Günther Salz

 

Alternativas ao Capitalismo

Em Teste: Rendimento Básico Incondicional

 

 

O Rendimento Básico Incondicional (RBI) tem vindo a ser objecto de repetidos debates há décadas – alguns diriam mesmo há séculos. Agora que na Alemanha – ao contrário da evolução global – há de facto cada vez mais pessoas empregadas, mas, por um lado, já quase nunca em condições de trabalho ditas normais, antes bastante precárias, e, por outro lado, sendo cada vez mais processos de produção assumidos por máquinas e computadores/robots, está de novo em crescendo a discussão sobre o RBI. Muita gente espera que ele ponha fim ao domínio dos centros de emprego, dos serviços de assistência social e dos empregadores, bem como acabe com a obrigação geral de trabalhar e com a insegurança social. Um RBI, pelo contrário, deve permitir a todos trabalhar em liberdade e segurança, e combinar melhor o trabalho com a vida familiar.

Mas poderá o RBI cumprir as suas promessas? Esta questão tem de obter uma resposta claramente negativa no contexto da sociedade capitalista em crise. Nem a redistribuição da riqueza, por muito bem intencionada que seja, nem os justificados desejos de superação emancipatória das condições existentes podem ser satisfeitos pelo RBI.

Como assistente social empenhado na luta contra a pobreza desde 1980, e que experimentou tanto o crescente desemprego como a erosão das relações laborais seguras, a questão de um "rendimento básico" dificilmente poderia ser evitada. Por isso já tratei brevemente do assunto no meu primeiro livro sobre "Armut durch Reichtum” [Pobreza através da Riqueza] que foi publicado em 1991. Lidei mais de perto com o rendimento básico (RB) quando o KAB (Katholische Arbeitnehmer-Bewegung – Movimento dos Trabalhadores Católicos) lançou a ofensiva do horário de trabalho em 2005, e, em 2007, apresentou uma resolução para introduzir um rendimento básico garantido no debate público. Gostei da ideia de combinar a procura de uma redução geral do horário de trabalho com um RB, a fim de poder absorver possíveis cortes salariais com a sua ajuda. No entanto, depois de, juntamente com outros colegas do KAB e da Rede, no contexto de um curso sobre capitalismo, ter tratado das suas categorias básicas de mercadoria, trabalho, dinheiro, crise, mercado e Estado (e, mais tarde, dos momentos dissociados e conotados como femininos que constituem o seu tácito pressuposto), compreendi que a ideia do rendimento básico, tal como a visão do KAB de uma "sociedade da actividade", estaria a tomar a nuvem por Juno.

 

1. O essencial do rendimento básico incondicional

Um rendimento básico (incondicional) é "um rendimento que é pago individualmente por uma comunidade política a todos os seus membros, sem prova de recursos e sem contrapartida" (Vanderborght/Van Parijs, 2005, p. 14).

- É pago desde o nascimento aos indivíduos e não às famílias ou "grupos necessitados", como no caso de Hartz IV, por exemplo.

- É universal e todos os cidadãos ou cidadãs (nacionais) de uma comunidade têm direito a ele.

- É incondicional e concedido sem qualquer pagamento prévio e sem qualquer contrapartida, tais como poupanças ou produtividade, e sem ter em conta os rendimentos e bens próprios – ou seja, sem uma prova de recursos.

- Na maioria dos casos – mas nem sempre – o RBI deve ser pago a um nível que garanta a subsistência e evite a pobreza (Rätz/Paternoga/Steinbach, 2005, p. 12).

O facto de ser pago incondicionalmente a todos mostra que está em jogo mais do que a redução da pobreza. Mas o círculo sempre crescente dos seus protagonistas também o deixa adivinhar.

Pois o grupo de defensores do RBI tornou-se entretanto uma variegada colecção de empresários, institutos para-empresariais, cidadãos e cidadãs liberais de esquerda, trabalhadores independentes precários, jovens politizados (BDKJ) [Associação de jovens católicos alemães], movimentos sociais como a Attac, críticos/as do trabalho e do capitalismo, partidos (tais como a rede RB dentro do partido Die Linke), representantes dos desempregados e elementos de redes desde o KAB, passando por socialistas humanistas até activistas dos direitos humanos, e defensores proeminentes como Klaus-Maria Brandauer, Jean Claude Juncker, Yanis Varoufakis e o filósofo Richard David Precht. Mesmo o lado empresarial tem insistido na introdução de um RBI nos últimos anos, como é o caso da associação "Wirtschaft für GE", ou Klaus Schwab, o organizador do encontro dos ricos em Davos, ou Joe Kaeser, o chefe da Siemens.

