Concorrência Total ou Administração Repressiva das Pessoas?

O poder de Estado em tempos de crise

 

Gerd Bedszent

 

 

Marxismo e crítica do Estado

"Maldição ao rei, rei dos ricaços, / Que não abrandaram os nosso cansaços, / Que nos arrancou os últimos vinténs / E nos faz metralhar como a cães".

Heinrich Heine "Die schlesischen Weber" (Os Tecelões da Silésia)

 

Não existe uma teoria marxista do Estado acabada. Karl Marx, o antepassado dos marxistas, já numa fase inicial se tinha debatido com o direito constitucional de Hegel. Num artigo publicado em Agosto de 1844 – que tratava principalmente da repressão da revolta da fome dos tecelões da Silésia pelos militares prussianos – escreveu, por exemplo, que mesmo "os políticos radicais e revolucionários (...) não (procuram) a causa do mal na essência do Estado, mas numa certa forma de Estado, no lugar da qual querem colocar outra forma de Estado." (1) Mais tarde, Marx viu o foco principal do seu trabalho numa crítica fundamental às bases económicas da sociedade capitalista e só ocasionalmente incluiu observações sobre a natureza do Estado burguês nos seus escritos. Afinal, na sua obra principal, O Capital, em ligação com a acumulação original de capital, descreveu o poder estatal como a "violência concentrada e organizada da sociedade". (2)

Para os pensadores anarquistas, porém, a situação era bastante patética do ponto de vista teórico. A sua rejeição radical de qualquer forma de poder estatal não era sustentada por qualquer crítica social – algo como uma compreensão dos fundamentos da sociedade capitalista simplesmente não existia entre eles. (3) Esta é a única explicação para o facto de, por exemplo, os seguidores de Michael Bakunin no século XIX acreditarem seriamente que a abolição do Estado poderia ser alcançada através de um simples decreto. A polémica de Karl Marx contra tais ideias abstrusas, que durou anos, empurrou em grande parte para segundo plano a crítica marxista do Estado, que existia de forma rudimentar. E mesmo teóricos anarquistas mais recentes – por exemplo, Murray Bookchin – igualam o poder do Estado à hierarquia de modo grosseiramente simplificado, negando a existência de leis económicas no quadro do capitalismo. (4) Na figura de partidários do anarcocapitalismo (5) – basicamente nada mais do que a ala radicalizada da burguesia liberal – o movimento anarquista inicialmente de esquerda foi agora completamente acolhido no sistema contra o qual uma vez lutou. (6)

Mas voltemos ao século XIX: Friedrich Engels, amigo e confidente de Karl Marx, tinha submetido a constituição do Império Britânico, o país capitalista mais desenvolvido da época, a uma crítica demolidora, num artigo também publicado em 1844. Grande parte do artigo é hoje, reconhecidamente, apenas de interesse histórico – Engels irritou-se com os primeiros esgares e disparates do parlamentarismo britânico e do seu sistema judicial. Ainda hoje, mesmo que de modo algo redutor, é correcta a sua observação de que a aristocracia e a coroa inglesas estavam de facto sem poder – mas a propriedade governava. (7) Engels também descreveu a igualdade democrática no seio do sistema capitalista como uma "quimera",  concluindo que "uma mera democratização" das condições de governo não era suficiente para "curar os males sociais". (8) A luta dos pobres contra os ricos não podia ser travada "no terreno da democracia ou da política". Esta etapa era "apenas uma transição, o último meio puramente político ainda por experimentar e do qual (...) um princípio que transcende toda a essência política" teria de se desenvolver. (9) Engels intitulou este princípio de "socialismo" na frase final do seu texto.

Será então o texto de Engels um apelo ao Estado socialista? Pelo contrário. Pois, numa oração subordinada que se prefere ocultar, Friedrich Engels já antes tinha chegado a uma conclusão de grande alcance: Não eram as formas individuais de governo que eram imperfeitas e desumanas. Em vez disso, era "o próprio Estado, como causa de todas estas desumanidades, ele próprio desumano". (10)

No seu último trabalho A Origem da família, da propriedade privada e do Estado, Engels resume mais uma vez o seu ponto de vista: "O Estado (...) não tem existido por toda a eternidade. Houve sociedades que se organizaram sem ele, que não tinham ideia do Estado nem do poder do Estado. (...) A sociedade que reorganizar a produção com base na associação livre e igualitária de produtores coloca toda a máquina estatal onde ela então pertencerá, no museu das antiguidades, ao lado da roda de fiar e do machado de bronze". (11)

 

Entendimento redutor do Estado

"Considerando que não confiamos no governo / Seja o que for que prometa / Decidimos, sob a nossa própria liderança / Construir agora para nós uma boa vida".

Bertolt Brecht "Die Tage der Commune" (Os Dias da Comuna)

 

O ano de 1871 trouxe uma ruptura decisiva na história do marxismo nascente. Na sequência da crise após uma guerra, os trabalhadores da cidade de Paris tomaram o poder governamental e conseguiram mantê-lo durante algumas semanas. A brutalidade com que a burguesia francesa então ripostou, com a aprovação e apoio do verdadeiro inimigo, o governo prussiano, não era nada de fundamentalmente novo. Mas a carnificina dos vencedores sobre os vencidos ficou na história do movimento operário como um pesadelo colectivo. As conquistas sociais, assim se disse daí em diante, tinham de ser defendidas de armas na mão e isto exigia um aparelho estatal próprio – com as pessoas "certas" no topo. (12)

O próprio Karl Marx tinha avisado de início, com toda a razão, contra uma revolta dos trabalhadores parisienses, mas depois solidarizou-se com eles sem qualquer "se" ou "mas", e denunciou a violência assassina do governo burguês e dos seus militares. Cada linha do artigo "A Guerra Civil em França", escrito por Marx em nome da "Associação Internacional dos Trabalhadores", fala com raiva furiosa contra os "latifundiários" e os "bandidos" do governo de Versalhes – também com repugnância face ao assassinato de prisioneiros desarmados e indefesos pelos vencedores. Grandes partes do texto podem portanto ser lidas como um hino à tomada armada do poder do Estado pelos combatentes comunistas. A sua famosa e frequentemente citada frase "a classe operária (...) não pode simplesmente tomar posse da maquinaria pronta do Estado e pô-la em marcha para os seus próprios fins" (13) foi geralmente interpretada como significando que a burocracia estatal existente tinha de ser esmagada e um novo aparelho instalado no seu lugar.

