Herbert Böttcher
Rezar na crise ainda ajuda?
Sobre a fuga filosófica para o messianismo paulino
No meio dos processos de crise da socialização capitalista, o religioso está florescendo com várias ofertas de felicidade, alívio e refúgio. A busca febril de ofertas de salvação mistura-se com um regresso a São Paulo, que ganhou um novo lugar no pensamento filosófico – como foi o caso dos filósofos Alain Badiou e Giorgio Agamben. Herbert Böttcher dedica a sua contribuição a este messianismo lançado na filosofia com "Rezar na crise ainda ajuda? – Sobre a fuga filosófica para o messianismo paulino".
O interesse de Badiou concentra-se em Paulo como revolucionário. Através do evento da sua conversão ao evento de Cristo, ele torna-se um crítico da lei judaica e do pensamento grego e, portanto, fundador de uma nova verdade universal. Verdade essa que se torna a base para a constituição de um sujeito militante. Partindo da impotência que o sujeito sofre no capitalismo, ele torna-se capaz de agir novamente, por assim dizer a partir do nada, se permanecer fiel a um evento vazio de conteúdo e à sua verdade, a partir de uma decisão existencial.
Giorgio Agamben quer quebrar o banimento de um estado de excepção que se torna um estado normal. Com a ajuda de Paulo, ele constrói um resto messiânico que liberta do banimento e um salvador "tempo que resta". Tornam-se a base de uma vida messiânica no modo "como-se-não", em linguagem simples: uma vida no capitalismo, como se ele não existisse. Enquanto Badiou procura estabelecer uma identidade de verdade e sujeito, Agamben pretende chegar a uma não identidade que se furta a qualquer definição de conteúdo.
Böttcher mostra que ambos os autores estão unidos na renúncia a uma análise do capitalismo como "totalidade concreta", bem como pelo seu recurso directo a tradições pré-modernas, que ignora qualquer contextualização histórica e, portanto, a questão das relações de dominação. Além dos juízos teológicos erróneos, isto leva a uma franca instrumentalização de Paulo para o próprio pensamento. O regresso filosófico a uma figura religiosa vai de mãos dadas com uma alegria da religião pós-moderna que carrega traços decisionistamente autoritários e inimigos da reflexão. Está relacionado com um pensamento filosófico e teológico existencialista que busca a certeza em experiências existenciais e no risco da decisão. Demonstra ser tão anti-reflexão e fundamentalista como os produtos espirituais oferecidos nos mercados esotéricos e também nas igrejas. (Apresentação do texto na exit! nº 16, Maio de 2019)
SUMÁRIO
1. "Não há salvador supremo" – mas mesmo assim há religião?
2. Alain Badiou e a procura de um sujeito salvador
2.1 O interesse de Badiou em Paulo
2.2 Paulo e a ressurreição do sujeito no evento
3. A filosofia de Badiou como pano de fundo da sua leitura de Paulo
3.1 O significado do evento na filosofia de Badiou
3.2 O evento e o ser
3.3 O papel da filosofia
4. O recurso de Badiou a Paulo
4.1 O evento – uma história sem história
4.2 "O que é a verdade"?
4.2.1 Verdade intemporal
4.2.2 Verdade existencial como poder de acção
4.2.3 Verdade e excepção decisionistas
4.3 Nem judeus nem gregos
4.3.1 Universalismo para lá de um discurso judaico e um discurso grego
4.3.2 A crítica paulina das relações de dominação romana e não dos discursos culturais
4.4 O evento como libertação da lei
4.4.1 Ultrapassar o particularismo judaico
4.4.2 Carisma em vez de teoria crítica da sociedade
4.4.3 Paulo e as implicações de crítica da dominação da lei
4.4.4 A crítica da lei greco-romana na perspectiva da Torá
4.5 Antidialéctica e formalismo vazio
5. Giorgio Agamben, o tempo do Messias e a salvação da democracia
5.1 O estado de excepção
5.1.1 A busca de Agamben pela origem do estado de excepção: o banimento como relação política original
5.1.2 A procura da origem e a questão da forma em Agamben
5.2 Homo sacer, Muselmann e um resto salvador
5.3 A divisão da lei, o resto salvador e o tempo messiânico
5.3.1 A lei das obras e a lei da fé messiânica
5.3.2 A divisão da divisão da lei e um resto salvador
5.3.3 O tempo salvador
5.3.4 O "como-se-não" como forma de vida messiânica
5.3.5 Uma mudança salvadora
5.4 Um messianismo vazio – Os problemas do recurso de Agamben a Paulo
5.4.1 Fuga para a história abstracta
5.4.1.1 A inexequibilidade da lei
5.4.1.2 Separação do apocalipticismo
5.4.1.3 Glorificação do fraco
5.4.1.4 Ignorância em modo "como-se-não
5.4.2 Ontologizações
5.4.2.1 Ontologização de experiências históricas
5.4.2.2 Ontologização de uma indeterminação vazia
5.4.3 Existencialização na peugada de Heidegger
6. Filosofia e religião como âncoras de salvação em tempos de crise
6.1 O messianismo como filosofia
6.2 O regresso da religião?
6.3 Religião com conteúdo emancipatório?
Bibliografia
1. "Não há salvador supremo" – mas mesmo assim há religião?