O seu diagnóstico tendencialmente comum é que o pleno emprego é coisa do passado, e que o rendimento básico representa um ponto de partida para um novo futuro. Um rendimento básico permite autodeterminação, criatividade e liberdade. "Trabalhar em liberdade e segurança" é o credo dos defensores do RBI.

É provavelmente duvidoso que todos os supracitados prossigam os mesmos objectivos ou intenções humanistas. Mas vamos analisar mais de perto esta questão e examinar algumas abordagens, a título de exemplo, para realçar as diferenças.

 

2. O actual debate sobre o RBI

Vou referir-me primeiro a duas concepções neoliberais-radicais de mercado, depois à abordagem do "BAG GE" [rendimento básico do grupo de trabalho federal] no partido "Die Linke" e finalmente às ideias do KAB.

2.1 Götz Werner

Assim, antes de mais, há a abordagem do fundador da cadeia de drogarias dm-drogerie markt. Ele considera Hartz IV um "sistema prisional aberto" e o "direito ao trabalho" um absurdo, e exige um RBI como um direito civil que liberte as pessoas dos medos existenciais (Werner, 2007).

Ele vê que o trabalho humano está a tornar-se cada vez menos, devido a cada vez mais progressos técnicos e maior utilização de máquinas. Para acabar com a luta desigual entre homem e máquina, propõe a introdução de um imposto sobre o consumo e a abolição dos impostos sobre rendimentos e salários. Isto transformaria a Alemanha em "paraíso fiscal e paraíso laboral" (p. 192). As empresas poderiam investir novamente e, com a ajuda do rendimento básico e sem o irritante imposto sobre as sociedades, estariam muito mais dispostas a contratar do que hoje (2007).

Com o RBI entre 800 e 1.500 euros, todas as transferências sociais se tornariam gradualmente supérfluas – tal como as tabelas salariais e, portanto, provavelmente também os sindicatos. Götz Werner escreveu isto no seu livro "Einkommen für alle" [Rendimento para todos] em 2007; em 2018 publicou uma nova edição actualizada do livro com o subtítulo "Bedingungsloses RB – die Zeit ist reif" [RB Incondicional – Está na hora]. Aqui, mais uma vez, aborda as barreiras do pensamento e os argumentos contra um RB, e justifica – à semelhança de 10 anos antes – porque é que um RB é a única alternativa ao "pleno emprego" e ao absurdo "direito ao trabalho" (Werner, 2018).

Em vez de nos cingirmos à ideologia historicamente inculcada do trabalho, deveríamos saudar o progresso técnico e o desaparecimento do trabalho. Pois o sentido da racionalização é produzir mais eficientemente e libertar as pessoas de trabalhos maus e perigosos (p. 97). Além disso, o mercado de trabalho não é um mercado livre, uma vez que não se tem realmente escolha e não há rendimento sem trabalho. Num verdadeiro mercado de trabalho, aplicar-se-ia o princípio "Todos podem trabalhar, mas ninguém tem de o fazer". O "direito ao trabalho" já não está actualizado e terá de ser substituído pelo "direito ao rendimento" – especialmente para os trabalhadores com baixos rendimentos (p. 99 e p. 128s.).

Götz Werner está preocupado em abolir todos os obstáculos ao livre desenvolvimento do capital e do trabalho – através de um imposto sobre o consumo no final do processo de criação de valor para o capital, e com um RBI entre 1000 e 1500 euros para o trabalho livre do medo e, portanto, criativo. Desta forma, o capital e o trabalho poderiam trabalhar em paz (p. 277). Aqui todas as contradições entre capital e trabalho, todas as contradições no interior da mercadoria e da produção de mercadorias parecem ter sido eliminadas. Trabalho e capital são, segundo Götz Werner, "formas do mesmo poder humano", nada de material, mas basicamente algo puramente espiritual. E este espírito modifica a realidade (p. 277s.).

2.2 Thomas Straubhaar

Outro espírito animado na discussão da RB é o suíço Thomas Straubhaar, Prof. de Relações Económicas Internacionais da Universidade de Hamburgo e embaixador da neoliberal "Initiative Neue Soziale Marktwirtschaft". Num estudo publicado em Março de 2007, ele (juntamente com outros) não só calculou e apresentou como financeiramente viável o velho modelo de [Dieter] Althaus do "rendimento solidário do cidadão", mas também desenvolveu as suas próprias ideias com base em cálculos do modelo (Straubhaar et al., 2007). Ao fazê-lo, ele parte de uma crítica aos sistemas de segurança social. O sistema de seguro é demasiado caro e demasiado ineficiente. A pirâmide populacional está a inverter-se, as forças de crescimento estão a enfraquecer, e o anterior âmbito de distribuição está a desaparecer. Uma vez que o emprego assalariado vitalício será a excepção no futuro, o antigo sistema de segurança relacionado com o trabalho assalariado ficará solto da sua ancoragem. Nesta situação, só uma mudança no sistema poderá ajudar.