Nas tentativas de realizar uma sociedade socialista no século XX, foi seguido o mesmo procedimento, ou seja, em vez de um poder estatal repressivo já existente foi instalado um novo poder estatal não menos repressivo. Nas primeiras versões guardadas do texto de Marx, porém, há passagens que contradizem esta interpretação: "Todas as revoluções realizadas desta forma apenas aperfeiçoaram a maquinaria do Estado, em vez de atirarem fora este pesadelo assassino". (14) "A Comuna foi uma revolução contra o próprio Estado, contra este aborto preternatural da sociedade". (15)

As declarações citadas de Marx e Engels poderiam ter levado a uma crítica de longo alcance do Estado por parte da esquerda do movimento operário então na fase inicial. Em vez disso, os ideólogos socialistas consolavam-se geralmente com o facto de uma máquina estatal socialista ser uma sociedade de transição temporária e que a criação de uma sociedade sem classes, ou seja, comunista, seria o passo seguinte. (16)

A contradição entre uma crítica do Estado que existia de forma rudimentar e a implementação da Realpolitik das medidas sociais no âmbito deste Estado nunca foi resolvida. As ditaduras modernizadoras do século XX, que se definiram a si próprias como socialistas, afirmaram ser células embrionárias de uma sociedade livre de todas as imposições da economia capitalista de mercadorias, e subsequentemente tomaram bancos privados, fábricas e propriedades fundiárias sob controlo estatal. (17)

A propriedade estatal das empresas, demonizada hoje em dia com uma rara unanimidade por conservadores, liberais e socialistas politicamente virados, sempre foi uma parte plenamente integrada e necessária do sistema capitalista global, mais no início, menos depois. A burguesia liberal opôs-se ferozmente às nacionalizações levadas a cabo sob os auspícios socialistas – não, contudo, por serem o núcleo de uma nova sociedade, mas porque, na sua opinião, viravam a roda da história para trás. E, claro, também porque estas economias estatais foram construídas com importantes regulamentos sociais que era preciso abolir a todo o custo.

A nacionalização de empresas, quando fazia sentido dentro do sistema, também teve lugar em condições capitalistas – como exemplo, o desenvolvimento do sistema ferroviário na Alemanha na segunda metade do século XIX. Um primeiro memorando sobre a nacionalização dos caminhos-de-ferro privados já tinha sido preparado no ano revolucionário de 1848 pelo gabinete dominado pelos liberais de Auerswald-Hansemann e apresentado ao rei prussiano. (18) Contudo, esta proposta só foi implementada décadas mais tarde, após a unificação do império, sob a chancelaria de Otto von Bismarck. (19) A centralização da rede ferroviária resultou então num impulso de modernização que contribuiu significativamente para que a economia alemã, comparativamente atrasada, pudesse alcançar a dos Estados vizinhos desenvolvidos da Europa Ocidental.

Num dos seus textos, o filósofo Robert Kurz descreveu mesmo a propriedade estatal como "uma forma particularmente paradoxal de propriedade privada". (20) Noutro lugar, disse que na economia dos então chamados Estados do socialismo real, tinham lugar marcado "todas as categorias fundamentais do capital: salário, preço e lucro (lucro empresarial)" – tal como o "princípio básico do trabalho abstracto". (21)

Como é sabido, não aconteceu a transição para uma sociedade livre da concorrência capitalista e da administração repressiva das pessoas, que os ideólogos socialistas tinham previsto para um futuro distante – mas sim exactamente o contrário.

Os modelos de socialismo na Europa Oriental e na Ásia, estatistamente estruturados e extremamente autoritários, foram seguidos após 1990 por uma onda de desregulamentação neoliberal, incluindo as conexas atrocidades sociais. Ou então as burocracias estatais autoritárias criadas sob os auspícios socialistas permaneceram em grande parte intocadas, mas também atiraram borda fora a irritante e perturbadora "tralha social" da era socialista.

A esquerda socialista, originalmente surgida como uma dissidência emancipatória da ala liberal da burguesia, tornou-se consequentemente um mero apêndice dos liberais económicos após o fracasso dos modelos autoritários do socialismo e, por conseguinte, inútil. A sua ala radical recusou-se a seguir este desenvolvimento. No entanto, os défices da teoria do Estado de esquerda, que nunca tinham sido tratados, significavam que a maioria destes esquerdistas restantes só podia imaginar uma alternativa às atrocidades da economia neoliberal sob a forma de um regresso à capacidade de actuação do aparelho de Estado no sentido keynesiano (fortemente transfigurado). Que um aparelho de Estado, por princípio, já é sempre capaz de actuar – caso contrário, não o seria – não ocorreu ao seu pensamento.

No seu texto "Não há Leviatã que vos salve", publicado em 2011 e infelizmente deixado inacabado, Robert Kurz resumiu que, desde o início, "as teorias do Estado da esquerda continuaram a mover-se em círculo, sem avançar um milímetro". (22)

 

Instrumento monstruoso

"Viver em ordem significa morrer de fome e ser torturado.".

Georg Büchner "Der hessische Landbote" (O Correio do Hesse)

 

A historiografia clássica sofre, entre outras coisas, do facto de não fazer qualquer distinção entre o Estado-nação burguês e as estruturas feudais ou pré-feudais de governo. Os Estados aparecem assim como algo dado pela natureza, como algo que de algum modo sempre esteve presente. As diferenças entre a economia fixada no capital e os mecanismos funcionais das sociedades pré-modernas têm sido repetidamente obscurecidas pela aplicação de conceitos da sociedade moderna, tais como Estado, mercadoria, dinheiro e mercado, a toda a história humana, de modo completamente a-histórico. (23) Esta visão distorcida nunca foi seriamente questionada pela maioria dos historiadores marxistas. De facto, a diferença essencial entre a modernidade capitalista e as sociedades pré-modernas é que estas últimas não eram dominadas pelas relações económicas – uma economia no sentido actual nem sequer existia então – mas por outras relações de fetiche. (24)

Mas será o aparelho de Estado burguês, como os liberais económicos e teóricos anarquistas reivindicaram em estreita comunhão até aos dias de hoje, uma relíquia da sociedade feudal, que deveria ser abolida como um obstáculo ao livre desenvolvimento dos seres humanos? Marx escreveu sobre isto no já mencionado projecto de texto: "A máquina estatal centralizada, que com os seus omnipresentes e intrincados órgãos militares, burocráticos, clericais e judiciais agarra (se entrelaça com) a vigorosa sociedade burguesa como uma jibóia, foi forjada pela primeira vez nos tempos da monarquia absoluta, como arma da sociedade moderna emergente na sua luta pela emancipação do feudalismo". (25)

Por conseguinte, tem de se fazer uma distinção clara entre as relações de poder pré-modernas e os aparelhos burocráticos dos regimes absolutistas. Estes últimos não se opunham de modo nenhum à casta de mercadores e banqueiros ricos que estava a surgir na altura. Os quais financiavam através da tributação estas burocracias estatais que por sua vez representavam os seus interesses como instrumento de regulação e de poder. A taxa de imposto era e continua a ser um simples factor de custo em todos os cálculos dos negócios capitalistas.

