Gerd Bedszent

O poder do Estado desde o início da Idade Moderna até hoje

O Estado-nação como parteiro e prestador de serviços para a produção de mercadorias

 

 

Introdução

Sobre a questão do poder do Estado circulam as mais absurdas afirmações e analogias, em livros e na imprensa, bem como em vários fóruns na Internet. São sobretudo os partidários da direita radical que acreditam que os desenvolvimentos históricos podem ser simplesmente revertidos, através de uma violência brutal, de volta a um tempo em que a sociedade ainda estava alegadamente "em ordem", em que fronteiras estáveis separavam os Estados e os povos uns dos outros e não havia crises económicas. Mas algumas excentricidades também são expressas por autores e autoras de esquerda.

Os activistas políticos anarquistas, por exemplo, ainda acreditam que todos os males do mundo derivam da existência dos aparelhos de poder do Estado, e que ao aboli-los se criaria inevitavelmente uma sociedade de indivíduos livres. Os teóricos do movimento operário clássico, por outro lado, ou se esforçam por posicionar as 'pessoas certas' em posições-chave da burocracia estatal, ou por construir um 'Estado próprio' nas ruínas de uma máquina estatal despedaçada – o capitalismo poderia então ser abolido por um acto de pura vontade e substituído por uma sociedade socialmente justa.

Neste contexto, os desenvolvimentos económicos não são percebidos, ou são completamente dissociados da existência do poder estatal. A interacção entre o poder estatal e a produção de mercadorias, nunca inteiramente compreendida pelos teóricos da esquerda tradicional, e a percepção redutora das realidades sociais resultante deste défice oferecem um flanco aberto às ideias irracionais de ideólogos extremistas de direita. (1)

Como resultado de uma percepção tão redutora, há já algum tempo que os meios de comunicação de esquerda são repetidamente assombrados pela ideia de que o tema da nação e do nacionalismo não deve ser deixado exclusivamente à direita. Teórica e praticamente, porém, não se tira nada daí. O Estado-nação e os seus aparelhos de violência não são vistos pelos ideólogos extremistas de direita como componente e ferramenta da economia mercantil, mas como uma autoridade supostamente superior. (2)

 

Estatalidade e dominação

A visão clássica da história geralmente não distingue entre Estados-nação burgueses e estruturas de poder feudais ou pré-feudais. Assim, os Estados geralmente aparecem como algo dado pela natureza, que de algum modo sempre existiu. Também o capitalismo é igualmente percebido de forma redutora as diferenças entre a economia fixada no capital e o funcionamento das sociedades pré-modernas são, em parte, deliberadamente obscurecidas, ao retroprojectar de modo completamente a-histórico categorias reais como o Estado, o mercado e o capital para toda a história da humanidade.

Afinal, já há décadas que teóricos da esquerda tradicional afirmaram que "povo" e "nação" nem sempre tinham "existido" no uso linguístico de hoje. A palavra alemã "Volk" vem de um dialecto germânico do período de migração, e originalmente referia-se a um grupo guerreiro, como unidade de base militar (Haarmann 2004, 8). Mais tarde, o termo mudou para uma associação de tribos e clãs aparentados na linguagem. No uso científico da língua, o termo politicamente desacreditado "povo" foi entretanto substituído por "etnia". E, como a historiadora austríaca Andrea Komlosy afirma recentemente, com referência ao seu colega alemão Hans-Heinrich Nolte, o termo 'Estado' só foi cunhado no início da Idade Moderna, quando foi usado para descrever um 'status', "um estado de poder confiável e calculável, cuja descrição requer 'estatísticas'" (Komlosy 2018, 69).

As fundações desse Estado moderno foram lançadas no período inicial do absolutismo. O absolutismo era uma aliança de propósitos entre os potentados que dominavam o território e a burguesia das cidades. O instrumento necessário do despotismo absolutista era a então instalada burocracia estatal, com seu braço militar. Comerciantes, banqueiros e operadores de manufacturas lucraram com a substituição das normas feudais tradicionais por uma administração e uma justiça estáveis, e também puderam fornecer lucrativamente a mesma administração, incluindo o tribunal absolutista, com os bens necessários.

As primeiras tentativas de criar um aparelho administrativo e repressivo organizado burocraticamente foram feitas durante o período da Alta Idade Média europeia. Mas só por volta do século XIV é que dinâmicos autocratas conseguiram estabelecer-se em várias regiões da Europa Ocidental, e, através de um aparelho governamental por eles criado, foram avançando gradualmente para tornar possível a regulamentação da relação de capital. O filósofo e político italiano Nicolau Maquiavel, que viveu durante o Renascimento, descreveu e justificou a implementação das novas relações de poder com rara franqueza: "Um príncipe não deve temer a reputação de crueldade para manter seus súbditos em obediência e unidade" (Machiavelli, 97).

Os aparelhos de poder recém-criados foram inicialmente financiados por rendimentos dos domínios agrários do respectivo potentado, mas também por crédito da classe alta urbana. Só quando as necessidades financeiras permanentemente crescentes dos governantes – designadamente resultantes da necessária constituição de exércitos de mercenários armados – resultaram em enormes montanhas de dívidas, é que a introdução de direitos aduaneiros sobre a circulação de mercadorias e de taxas de utilização das próprias infra-estruturas do Estado se foi concretizando gradualmente. A classe privilegiada dos nobres proprietários de terras na Alta Idade Média opunha-se ferozmente à sua tributação, mas no final teve de ceder à igualdade com os não nobres. A figura do "cavaleiro ladrão", um cleptocrata nobre que enriqueceu à custa dos portadores da economia de mercadorias sem prestar qualquer serviço em troca, ainda hoje assombra as lhanezas da literatura ligeira.

Os governantes absolutistas, é claro, não tinham inventado a economia nacional para ajudar a produção de mercadorias a alcançar um avanço mundial. A sua preocupação era antes explorar a economia como uma "pretensa criada" (Kurz 1991, 25). O facto de os potentados, como resultado do desenvolvimento que impulsionaram, entrarem numa irreversível e cada vez maior dependência da burguesia pode não ter sido claro para eles no início. As convulsões armadas no início da Idade Moderna não serviram para transformar a sociedade, mas sim para ensinar às figuras no topo do poder de Estado as relações reais de poder. Vários monarcas tornaram-se assim vítimas do aparelho judicial que tinham construído e das máquinas de execução desenvolvidas sob a sua direcção.

Após a remoção dos disruptivos produtos da decomposição da ordem feudal, a dualidade do poder estatal e do capital deu origem à economia nacional de hoje. Por um lado, o Estado serviu como instrumento para estabelecer as condições-quadro do sistema de produção de mercadorias e, por outro, como órgão regulador para a manutenção desse sistema. Robert Kurz descreveu adequadamente o carácter dual do Estado-nação emergente: "Historicamente, na sua forma protomoderna, absolutista ou burguesa-revolucionária e ditatorial, tornou-se, por um lado, o parteiro do sistema produtor de mercadorias e, por outro, seu componente imanente" (Kurz 1991, 40).