E esta mudança poderia ser conseguida com um RBI. Deste modo, uma transferência sócio-política universal seria paga a todos os alemães desde o berço até ao túmulo, sem condição, sem contrapartida, sem requerimento e, portanto, sem custo burocrático (loc. cit., p. 13). Em troca, desaparecem a pensão, o seguro de saúde, de desemprego e de assistência a idosos, o subsídio de desemprego de longa duração e a assistência social, o subsídio de habitação e os abonos de família, bem como a protecção contra o despedimento e os salários mínimos. Isto destina-se a tornar o Estado social mais magro, ou seja, mais barato.

No seu novo livro "Radikal gerecht" [Radicalmente justo] de 2017, Straubhaar actualiza as suas considerações anteriores e anuncia a sua concepção com palavras marcantes: "'Dinheiro para todos'. Do Estado. Sem contrapartida. Sem mais nem menos. Para todos. Sejam pobres ou ricos, jovens ou idosos, com ou sem família, vivendo sozinhos ou com outros", com ou sem trabalho – o suficiente para assegurar o nível mínimo de subsistência e tornar possível a participação (Straubhaar, 2017, p. 7).

Porquê "dinheiro para todos"? Porque assim se reage adequadamente aos desenvolvimentos do século XXI, como a individualização, o envelhecimento e a digitalização (p.28). Os velhos conceitos do século XIX já não são adequados. Por conseguinte, é necessária uma mudança de sistema.

Contudo, a "mudança de sistema" não se refere ao conjunto capitalista, mas principalmente ao Estado social e ao sistema fiscal. No seu cerne, o RB é uma reforma fiscal fundamental, ao agrupar todas as medidas de política social num único instrumento sob a forma de um imposto negativo sobre o rendimento (p. 14). Os custos deste montante ascenderiam a aproximadamente 576 mil milhões de euros por ano para 80 milhões de beneficiários com um RB de 600 euros e a aproximadamente 960 mil milhões de euros para um montante de 1000 euros por mês (p. 142). O RBI deve ser financiado por retenções na fonte sobre todos os rendimentos a uma taxa de imposto uniforme – independentemente da origem dos rendimentos (p.62). A tributação inclui também os lucros da utilização de robôs através da tributação dos seus proprietários, por exemplo, quando as empresas distribuem os lucros aos proprietários das acções. Um imposto directo sobre máquinas ou robôs só iria retardar a sua utilização – ideia muito semelhante à de Götz Werner.

Está à vista: O progresso técnico e económico deve ser encorajado pelo RBI e por um sistema fiscal adequado. Segundo Straubhaar, a substituição de pessoas por máquinas faz parte da essência do capitalismo. Através da mesma tributação, deve ser estabelecida uma justiça imanente para todos os sujeitos económicos – mas as relações de propriedade e especialmente o trabalho assalariado dependente permanecem intocados. Num gesto liberal, Straubhaar considera que a criação de mão-de-obra administrativa por centros de emprego é dispensável porque é ineficiente e demasiado cara. Mas cuidado: isto poderia de facto abolir a obrigação de trabalhar; mas ao mesmo tempo criaria um exército de reserva pós-industrial de baixo custo para as necessidades variáveis do capital (cf. modelos de financiamento p. 142s.). A minha conclusão: em si mesmo, a concepção de Straubhaar parece bastante razoável e coerente – mas nela fala a racionalidade imanente do capital.

2.3 O RBI de esquerda

As ideias da esquerda sobre o RBI abordam as contradições sociais e a questão da distribuição, mas também se opõem à obrigação de trabalhar imposta pelo Estado.

Desde 2007, um grupo dentro do partido "Die Linke", liderado pela deputada ao Bundestag Katja Kipping e pelo seu assistente científico Ronald Blaschke, tem tentado afirmar a ideia do RBI dentro e fora do partido. Uma "segurança básica livre de repressão e orientada para as necessidades" (2007) ou uma garantia mínima de 1050 euros sem penalizações, como é hoje exigido pelo seu partido, não é suficiente para eles.

