Gerd Bedszent

 

Marx de direita?

 

Sobre a tentativa de alimentar a administração da crise de direita com teoria de esquerda

 

Quando a direita radical subitamente se apresenta como social, ou mesmo como anticapitalista, o alarme deve tocar em todas as pessoas razoáveis. Afinal de contas, os políticos de direita e os militantes nazis são conhecidos pelo seu tratamento bárbaro de grupos populacionais indesejáveis. O roubo e assassinato de quase toda a população judaica da Europa durante a Segunda Guerra Mundial é o mais conhecido, mas não é de modo nenhum o único exemplo disso. Com os fenómenos de erosão crescente da sociedade produtora de mercadorias, era lógico e previsível que os direitistas radicais propagassem tentativas de administração violenta da crise. Não se pode esperar outra coisa dos radicais de direita; é para isso que eles existem. O ideal social da nova direita de um povo etnicamente homogéneo, resultante de um passado ideologicamente distorcido, equivale a uma tentativa de controlar a sociedade burguesa em desintegração com meios autoritários.

A maioria dos partidários da nova barbárie propagam, com uma cansativa falta de imaginação, a renovação da ditadura da formação fordista dos anos trinta do século passado, substituindo os rudimentos então anacrónicos do Estado corporativo guilhermino pelo "Sistema Merkel" que supostamente deve ser eliminado hoje. Os sinais intelectuais e morais de decadência no pessoal dos aparelhos administrativos do Estado-nação estão indubitavelmente presentes e de modo nenhum serão negados aqui. O facto de este declínio ser um fenómeno de crise e não a causa da decadência da democracia da economia de mercado não é percebido pelos radicais de direita ou é por eles escondido. A definição de Robert Kurz de que "a política afinal é apenas uma esfera derivada e não tem qualquer capacidade de intervenção independente” (Kurz 1993, p. 63) nunca chegou à direita. E muito menos a conclusão de que os sinais de decadência na arena política resultam do declínio da economia, e não o contrário.

A chanceler alemã, cujo louvor não deve certamente ser aqui cantado, representa, na imaginação de asselvajados racistas suburbanos, a integração do movimento de protesto verde dos anos 80 e 90 no establishment político da República Federal Alemã, que se tornou maior desde 1990. O facto de a luta contra as piores consequências da produção em massa fordista, travada pelo movimento de defesa do ambiente apenas marginalmente e num contexto local, ter resultado de uma lógica bastante simples das ciências da natureza, nunca tendo questionado seriamente os fundamentos do fordismo, é completamente ignorado pela direita. Também se ignora que o processo de imposição do mercado mundial capitalista conhecido como "globalização" não é de modo nenhum o produto de ideias multiculturais de fundamentalistas verdes, que já não existem, mas é devido à lógica interna do sistema produtor de mercadorias. Uma reviravolta neste processo não é simplesmente possível no quadro do sistema e, a propósito, não é seriamente visada pela maioria dos radicais de direita. Pretendem apenas afastar as consequências sociais deste processo do território do respectivo Estado-nação.

Os novos teóricos da direita têm vindo a dizer, desde os anos 60, que seria preciso agora aprender com a esquerda. No entanto, não adoptaram quaisquer objectivos sociais nem, certamente, nenhuma crítica fundamental à moderna produção de mercadorias, mas sim slogans e tácticas de relações públicas com carga mediática. Afinal, a preocupação da direita não é nem nunca foi a organização da resistência contra os desaforos da sociedade produtora de mercadorias, mas sim a imposição e manutenção dessa mesma sociedade – nem que seja por meio de violência brutal. Há quase trinta anos, Robert Kurz afirmou que, no caso dos radicais de direita assumidos, "os programas económicos ou não existem ou são simplesmente impraticáveis e, em geral, ainda mais nebulosos do que os dos partidos oficiais". (Kurz 1993. p. 63) Pouco mudou a este respeito até hoje.