 

Leis sanguinárias e deportação

Terão o capitalismo primitivo e o desenvolvimento para o Estado-nação sido uma substituição geralmente bem-vinda da arbitrariedade principesca pelo Estado de Direito burguês, uma vitória do pensamento científico sobre os poderes da negra superstição, um afastamento da má administração feudal e da pobreza daí resultante? Esta é uma interpretação altamente unilateral dos acontecimentos daquela época. A subjugação das pessoas ao sistema precursor da produção de mercadorias teve lugar através do uso duma força brutal. Em sua famosa obra O Capital, Karl Marx definiu o poder estatal como "a violência concentrada e organizada da sociedade, a fim de promover o processo de transformação do feudalismo no modo de produção capitalista como numa estufa e encurtar a transição" (Marx 1962, 779).

No curso desse processo de transformação, a economia agrária da Alta Idade Média, relativamente lúdica e pouco repressiva, com sua alta proporção de tempo de lazer pessoal, foi gradualmente transformada num sistema de arrendamentos capitalistas, monetarizados e submetidos a um rígido regime de tempo. Os restos da antiga propriedade comum ainda existente – pastagens utilizadas colectivamente, direitos de caça, de pesca e de exploração de madeira – que tinham sobrevivido até então com a cobertura das relações feudais, foram impiedosamente expropriados neste contexto. Os aldeões que não tiveram a sorte de conseguir um arrendamento e assim serem integrados no novo sistema viram-se privados de todos os meios de subsistência de um dia para o outro. Marx escreveu sobre este processo de roubo organizado: "[...] A história desta expropriação está inscrita nos anais da humanidade com caracteres de sangue e fogo" (Marx 1962, 743).

O que aconteceu com as pessoas que se tornaram "supérfluas" no decurso dessa expropriação e racionalização capitalista agrária? Hordas de mendigos e vagabundos atravessavam a terra em busca desesperada de comida e abrigo. Não se podia esperar qualquer ajuda das autoridades – pelo contrário. Naquela época, elas haviam renunciado amplamente ao catolicismo e ao seu cuidado com os pobres e, doravante, orientavam-se para o protestantismo, que propagava a diligência burguesa e a ética de trabalho. Marx cita em O Capital uma fonte contemporânea segundo a qual 200 000 mendigos povoavam as estradas rurais da Escócia naquela época (ibid., 750).

Mas quem foram os aproveitadores desse desenvolvimento para o capitalismo primitivo? É claro que os senhores da terra, bem como a burguesia urbana da "alta finança saída da casca" e dos "grandes manufactureiros apoiando-se nas tarifas protectoras de então" (ibid., 752). Os que sofreram foram os camponeses expulsos da terra e transformados em vagabundos, mendigos e ladrões, e que, a menos que fossem parar à forca por causa das bárbaras leis sanguinárias, corriam para as cidades na esperança de obter algum tipo de rendimento.

A explosão da pobreza urbana foi acompanhada por ondas de repressão estatal. Em 1729, o escritor Jonathan Swift, conhecido principalmente pela sua venenosa sátira social As viagens de Gulliver, descreveu a horrível miséria da população agrária expropriada na Irlanda governada pela Grã-Bretanha e, no exagero que lhe era próprio, sugeriu comercializar a carne de crianças irlandesas como "comida extremamente saborosa, nutritiva e completa" (Swift 1979, 221). Embora essa comida pudesse ser um pouco cara, seria "muito adequada para os proprietários de terras – e dado que estes já devoraram a maior parte dos pais, poderão ter direito de preferência sobre os filhos" (ibid., 222).

Foram depois necessários mais actos de violência para transformar os grupos populacionais concentrados em bairros pobres no proletariado moderno. Os aparelhos burocráticos, seja ao serviço dos governantes absolutistas, das ditaduras de transição bonapartistas ou dos governos burgueses-liberais, prenderam grande número de pobres urbanos em penitenciárias e casas de trabalho, reprimiram brutalmente os tumultos da fome e levaram à forca ou à guilhotina as pessoas que se opunham à sua transformação em sujeitos da economia das mercadorias. Numerosas atrocidades, que ainda hoje assombram a historiografia como sendo evidência da brutalidade e do atraso da sociedade feudal, são de facto causadas pela transformação das condições feudais na economia mercantil do capitalismo inicial. Como escreveu Marx, no contexto dessa convulsão social da época, "o povo do campo, expropriado à força da terra, expulso e feito vagabundo, foi chicoteado, marcado a fogo e torturado por leis grotescamente terroristas, para a disciplina necessária ao sistema do trabalho assalariado." (Marx 1962, 765).

O camponês expropriado, que de algum modo passava a vida mendigando e roubando, tornou-se assim o trabalhador manufactureiro subordinado de um regime de tempo heterodeterminado. Não era raro grupos da população que resistiam a se transformarem em trabalhadores assalariados, ou para quem simplesmente não havia empregos disponíveis suficientes, serem deportados para o exterior sem mais delongas. Apenas um exemplo: na época da ocupação britânica da América do Norte, uma grande proporção dos colonos eram trabalhadores forçados e prisioneiros. Depois de as "Treze Colónias" se terem separado da "pátria" britânica, e de os EUA, assim fundados, terem começado um desenvolvimento independente na direcção do capitalismo, a Austrália tornou-se o destino de novas deportações em massa. Absurdamente, os deportados forçados involuntariamente asseguravam que o mesmo sistema de que eles haviam sido vítimas se espalhasse por outras partes do mundo.

O caminho para a sociedade burguesa está pavimentado com cadáveres. A burocracia estatal actuando brutalmente foi o instrumento do processo de imposição da sociedade do trabalho e da economia das mercadorias. Robert Kurz descreveu este processo da seguinte forma: "É apenas o Estado moderno, através dos seus aparelhos de repressão e administração humana, que assegura que a população do seu território não apenas seja definida como o material do processo de valorização capitalista, mas que esta definição também possa ser aplicada, sustentada e tornada um hábito" (Kurz 2005, 38).

Mas terá a implementação das relações protocapitalistas levado, pelo menos, a uma melhoria das condições de vida das pessoas e a uma maior esperança de vida? Contrariamente à opinião popular, este não foi, de modo nenhum, o caso. Em comparação com a suposta pobreza da Alta Idade Média feudal, a população europeia nos séculos XVI, XVII e XVIII estava sempre em pior situação. Robert Kurz descreveu com razão a era pré-industrial do capitalismo como um "dantesco inferno de empobrecimento" (Kurz 1999a, 16). Só no século XIX, ou seja, com o início da industrialização, é que o nível de vida da população europeia regressou lentamente ao nível que já tinha no século XIV (ibid., 18s.).