Em 2013, o rendimento básico do BAG (grupo de trabalho federal) do partido Die Linke aprovou então uma resolução alargada, que está disponível desde 2016 sob a forma de uma brochura intitulada "O nosso conceito de RBI – financiável, emancipatório, promovendo o bem comum". O novo RBI, que foi concebido em duas variantes, nomeadamente como dividendo social e como imposto negativo sobre o rendimento, surge do meio da discussão de esquerda e pretende ser emancipatório. Deve ser entendido como uma segurança básica, que é concedida a todos sem repressão nem condições prévias, e que não tem carácter de benefício social, mas é sim uma espécie de "rendimento primário", supostamente colocado antes dos rendimentos do mercado e do capital. O RB emancipatório quer garantir mais autodeterminação, libertação da pobreza e liberdade para o lazer, e ser pioneiro para uma economia solidária e ecológica. Deste modo, o emprego remunerado só poderia ser uma das muitas actividades possíveis para homens e mulheres; e o poder social, bem como o poder dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados, também poderiam ser assim reforçados. Aqui também podem ser considerados outros objectivos sociais, tais como uma organização democrática da economia e das finanças, a apropriação de todos os meios para uma produção social que rompa com o predomínio cultural do capital e do consumo. O RB de esquerda também torna possível opor-se à exploração excessiva da natureza "sem medo", porque com segurança. Portanto, muito mais do que uma reestruturação dos sistemas sociais, é antes uma abordagem para ultrapassar as relações de poder capitalistas e patriarcais (p. 29). Além disso, é entendido como um direito humano global.

O nível do RB está ligado ao nível do PIB. Para crianças até aos 16 anos, está previsto metade de um RB adulto. Isto seria 540 euros em 2013; os adultos deveriam receber 1080 euros em conformidade (p. 31). O RB não contará para outros rendimentos, mas pode ser totalmente acumulado. Isto assegura uma diferenciação salarial adequada (pois sim, "relativização do emprego remunerado"!).

O custo total de um RB de esquerda na variante de dividendo social ascende a cerca de 985 mil milhões de euros por ano. Se o desagravamento fiscal for tido em conta, o custo líquido anual é ainda de 863 mil milhões de euros. Os custos de um RB sob a forma de um imposto negativo sobre o rendimento ascenderiam a 589 mil milhões de euros e 467 mil milhões de euros líquidos (p. 32s.). O RB seria financiado por uma taxa RBI separada sobre todos os rendimentos primários brutos, o que constitui uma peculiaridade de esquerda entre as várias concepções de RBI. No entanto, à semelhança da concepção do KAB, o plano é flanqueá-lo com salários mínimos, horários de trabalho mais reduzidos e serviços públicos alargados, bem como a introdução de um seguro do cidadão. Isto leva-me ao modelo do KAB, que aqui se chama Rendimento Básico Garantido (RBG).

2.4 O Rendimento Básico Garantido (RBG) do KAB (Movimento dos Trabalhadores Católicos)

Com o seu RBG, o KAB também partilha uma visão, a da "sociedade da actividade". Representa o desejo de libertação do domínio do capital sobre as pessoas, a intenção de relativizar o emprego remunerado. Por esta razão, na sociedade da actividade, o emprego remunerado, o trabalho familiar e o trabalho para o bem comum são reconhecidos como tendo igual valor em princípio (tríade de trabalho). Esta ideia inclui uma nova justiça e paridade de género. Todos devem poder participar em todas as formas de trabalho: ricos e pobres, mulheres e homens. O objectivo é passar do trabalho determinado externamente para actividades autodeterminadas – também através da separação da segurança social da sua centralização no trabalho assalariado com a ajuda de um RBG. Consequentemente, é definido como um direito humano e não como um direito baseado no emprego remunerado.

O montante do RBG é fundamentalmente baseado no limiar da pobreza. A partir de 2015, os adultos receberiam 795 euros e as crianças 497 euros. O direito ao subsídio de alojamento mantém-se. Se necessário, existe um subsídio de subsistência de 298 euros. Os regimes clássicos de segurança social permanecerão em vigor, mas prestações sociais como o ALG II, a pensão aos incapazes, e também o abono de família e o Bafög [apoio aos estudantes] serão abandonadas. Estas poupanças, juntamente com uma reforma fiscal justa, destinam-se a financiar o RBG. Os rendimentos que excedam o RBG serão sujeitos a impostos e contribuições para a segurança social a partir do primeiro euro. Serviços públicos alargados, um salário mínimo e reduções do horário de trabalho são condições-quadro importantes para o modelo KAB (KAB 2015).

O KAB sublinha a importância do trabalho para a participação na sociedade. E assim o rendimento básico garantido é também baseado numa "imagem positiva do ser humano". Baseia-se no facto de que as pessoas continuarão a trabalhar mesmo que um RBG seja introduzido. Pois o trabalho deve ser participação na criação de Deus, e ser apenas "bom trabalho", que torne possível uma vida boa para todos.

