravessar-se o pântano, onde já nenhum "conceito" pavimenta qualquer caminho e toda a categoria se revela uma areia movediça traiçoeira. Não, com isso nada têm a ver. É um facto que deram atenção nas aulas teóricas e "aprenderam" que há qualquer coisa "lá fora"; mas que aqui até seja possível uma praxis e que a mesma comece "cá dentro" deles, isso ainda está para além da sua compreensão. É assim que eles separam e põem a dançar as bonecas (as mulheres da Krisis), para que elas vivam por eles como substitutas os seus sentimentos desagradáveis. Mesmo ao homem da Krisis aparentemente reflectido (Ernst Lohoff) pode escorregar a mão, uma vez por outra, nomeadamente com Roswitha Scholz, e o pretendido saneamento de Brigitte Hausinger do grupo de Nuremberga, sob a premissa "ou ela, ou eu", foi certamente por ser o melhor para ela, a ver se a pobre rapariga não tinha de passar mais tempo a aborrecer-se com a aridez da teoria.
Em conformidade com isto, entretanto, o regresso de Peter Klein, acompanhado do saneamento de Roswitha Scholz, parece servir a finalidade do restabelecimento de uma elaboração teórica androcêntrica e universalista e da respectiva "abordagem" que, por exemplo, afirma com toda a seriedade que em Kant não pode haver racismo nem sexismo. Não há nada a fazer, que de "igual para igual" na associação masculina e em nome do pluralismo também tem de se dar lugar a opiniões destas. Isso já se foi tornando evidente no encontro de coordenação de 2001, onde a discussão regrediu para trás do estado dos anos noventa, o que, no entanto, não passou assim com três cantigas e sem que se fizessem ouvir vozes discordantes. "Os homens contra-atacam" (assim reza o título de um livro de Susan Faludi do início dos anos noventa), depois de se verificar que as poucas mulheres da Krisis já não aceitam tudo assim de bandeja e que agora cada vez mais outras temáticas (sexismo, racismo, antisemitismo), até com a cobertura de outros homens da Krisis, já não admitem sem mais nem menos uma determinada "abordagem", que preferiria fazer tudo isso desaparecer nas brumas da objectividade histórica.
Assim sendo, o que é sentido como ameaça é menos Robert Kurz como "super-pai" ainda dominante, mas em boa verdade o facto de ele ter examinado e revisto a sua posição androcêntrica, já não constituindo um membro incontestado da associação masculina, nem desempenhando o papel do patriarca-mor com base em semelhante fundamento (afinal é precisamente por isso que ele tem de ser "apeado" e colocado sob curatela). Implicitamente ele é acusado de ter permitido que as mulheres selvagens fossem agora autorizadas a fazer das suas no interior da Krisis.
5. Consequências para outros contextos de trabalho
Temos por bem retirar algumas ilações da presente análise. Quaisquer contextos de trabalho teóricos, que pretendam dedicar-se à crítica do valor-separação, de futuro não devem ser estruturados segundo um princípio de liderança hierárquico, nem de forma complementar como uma horda de irmãos "de igual para igual" à maneira própria de uma associação masculina, ou seja, segundo o princípio da troca da circulação capitalista que, como já se sabe, sempre se baseia na concorrência, e até no desejo de morte relativamente aos "outros", sendo por princípio acompanhado de uma separação do feminino e do afastamento das mulheres reais. Em semelhante estrutura, sob o manto da solidariedade para com o "super-pai", já brilha sempre a faca da concorrência, face a este e face aos outros irmãos que integram a horda. Semelhantes contextos ocultos e recalcados - que, nos homens da Krisis, sempre tomam apenas a forma de uma profissão de fé abstracta, geral e nada vinculativa, porque também eles não passariam de sujeitos burgueses - têm de ser reflectidos e superados de uma forma concreta, que tenha em atenção as respectivas implicações.
O que há que almejar são, pelo contrário, contextos de trabalho em que se possa contar tanto com uma união solidária como com a possibilidade de uma disputa frutuosa, e nos quais as contradições são aguentadas perante o pano de fundo de uma base comum quanto a conteúdos, onde, portanto, o homem ou a mulher não tenha de se desgastar num confronto polémico e concorrencial no seio do grupo, a fim de poder desenvolver uma dignidade própria (masculina). Se é precisamente isso que os homens da Krisis reclamam, escamoteando ao mesmo tempo a estrutura androcêntrica, própria de uma associação masculina, do contexto em que se inserem, eles perdem toda e qualquer credibilidade. A sua "emancipação" do super-pai, que já se desmente a si própria pela forma da "execução" intentada e pela irradiação concomitante das mulheres irreverentes, é, ela própria, um exercício de concorrência.
Com relação à "abordagem teórica" tal significa que o universalismo androcêntrico e a metafísica histórica envergonhada, tal como é representada pela "crítica do valor" de um Peter Klein, torna quase que impossível o aguentar de contradições e a discussão fértil, visto nela sempre já se encontrar implicitamente contida a pretensão de soberania do rei dos filósofos com a sua "soberania conceptual". A reintegração dessa "abordagem", impossível de se escrever nas próprias bandeiras (deles) de forma directa, e logo com a invocação de uma pretensão de "pluralidade" e da "admissão de acentuações diversas", desmente a mesma de um modo quase paradoxal. Na pedra basilar deste tipo de "admissão de contradições" já se encontra sempre emparedada a vítima. Um confronto de contradições que não implique a existência de vítimas apenas é possível para lá de uma afirmação absoluta da universalidade e da soberania conceptual androcêntricas.
Tal significa igualmente a renúncia à falsa igualdade da horda de irmãos. Neste contexto, os percursos extra e especiais na teoria e na edição, não só devem ser permitidos, mas são expressamente desejados, desde que não se baseiem em motivos concorrenciais; só deste modo é que se tornam possíveis as inovações reais, assim como os avanços da crítica do valor-separação e o alargamento da sua recepção. Para tal também serão sempre necessários os compromissos e a concessão de cobertura a quem estiver mais exposto a críticas do exterior. No entanto tem de se acabar com uma militarização teórica (masculina), tanto sob a forma de uma estrutura de liderança hierárquica, como sob a de uma associação masculina de iguais desde sempre mutuamente concorrentes, assim inseridos num contexto de falsa solidariedade. O trabalho teórico solitário à secretária, com os seus momentos de enfado, mas também com o prazer da investigação e da descoberta, é tão decisivo como a discussão no seio do grupo, ao passo que a igualdade da horda de irmãos sempre sugere uma elaboração da teoria como falsa colectividade a reivindicar. O golpe da associação masculina não fez avançar a Krisis, fê-la regredir.
Petra Haarmann, Roswitha Scholz, Brigitte Hausinger
Abril de 2004
Tradução de OBECO