Como Robert Kurz também escreveu, a "estrutura dual de mercado mundial e de economia nacional/Estado nacional, incluindo a correspondente estrutura de dissociação, só no século XIX se desenvolveu plenamente" (Kurz 2005, 53) e começou a "processar sobre as suas próprias bases" (ibid., 54). O fornecimento de matérias-primas a partir dos territórios sujeitos ao domínio colonial ou forçados à dependência económica, bem como a venda de produtos industriais para esses mesmos territórios, foram factores essenciais para o triunfo da industrialização na época. E, com esse triunfo, também a população rural expropriada no início da era capitalista e 'temporariamente armazenada' em áreas de pobreza urbana pôde finalmente ser proletarizada e integrada no novo sistema económico.

 

Ajustamento Militar

Mesmo os militares, como braço armado do Estado, são muitas vezes considerados como algo que "sempre" existiu. O que é verdade é apenas que houve violentas lutas de distribuição entre grupos populacionais muito antes da implantação do capitalismo. As milícias camponesas e os exércitos aristocráticos das primeiras culturas agrárias, tal como as hordas de nómadas a cavalo, contudo, pouco tinham a ver com um exército nacional moderno. A emergência gradual de um tal exército é produto do desenvolvimento para o capitalismo e, ao mesmo tempo, o motor desse desenvolvimento. Mas voltemos ao início: O período do final da Idade Média foi acompanhado por numerosos levantamentos da população agrária. Na historiografia tradicional de esquerda, esta onda de revoltas armadas é considerada como uma "revolução burguesa inicial" e, portanto, como suporte do desenvolvimento para o capitalismo.

As exigências tradicionais dos insurgentes, no entanto, dizem algo bem diferente. A liberdade de caça e pesca, os direitos sobre as pastagens e a madeira, bem como a abolição dos encargos excessivos impostos aos camponeses pelos senhores da terra, eram repetidamente reivindicados (Lenk 1980). A população rural não queria uma transformação revolucionária da sociedade; agarrava-se ao tradicional, aos restos ainda existentes da propriedade comum e à autodeterminação da aldeia. Lutou contra a crescente pilhagem por parte dos senhores da terra, contra os cortes forçados nas suas liberdades tradicionais. E estava determinada a defender o seu modo de vida com uma arma na mão.

Enquanto, na Alta Idade Média, nos conflitos militares entre exércitos de camponeses rebeldes e exércitos aristocráticos, ocasionalmente perdiam estes últimos, tais revoltas tiveram que fracassar nos séculos XV e XVI. Com o início da substituição dos anacrónicos exércitos de cavaleiros por grupos de mercenários profissionais equipados com armas de fogo, o equilíbrio de poder mudou radicalmente. Também na "Grande Guerra Camponesa Alemã" do início do século XVI, os insurgentes falharam sobretudo devido aos grupos de soldados contratados que lutavam no lado contrário.

É certo que a emergência do mercenário profissional, como nova profissão, não se deveu apenas à luta contra a insurreição. No curso da dissolução da sociedade medieval tardia, os conflitos entre os aristocráticos senhores da terra tinham escalado também. Com a crescente monetarização da economia agrária, as demarcações entre propriedades e esferas de interesses, antes definidas pelo direito consuetudinário e por acordos verbais, desenvolveram subitamente um enorme potencial de conflito. Cada senhor da terra em dificuldades financeiras ansiava por mudar a seu favor a demarcação das propriedades imprecisamente registada. Isto afectava as comunidades camponesas, mas também outros senhores da terra vizinhos. E a maioria deles não tolerava violações dos seus direitos nem a redução das suas propriedades. Tais conflitos eram frequentemente levados a cabo com armas: o homicídio, a pilhagem e a tomada de reféns eram comuns no final da Idade Média. A subordinação dos rufias nobres ao poder e à justiça territorial do príncipe teve que ser reforçada militarmente no século XVI. Sob a forma de duelos entre nobres entediados, os restos da justiça própria medieval foram até ao século XIX.

Os senhores de terras do final da Idade Média que não quisessem ser depenados territorialmente pelos seus vizinhos, ou espancados até à morte pelos camponeses indignados, tinham de estar permanentemente preparados para quaisquer disputas e dispor das armas mais modernas. O triunfo da arma de fogo, que substituiu cada vez mais a espada e a armadura do cavaleiro medieval, é o motor e o produto deste desenvolvimento.

No entanto, os combatentes de ambos os lados já não podiam fornecer-se com as novas armas, pois isso geralmente excedia as suas possibilidades. As armas tinham de ser fornecidas pelos senhores da terra ou por líderes de mercenários profissionais, o que desde logo era muito pesado em termos monetários. Se a produção dos instrumentos de assassinato dos nobres cavaleiros ainda podia ser feita por simples ferreiros de aldeia, a fundição de canhões e a produção de pólvora exigiam oficinas muito maiores. E os seus donos faziam-se pagar caro pelo armamento das tropas mercenárias. A crescente escassez financeira dos senhores da terra daí resultante gerava novos conflitos com os vizinhos, que resultavam em novas encomendas de armas.

A espiral de armamento mútuo não se limitou apenas às armas de fogo. A lógica militar forçou a construção de fortificações para proteger contra as armas do outro lado. E, com as primeiras abordagens para a construção de exércitos nacionais modernos, acresceu a produção de fardamentos. A corrida aos armamentos, primeiro entre os senhores da terra inimigos, depois entre os aparelhos militares dos Estados-nação emergentes, foi uma força motriz para o triunfo da manufactura, da qual surgiu a produção industrial de hoje.

Com o desenvolvimento e a aplicação de armas de fogo, a forma como a guerra era travada também mudou. A aristocracia, os camponeses e os cidadãos, que se uniam para formar exércitos quando necessário e depois voltavam para retomar as suas actividades habituais, foram substituídos por mercenários profissionais, que faziam por dinheiro tudo o que lhes fosse pedido para fazer. Eram pagos e equipados pelo seu capitão, que por sua vez os disponibilizava juntamente com os soldados que tinha recrutado para o senhorio que mais oferecia. Enquanto os simples mercenários acabavam nos campos de batalha ou, feridos com gravidade, levavam a partir de então uma vida de mendigo, os "empresários da morte" (Robert Kurz) muitas vezes conseguiam acumular riquezas significativas, pilhando, extorquindo dinheiro a troco de protecção ou simplesmente desviando salários. Robert Kurz escreveu: "Não foi o comerciante pacífico, o aforrador diligente ou o produtor imaginativo que esteve no início do capitalismo, muito pelo contrário: assim como os 'soldados', enquanto sanguinários artesãos com armas de fogo, foram os protótipos dos assalariados modernos, assim também os líderes militares e condottieri, 'que fazem dinheiro', foram os protótipos do empreendedorismo moderno e da sua 'disposição para correr riscos'" (Kurz 1999, 19s.).

Só depois da catástrofe da Guerra dos Trinta Anos, quando hordas de soldados devastaram grandes zonas da Europa Central em assassinatos e pilhagens, acabando por escapar em grande parte ao controlo dos respectivos empregadores, é que o livre empresário da violência cedeu gradualmente lugar ao moderno exército nacional. A contínua destruição do campesinato pela posse da terra foi em grande parte interrompida nesse contexto – tanto os regimes absolutistas como as ditaduras de transição do início da Idade Moderna exigiam que a população rural fornecesse soldados. A partir de então, porém, os camponeses restantes tiveram de suportar o enorme fardo das despesas militares através da tributação, foram recrutados à força pelas autoridades quando necessário e enviados para a guerra. O servo soldado, eternamente faminto e saqueador, foi substituído pelo granadeiro, apertado e torcido sob o bastão do seu cabo e forçado a entrar nas fileiras. É claro que isso não mudou nada na corrida militar das economias nacionais emergentes – a indústria de armamento, como força motriz da produção manufactureira e da industrialização, só com esse passo começou realmente.