 

3. Crítica e avaliação fundamentais do RBI

Será esta ideia apenas uma utopia ou uma esperança realista? Será o RBI o instrumento de uma sociedade nova e livre, que aboliu a pobreza, e na qual se pode "trabalhar em liberdade"? As dúvidas têm razão de ser.

Os modelos de rendimento básico por regra permanecem no nível da distribuição dos processos económicos gerais e habitualmente ignoram as estruturas político-económicas profundas, bem como a relação funcional entre o Estado e o mercado. Muitas vezes não deixam claros os pressupostos tácitos das suas concepções. Passa-se mais ou menos directamente de uma descrição do problema para a sua solução, o RBI, sem ter efectuado uma análise categorial das contradições sociais subjacentes aos problemas, para já não falar de não ter lançado luz sobre a estrutura e a dinâmica do capitalismo em crise, utilizando critérios e conceitos marxianos e feministas. Embora a concepção do BAG do partido Die Linke sugira esta referência, não desenvolve uma concepção genuinamente marxista de mudança social. Assim, permanece presa à imanência capitalista. Já o conceito de "dividendo social" mostra a proximidade ao pensamento capitalista, no contexto do capitalismo financeiro: deveria haver uma reivindicação individual a um rendimento semelhante ao dos accionistas, por assim dizer como accionista da "Alemanha, SA", que possa ser-me entregue, venha ele de onde vier. A impossibilidade deste empreendimento, análogo, por assim dizer, ao impossível aproveitamento do "dinheiro sem valor" (Robert Kurz) da economia das bolhas, não pode de modo nenhum ser percebida nesta forma de pensar.

No entanto, o rendimento básico garantido ou incondicional já é uma ideia fascinante. Quem não quereria "desenvolver a sua actividade em liberdade"? Quem não quereria viver numa sociedade livre e solidária? Que amigo da humanidade não quereria abolir o sistema repressivo Hartz com a sua compulsão a trabalhar? Quem não quereria trabalhar menos tempo, com mais significado e autodeterminação? Quem haveria de ter algo contra uma existência segura, um emprego remunerado com horário reduzido e um melhor equilíbrio entre trabalho, família e comunidade?

Mas estes modelos não são adequados à idiossincrasia capitalista nem à sua dinâmica. É isto que vamos agora procurar explicar ao longo de momentos essenciais da totalidade capitalista.

3.1 RBI incondicional?

Um rendimento básico geral não seria incondicional em nenhuma economia. Antes de mais, tem de ser sempre criado um mais-produto, se se quiser ou tiver de alimentar "não trabalhadores" – tanto ricos como pobres. Em condições capitalistas, qualquer rendimento pressupõe uma bem sucedida produção de mais-valia e sua realização no mercado. A produção de mais-valia pressupõe trabalho (assalariado), ou seja, exploração e dependência. A "liberdade" dos beneficiários do rendimento básico exige assim a falta de liberdade dos trabalhadores assalariados. A obrigação de trabalhar só seria abolida para aqueles que querem viver com um rendimento básico (de preferência elevado), mas não para aqueles que teriam de o financiar. O atributo "incondicional" aplica-se, na melhor das hipóteses, à omissão de uma avaliação das necessidades e ao possível pagamento pelos serviços fiscais. Em princípio, não é possível criar um oásis de liberdade no meio do deserto do capital – tal como não é possível desacoplar realmente rendimento de trabalho. O RBI "aponta (...) tão pouco para além da sociedade existente como uma miragem aponta para além do deserto que a cria", comenta Rainer Roth acertadamente (Roth, 2006, p. 71).

3.2 Liberdade através do dinheiro?

Mas como pode surgir a ilusão de querer obter a liberdade através do dinheiro? Isto tem a ver com a natureza peculiar e não facilmente compreensível do dinheiro. Porque o dinheiro não é simplesmente um meio de troca ou de pagamento. O dinheiro é a manifestação do valor, como uma relação abstracta e sensivelmente intangível, entre os produtores e as mercadorias por eles produzidas, no mercado. O que é que isso significa mais precisamente?

O dinheiro é a mais universal de todos as mercadorias. No final da produção e venda das mercadorias, o dinheiro avançado deve tornar-se mais dinheiro (D-M-D’). Este é o alfa e ómega do capital. Os "bens" produzidos, como portadores materiais de valor de troca, apenas incidentalmente servem para satisfazer as necessidades humanas; trata-se principalmente da multiplicação do dinheiro como capital, como processo e fim-em-si desmedido e infindo. O trabalho humano é o meio decisivo para este fim-em-si irracional, que é hostil ao ser humano e à natureza (Kurz, 2001, p. 56-59; 2004, p. 44-129). Esta é também a razão pela qual não é possível uma tributação dos robots, que alguns protagonistas mencionam como a base de financiamento de um RBI. As máquinas/robots – ao contrário do trabalho humano – não geram valor (mais-valia) e, portanto, não podem ser tributadas.