O Estado burguês é assim um produto do desenvolvimento rumo ao capitalismo inicial. Os conflitos sangrentos que grassaram na Europa Ocidental e Central nos séculos XV e XVI foram guerras de formação – das quais emergiram os primeiros Estados-nação burgueses. Os seus soberanos absolutistas e os seus gabinetes maioritariamente burgueses acabaram por criar as condições prévias para a formação da sociedade capitalista de hoje com a sua – basicamente irracional – obrigação de multiplicar o dinheiro apenas por causa da multiplicação do dinheiro.

Karl Marx descreveu este processo no Livro I de "O Capital" da seguinte forma: "O capital-dinheiro ... foi dificultado, na sua transformação em capital industrial, pela constituição feudal, no campo, e pela constituição corporativa, nas cidades. Estes obstáculos caíram com a dissolução das lealdades feudais, com a expropriação e parcial expulsão do povo do campo. A nova manufactura foi implantada em portos marítimos de exportação ou em pontos do campo, fora do controlo do antigo sistema da cidade e da sua constituição corporativa ...". (26)

O absolutismo foi assim, em última análise, uma aliança de conveniência entre os últimos governantes feudais e os grandes bancos e casas comerciais, que puderam estender a sua influência das redes de cidades comerciais que já existiam na altura a toda a área dos Estados-nação emergentes. (27) Sem a mão ordenadora de uma burocracia estatal, a sociedade burguesa não pôde existir até aos dias de hoje nem nunca existirá. O aparelho burocrático do Estado tornou-se, como Robert Kurz escreveu numa das suas primeiras obras, "na sua forma moderna, absolutista, ou burguesa, revolucionária e ditatorial, por um lado, a parteira do sistema de produção de mercadorias, por outro, sua componente imanente". (28)

Isto, naturalmente, incluía o facto de que o Estado era um instrumento adequado para pôr fim às revoltas da população rural, que se tinha empobrecido e desenraizado no decurso da implementação das relações capitalistas agrárias. Uma disciplina necessária ao trabalho assalariado capitalista foi então imposta à pancada e com tortura na pobreza urbana que estava a aumentar maciçamente. Karl Marx descreveu o trabalhador assalariado assim criado como um "produto artístico da história moderna". (29) Comentou ainda mais drasticamente este processo num dos seus primeiros textos: "Assim surgiu o regime das casas de trabalho, ou seja, das casas de pobres, cuja organização interna dissuade os infelizes de procurar um refúgio para não morrer à fome. Nas casas de trabalho, a caridade está significativamente interligada com a vingança da burguesia sobre o desgraçado que apela à sua caridade". (30)

As descrições das atrocidades sociais no período do capitalismo inicial estruturado pelo absolutismo e no período subsequente do avanço triunfante da burguesia liberal não são poucas – também em numerosas obras de arte e da literatura. Mas foram sobretudo as revoltas da fome do final do século XVIII e início do XIX que levaram ao aparecimento de qualquer coisa como uma consciência das atrocidades sociais pelas quais o sistema capitalista era responsável.

É claro que uma esquerda do movimento operário ainda não existia nessa altura, ou ainda se encontrava na forma embrionária. Mas logo as primeiras revoltas contra as imposições da sociedade capitalista em formação foram entendidas pela burguesia como um perigo para o sistema, contra o qual era imperativo utilizar os militares. O que também aconteceu. Durante a Revolução Francesa no final do século XVIII, por exemplo, o governo revolucionário burguês, que tinha sido constituído pouco antes sobre as ruínas da monarquia absolutista, não hesitou por um momento em utilizar tropas republicanas contra os movimentos insurreccionais dos pobres parisienses. Os (poucos) deputados da Convenção que pretendiam assumir as preocupações dos famintos foram imediatamente arrastados para a guilhotina após a intervenção dos militares. (31)

Nunca é demais repetir: A história social do capitalismo inicial é uma história da mais brutal violência; o capital viu a luz do dia "escorrendo sangue e sujeira por todos os poros, da cabeça aos pés". (32)

 

Estatismo e monetarismo

"Quanto a isso, você já deve saber, há mais de setenta luas tem havido dois partidos adversários neste império. Chamam-se Tramecksan e Slamecksan. Estão em luta por causa dos saltos altos e baixos dos seus sapatos, pois é isso que os distingue."

Jonathan Swift "Gulliver's Travels" (As Viagens de Gulliver)

 

O sistema de partidos políticos que domina o aparelho estatal existente por maioria não é – historicamente falando – antigo, formou-se gradualmente com a estabilização das relações capitalistas. O seu início foi em Inglaterra, no final do século XVII. Depois de a aristocracia inicialmente recalcitrante e partes da burguesia, que inicialmente não compreendiam as vantagens da nova sociedade, se terem integrado nas novas condições, partes do aparelho de Estado apareceram cada vez mais como inúteis, burocraticamente lentas, como um factor de custo que impedia o desenvolvimento futuro do capitalismo. A questão de saber até que ponto a burocracia estatal e os órgãos repressivos devem ser cortados tornou-se parte integrante da permanente guerra de opiniões entre os sectores conservadores e liberais da burguesia.

Representantes da burguesia mercante no parlamento inglês, que defendiam uma liberalização gradual das condições absolutistas, formaram o agrupamento dos "Whigs", do qual o Partido Liberal emergiu mais tarde. A sua contraparte era o partido conservador da corte, os "Tories", que nessa altura se esforçou por manter as condições absolutistas. O escritor Jonathan Swift deu um brilho apropriado a estes inícios do sistema parlamentar na sua sátira social "As viagens de Gulliver".

Um sistema semelhante de conflito estrutural permanente entre liberais e conservadores desenvolveu-se no decurso de um posterior desenvolvimento em todos os Estados-nação. Claro que nenhum dos partidos que surgiram nessa altura questionou o estado burguês no seu conjunto, nem mesmo a violência com que os militares e a polícia recorreram repetidamente contra as revoltas sociais das classes mais baixas. Robert Kurz caracterizou a suposta oposição entre conservadores e liberais na sua grande obra O Livro Negro do Capitalismo, escrita em 1999, como se segue: "Desde então, as ideologias da "igualdade de oportunidades" e da concepção elitista reaccionária (originalmente aristocrática), do conservadorismo estatal e da liberdade económica têm competido entre si no métier da aldrabice socioeconómica, sobre qual a doutrina que produz piores personagens e piores consequências; essa nobre competição teve de ficar por decidir". (33)

É bem conhecido, mas raramente discutido, que na fase inicial do parlamentarismo burguês, apenas os cidadãos que possuíam bens imóveis e pagavam impostos tinham direito de voto (sufrágio censitário). Nessa altura, não se tratava de participação democrática da maioria da população. (34) E as lágrimas que a burguesia liberal derramou e ainda derrama perante a falta de tal participação em regimes ditatoriais de modernização são simplesmente lágrimas de crocodilo.