Os militares tiveram uma função que não deveria ser subestimada, como pioneiros no ajustamento da população aos constrangimentos da sociedade moderna. Os soldados da Idade Média tardia, que muitas vezes se ofereciam por pura necessidade para campanhas militares, foram os "primeiros 'trabalhadores assalariados' modernos, que tiveram de reproduzir completamente as suas vidas através do rendimento monetário e do consumo de mercadorias" (Kurz 1999, 19); os granadeiros que marchavam para o tiroteio assassino em passo de ganso, depois, foram os precursores dos trabalhadores da linha de montagem, que monotonamente executavam os mesmos movimentos sob a coerção muda do relógio de ponto. Os predatórios líderes de mercenários e os fundidores de armamento do início da modernidade foram os bisavôs dos posteriores industriais. E dos moinhos de pólvora e das fundições de canhões da época desenvolveu-se gradualmente a indústria de hoje.

 

Unificação através da linguagem

Outro mito sobre a fase inicial do capitalismo é que os primeiros Estados-nação se desenvolveram a partir de demarcações já existentes entre povos e domínios territoriais.

Os territórios feudais eram, na sua maioria, mantas de retalhos; não havia praticamente nenhum território fechado em si. E a população destes domínios estava igualmente misturada. O soberano era em geral completamente indiferente à língua em que os seus súbditos comunicavam, aos costumes e tradições que cultivavam. Não era raro que membros de diferentes grupos étnicos vivessem juntos e lado a lado, na mesma aldeia, durante séculos. Os dialectos mudaram ao longo do tempo, desenvolveram-se em regiões distantes umas das outras; e também surgiram línguas completamente novas, desenvolvidas pela fusão de diferentes grupos populacionais.

Em muitas regiões da actual Grã-Bretanha, os idiomas celtas eram falados no final da Idade Média, além do Inglês antigo. Na França moderna, falava-se Bretão, Flamengo, Basco, Italiano e Alemão, além do Francês antigo. No Alto Império medieval alemão foram utilizados numerosos dialectos regionais; a área entre os rios Elba e Oder era dominada por falantes de língua eslava Polábios e Sórbios. A República Checa, ainda hoje de língua eslava, também fazia parte do Império Alemão nessa altura. E a Prússia que hoje pertence à Polónia e à Rússia, e que entretanto foi conquista alemã, foi habitada por um grupo populacional de língua báltica.

Não havia fronteiras fixas entre essas áreas linguísticas; elas dissolviam-se e deslocavam-se permanentemente. A população da Alta Idade Média nos domínios territoriais europeus não era certamente um idílio do multiculturalismo. Mas havia uma coisa que não era: um povo étnica e linguisticamente homogéneo. E seguramente não era uma nação. Esta última foi apenas o resultado do desenvolvimento do Estado-nação burguês nos primeiros tempos da Idade Moderna. No mundo de língua alemã, a imagem do "povo alemão como comunidade homogénea de língua alemã" (Haarmann 2004, 110), imaginada a partir do século XIX, acabou por assumir os traços nojentos que foram percebidos cem anos depois, nos milhões de assassinatos em massa cometidos pelos nazis.

O desenvolvimento de uma língua nacional unificada, com a escrita associada, desempenhou um papel que não pode ser subestimado na constituição da economia mercantil. Um território administrado burocraticamente de forma centralista exigia uma língua oficial que fosse utilizada e compreendida tanto pelos administradores como pelos administrados. Grupos populacionais antes muito diferentes tornaram-se, assim, cidadãos que podiam ser administrados com relativa facilidade. Andrea Komlosy escreveu a propósito: "Esta assimilação levou à formação de um súbdito estatal unificado – e – com a obtenção dos direitos políticos – de um entendimento da cidadania. A nação política foi assim, diga-se de passagem, também uma nação da linguagem" (Komlosy 2018, 54).

A constituição dos Estados nacionais baseou-se principalmente no modelo francês clássico. No decurso desta transformação em Estado-nação, na maior parte das regiões europeias do início da Idade Moderna, ocorreu a opressão selectiva das minorias de língua diferente. Especialmente nas regiões fronteiriças multilingues, os grupos populacionais frequentemente alteraram a sua identidade nacional várias vezes, dependendo da situação política. O escritor Johannes Bobrowski resumiu isso bem no romance 'Levins Mühle' [O Moinho de Levin]: "E eu teria de dizer que os camponeses mais gordos eram alemães, os polacos da aldeia eram mais pobres, embora certamente não tão pobres como nas aldeias polacas de madeira ao redor da grande aldeia. Mas não estou a dizer isso. Em vez disso, digo: Os alemães chamavam-se Kaminski, Tomaschewski e Kossakowski e os polacos Leberecht e Germann. E também foi assim que aconteceu" (Bobrowski 1987, 9s.).

Outro exemplo: o autor destas linhas sabe, a partir de uma tradição familiar, que o seu bisavô marcou "alemão" no ponto da pertença nacional num censo de 1920, apesar de o seu apelido ser claramente lituano. Isso foi o suficiente para desde aí ele e os seus descendentes serem considerados como alemães.

Mas como é que a normalização linguística e cultural da população funcionou em termos concretos? A educação escolar desempenhou um papel importante: O uso da língua oficial foi literalmente metido na cabeça dos adolescentes à bengalada. O mesmo se aplicava aos adultos chamados para o serviço militar. Dos púlpitos das igrejas pregava-se na língua oficial. Para se ser aceite nas universidades, era preciso dominar a língua, tal como para entender documentos oficiais, ou para poder escrevê-los. Além disso, havia a influência da imprensa e da literatura – o alemão coloquial de hoje, por exemplo, foi fortemente influenciado pelos escritos de Martinho Lutero e especialmente pela sua tradução da Bíblia. Lutero orientou-se aqui pela língua administrativa do Alto Alemão centro-oriental.

Por volta de 1750, a formação do Alemão como língua moderna é considerada completa (Haarmann 2006, 198). E claro que o desenvolvimento desta língua também é um feito cultural – muitas obras de arte e de literatura provavelmente não teriam sido criadas sem o desenvolvimento desta língua.

A identidade nacional alemã alucinada por ideólogos de direita desde o início da Idade Média, por sua vez, é simplesmente uma fantasia. As construções nação e Estado-nação são muito mais recentes. E não surgiram, foram forçadas.