Mas qual é a diferença entre a velha e a nova direita? Na década de 1930, a eliminação dos rudimentos do Estado corporativo guilhermino era uma parte essencial da política económica do regime nazi. Embora o objectivo puramente militar de eliminar a concorrência avançada tenha fracassado, a transformação fordista da economia alemã pelos nazis tornou-se pouco depois uma condição essencial para os "anos do milagre económico" alemão. Como escreveu Robert Kurz, os mentores do regime nazi, que mais tarde muitas vezes se enojaram com a sua realidade, possuíam, “em sua dura crítica à racionalidade ocidental, à ‘política’ democrática da economia de mercado e à lógica da economia empresarial contra a forma social de mercadoria obviamente incompreendida, momentos fortes, irracionalmente envolvidos em momentos de verdade, que na sua linguagem própria certamente roçam a crítica do fetiche de Marx, mas que buscavam legitimações nacionais-ontológicas no passado". (Kurz 1993, p. 44) Em contraste, Kurz descreve o racismo da nova direita como um "constructo debilitado".

A nova direita está agora ligada aos mentores da velha direita? Não há dúvidas quanto à tentativa. É provável que os novos teóricos de direita tenham chegado à conclusão de que, quando se trata de crítica da economia, não há simplesmente nada que se possa obter do próprio povo. Uma antologia recente publicada pela Jungeuropa-Verlag tem mesmo o título de "Marx de direita".

E há boas razões para olhar de perto para este panfleto radical de direita.

O editor Philip Stein diz no prefácio do volume que a esquerda contemporânea "traiu completamente" o legado multifacetado de Marx e que, portanto, é hora de tirar suas análises das "garras de uma esquerda que coopera com o capitalismo". A direita pode aprender com Marx "o que mantém o capitalismo unido em seu cerne e que mecanismos têm ajudado este gigante autogovernado na sua marcha triunfal". (Kaiser, Benoist, Fusaro, p. 11) O objectivo visado, que se pretende alcançar com a ajuda de Marx, é chamado de "unidade" por Stein. Isto, no entanto, não significaria uma "'reconciliação das classes' com as condições da elite governante". Seria antes uma questão de "permitir novas formas contemporâneas de 'participação' do trabalhador". Stein evita plagiar literalmente Hitler e Goebbels, mas neste contexto cita José Antonio Primo de Riveira, fundador da Falange Espanhola: "A divisão requer ódio. Mas o ódio e a divisão são incompatíveis com a fraternidade. E assim se extingue, nos membros de um e mesmo povo, o sentimento de ser parte de um todo superior, de uma alta e abrangente unidade histórica." (Kaiser, Benoista, Fusaro, p. 12) Só um tolo não pensa imediatamente na imposta formação forçada fordista, realizada pelos nazis com a ideia de "comunidade de povo", no âmbito de um processo de modernização atrasada promovido com métodos bárbaros.

Naturalmente, coloca-se a questão de saber se os defensores intelectuais de uma nova barbárie encontraram realmente o que procuravam em Marx para clarificação das "questões económicas fundamentais" (ibid., p. 8).

O volume contém duas breves contribuições do filósofo francês Alain de Benoist, o mais importante mentor da nova direita. "O ressuscitado Adolf Hitler fala aqui francês", comentou Robert Kurz anos atrás, sobre a furiosa "falsa crítica irracional-romântica e racial-biológica da modernidade". (Kurz 1999, p. 766) Em sua primeira contribuição, Benoist faz uma distinção precisa entre o trabalho teórico de Marx e Engels e o "marxismo" mais tarde propagado pelo movimento operário. Em sua interpretação da filosofia da história de Marx como uma continuação das lendas bíblicas, Benoist confunde o trabalho teórico de Karl Marx com o de Ernst Bloch. Como é que a sociedade de classes de Marx, como uma "nova forma de paraíso" (Kaiser, Benoist, Fusaro, p. 66s.), deveria ser o fim da história não é certamente claro. Embora Benoist trate (superficialmente) da economia mercantil teorizada por Marx, ele parece não ter nenhuma ideia do carácter de fetiche do capital como força motriz dessa economia mercantil; na melhor das hipóteses, suas observações sobre o sector financeiro e o sistema de crédito podem ser descritas como redutoras. O final do artigo torna-se completamente estúpido, quando confunde a implementação do mercado mundial capitalista na forma de globalização com a morte do Estado prevista por Marx.