Como resultado da introdução gradual do sufrágio universal, o sistema bipartidário burguês no final do século XIX experimentou uma adição temporária de uma terceira força – a social-democracia. Depois de a maioria da classe baixa urbana – disciplinada pela força – se ter submetido às restrições do trabalho assalariado, o proletariado industrial que assim surgiu procurou a participação no quadro do sistema parlamentar burguês. Marx e Engels, através de seu trabalho teórico e jornalismo político, deram um contributo não negligenciável para conferir a legitimidade ideológica necessária a esta nova força política que se estava a formar.

A luta política do movimento operário e do seu braço político foi dirigida contra o colocar do fardo do desenvolvimento capitalista exclusivamente sobre os estratos mais pobres da população. No entanto, uma vez que a estrutura básica da sociedade produtora de mercadorias não foi questionada pela maioria do aparelho político do movimento operário, a sua luta limitou-se a mitigar as consequências sociais de um maior desenvolvimento capitalista. A crítica radical com que Marx e Engels denunciaram o aparelho estatal burguês e a sociedade burguesa como um todo, especialmente nos seus primeiros escritos, foi ignorada ou banalizada como um pecado juvenil pela maioria dos seus epígonos. Robert Kurz caracterizou o autoritarismo estatal e a luta por uma "co-administração repressiva da sociedade de imposição capitalista" como uma característica essencial do movimento operário marxista, e os partidos social-democratas que se formaram a partir deste movimento como uma "força profundamente autoritária de Estado". (35)

No decurso de novos desenvolvimentos, o sistema partidário burguês existente foi repetidamente modificado por novas formações e cisões; no entanto, de um modo geral, o conflito permanente entre conservadores e liberais não foi afectado por isso, uma vez que cada uma das novas entidades políticas mais cedo ou mais tarde se alinhou por uma das duas correntes políticas fundamentais.

As disputas permanentes entre conservadores e liberais foram sempre sobre as formas de governação económica possíveis no quadro do sistema – ou seja, se os processos económicos seriam controlados por directrizes aplicadas com autoridade (estatismo) ou se seriam deixados à sua própria sorte, ao puro impulso de maximizar os lucros sem ter em conta quaisquer consequências (monetarismo).

O contraste entre monetarismo e estatismo, no entanto, é menos significativo na realidade do que normalmente se apresenta – em última análise, ambas são formas de actividade económica capitalista. Uma mudança de governo assinala geralmente uma mudança de estratégia por grupos do capital – seja no sentido mais estatista ou no sentido mais monetarista. O desenvolvimento do capitalismo tem sido marcado por tais diferentes fases da governação económica. Mas o sistema como um todo nunca foi posto em causa.

O conflito entre a concorrência total e a administração repressiva das pessoas não foi completamente decidido até hoje, nem pode sê-lo. Robert Kurz descreveu o desenvolvimento como um "movimento ondular histórico em que o estatismo e o monetarismo dominam alternadamente sem nunca alcançarem o equilíbrio de uma reprodução sem problemas: Desde o absolutismo e o estatismo revolucionário do início do período moderno ao liberalismo de Manchester e ao ‘Estado de guarda nocturno’ do capital industrial em ascensão; mais tarde, do estatismo da economia de guerra da época imperialista ao Estado anticrise do keynesianismo e, finalmente, ao regresso ao monetarismo e à ‘desregulamentação’ global, que hoje já parece estar a tornar-se novamente obsoleta." (36)

Com o "tornar-se obsoleto" do neoliberalismo, que dominou ideologicamente durante décadas, estaremos então agora perante outra mudança, desta vez do monetarismo para o estatismo? Podemos esperar um regresso do Estado-providência keynesiano? É precisamente isso que é bastante duvidoso.

 

A época das atrocidades

"A pobreza não passa de lixo / E não te faz sábio de todo / Se vires um pobre, persegue-o / Não o ajudes, não vale a pena / A pobreza pega-se como a merda".

Hans-Eckardt Wenzel "Choral von der Armut" (Coral da Pobreza)

 

O capitalismo já atingiu os seus limites há anos. A expansão da economia para regiões ainda não exploradas da nossa Terra, praticada na era da maciça produção fordista do século XX, esgotou-se; tais regiões já não existem. O capitalismo tornou-se um sistema mundial globalizado, confrontando-se assim permanentemente com a totalidade global das suas inerentes contradições.

Isto também se aplica aos efeitos a longo prazo da produção industrial maciça sobre a natureza do nosso planeta. (37) As alterações climáticas, para citar apenas o exemplo mais conhecido, são agora consideradas provadas e só são negadas por radicais de direita, notórios teóricos da conspiração e loucos semelhantes. E são imparáveis numa sociedade industrial moderna. Esta baseia-se principalmente na queima de combustíveis fósseis, e a longo prazo não há forma de eliminar sem perigo o dióxido de carbono libertado.

E também a externalização dos resíduos (38) da produção industrial e da produção agrícola industrializada, bem como de atrocidades sociais particularmente pronunciadas para as regiões periféricas do nosso planeta, que foi zelosamente prosseguida na fase neoliberal das últimas décadas, teve aí efeitos bastante "imprevistos" (Engels), nomeadamente o colapso por fraccionamento do (já frágil) Estado destas regiões. (39) Após a fuga das empresas das regiões caóticas e ingovernáveis, que deixaram de ser utilizáveis, os habitantes que tinham perdido os seus rendimentos fugiram para Estados industrializados que ainda estavam a funcionar. Onde foram acolhidos por uma impiedosa burocracia de deportação, em estreita associação com nazis incendiários e outros radicais de direita.

Durante a dominação do neoliberalismo, qualquer tipo de intervenção estatal na vida económica foi considerada "distorcendo a concorrência". As empresas estatais, bem como partes das infra-estruturas públicas, foram lançadas – não raro por uma ninharia – na goela do sector privado, que racionalizou imediatamente estas novas aquisições, a fim de eliminar os empregos "supérfluos". Neste contexto, não se deve esquecer que o triunfo do neoliberalismo esteve inseparavelmente ligado à tecnologia da microelectrónica. Aclamada pelos seus fundadores como uma indústria inovadora e verde, a sua introdução teve graves repercussões sociais – entre outras coisas, tornou possível "libertar" massas de mão-de-obra das burocracias estatais e das administrações das grandes e médias empresas. O impulso de modernização dos anos 80, 90 e 2000 criou novas indústrias, mas ao mesmo tempo destruiu (à escala global) muito mais postos de trabalho do que os que acabaram por ser criados.