 

Economia estatal e mercado

Segundo a visão tradicional, o desenvolvimento do capitalismo foi marcado pela contradição irreconciliável entre o mercado e o Estado. Através da vitória do liberalismo sobre as construções da economia estatista, o capitalismo terá sido capaz de se desenvolver adequadamente. Na mente dos radicais da linha dura do mercado, o Estado parece ser um monstro que consome o dinheiro dos contribuintes e controla absurdamente a economia. (3)

De facto, à primeira vista, os regimes do início da modernidade, com as corporações de artesãos e empresas comerciais, a concessão de monopólios comerciais, as fixações estatais de preços e o rígido controlo dos processos económicos pela burocracia estatal, tinham pouco a ver com a concorrência de mercado que hoje domina o capitalismo. O que quase sempre se ignora, no entanto, é que esse controlo estatal dos processos económicos foi o "bruto parteiro" (Kurz 1991, 33) do capitalismo como um todo. A luta dos ideólogos liberais contra a suposta prepotência do Estado foi e é, portanto, uma luta contra o próprio passado.

No decurso da dissolução do absolutismo, a produção artesanal e o comércio conseguiram libertar-se gradualmente das barreiras restritivas, mas foram apanhados por outro monstro, o chamado "mercado". Desde então, as economias capitalistas têm sido caracterizadas pela dualidade de sector estatal e empresas privadas concorrentes entre si.

As coerções mudas da concorrência de mercado provaram ser mais devastadoras do que a anteriormente dominante manipulação por ordens de corporações anacrónicas e aparelhos burocráticos estúpidos. Os artesãos livres foram cada vez mais devorados pelas manufacturas, as manufacturas deram lugar às fábricas modernas. E cada uma dessas transformações foi à custa dos produtores. O início do século XIX, em que a produção industrial capitalista iniciou a sua marcha triunfal, foi também marcado por motins de fome, que foram muitas vezes dominados pelos militares. A concorrência de produtos baratos produzidos em fábricas criou miséria em massa entre os pequenos produtores. Naquela época, os edifícios fabris acabados de ser construídos foram assolados e devastados por trabalhadores furiosos que achavam que as máquinas lhes estavam a tirar o salário e o pão.

Ao longo do século XIX, a classe alta da época percebeu que era mais praticável absorver as consequências sociais dos desenvolvimentos da crise não apenas de forma puramente repressiva, mas também socioeconómica, a fim de garantir a estabilidade do sistema da economia mercantil. O aparelho administrativo foi complementado por um sistema de bem-estar social controlado burocraticamente. Ao mesmo tempo, as leis sociais limitaram as horas de trabalho diárias e semanais. As instituições de saúde pública, os serviços de emprego e os sistemas de segurança social substituíram os serviços de assistência social prestados pela Igreja ou por entidades privadas aos pobres. Isso teve menos a ver com considerações humanitárias do que com a percepção de que tais regulamentos do Estado de bem-estar social eram mais económicos do que a manutenção permanente de um gigantesco aparelho repressivo da polícia e dos serviços de informações, que estava constantemente ocupado a sufocar os movimentos de insurgência e a retirar da circulação quadrilhas criminosas de miseráveis. Mesmo os economistas liberais nunca duvidaram seriamente da legitimidade de tais sectores supostamente "improdutivos" da economia – mas apenas do grau em que eles merecem ser financiados. Também não foi posto em causa o papel do Estado enquanto instância de reparação, que tinha de intervir para regular os efeitos secundários imprevistos da economia de mercado.

Um exemplo actual do papel moderador e organizador dos aparelhos de Estado na manutenção do sistema fetichista capitalista é a sua reacção ao último grande crash bancário de 2007. Quando em poucos dias o sistema financeiro global desmoronou e economias nacionais inteiras se viram à beira de um abismo sem fundo, os mesmos ideólogos que antes tinham denunciado todas as actividades das autoridades estatais como "distorções do mercado" gritaram alto por uma intervenção de resgate por parte desse mesmo Estado. É sabido que o "resgate dos bancos" foi encaminhado no mais curto espaço de tempo possível, embora até o economista mais estúpido deva ter percebido, na altura, que a dívida pública daí resultante nunca mais poderia ser paga.

Como escreveu Robert Kurz, "a economia liberal sempre teve um núcleo estatista" (Kurz 2011, 109). Ele caracterizou como não histórica a afirmação de um desenvolvimento estável da economia estatal para a livre concorrência de mercado, descrevendo as várias fases da actividade económica capitalista como “aquele movimento histórico ondulatório em que domina ora o estatismo, ora o monetarismo, sem que jamais se alcance o equilíbrio de uma reprodução imperturbada: desde o estatismo absolutista e revolucionário da modernidade primitiva até ao liberalismo de Manchester e ao "Estado guarda-nocturno" do capital industrial ascendente; mais tarde, desde o estatismo da economia de guerra da época imperialista até ao Estado anticrise do keynesianismo e, por fim, à reacção monetarista e à "desregulação" global, que hoje já parece tornar-se obsoleta” (Kurz 1991, 41).

 

Expansão para o mercado mundial

Os ideólogos extremistas de direita afirmam com entediante regularidade que a actual dissolução da economia nacional no mercado mundial levou ao abandono da soberania. O que, claro, é um absurdo ultrajante. O mercado mundial, na forma de uma troca de mercadorias entre economias nacionais, é tão antigo quanto a própria economia mercantil. Como escreveu Robert Kurz, o "mercado capitalista emergente [...] moveu-se transversalmente aos Estados territoriais absolutistas que eles próprios estavam emergindo. E, por meio da expansão colonial para o exterior, apresentou-se desde o início como mercado mundial" (Kurz 2005, 51).

Essa expansão colonial da economia das mercadorias em zonas de sociedades pré-modernas, no entanto, teve consequências terríveis para estas últimas. Mas voltemos ao princípio: as economias nacionais das primeiras potências capitalistas emergentes estavam em concorrência feroz entre si. Negociavam umas com as outras, mas também lutavam umas contra as outras. Tratava-se da celebração de contratos com terceiros, do controlo das rotas comerciais, das restrições às importações e exportações, do nível dos direitos aduaneiros, etc. Todos os aparelhos estatais lutaram pelos interesses das suas "próprias" empresas. À medida que o seu volume de negócios aumentava, aumentavam também as suas receitas fiscais. Os conflitos militares dos aparelhos de Estado envolvidos, resultantes de conflitos entre empresas comerciais, tinham menos o carácter de guerras de conquista do que de guerras económicas. Friedrich Engels glosou tais conflitos num dos seus primeiros textos: "[...] A velha ganância do dinheiro e o egoísmo [...] irromperam de tempos a tempos nas guerras, que naquele período eram todas baseadas na disputa comercial. Nestas guerras também se tornou evidente que o comércio, tal como o roubo, se baseava no direito do mais forte; não havia escrúpulos em impor pela trapaça ou pela violência os tratados considerados mais favoráveis" (Engels 1981, 499s.).