No dinheiro, o trabalho assalariado exprime-se como trabalho humano "abstracto" e geral, e como substância do valor. O dinheiro reflecte o tempo médio de trabalho, ou seja, o valor incluído na produção de mercadorias. E, na troca de mercadorias no mercado, o valor aparece sob a forma de dinheiro, como a base comum abstracta das mais diversas mercadorias. Pois o valor, como "qualidade fantasmagórica" de uma relação social (ver acima), precisa de uma expressão independente e reconhecível – e recebe-a no dinheiro. Sem trabalho abstracto não há dinheiro, e sem a mais-valia da exploração não há aumento do dinheiro. Na abstracção "dinheiro", estão contidas todas as relações capitalistas de produção e de fetiche, como poder independente e estranho sobre os seus criadores, como relações de coisas que determinam as relações das pessoas, como ilusão sobre as relações salariais enquanto troca supostamente justa e igual, como riqueza abstracta em pobreza concreta, como dinheiro a tornar-se independente do trabalho, como crises financeiras que ninguém queria, como concorrência universal e como destruição ambiental que é obviamente imparável. Só através da abstracção ingenuamente inconsciente destas relações fetichistas é que o dinheiro pode aparecer como remédio para a libertação do jugo do trabalho assalariado, ou mesmo para a auto-realização. Mas, como faz parte da essência do dinheiro, enquanto expressão mais abstracta e mais geral do valor, tornar invisível a ligação à produção e ao mercado, ele é adequado para criar ilusões e enganos sobre a realidade. Isto inclui também a ilusão de criar segurança social com dinheiro, ou de poder desacoplar rendimento de trabalho – e ao mesmo tempo nem sequer mencionar, e muito menos reflectir criticamente sobre as dimensões ecológicas da crise e sobre os momentos dissociados.

3.3 O Estado como garante da liberdade?

Se a economia e o seu dinheiro não conseguem realizar a libertação – poderá o Estado ser talvez a parteira e o garante da liberdade? Esta é obviamente a esperança de muitos defensores do RBI/RBG, e também no KAB.

Mas mesmo isto dificilmente pode ser assumido, considerando que o Estado é o lado complementar do mercado ou da economia. Uma vez que depende de uma acumulação de capital bem sucedida para funcionar, ele tem de garantir antes de mais a sua vigência e, portanto, a estabilidade da relação de capital. (KAB 2016, p. 35s.; Netztelegramm, 2014, p. 2) Isto inclui que deve continuar a ser garantido o trabalho que, como "substância do capital" (Marx), tem de estar sempre disponível. Nestas circunstâncias, será possível acreditar seriamente que o Estado pagará uma espécie de subsídio de libertação, ou subsídio de greve para todos, através de um rendimento básico? (ver Roth, 2006, p. 44).

Em vez disso, a introdução de um rendimento básico poderia até significar uma deterioração da situação dos trabalhadores assalariados. Pois o capital beneficiaria de uma redução dos salários e seria libertado da obrigação moral de pelo menos assegurar a reprodução da sua força de trabalho. Pois com um RBI ou RBG o Estado teria assumido a tarefa exclusiva de assegurar a existência de todos. As reivindicações dos empregados a um salário adequado poderiam facilmente ser rejeitadas pelos empregadores com referência ao rendimento básico. Chegar-se-ia possivelmente ao que já ocorreu durante o sistema inglês de subsídio salarial para trabalhadores pobres entre 1795 e 1834: Os capitalistas consideravam a ajuda pública aos pobres como parte do salário e deduziam-na deste, como se isso fosse uma questão óbvia (Marx, MEW 40, p. 524).

Também por razões de custo, o montante de um RB não deveria ser muito alto. Se o RBI viesse ao mundo, seria como uma variante capital-funcional para racionalizar as contradições capitalistas. Porque o RBI fica a matar num capitalismo flexível desengatilhado. Aparentemente, o chefe da Siemens, Joe Kaeser, também reconheceu isso. Com vista à digitalização e ao trabalho precário, defende também um RB. Então o que é que isto tem de emancipatório?