As atrocidades das orgias de austeridade neoliberais que duraram décadas não precisam de ser aqui enumeradas; isso iria além do âmbito deste artigo. Há mais de 15 anos, Robert Kurz já notou o derretimento da "gordura fordista" sob a forma do recurso a "reservas, heranças etc. até à propriedade de bens imóveis", bem como um colapso da "nova classe média". (40)

No entanto, a penetração do capital faminto de investimento no sector estatal da economia das regiões centrais capitalistas atingiu então os seus limites. A privatização das tarefas públicas foi à substância do capitalismo no seu conjunto: juntamente com as suas infra-estruturas alegadamente supérfluas, o capitalismo corroeu os alicerces da sua própria criação de valor. E, para além disso, a "racionalização" da produção e destruição de postos de trabalho reduziu o número de consumidores.

Actualmente, o limite estrutural da política económica neoliberal parece ter sido ultrapassado. O alcance deste limite já tinha sido prefigurado pela chamada crise do subprime dos anos de 2007 a 2009. O capital faminto de investimento tinha mais uma vez formado bolhas especulativas. O rebentar de algumas destas bolhas (desta vez crescidas a proporções gigantescas) fez o sistema financeiro global cambalear, e até os monetaristas inveterados gritaram bem alto para que o Estado interviesse. Isto ocorreu prontamente sob a forma de "programas de resgate de bancos".

Vista a nível mundial, esta intervenção resultou num imenso aumento da dívida pública. Mais uma vez, a suposta "eficiência" da economia neoliberal tinha provado ser uma farsa, e o radicalismo do mercado uma fraude ideológica. Mais uma vez – porque tais fases de intervenção estatal foram implementadas repetidamente no passado, mesmo sob governos declaradamente neoliberais. (41)

 

Recuperação financiada pelo Estado?

"Ainda bem que rezar e mendigar não tinham ainda sido declarados crimes contra o Estado".

Ngugi wa Thiong'o "Wizard of the Crow " (O mago do corvo)

 

Desde 2019, a economia global tem estado mais uma vez atolada numa grave recessão. Mesmo os ideólogos burgueses estão agora a constatar o fracasso do modelo económico neoliberal. A enorme e sem precedentes concentração de capital foi realizada numa extrema polarização social, com um punhado de super-ricos e um número cada vez maior de miseráveis capitalistamente supérfluos. Este resultado essencial do modelo económico neoliberal, no entanto, é pouco discutido fora da esquerda que resta – e mesmo aqui, na sua maioria, apenas no sentido de um ultrapassado marxismo da luta de classes. Em vez disso, a maioria dos ideólogos burgueses propaga como solução para a crise, com cansativa falta de imaginação, um "New Deal", uma intervenção estatal semelhante à dos anos 30.

De facto, como Robert Kurz escreveu num dos seus últimos textos, a marcha do neoliberalismo foi também, desde o início, um "programa induzido pelo Estado". Fora a própria classe política que "através de medidas administrativas tinha posto em marcha essa desregulamentação e privatização global neoliberal, o chamado radicalismo de mercado e o imperialismo da economia". O Estado sempre "participou no jogo" e "a desregulamentação nada mais era do que uma certa forma de regulação". (42) Neste contexto, é sempre preciso lembrar que as primeiras mudanças do modelo económico keynesiano para o neoliberal foram forçadas pelos militares na altura. O golpe sangrento no Chile em 1973 é o mais conhecido, mas não é de modo nenhum o único exemplo.

Independentemente disto, os média e o material impresso são actualmente assombrados por sonhos de "uma onda sem precedentes de inovação e criatividade, através de novos métodos e meios de produção", que poderiam ser desencadeados pela crise e subsequente intervenção maciça do Estado. (43) Mas estas ideias assentam em pura ilusão.

No caso da repetidamente invocada solução da crise financiada a crédito da década de 1930 tratava-se de uma crise de aplicação do fordismo – o capitalismo tinha sufocado temporariamente, sob uma inundação de bens produzidos mas invendáveis, na sequência da introdução incontrolada da produção industrial em massa.

Ao contrário de então, estamos agora a lidar com uma crise estrutural do capitalismo como sistema. Mesmo na década de 1930, a crise foi tratada de formas muito diferentes: O governo dos EUA adoptou principalmente de um reforço do poder de compra financiado pela dívida, sob a forma de programas sociais e da expansão das infra-estruturas públicas. Na Alemanha fascista, a crise foi então abordada sob a forma de armamento financiado pela dívida. A implementação final do fordismo culminou então na catástrofe da Segunda Guerra Mundial.

Os propagandistas de soluções financiadas pelo Estado para a crise ou não compreendem o modo como funciona o sistema capitalista ou negam-no. Pois, mesmo que houvesse uma tal onda de ascensão económica, ela levaria novamente à destruição maciça e não à criação de empregos. A questão de como financiar uma tal vaga de modernização induzida artificialmente também permanece completamente sem resposta. Pôr a trabalhar a máquina de impressão de dinheiro, como ocasionalmente se recomenda com base na ingenuidade, resultaria muito provavelmente num aumento maciço da inflação, que por sua vez seria à queda do poder de compra – por outras palavras, exactamente ao oposto do que se pretende na realidade.

Mas é indicativo da gravidade da actual crise que até os economistas burgueses já não estão a excluir a possibilidade de um colapso económico global. Estes receios, contudo, não estão ligados a um renascimento da crítica social radical. Pelo contrário, estas pessoas assumem que um capitalismo "mais correcto" irá emergir após um colapso global. Entretanto surgiu uma nova profissão de "profetas do crash", cuja função é essencialmente persuadir os investidores crédulos de como podem de algum modo salvar os seus activos financeiros do iminente crash económico e financeiro.

E o que pensa a esquerda que resta sobre o fim do modelo económico neoliberal? Até agora, não muito. O chamado radicalismo de mercado foi sempre interpretado por ela como a retirada do Estado da economia. Os protestos contra as imposições deste sistema, que existem, mas são demasiado raros, esgotam-se por isso muitas vezes em exigências de intervenção reguladora do Estado. Contudo, a marcha dos activistas políticos de esquerda para as instituições do Estado outrora combatidas teve de permanecer ineficaz. Pelo contrário, foram muitas vezes até governos dominados pela social-democracia que lançaram novas ondas de desregulamentação, incluindo as conexas atrocidades sociais. O que era, evidentemente, lógico.