Num segundo artigo, Benoist sente-se depois realmente tentado a abordar a crítica do valor – e equivocadamente coloca o seu início por volta do ano 2000. Afinal, ele parece ter lido e compreendido parcialmente o Manifesto contra o Trabalho surgido em 1999, citando em alguns pontos declarações de Robert Kurz, Claus Peter Ortlieb e Moishe Postone sobre a crítica do trabalho. O colapso do sistema de produção de mercadorias previsto por Robert Kurz, no entanto, transforma-se num "esgotamento do capitalismo" (Kaiser, Benoist, Fusaro, p. 90). As origens da economia mercantil no absolutismo, evidenciadas por Robert Kurz, não lhe ocorrem; isto provavelmente viola a sua própria compreensão da história de forma demasiado flagrante. De qualquer modo, a óbvia preocupação de Benoist em transformar a crítica do valor numa mina para obscuras abordagens teóricas extremistas de direita não funciona, como ele provavelmente também sabe – a radicalidade da crítica do capitalismo feita pela crítica da dissociação-valor parece tê-lo deixado essencialmente desesperado.

O ensaio do jovem filósofo italiano Diego Fusaro abordou a obra A Ideologia Alemã da juventude de Karl Marx (e muito tempo inédita) e sua interpretação pelo filósofo francês Louis Althusser. Ao menos pode-se ler no trabalho de Fusaro algo sobre a ausência da história constatada por Marx nos economistas burgueses. Fusaro, no entanto, refere-se à tese de Francis Fukuyama, de 1992, de um "fim da história", que há muito foi arrumada. Para Fusaro, a crítica de Marx aos ideólogos burgueses do século XIX é provavelmente apenas a sugestão apropriada para deitar abaixo a implementação do mercado mundial capitalista – o conhecido slogan marxista do "Manifesto" teria sido reinterpretado em "Povos de todos os países, globalizai-vos!" A globalização é, portanto, o produto de uma superestrutura ideológica errada. Como consequência dessa má orientação, a concorrência do mercado mundial "isolaria a massa de meros trabalhadores" de uma "fonte segura de vida". (Kaiser, Benoist, Fusaro, p. 100) Os importantes escritos económicos de Marx, nos quais os primeiros passos do desenvolvimento rumo ao mercado mundial são descritos em detalhe, significativamente não desempenham qualquer papel no texto de Fusaro, onde não há uma crítica fundamental à sociedade de trabalho e à produção de mercadorias. Fusaro só pode imaginar o fim do capitalismo global como uma espécie de reversão para uma sociedade tal como ela existia na sua imaginação antes do capitalismo. Fusaro – como outros pensadores de direita – equipara a emergência do capitalismo com a marcha ideológica do liberalismo burguês no século XIX.

O jornalista alemão Benedikt Kaiser, actual editor da nova direita na Antaios-Verlag, faz várias referências a Benoist e Fusaro em sua contribuição. O dinâmico racista da nova geração localiza as origens da nova direita no conservadorismo prussiano do século XIX e enfatiza que este teria defendido "salários justos e partilha do poder pela classe trabalhadora". (Kaiser, Benoist, Fusaro, p. 17) Em outros lugares ele se refere a partidos dissidentes que surgiram do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães de Hitler. No texto de Kaiser também todos os males do mundo estão enraizados no triunfo ideológico do liberalismo no século XIX; na verdade, ele propaga uma inversão do capitalismo para o nível do início do século XIX. Claro que escondendo completamente as crueldades sociais dessa época.

Após o colapso de uma economia baseada nos fundamentos do fetiche do capital e do crescimento económico desenfreado, será realmente possível, como pretendem os teóricos da nova direita, voltar às condições de uma sociedade capitalista precoce? Certamente que não. Os mentores da direita, que reduzem a história da imposição do capitalismo aos conflitos violentos do século XIX entre a burguesia industrial e uma casta aristocrática dependente da burocracia estatal absolutista, têm uma compreensão extremamente redutora da história. As origens da economia mercantil capitalista são muito mais antigas do que a oposição política entre liberais e conservadores nacionalistas reaquecida pela nova direita. É sabido que Marx e Engels reagiram com zombaria mordaz às lágrimas de crocodilo da nobreza terratenente que chorava os privilégios perdidos e lamentava a crueldade da nova era.

