O Conselho de Segurança da ONU tem de tomar rapidamente uma decisão sobre a independência do Kosovo, foi o que exigiu o Presidente dos E.U.A, Georg W. Bush, aquando da sua recente e calorosa visita a Tirana, capital da Albânia: "O resultado só pode ser a independência. (...) Se, como tudo indica, não for tomada uma decisão rápida, teremos de ser nós, segundo os meus cálculos, a promover a resolução. O que significa estabelecer um prazo". Com esta afronta à Sérvia e à Rússia, Bush estende o rastilho para um novo conflito militar nos Balcãs.

A Albânia é o único país europeu, onde o presidente dos E.U.A não foi recebido com demonstrações de protesto, mas sim com salvas de artilharia e palmas frenéticas. Os nacionalistas da grande Albânia ambicionam uma unificação com a província da ex-Jugoslávia, Kosovo, que é um protectorado de facto da NATO desde a guerra de 1999 e, por tal motivo, defendem a sua independência como primeiro passo para alcançar o objectivo. Contudo, o governo sérvio, com a ajuda da Rússia, prossegue no propósito de manter Kosovo como uma região autónoma integrada na República da Sérvia. Ambas as partes invocam a história.

Para a Sérvia, e não sem razão, o Kosovo (em português: campo de melros) é o núcleo central do estado feudal medieval que o Império Otomano incorporou no século XIV. Na verdade, contudo, já naquela época o Kosovo era multiétnico, como de resto toda aquela zona dos Balcãs. Contingentes de outros povos lutaram ao lado da cavalaria sérvia na batalha decisiva de 1389.

Os albaneses dizem-se descendentes étnicos dos Ilírios, que na Antiguidade habitaram grande parte dos balcãs, e consideram a integração do Kosovo no reino da Sérvia depois da primeira e segunda guerra dos balcãs em 1911, como uma conquista.

A população albanesa do Kosovo desempenhou realmente um papel subordinado no reino da Sérvia (a partir de 1929 Jugoslávia); houve medidas repressivas e expulsões. Em 1941, contudo, este reino viria a cair nas mãos das tropas alemãs e italianas.

Tanto na guerra como na guerra civil, o exército dos partisans liderado pelo partido comunista saíu vencedor; o Kosovo tornou-se uma região autónoma integrada na Republica da Sérvia, no âmbito da constituição da nova República Socialista Federal da Jugoslávia. Ao lado dos ocupantes fascistas lutou uma divisão SS "Skanderberg", composta exclusivamente de albaneses recrutados que, já nessa altura, levaram a cabo uma brutal limpeza étnica. Outros albaneses do Kosovo, pelo contrário, marcaram presença nas fileiras do exército multiétnico dos partisans do comunista croata Tito.

Na sequência de uma política de reconciliação em toda a Jugoslávia, os partisans de Tito, abdicando depois da guerra de acções de revanche, aceitaram a maioria da população albanesa do Kosovo. Durante o tempo que se seguiu de tentativa de modernização socialista, o Kosovo, juntamente com a Bósnia e a Macedónia, constituía a "zona de pobreza" da Jugoslávia. Apesar de fluírem anualmente somas astronómicas dos orçamentos das fracções ricas da República para um fundo destinado ao desenvolvimento das regiões subdesenvolvidas, nunca foi conseguido diminuir o fosso em termos económicos entre as várias regiões da Jugoslávia. O Kosovo manteve-se uma zona de pobreza, alimentada financeiramente pela central de Belgrado.

Após se ter tornado óbvio, nos finais dos anos oitenta, que a modernização sob a marca socialista fora um fracasso, a secessão das repúblicas mais ricas Eslovénia e a Croácia conduziu à desintegração sangrenta do Estado da Jugoslávia. A paragem do financiamento das repúblicas cindidas conduziu a um maior empobrecimento das regiões já antes subdesenvolvidas. O desemprego em massa desencadeou no Kosovo, entre outras coisas, uma economia sombra do crime que, com o "Exército de Libertação do Kosovo" (UÇK) dos nacionalistas da grande Albânia, criou finalmente um braço militar.

A guerra civil dos guerrilheiros do UÇK contra o exército e a polícia jugoslavos desencadeou uma intervenção militar da NATO em 1999. Após bombardeamentos atrozes a cidades e aldeias, o exército jugoslavo acabou por se retirar do Kosovo. A consequente escalada de excessos nacionalistas levou a uma quase completa expulsão da população não-albanesa. Apenas alguns enclaves protegidos foram poupados à limpeza étnica. Estes aldeamentos "sérvios" (nos quais, de resto, vivem muitos albaneses), constituem desde então os únicos lugares do Kosovo, onde ainda é possível coabitarem grupos de várias etnias.

A secessão de facto do resto da Jugoslávia revelou-se para os albaneses nacionalistas do Kosovo um verdadeiro desastre económico. A já de si debilitadíssima indústria desmoronou quase por completo, dado que, em consequência da separação, as redes de compra e venda antes existentes deixaram de funcionar. Por outro lado a tão almejada cooperação com a vizinha Albânia era praticamente irrealizável, uma vez que o que restava ainda da economia, que nos anos noventa praticamente se desmoronara, caiu nas mãos de clãs mafiosos. Milhares de habitantes da "mãe pátria" albanesa emigraram para o Kosovo, tendo-se a maioria apoderado de explorações agrícolas dos kosovares não albaneses obrigados a abandonar as suas aldeias. Os posteriores e permanentes conflitos com os habitantes dos enclaves sérvios não advêm de motivos políticos, mas sim de um puro roubo reiterado.

Na forma de ex-combatentes do UÇK, a criminalidade organizada tomou o poder político no Kosovo e, desde então, o território tem vindo a desenvolver-se como o eldorado para a criminalidade de todos os matizes. O UÇK e as suas subsequentes estruturas financiam-se em primeira linha através de extorsão mafiosa de dinheiro, tráficos de drogas e de mulheres. Os clientes deste empreendimento criminoso acabam por ser, não em último lugar, os soldados das tropas de ocupação, cuja missão neste território despedaçado é, ou deveria ser, zelar pela ordem.

Uma outra forma obscura de financiamento dos actuais detentores do poder é a religião. Na era de Tito o Kosovo, à semelhança, de resto, de toda a Jugoslávia, era fundamentalmente laico. Desde 1999 que entra no território dinheiro das missões em grande quantidade – principalmente da Malásia – a maior parte das aldeias já viu serem nelas erguidas mesquitas, enquanto que centenários mosteiros e igrejas ortodoxas sérvias foram destruídas sem dó nem piedade.

O estado de calamidade criminosa em que o Kosovo se encontra actualmente não é um fenómeno passageiro, mas sim o resultado de um processo de desmoronamento social, o qual de forma alguma está já concluído. Uma vez que o ganha-pão regular está fora de questão, outra alternativa não resta do que a participação na economia sombra, ou seja, da Mafia. Ou então espoliar outros grupos da população, que são declarados pelos nacionalistas e pelos fanáticos religiosos como "inimigos" e por conseguinte como amorais e fora da lei.

O discurso do Presidente dos EUA não é um deslize, mas sim sintoma do asselvajamento criminoso do sistema da Modernidade ocidental, inteiramente condizente com uma política de warlords sanguinários e bandos de saqueadores criminosos utilizados como cúmplices a soldo.

Julho 2007

Original Das Kosovo - Vom gesamtjugoslawischen Armenhaus zur Hochburg der Mafia in www.exit-online.org. Publicado na revista trimestral "DIE BRÜCKE" nr. 145 (www.bruecke-saarbruecken.de)