Como Robert Kurz já declarou nos anos 90, na sua discussão das ideologias de direita, a política é, afinal, apenas uma "esfera derivada (que) não tem qualquer competência independente para intervir. As leis e medidas estatais que não estão de acordo com o estado de desenvolvimento do processo de mercado sem sujeito não servem para nada ou não passam de um pedaço de papel.” (44)

Alguns anos mais tarde, Anselm Jappe formulou isto de forma semelhante: "Na sociedade fetichista das mercadorias, a política (...) é um subsistema secundário. Existe porque a troca de mercadorias não prevê relações sociais directas e, portanto, torna-se necessária uma esfera especial na qual os interesses sociais gerais são regulados e mediados (...). Sem uma autoridade política, os sujeitos do mercado passariam imediatamente a uma guerra de todos contra todos e, claro, ninguém quereria tomar conta das infra-estruturas." (45)

Como era previsível, os aparelhos partidários social-democratas e socialistas apoiaram e continuam a apoiar a recente viragem para o autoritarismo estatal, em obediência antecipada. Neste contexto, é preciso citar Robert Kurz mais uma vez: "É próprio da capacidade de governo não aprender nada da história e transmitir este talento aos filhos e netos" (46)

 

Restrição à sombra do vírus

"Diga-me, Doutor, é verdade que quer erguer um monumento aos mortos da peste?"

Albert Camus "La Peste" (A Peste)

 

A pandemia de Covid-19 assolou terrivelmente grande parte do nosso planeta e continuará a fazê-lo. As regiões mais afectadas são aquelas onde as condições sociais desafiam agora qualquer descrição, onde um sistema de saúde funcional nunca existiu ou foi vítima da desregulamentação neoliberal das últimas décadas. No entanto, o medo do vírus está também a espalhar-se em locais onde o sistema de saúde – embora atacado – ainda funciona, por exemplo, na Europa Ocidental. É simples lógica médica que a propagação do vírus da Covid-19 requer contramedidas também aqui.

No entanto, o pessoal executivo do governo tem confundido e continua a confundir as medidas restritivas contra a propagação do vírus com tentativas autoritárias para lidar com a crise económica e financeira. Na mente da gestão empresarial, por sua vez, a crise é vista principalmente como uma oportunidade para lucrar com um mercado de cuidados de saúde em expansão e, no processo, explorar o medo da população de uma forma calculada. O resultado é um emaranhado de ordens oficiais incontroláveis, que em parte fazem sentido, mas em parte – a longo prazo – podem ter efeitos catastróficos. Este caos é ladeado por campanhas de relações públicas de grandes empresas entre si concorrentes.

Grande parte da população reage às condições caóticas com tremores de medo do que o futuro possa trazer. Esconder-se debaixo das asas de um aparelho repressivo foi e é a consequência lógica. A publicista Roswitha Scholz previu há anos que haveria um abandono do "grande apalhaçamento de quase tudo e todos" (47) e o regresso de um "pensamento autoritário messiânico que promete ordem". (48) A classe média em particular, cada vez mais agredida pelo capitalismo de crise, está agora a tentar freneticamente comprimir as novas condições "num velho esquema de classes, mesmo quando as circunstâncias obrigam a que se pense em modificá-lo. Também aqui se torna visível um momento de autoritária afirmação da identidade.” (49)

O sentido ou não-sentido dos decretos de emergência anti-Covid-19 não foi analisado cientificamente até hoje. Em vez disso, as medidas desencadearam mais uma guerra religiosa entre apoiantes e opositores das restrições estatais. Enquanto uns proclamaram que o vírus poderia ser derrotado no mais curto espaço de tempo através de medidas autoritárias à custa da população e de segmentos seleccionados da economia, outros consideraram a intervenção estatal como um ataque inaceitável à sua liberdade (civil).

O absurdo desta guerra religiosa é que ela está a ser travada por ambos os lados em nome da restauração da "normalidade" burguesa. Enquanto alguns afirmam que sem a atitude de recusa dos "pensadores transversais" e dos "covidiotas" a pandemia teria sido derrotada há muito tempo e a sociedade (capitalista) que existia antes do vírus teria sido restaurada, a outra parte nega completamente o sentido das medidas antipandémicas e exige o seu fim imediato.

Neste contexto, a acusação de fascismo tem sido inflacionada. Manifestantes que se opunham ao que viam como chicanas absurdas da burocracia chamavam ao governo "fascistóide", enquanto que os contramanifestantes denunciavam qualquer crítica à política de saúde do governo como "fascista". Mas este absurdo não é surpreendente – uma reavaliação objectiva dos horrores dos anos de 1933 a 1945 nunca teve lugar na sociedade da Alemanha Federal. Robert Kurz já escreveu, a propósito da onda radical de direita que ferveu nos anos 90, que o fascismo histórico: "(...) para os democratas oficiais do pós-guerra (...) (teve de) passar à categoria de 'princípio' hostil; uma espécie de espectro no nevoeiro a-histórico da modernidade, que poderia reaparecer a qualquer momento". (50)

Em todo o caso, os partidos e grupúsculos radicais de direita ficaram contentes com a publicidade inesperada e apressaram-se a explorar os chamados protestos do "pensamento transversal" em seu próprio benefício. O seu programa – se é que se pode falar de algum – não equivale, contudo, a uma crítica ao sistema capitalista, mas sim à restauração do Estado de pequena escala do século XIX. (51) O facto de as restrições impostas pelo governo (fronteiras fechadas etc.) não raro coincidirem com as que os próprios radicais de direita ainda há pouco tempo tinham exigido, não pareceu incomodar ninguém no contexto. Também não pareceu incomodar ninguém que os radicais de direita, por um lado, acusassem o governo de matar partes da população às ordens da indústria farmacêutica através de vacinas não aprovadas – e, no mesmo fôlego, exigissem o fim imediato das medidas de protecção do ambiente e do consumidor (ou seja, também da aprovação de medicamentos) decretadas por um governo alegadamente infiltrado de "verde", uma vez que estas supostamente entravariam o crescimento económico e teriam assim causado a crise.

Certo é que os protestos são principalmente levados a cabo por membros da classe média atingida pela crise. O facto de tanto a crise económica como as restrições governamentais terem tido e continuarem a ter graves consequências sociais não é de modo nenhum discutido aqui. Independentemente dos programas de apoio estatal, bastantes pequenas empresas estão à beira da falência ou já entraram em colapso. E devem ser sem dúvida mencionados neste contexto os efeitos da crise económica e da pandemia sobre o sector cultural e educativo. A longo prazo poderão ser horríveis.