Esta "disputa comercial", como lhe chamou Engels, foi também, em última análise, uma das causas da expansão colonial que começou nessa altura. No início, no entanto, houve um esforço para expandir o comércio normalmente. As manufacturas urbanas desenvolveram uma fome por matérias primas que dificilmente poderia ser satisfeita; ao mesmo tempo, as companhias comerciais ansiavam por oportunidades de venda para os produtos das manufacturas. Como resultado, cada um dos Estados-nação emergentes procurou explorar novas rotas comerciais para sua 'própria' economia, e mantê-las em segredo dos navegadores das potências concorrentes. É bem sabido que a descoberta do continente americano pelos navegadores espanhóis, no final do século XV, foi bastante acidental, numa dessas viagens de exploração. E a colonização portuguesa em África, então já começada, foi também um subproduto da exploração de novas rotas marítimas.

A "descoberta" de novos territórios foi seguida da sua ocupação militar. Afinal de contas, o objectivo era impedir que outras potências que não participavam na exploração beneficiassem dela. Nos séculos XVI e XVII, o Oceano Atlântico e o Oceano Índico tornaram-se palco de guerras navais ferozmente travadas, quando a Inglaterra, a Holanda e mais tarde também a França tentaram capturar os territórios conquistados pelos seus concorrentes espanhóis e portugueses. O que conseguiram fazer em grande parte.

Desde o início, o colonialismo baseou-se no roubo descarado. Os saqueadores armados, que primeiro atacaram as civilizações avançadas da América Central e do Sul e lhes roubaram os metais preciosos, rapidamente se transformaram em burocratas administrativos. Ou se apropriaram de depósitos de matérias-primas e grandes propriedades às custas da população local. Karl Marx descreveu o processo de colonização capitalista: "A descoberta de terras de ouro e prata na América, o extermínio, escravização e enterramento da população nativa nas minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África numa coutada para a caça comercial de peles-negras, assinalam a aurora da era da produção capitalista." (Marx 1962, 779).

Os territórios subjugados da América, África e Ásia não se tornaram componentes iguais dos respectivos Estados-nação, mas sim apêndices politicamente dependentes da economia nacional da respectiva "metrópole". A colonização por saqueadores armados foi muito rapidamente seguida da expropriação da população agrária. Os grupos populacionais que pareciam inadequados para se ajustar às condições capitalistas agrárias sofreram expulsão ou extermínio brutal; mais tarde, os  sobreviventes restantes de tais grupos étnicos foram encurralados em reservas.

Como as condições de trabalho assassinas da economia das minas e das plantações rapidamente consumiram a população local, foram importados trabalhadores de regiões distantes. Este foi o nascimento do trabalho escravo capitalista. Milhões de africanos raptados tiveram de realizar trabalhos forçados, entre outras coisas para satisfazer a fome insaciável das manufacturas e fábricas da Europa Ocidental de cana de açúcar, tabaco, café, cacau, índigo e algodão. A economia esclavagista foi a forma mais brutal de ajustamento às coerções da economia das mercadorias.

Para ilustrar as terríveis condições de trabalho e de vida, a historiadora Heide Gerstenberger citou o escritor de viagens francês Barão von Wimpffen, que visitou uma plantação na colónia francesa de São Domingos (actual República do Haiti) no final do século XVIII. Na descrição de Wimpffen, o dia "começou com o estalar dos chicotes, os gritos reprimidos e os suspiros abafados dos negros. Eles vêem o amanhecer só para o amaldiçoar. E são as sensações de dor que os lembram que estão vivos. Estes são os sons que se ouvem aqui pela manhã, em vez de um galo. Foi esta melodia infernal que se me deparou em São Domingos desde o meu primeiro sono" (Gerstenberger 2018, 225s.).

Houve, naturalmente, resistência por parte daqueles que tinham sido raptados e forçados a entrar no inferno da escravatura. Escravos fugiram repetidamente e formaram comunidades de agricultores de subsistência, vivendo livres em regiões remotas. A administração colonial britânica na ilha da Jamaica, por vezes, foi mesmo forçada a celebrar contratos com os quilombolas que controlavam o interior da ilha. Grupos maiores de escravos fugidos também existiram temporariamente no interior do Brasil e em remotas regiões montanhosas da ilha de Cuba.

Alguns africanos capturados recusaram-se ao trabalho forçado suicidando-se, enquanto outros se insurgiram contra a imposição do trabalho forçado. Em seguida, o poder estatal, na forma da administração colonial, usou os militares, que na maior parte das vezes derrubaram a revolta rapidamente. A revolta mais conhecida dos escravos das plantações teve lugar em 1791, na colónia de São Domingos, acima referida. Foi também a única que terminou com a autolibertação da população escravizada. No entanto, foram necessárias décadas de guerra para que os escravos rebeldes lançassem no mar os restos das tropas coloniais francesas. Heide Gerstenberger cita um relatório que documenta a crueldade das batalhas da época: "Os corpos dos rebeldes negros eram pendurados nas árvores; as fortificações dos negros eram forradas com caveiras francesas" (ibid., 229).

Também sob a pressão de repetidas revoltas armadas, a escravidão foi gradualmente abolida e declarada ilegal pelas nações industrializadas desenvolvidas ao longo do século XIX. A economia das plantações, no entanto, continuou sendo o sector económico mais importante nas colónias dos mesmos Estados, bem como na recém-independente República do Haiti. E como as plantações eram dependentes do trabalho, o trabalho forçado continuou a existir em formas subtis em muitos lugares: escravidão por contrato, escravidão por dívidas, execução fiscal, e assim por diante.

Na economia das plantações, o trabalho assalariado livre só acabou por se afirmar tardiamente, com o avanço triunfante da mecanização e a rígida racionalização a ela associada. Essa racionalização capitalista agrária, no entanto, também criou uma permanente população "supérflua". A lógica absurda da economia das mercadorias primeiro forçou milhões de pessoas a entrar na economia das plantações pela força e depois cuspiu-as de novo. As repúblicas insulares do Haiti e da Jamaica, outrora baluartes da economia das plantações permanentemente coberta de mão-de-obra miserável, têm agora uma base permanentemente elevada de desemprego estrutural.

 

A miséria da modernização atrasada

O processo de descolonização do final do século XX terminou com a demarcação mútua das esferas de influência das economias nacionais concorrentes. As tropas europeias retiraram-se dos territórios ocupados; os aparelhos administrativos estabelecidos sob o seu controlo permaneceram e constituíram-se como aparelhos de Estado formalmente independentes. A economia de mercadorias estabelecida no período colonial também continuou a existir.

A formação do Estado-nação, no entanto, falhou em muitos desses territórios pós-coloniais. Isto também se deveu, certamente, às demarcações arbitrárias das fronteiras feitas pelas potências coloniais, que dificultaram a identificação dos cidadãos com o novo Estado. No entanto, a unificação da população em cidadãos funcionais teria, com certeza, acontecido em algum momento, mas os Estados recém-fundados, muitas vezes, não tiveram o tempo necessário para isso. A principal razão para o seu fracasso, contudo, foi que a tentativa que fizeram de recuperar o atraso na modernização permaneceu nos seus começos. Como escreveu Robert Kurz, os "retardatários históricos, com pouca base de acumulação, [...] foram confrontados com o dilema de não poderem produzir eles próprios o equipamento científico-tecnológico e a logística da produção em grau suficiente, nem possuírem a força de capital para comprá-los no exterior" (Kurz 2005, 48).