3.4 Os direitos humanos como garantes da liberdade e da segurança?

Mesmo que o rendimento básico ficasse esmagado entre o Estado e o capital – não seriam então os direitos humanos uma âncora de salvação para a liberdade? Afinal de contas, é suposto protegerem os direitos do indivíduo do Estado e dentro do Estado. De facto, a ideia de libertação da dependência e dos medos existenciais baseia-se, para os defensores do RBI, na ideia dos direitos humanos e civis. Os direitos humanos, tais como o direito à vida (!), são sempre incondicionais, diz, por exemplo, Werner Rätz, da Attac, um apoiante de longa data do RBI.

Mas infelizmente, os direitos humanos e civis também vieram ao mundo com uma malformação congénita. Já durante a Revolução Francesa (em Junho de 1793) o direito à propriedade, ou seja, a liberdade dos empresários, prevaleceu sobre o direito à vida (1) que Robespierre tinha exigido (ver Rainer Roth em www.klartext-info.de/artikel/RBI_als_menschenrecht.htm). Nessa altura, os direitos humanos permitiam a escravatura, a exploração e o desrespeito pelos direitos das mulheres, tal como permitem hoje em dia as guerras da globalização e mil milhões de pessoas a passarem fome. Os direitos humanos fazem parte da ideologia da liberdade e da igualdade do iluminismo burguês, que já carrega em si o seu contrário. O reconhecimento como sujeito jurídico, e portanto o reconhecimento dos direitos humanos "inalienáveis", só é dado àqueles que podem ser explorados e querem ser explorados (ver sobre isto: Kurz, 2004, pp. 53-88). Por esta razão, o Estado burguês em que os defensores do RBI confiam suspendeu o "direito à vida e à integridade" com Hartz IV e com o parágrafo sancionatório 31 do Segundo Livro do Código Social (SGB), .

A propósito, é traiçoeiro e esclarecedor o que o revolucionário e activista dos direitos humanos Thomas Paine apresentou em 1796, para justificar um tipo precoce de rendimento básico: Ele recomendou, entre outras coisas, que todos os cidadãos a partir do seu 25º aniversário deveriam receber uma pequena quantia fixa de dinheiro "como compensação pelos direitos do direito natural (segundo a qual a terra pertence a todos; G.S.) que perderam através do sistema de propriedade da terra" (ver Vanderborght/Van Parijs, 2005, p. 21).

Do mesmo modo, um rendimento básico hoje em dia seria uma espécie de compensação para pequenos trabalhadores independentes, trabalhadores assalariados precários e desempregados, por perda da posse de meios de produção e falta de participação na riqueza social. Seria uma má troca com o lado do capital que nada alteraria a relação de concorrência e de valor.

Mas é exactamente isto que os defensores do RBI de esquerda (e também o KAB) pensam que podem alcançar com o RB. Esta ilusão está provavelmente também relacionada com o facto de, tal como nas abordagens neoliberais, lhes faltar uma aprofundada teoria do dinheiro e das crises do capitalismo.

3.5 Crises e RBI

Mas se trabalho, mercadoria e dinheiro estão inseparavelmente ligados, como mencionado acima, qual é a crise de trabalho que levou à discussão sobre um RBI? Trata-se menos de crises cíclicas de valorização do que de uma potencial crise final da decadência do capitalismo, e da ligação entre esta e a desvalorização do dinheiro. Pois, na acumulação cega de capital, há um grande verme capaz de devorar o próprio sistema. Marx chama a isso, nos seus "Grundrisse" de 1857/58, a "contradição em processo", que descreve da seguinte forma: "O próprio capital é a contradição em processo, porque procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, ao mesmo tempo que, por outro lado, põe o tempo de trabalho como única medida e fonte de riqueza" (Marx, 1974, p. 593). Em palavras simples: o capital vive do trabalho como a sua substância, mas tem de reduzi-lo cada vez mais!

Esta contradição do sistema é causada pela concorrência compulsiva dos capitais individuais entre si. Pois se o capital individual quer sobreviver na concorrência do mercado, ou mesmo obter um lucro extra, tem de ser mais produtivo, ou seja, mais barato e mais rápido do que os outros. Consegue-o através do uso crescente de máquinas que poupam trabalho e tempo, tornando assim o trabalho humano supérfluo.