E o que pensa a esquerda que resta sobre tudo isto? Como Robert Kurz escreveu há décadas, os partidos socialistas ainda existentes e a maioria das organizações e grupos extraparlamentares não conseguem fugir à sua fixação em "política e democratização" e, portanto, dificilmente são capazes de compreender a bem ordinária realidade capitalista. (52) Em vez de se compreender a pandemia, juntamente com as restrições confusas e cada vez mais autoritárias de uma burocracia sobrecarregada e as reacções por vezes abstrusas de partes da população, como manifestações da crise capitalista global, os acontecimentos são interpretados como uma ameaça às condições democráticas. A consequência lógica é rastejar para debaixo das asas de um aparelho cada vez mais autoritário. Esta parte da esquerda segue assim à risca as instruções mais absurdas do aparelho burocrático.

Por outro lado, os grupos de esquerda mais pequenos que se opõem a esta orientação não estão menos fixados no Estado, mas apenas de forma diferente. A actual onda repressiva e autoritária é vista por eles principalmente como uma ameaça do aparelho de Estado. A tematização da crise e da sua causa nas leis internas do capitalismo também entre eles pode só ser encontrada, no máximo, em abordagens redutoras. Para estes grupos, a luta pela "normalidade" é, antes de mais, uma luta para que lhes seja permitido voltar a fazer o seu "trabalho político normal" sem impedimentos.

Não desinteressante, neste contexto: há quase dez anos atrás, o economista e crítico do valor norte-americano Moishe Postone considerou concebível a emergência de "Estados altamente militarizados" em ligação com a crise que já se aproximava na altura, em que a maioria das pessoas tornadas supérfluas seriam "mantidas sob controlo com medidas autoritárias-repressivas". (53) No entanto é bastante duvidoso, como Postone também pensava na altura, que o capitalismo possa sobreviver desta forma. Como ele explicou na mesma entrevista, a crise de 2007/2008 já era uma indicação de que "a expansão do trabalho chegou ao fim ou está pelo menos perto do fim". (54) Mas não pode haver um capitalismo em estagnação permanente, pois ele baseia-se no princípio fundamental do trabalho abstracto. O capitalismo está condenado, por princípio, ou a continuar a expandir-se ou a devorar-se aos bocados. A actual dualidade de cenários caóticos de guerra civil e simultâneo "esforço para o cego estabelecimento da ordem" (55) é obviamente uma indicação deste último cenário.

Cada crise – como sempre – tem vencedores e perdedores. Já está à vista de todos o facto de, durante a chamada crise do coronavírus, a diferenciação social da população mundial ter progredido ainda mais, de as enormes fortunas de um punhado de cidadãos proprietários terem continuado e ainda continuarem a aumentar, enquanto sectores cada vez mais vastos da população estão a empobrecer. (56) Parte da lógica paradoxal da crise do coronavírus é, portanto, que os que dela aproveitam não estão nada interessados em ultrapassá-la rapidamente, mas sim em prolongá-la. Aqueles que não pertencem a estes aproveitadores lutam naturalmente por uma administração autoritária da crise. Assim, como Robert Kurz escreveu, "o autoritarismo do Estado (...) é apenas o equivalente complementar ao autoritarismo do mercado, o totalitarismo político é apenas uma manifestação do totalitarismo económico" (57)

A tentativa de administração repressiva da crise não pode assim funcionar a longo prazo. O caos progressivo e as tentativas desesperadas de o domar pela força poderão agora alternar por um período de tempo mais longo. A humanidade provavelmente nunca esteve tão longe de uma sociedade emancipatória, ou seja, livre das restrições estatais e das atrocidades sociais, como no nosso admirável presente novo.

Não haverá nenhum raio de esperança no horror do caos da guerra civil e da administração repressiva da crise? Afinal, grupos de esquerda ainda activos na Alemanha revelaram que mesmo durante a pandemia hospitais e clínicas continuaram a ser fechados como "não lucrativos", e também que o pessoal de cuidados continuados e de lares de idosos é miseravelmente pago, além de mal treinado e totalmente sobrecarregado de trabalho, e que muitas mortes atribuídas ao vírus são de facto vítimas destas mesmas condições. (58) O que significa que – independentemente da solidariedade reclamada pela burocracia estatal e pelos grandes media – as atrocidades sociais e o desmantelamento das instituições públicas de custo intensivo continuam sem cessar.

A consciência das monstruosidades da nossa gloriosa sociedade capitalista é, com certeza, o primeiro pressuposto para pensar além dela.

Cada vez mais é preciso ter presente que mesmo uma administração autoritária do estado de necessidade se baseia nos fundamentos da economia produtora de mercadorias, é o seu instrumento e cairá inevitavelmente com os seus fundamentos. As leis da sociedade capitalista não são leis da natureza, pelo que, por princípio, podem ser abolidas. (59) Com a sua abolição, uma nova sociedade pode ser possível.

 

Bibliografia

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Wenzel, Hans Eckardt „Solo. Live“ (CD)

 

Notas

(1)  Marx, Karl „Kritische Randglossen zu dem Artikel eines Preußen“, MEW Bd. 1, p. 401. Trad. port.: “Glosas Críticas Marginais ao Artigo de um Prussiano”, online: https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/08/07.htm

(2) Marx Karl, „Das Kapital“, MEW Bd. 23, p. 779

(3) Em sua carta a Friedrich Bolte em 1871, por exemplo, Marx referiu-se a Michael Bakunin como uma "pessoa sem qualquer conhecimento teórico", MEAS, Band 2, p. 436

(4) Apenas como exemplo: o cântico dos cânticos de Bookchin sobre as comunas urbanas do final da Idade Média europeia ignora amplamente a estratificação social dessas estruturas, incluindo as não propriamente raras revoltas sociais das camadas urbanas mais baixas.

(5) Expressamente recomendado para leitura neste contexto é o artigo „Die Freiheit zur Knechtschaft. Der Anarchokapitalismus als Schmuddelkind des Anarchismus“ de Thomas Meyer (https://exit-online.org/textanz1.php?tabelle=autoren&index=38&posnr=567&backtext1=text1.php). Trad. port.: A liberdade da servidão. O anarcocapitalismo como pária do anarquismo, online: http://www.obeco-online.org/thomas_meyer5.htm

(6) Representantes dessa tendência negam completamente a necessidade do poder do Estado dentro da estrutura do capitalismo, exigem uma privatização completa de autoridades e instituições e igualam tributação à escravidão. Um exemplo particularmente notável duma utopia anarcocapitalista é: Titus Gebel: „Freie Privatstädte. Mehr Wettbewerb im wichtigsten Markt der Welt“ [Cidades privadas livres. Mais concorrência no mercado mais importante do mundo] , Aquila Urbis Verlag, Walldorf, 2019

(7) Engels, Friedrich „Die Lage Englands“ [A situação da Inglaterra], MEW Bd. 1, p. 577