Desde o início, as economias dos Estados recém-criados tinham apenas três possibilidades de sobreviver, contra a concorrência esmagadora das economias nacionais já desenvolvidas:

A primeira variante era o isolamento da economia nacional da concorrência estrangeira, analogamente à fase inicial da actividade económica capitalista. Esse isolamento funcionou temporariamente, ao abrigo do equilíbrio internacional de forças entre os Estados desenvolvidos ocidentais e os regimes de modernização da Europa de Leste. No momento em que esse equilíbrio se rompeu, no final do século XX, as economias ocidentais facilmente foram capazes de forçar a abolição das políticas económicas proteccionistas de tais retardatários económicos – embora as mesmas economias ocidentais não tenham, de modo nenhum, reduzido os programas de apoio estatal às suas próprias economias. As localizações industriais em África e na Ásia, que tinham sido imaginadas a partir do nada a crédito, desmoronaram-se posteriormente em série, ou iniciaram um processo gradual de erosão. As tentativas de modernização geralmente deixaram para trás montanhas gigantescas de dívidas que nunca mais poderiam ser pagas. Regimes que não quiseram curvar-se à pressão política, ignorando a alteração do equilíbrio de forças, e insistiram na continuação da sua política económica proteccionista, foram muitas vezes vítimas de medidas coercivas económicas ou de operações militares. Vários aparelhos estatais instáveis ruíram; seu território tornou-se campo de batalha de milícias étnicas, sectários religiosos ou bandidos bastante comuns, em luta pela massa falida da tentativa fracassada de modernização. Milhões de pessoas fugiram das regiões em disputa.

A segunda variante de desenvolvimento económico atrasado foi e continua a ser o desgaste raivoso dos trabalhadores locais como trabalhadores de baixos salários à margem da lei, situação em que os bens produzidos permanecem competitivos, apesar do atraso tecnológico. Na verdade, foi um retorno à era da crueldade social do início do século XIX. O caso clássico do sucesso de tal política económica, à custa da própria população e à custa do ambiente, é a ascensão económica da China. No entanto, é questionável que a população dos países em causa aceite esta política a longo prazo. Os danos ambientais resultantes desta estratégia económica já hoje são irreparáveis.

E a terceira destas variantes foi e continua a ser a continuação do papel de fornecedor de matérias-primas para as nações industrializadas desenvolvidas, que foi atribuído desde a era colonial – também sem considerar as consequências sociais e ecológicas. Em alguns mini-Estados ricos em recursos naturais – como os Emirados do Golfo, produtores de petróleo – esta estratégia económica foi, de facto, coroada de êxito. Na maioria dos outros Estados, porém, a expropriação e expulsão de grupos inteiros da população por grandes empresas capitalistas agrícolas, que teve início na Europa Ocidental no final da Idade Média e prosseguiu nas regiões coloniais conquistadas, continua actualmente a ser horrivelmente prosseguida. Como escreve Heide Gerstenberger, só na primeira década do século XXI, a expropriação de pelo menos 200 milhões de hectares de terras agrícolas, a chamada "land grabbing", afectou as populações agrícolas pós-coloniais (Gerstenberger 2018, 578). Ela usa um exemplo para demonstrar as consequências sociais dessas novas relações de propriedade ou arrendamento: "Se 600 000 hectares são arrendados na Etiópia, isso significa que cerca de 300 000 famílias têm de ser deslocadas, porque a maioria dos camponeses etíopes tem apenas 2 hectares. [...] Se o investimento agrícola criar efectivamente 20 000 novos postos de trabalho, muitos milhares ficarão ao desamparo" (ibid., 581).

Como a autora escreve em outro lugar, mais de um milhão desses camponeses etíopes já foram deslocados ou instruídos nesse sentido (ibid., 584).

Cada uma dessas três tentativas de integrar de algum modo a economia nacional dos regimes de modernização atrasada no mercado mundial produziu e continua a produzir miséria em massa. As pessoas fogem de guerras e de guerras civis. Outros são vítimas da expropriação das suas terras e da subsequente miséria horrível, bem como da luta criminosa de gangues em áreas urbanas pobres. Outros ainda estão a fugir de secas ou inundações causadas pelo desenvolvimento económico global que ocorreu sem ter em conta o ambiente.

Robert Kurz já em 2003 escrevia sobre a onda de migrações de miséria de então: "O termo ‘refugiado económico’, criação desclassificadora das administrações democráticas da miséria, acaba por apontar o dedo aos seus autores, na medida em que remete para o economismo global do capital, como motivo generalizado da fuga. São sempre apenas formas derivadas deste motivo primordial de todo o potencial catastrófico e desespero modernos que, em gradações variáveis, constituem as categorias de razões de fuga e de refugiados. " (Kurz 2003, 157).

 

Em frente para o passado – A nova direita

A ascensão mundial dos partidos e movimentos radicais de direita não é por acaso. Também não é o resultado das fantasias de dominação do mundo dos loucos fetichistas de Hitler, que ainda pensam que podem finalmente estabelecer o seu Quarto Reich. O projecto de um "fordismo apoiado em blindados" (Kurz 1993, 188), financiado a crédito na Alemanha nas décadas de 1930 e 1940, deveu-se ao nível de desenvolvimento económico da época e não pode ser repetido. No entanto, as fantasias de extermínio, enraizadas em formas racistas de pensamento e de comportamento, podem repetir-se E estão hoje de novo claramente em ascensão. Ainda assim, como escreveu Robert Kurz, "O retorno do reprimido e a renovação ideológica de figuras passadas da barbárie moderna sempre encontram condições e relações alteradas" (Kurz 1993, 184).

A crise na produção de mercadorias e a consequente erosão das estruturas do Estado-nação assumiram actualmente tal dimensão que mesmo vastos sectores da população de regiões economicamente ainda em funcionamento já não as podem ignorar. Como a lógica interna desses processos, com suas raízes na economia, é incompreensível para muitas pessoas, as imagens de terror transportadas diariamente pelos canais de notícias e portais da Internet evocam apenas medo e horror. Isso promove o comportamento irracional; o passo para a direita radical já não está longe. Xenofobia, racismo, anti-semitismo e ódio às minorias em geral tornaram-se a marca registada da pequena burguesia perturbada e cada vez mais paranóica.

No início da década de 1990, no contexto da onda de violência extremista de direita da época, Robert Kurz escreveu sobre a constituição intelectual dos seus actores: "Enquanto a crítica de esquerda sempre procurou, tão desesperada como inutilmente, estender a racionalidade ocidental para além do seu alcance objectivo, a crítica de direita (e 'radical de direita') sempre mobilizou momentos do irracionalismo, que é apenas o reverso negro da própria racionalidade ocidental" (Kurz 1993a, 21). Kurz escreveu um complemento adequado em outro contexto: "O resultado cego de muitos anos de selecção negativa da classe política, de incompetência galopante, de corrupção em massa, de lógica particular de economia empresarial e de ideologia de economia de mercado que a si mesma se leva ao absurdo têm de conduzir quase compulsivamente a selvagens teorias da conspiração" (Kurz 1993, 139).