Robert Kurz, que Benoist e seus discípulos agora procuram descobrir para si mesmos, em seu texto de 1993 "A democracia devora os seus filhos", entre outros, caracterizou a nova direita como um componente da "história de decadência e crise" da democracia da economia de mercado, submetendo-a ao mesmo tempo a uma crítica demolidora. Na verdade, de acordo com Kurz, os radicais de direita não estariam de modo nenhum em oposição à sociedade burguesa contra a qual eles supostamente lutavam. A violência social-darwinista contra os mais fracos, propagada abertamente pela direita, é apenas a continuação depravada da concorrência capitalista com os meios do mais primitivo terror arruaceiro. Para Kurz, a nova direita radical foi o "produto da decomposição e decadência" da política democrática ocidental; ele caracterizou a "xenofobia, racismo e anti-semitismo irracionalistas" por ela propagados como uma "função de crise do racionalismo da democracia da economia de mercado". (Kurz 1993, p. 45). Não se devia falar pela boca da direita na sua "pseudocrítica fascistóide do liberalismo" (Kurz 1999, p. 765); em vez disso, a nação como "nível da forma capitalista da sociedade (...) deve ser fundamentalmente descartada”. (ibidem, p. 767)

A preocupação da direita, no entanto, é manter ou restaurar o nível formal da nação, que está se desintegrando cada vez mais no decurso dos processos económicos. O Estado-nação dos séculos XVIII a XX, idealizado pela direita, foi um produto do desenvolvimento para o capitalismo e, ao mesmo tempo, uma ferramenta para a sua imposição repressiva. Com o desaparecimento da economia nacional e sua dissolução numa soma de economias empresariais dispersas transnacionalmente, o Estado tornou-se, segundo Kurz, "economicamente vazio", uma "flácida capa política e sócio-económica em colapso". (Kurz 2005, p. 103) Assim, a teoria da nova direita é o apego desesperado a uma ferramenta que perdeu a base do seu funcionamento. As abordagens da nova direita não podem, portanto, deixar de morder permanentemente a própria cauda – o volume aqui discutido é prova disso.

A política da nova direita não pode, naturalmente, contribuir para a estabilização das instituições do Estado-nação, pelo contrário, só pode acelerar a sua desintegração. A este respeito, o trabalho teórico desenvolvido pelos pensadores da nova direita serve para legitimar a marcha dos bandos de arruaceiros barbarizados que vivem suas fantasias violentas sobre as ruínas da sociedade capitalista tardia. Neste sentido, o livro que aqui referimos é profundamente actual – embora de uma forma completamente diferente da apresentada pelos autores.

 

Bibliografia

Kaiser, Benoist, Fusario: Marx von rechts [Marx de direita], Jungeuropa Verlag, Dresden 2018.

Robert Kurz: Die Demokratie frisst ihre Kinder [A democracia devora os seus filhos], in: Krisis: Rosemaries Babies. Die Demokratie und ihre Rechtsradikalen [Rosemaries Babies. A democracia e seus radicais de direita], Horlemann Verlag, Bad Honnef 1993.

Robert Kurz: Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft [O livro negro do capitalismo. Um canto de despedida da economia de mercado], Eichborn Verlag, Frankfurt am Main 1999.

Robert Kurz „Das Weltkapital. Globalisierung und innere Schranken des modernen warenproduzierenden Systems“ [O capitl mundial. Globalização e limites internos do moderno sistema produtor de mercadorias], Edition Tiamat, Berlin 2005.

 

 

Original Marx von rechts? Über einen Versuch, rechte Krisenbewältigung mit linker Theorie zu unterfüttern in: www.exit-online.org, 07.03.2019. Uma versão bastante abreviada e modificada deste artigo foi publicada em 13.02.2019 sob o título "Hinter den Kapitalismus" (Por Trás do Capitalismo) no suplemento Antifa do jornal diário "Junge Welt". Tradução de Boaventura Antunes

 

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