(8) Ibidem, p. 592

(9) Ibidem, p. 592

(10) Ibidem, p. 572

(11) Engels, Friedrich „Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staates“ [A Origem da família, da propriedade privada e do Estado], MEAS, Bd. II, p. 296

(12) Os e as Communards de Paris foram criticados pela esquerda marxista principalmente por terem sido indecisos demais a tomar o poder do Estado. Os insurgentes deveriam ter marchado imediatamente sobre Versalhes e prendido o governo antes que ele conseguisse reunir tropas e tomar medidas militares contra a população parisiense. Por exemplo, em sua famosa peça “Os dias da Comuna”, Bertolt Brecht colocou a seguinte frase na boca de um dos guardas nacionais em luta: “Em 18 de março, teríamos cavado o ninho em duas horas”. (Brecht, Bertolt, 1981, p. 657)

(13) Marx, Karl „Der Bürgerkrieg in Frankreich“ [A guerra civil em França], MEW Bd. 17, p.336

(14) Marx, Karl „Erster Entwurf zum Bürgerkrieg in Frankreich“ [Primeiro esboço de A guerra civil em França], MEW Bd. 17, p. 539

(15) Ibidem, p. 541

(16) Em relação a tal "transição" para uma sociedade sem classes, eles poderiam realmente referir-se aos últimos escritos de Marx.

(17) Assim, pela primeira vez em 1918 na Rússia Soviética foram nacionalizados toda a indústria e sistema bancário, e mais tarde também parte das propriedades agrícolas.

(18) Mottek, Hans, 1987, p. 167

(19) Esta nacionalização deu-se na altura através da aquisição gradual de empresas ferroviárias privadas, bem como através do acréscimo e adaptação da – até então incompleta – rede ferroviária por empresas estatais. O processo de centralização da rede ferroviária alemã não foi completamente concluído até 1920. Desde 1990, uma gestão ferroviária neoliberal tem feito o seu melhor para reverter esse desenvolvimento. As consequências desta desregulamentação são bem conhecidas.

(20) Kurz, Robert, 1997, p. 71

(21) Kurz, Robert, 1991, p. 20

(22) Kurz, Robert, 2011, p. 162

(23) Ver também: Kurz, Robert, 2011, p. 105f

(24) Detalhadamente ver Kurz, Robert, 2012, p. 68 e p. 91, bem como: Wallner, Georg, 2006, p. 23

(25) Marx, Karl „Erster Entwurf zum Bürgerkrieg in Frankreich“ [Primeiro esboço de A guerra civil em França], MEW Bd. 17, p. 538s

(26) Marx Karl, MEW Bd. 23, p. 778

(27) Para mais detalhes sobre o surgimento do Estado-nação burguês, veja-se Bedszent, Gerd, 2019

(28) Kurz, Robert, 1991, p. 40

(29) Marx Karl, „Das Kapital“, MEW Bd. 23, p. 788

(30) Marx, Karl „Kritische Randglossen zu dem Artikel eines Preußen“, MEW Bd. 1, p. 398. Trad. port.: “Glosas Críticas Marginais ao Artigo de um Prussiano”, online: https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/08/07.htm

(31) Ver detalhadamente: Bedszent, Gerd „Brot oder Tod“ [Pão ou morte], publicado em anexo da „junge Welt“ de 11. August 2018 (https://www.jungewelt.de/loginFailed.php?ref=/artikel/337739.brot-oder-tod.html?sstr=Bedszent)

(32) Marx Karl, „Das Kapital“, MEW Bd. 23, p. 788

(33) Kurz, Robert, 1999, p. 33

(34) O sufrágio universal para homens adultos só se estabeleceu nos países industrializados no final do século XIX, e o direito de voto para mulheres adultas apenas no início do século XX. Deve ser lembrado repetidamente que o modelo democrático Suíça, afinal uma das mais antigas democracias burguesas, só conseguiu a introdução do sufrágio feminino em 1971 (!).

(35) Kurz, Robert, 2000, p. 175

(36) Kurz, Robert, 1991, p. 41

(37) Friedrich Engels, é claro, poderia nem saber o nome da mudança climática, mas alertou em seu livro "O papel do trabalho na transformação do macaco em homem" contra as "vitórias humanas sobre a natureza" e os "efeitos imprevistos" daí resultantes. (MEAS, Bd. 2, p. 76)

(38) Termo colectivo para subprodutos indesejados, como lixo, esgotos e gases de escape.

(39) Ver em detalhe: Bedszent, Gerd, 2014, p. 7

(40) Kurz, Robert, 2005, p. 339

(41) Apenas a título de exemplo: os governos dos EUA, que gostavam de se apresentar como pioneiros em matéria de desregulamentação, lançaram repetidas vezes programas de estabilização financiados pelo Estado no final do século XX, sob a forma de gigantescos programas de armamento militar. O que fez então a humanidade balançar por décadas à beira de uma troca de galhardetes atómica desapareceu hoje em grande parte da consciência pública.

(42) Kurz, Robert, 2010, p. 27

(43) Schwab / Malleret, 2020, p. 63

(44) Kurz, Robert, 1993, p. 63

(45) Jappe, Anselm, 2005, p. 142

(46) Kurz, Robert, 2011, p. 161

(47) Scholz. Roswitha, 2006, p. 159

(48) Ibidem, p. 172

(49) Ibidem, p. 170

(50) Kurz, Robert, 1993, p. 24

(51) Com este ideal, a direita está bem próxima dos liberais económicos radicais, cujas ideias por muito tempo se resumiram a criar ilhas administráveis de prosperidade para membros da minoria super-rica e simplesmente deitar fora a massa "supérflua" da população mundial.

(52) Kurz, Robert, 2000, p. 181

(53) Gremliza, Herrmann L., 2012, p. 166

(54) Ibidem, p. 165

(55) Scholz, Roswitha, 2006, p. 173

(56) Só em 2020, de acordo com o "Manager Magazin", o número de mil vezes milionários em todo o mundo aumentou em 600 para um total de 2755. Ao mesmo tempo, a riqueza desses super-ricos aumentou de oito para 13,1 biliões de dólares. (https://www.manager-magazin.de/lifestyle/yachten-fuer-superreiche-jeff-bezos-und-co-im-kaufrausch-a-84d41891-5cc6-47c5-a540-7f1ab3b6c74c)

(57) Kurz, Robert, 2000, p. 180

(58) Apenas como exemplo: https://www.gemeingut.org/krankenhausschliessungen/

(59) Ver Kurz, Robert, 1991, p. 197 (Nota de pé de página)

 

 

Original Totale Konkurrenz oder repressive Menschenverwaltung? Staatsgewalt in Zeiten der Krise, in: www.exit-online.org, 18.10.2021. Tradução de Boaventura Antunes

 

http://www.obeco-online.org/

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