Exemplos de tais teorias loucas são as alegações de que o afluxo de refugiados da miséria, da guerra e das zonas de guerra civil é um acto de agressão por parte de bárbaros predadores, ou um ataque de gangues terroristas islâmicos à cultura alemã, instigado pela "conspiração judaica mundial". Isto é normalmente complementado pelo pressuposto de que os governos europeus, que na realidade actuam de forma repressiva e racista, estariam "manchados de verde-rubro" e lutariam por um "repovoamento" do seu próprio território.

Actos completamente sem sentido do ponto de vista económico, como a decisão por referendo de retirar a Grã-Bretanha da união económica europeia (Brexit), ou o desejo de independência da população catalã, que domina o nordeste de Espanha, têm um pano de fundo semelhante. Cada vez mais pessoas se sentem prisioneiras de um aparelho dominador e desenvolvem anseios pela estreiteza de fácil entendimento dos pequenos Estados do século XIX.

Como Robert Kurz escreveu no início da década de 1990, por ocasião das guerras de desnacionalização então em curso nos Balcãs, tais esforços políticos absurdos não são, contudo, um regresso da nação, mas sim "um regresso do nacionalismo numa forma particularista" (Kurz 1993a, 43). A guerra civil que grassou na Europa Oriental na década de 1990, com o objectivo de formar mini-Estados inviáveis, parece agora ter chegado ao território da Europa Ocidental, com vinte anos de atraso.

Esses movimentos particularistas transversais por regra não têm suporte em termos de política económica. Como Kurz disse na altura, mesmo entre os radicais de direita confessos "os programas económicos e sociais eram inexistentes ou simplesmente impraticáveis, e por regra ainda mais nebulosos [...] que os dos partidos oficiais" (ibid., 63).

Actualmente esta avaliação aplica-se exactamente à AfD, cujos pontos de vista de política económica formam uma mistura grosseira de pontos de programas radicais do mercado e proteccionistas, unidos apenas pelo grampo "Os Alemães primeiro!”. A nova direita redefine muitas vezes etnicamente as linhas divisórias sociais para negar a outros grupos populacionais a sua quota-parte do "bacon" da prosperidade derretido pela crise. Basicamente, estes esforços destinam-se apenas a conferir ao sistema de apartheid global já existente a legitimidade necessária, intensificando-o ainda mais.

Na verdade, os simplórios slogans etnonacionalistas propagados pela nova direita, com base numa explicação irracional do mundo e da crise, não conseguem sequer parar o desmoronamento da própria economia nacional. Nos Estados em crise, as infra-estruturas públicas estão a diminuir devido à falta de receitas fiscais e de outras opções de financiamento. Os funcionários públicos e os membros das forças de segurança, que não são remunerados ou que já não são remunerados adequadamente, não cumprem as suas tarefas, e novas fontes de rendimento são inevitavelmente abertas através da cooperação com o submundo do crime, o que conduz ainda mais à erosão da economia legal. O enfraquecimento do monopólio do Estado sobre o uso da força, entre outras coisas pelas milícias civis de direita, é também susceptível de impulsionar este desenvolvimento. As estratégias dos grupos radicais de direita não interrompem, portanto, o processo de desestabilização em curso; pelo contrário, aceleram-no. A única consequência das suas actividades é a continuação da escalada da "asselvajada guerra de distribuição" (ibid., 43).

O facto de, justamente para os defensores do germanismo militante e os invocadores da grandeza nacional, tais cenários não deixarem de ser simpáticos é demonstrado pelos registos de chat de nazis militantes, que foram tornados públicos na Primavera de 2018. Um dos participantes, que, depois de passar pela associação de estudantes da direita radical Germania e pelo NPD, acabou por se juntar à AfD, e aí era membro da fracção parlamentar estatal de Baden-Württemberg, escreveu na altura: "Desejo tanto uma guerra civil e milhões de mortos. Mulheres, crianças. Não quero saber. O principal é que comece. Em particular, rir-me-ia às gargalhadas se algo assim acontecesse na contramanifestação. Mortos, estropiados. Seria tão bonito. Quero mijar nos cadáveres e dançar sobre as sepulturas. SIEG HEIL!” (citado em Butterwegge 2018, 200).

Os Estados-nação da Europa foram constituídos, no final da Idade Média, no meio de desertos de escombros fumegantes e de campos de batalha abandonados. O desmembramento desses mesmos Estados-nação, no declínio da economia das mercadorias, é susceptível de terminar novamente no campo de batalha e em desertos de escombros. Em não poucas regiões do nosso "Admirável Mundo Novo" (Huxley) isso já está presente.

 

 

 

 

Bibliografia

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Notas

(1) Uma discussão detalhada das abordagens de crítica redutora do Estado pode ser encontrada em: Robert Kurz "Não há Leviatã que vos salve", exit! nº 7/2010 e nº 8/2011. Kurz resume em seu texto (infelizmente inacabado) que, desde o século XIX, "as teorias do Estado da esquerda continuam a mover-se em círculo, sem avançar um milímetro" (Kurz 2011, 162). Uma avaliação com a qual presentemente só se pode concordar, ao ler textos impressos e fóruns de discussão de esquerda.

(2) Os ideólogos da nova direita estão a tentar, repetidamente na nossa época actual, invocar um "anticapitalismo de direita" utilizando peças do marxismo tradicional. Suas abordagens são geralmente limitadas à substituição da 'classe' pela 'nação' ou pelo 'povo', sem submeter esses conceitos à análise crítica. O francês Alain de Benoist, que não sem razão é considerado um pioneiro da "Nova Direita", começou recentemente a fazer uso de posições da crítica do valor – o texto correspondente pode ser encontrado numa antologia recentemente publicada pela editora radical de direita Jungeuropa. Benoist deliberadamente ignora as análises das ideologias racistas realizadas por críticos/as da dissociação-valor, bem como a sua caracterização do nacional-socialismo alemão neste contexto como a forma mais bárbara de formação fordista forçada.

(3) Em contraste com o conservadorismo burguês e os radicais do mercado, os ideólogos da nova direita do nosso tempo propagam um retorno ao estatismo repressivo do início da era capitalista e muitas vezes vendem-no aos seus seguidores como "anticapitalismo". As atrocidades sociais deste período são ignoradas, assim como o facto de que as bases da produção capitalista de mercadorias já estavam em vigor na época. As objecções de que os desenvolvimentos económicos não podem ser simplesmente revertidos são normalmente varridas da mesa sem rodeios pelos ideólogos da nova direita.

 

 

 

Original Staatsgewalt vom Beginn der Neuzeit bis heute. Der Nationalstaat als Geburtshelfer und Dienstleister der Warenproduktion in: Revista exit! nº 16. Online: www.exit-online.org. Tradução de Boaventura Antunes

 

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http://www.exit-online.org/