Se, no decurso da terceira revolução industrial da microelectrónica e da quarta revolução industrial (Indústria 4.0), está a ser eliminado mais trabalho produtivo do que é criado de novo, a contradição lógica torna-se historicamente madura. O capital esbarra simultaneamente no seu limite interno (valor) e no seu limite externo (natureza). Pois, com o aumento da utilização de máquinas, por um lado, a produtividade e assim a produção material é aumentada, mas, por outro lado, a massa de mais-valia contida nas mercadorias é reduzida. Porém, como ao capital é precisamente esta que importa, têm de ser produzidas ainda mais mercadorias para compensar a perda de valor. Mas isto significa ainda mais consumo de recursos e uma maior racionalização. Deste modo obsessivo-compulsivo, o capital socava autodestrutivamente os fundamentos de "toda a riqueza: a terra e o trabalhador" (Marx, 2008, p. 529s.). E isto também não pode ficar sem consequências para o dinheiro. Como é que a segurança deve ser assegurada pelo dinheiro, considerando que o "dinheiro", como expressão mais abstracta do valor, é afectado pela diminuição da substância de valor, que é o "trabalho", tanto como o Estado? Sinais visíveis deste declínio são a dívida pública e a fuga para os mercados financeiros, com as suas bolhas de dinheiro sem valor, bem como a propagação do trabalho precário, e dos Estados em desintegração, com as suas economias de pilhagem e formas despóticas-autoritárias de governo, que supostamente podem controlar tudo, só que definitivamente não a abolição da contradição em processo.

 

4. O que se segue?

Na minha opinião, portanto, o que é necessário não é pretender criar segurança e participação através de uma gigantesca redistribuição da riqueza precária, mas enfrentar precisamente a ultrapassagem deste tipo de produção de riqueza, como forma fetichista tornada independente: nomeadamente, a abolição do trabalho abstracto, do valor e da produção de mercadorias, do dinheiro e do mercado, a ultrapassagem do trabalho assalariado e com ele a abolição do capital, mas também a abolição do Estado como organizador do mercado e da forma fetichista "nação" – e sem esquecer a abolição do lado da reprodução dissociado e conotado como inferior enquanto pressuposto tácito da relação de capital (cfs. Scholz 2011).

A tentativa de emancipação da destrutiva forma capitalista global da sociedade, que também é considerada necessária pelos defensores de esquerda do RBI, tem, portanto, de tomar outros caminhos que não os do RBI, e deixar de falar em termos de anseios simplistas e não reflectidos de ilusória segurança (económica) no capitalismo. Dito positivamente: "Com a abolição da forma do valor (e da dissociação) e do fetichismo, terá de ser constituído um novo contexto de existência e de significado, amigo da humanidade e solidário, que permita às pessoas continuar a viver sem danos, sem o desnecessário sofrimento socialmente causado; um novo contexto de socialização que seja transparente para cada homem e mulher, baseado na autodeterminação daqueles que precisam e são capazes de ser completados, ou seja, "indivíduos sociais" concretos, e que torne possível uma definição de objectivos de produção autónoma e social que garanta uma vida digna para todas as pessoas. Condições, então, em que a natureza também teria o seu "direito" e o ser humano não mais seria um meio para fins estranhos, sistémicos, não mais seria um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível, mas "o ser supremo para o ser humano" (KAB 2016: 98).

Vemos este imperativo categórico de Karl Marx não como uma oposição à visão cristã do mandamento do amor entre os seres humanos, mas como uma combinação do pensamento judaico, cristão e marxista, a fim de alcançar um estado sem alienação entre os seres humanos, e sem alienação entre Deus, os seres humanos e a natureza.

Institucionalizámos uma premonição deste estado no sábado judaico e no domingo cristão. Uma instituição que, mais do que descansar do e para o trabalho, é viver em consciente liberdade de toda a dominação – seja ela pessoal ou sistémica.

 

Bibliografia

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Scholz, Roswitha, Das Geschlecht des Kapitalismus. Feministische Theorien und die postmoderne Metamorphose des Kapitals, Bad Honnef, 2011. Trad. port. parcial: O sexo do capitalismo. Teorias feministas e a metamorfose pós-moderna do capital, online: http://www.obeco-online.org/livro_sexo_capitalismo.htm

Straubhaar, Thomas; Hohenleitner, Ingrid; Opielka, Michael; Schramm, Michael, Bedingungsloses Grundeinkommen und Solidarisches Bürgergeld – mehr als sozialutopische Konzepte [Rendimento básico incondicional e rendimento solidário do cidadão - mais do que concepções de utopia social], Hamburg 2007.

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Werner, Götz, Einkommen für alle [Rendimento para todos], Köln 2007.

Werner, Götz, Einkommen für alle. Bedingungsloses Grundeinkommen – die Zeit ist reif [Rendimento para todos. Rendimento básico incondicional – Está na hora], Köln 2018.

 

(1) O direito à vida só tem de ser reivindicado se a própria existência da pessoa já estiver a ser questionada!

 

Original Alternativen zum Kapitalismus. Im Check: Bedingungsloses Grundeinkommen in www.exit-online.org. Publicado originalmente em Netztelegramm des Ökumenischen Netzes Rhein-Mosel-Saar Nr. Juni 2019. Tradução de Boaventura Antunes

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