As sociedades pós-modernas andam à procura de saídas para as aporias da socialização capitalista, que se tornam ainda mais evidentes à medida que o processo de crise se agudiza. O reverso da pomposa proclamação do "fim da história" (Fukuyama 1992) no mercado e na democracia e da obsolescência das "grandes narrativas" que legitimam a modernidade (1) são as notícias das crises e catástrofes. Lyotard tinha apelado à "guerra ao todo" (Lyotard 1988, 203). As diferenças deveriam ser activadas contra "o todo". Elas provaram ser a força motriz das guerras e guerras civis, que são interpretadas como "choque de civilizações" (Huntington 1996). Produzem massacres que visam a destruição do outro. Os Estados desintegram-se e com eles a política. Esta perde o seu poder regulador e transforma-se numa administração da crise sob a forma de "estado de excepção" ou dissolve-se em processos de asselvajamento.
Desde o rebentamento da bolha imobiliária em 2008 e dos pacotes públicos de resgate dos bancos e da economia, o processo de crise agravou-se. Desfizeram-se os sonhos da eterna multiplicação do dinheiro no capitalismo de casino sem dispêndio de trabalho. Isto significa que as estratégias de auto-afirmação e auto-encenação associadas à individualização compulsiva estão a dar em nada, tal como as re-regulamentações repetidamente exigidas pelos movimentos sociais, acompanhadas de ilusões de um regresso aos bons velhos tempos de um capitalismo democrático refreado. Em vez disso, apenas as polaridades da imanência capitalista se invertem mais uma vez. O que se procura não é uma desconstrução, mas sim uma nova identidade. Os movimentos de direita brotam do terreno da crise, procurando a salvação nas identidades em desintegração da nação, da região, da família, etc., face aos processos de crise económica.
No meio destes processos de crise, a religião regressa com várias ofertas de felicidade, alívio e refúgio (ver Buchholz 2017). A busca febril de ofertas religiosas de salvação mistura-se com uma viragem intelectual para textos "sagrados" originais, desde os textos pré-socráticos e de Platão, passando por textos jurídicos romanos, até São Paulo que conquistou um novo lugar no pensamento filosófico. Roswitha Scholz já em 2006, no seu ensaio "O Regresso do Jorge", chamou a atenção para a viragem para o apóstolo Paulo e colocou-a no contexto da viragem para esquemas decisionistas-autoritários "num pensamento pós-moderno 'tornado auto-reflexivo'" (Scholz 2006, 169).
Em 2002 foi publicada a edição alemã do livro de Badiou sobre Paulo (Badiou 2002), cuja primeira edição já tinha sido publicada em França em 1977 (Badiou 1977). Em 2009 foi publicada uma nova edição alemã (Badiou 2009). Giorgio Agamben dedica também um livro a Paulo (Agamben 2015). A edição original italiana (Agamben 2000) foi publicada em 2000. A edição alemã alcançou com orgulho cinco edições, desde a primeira edição em 2006 até 2015.
Alain Badiou, co-actor de grupos militantes na revolta estudantil de 1968 e um dos principais intelectuais do maoismo francês até hoje, centra o seu interesse em Paulo como um revolucionário que, "arrancando o verdadeiro da lei, desencadeou sozinho uma revolução cultural da qual ainda dependemos" (Badiou 2009, 24). Perante a experiência de impotência na crise do capitalismo, procura "uma nova figura militante [...] uma figura chamada a prosseguir aquela que, no início do século, foi encarnada por Lenine e pelos bolcheviques, e que pode ser considerada a do lutador ao serviço do partido" (Badiou 2009, 8). Paulo deve fornecer orientação a este respeito.
Giorgio Agamben faz também referência explícita à questão da salvação (Agamben 2015). Ele liga a sua leitura de Paulo ao discurso sobre o messiânico nas Teses sobre o conceito de história de Walter Benjamin (Benjamin 2015). Nas cartas de Paulo e nas teses de Benjamin vê os "textos messiânicos mais elevados da nossa tradição" (Agamben 2015, 162). Estão ligados ao presente e à sua crise, que para Agamben se exprime no "estado de excepção", pelo facto de "ambos terem sido escritos numa situação radicalmente de crise" (ibidem). Por isso experimentam "só hoje o agora da sua legibilidade" (ibid.).
De seguida empreende-se uma tentativa de apresentar o recurso de Badiou e Agamben a Paulo no contexto da sua filosofia, em que a busca de uma saída para a crise do capitalismo encontra expressão filosófica. Deve ficar claro que Paulo é assim arrancado do contexto histórico em que escreveu os seus textos e tornado um apóstolo da administração da crise. O regresso filosófico a uma figura do reino da religião anda de mãos dadas com um pós-moderno entusiasmo religioso que tem traços decisionistas-autoritários e hostis à reflexão. Move-se na proximidade de um pensamento existencialista e filosófico e teológico que quer ter certeza das experiências existenciais e se mostra tão hostil à reflexão como os produtos esotéricos que são oferecidos nos mercados esotéricos e também nas igrejas.
2. Alain Badiou e a procura de um sujeito salvador
2.1 O interesse de Badiou em Paulo
"Paulo é para mim um pensador poético do evento e, ao mesmo tempo, aquele que, tanto no dizer como no fazer, mostra os traços duradouros dessa figura a que se poderia chamar militante ou combatente. Nele se revela uma ligação que é profundamente humana e cujo destino me fascina: A que existe entre a ideia geral de uma ruptura, de uma revolução, e a de uma prática e de um pensamento que representam a materialidade subjectiva dessa ruptura" (Badiou 2002, 8, destaque no original).
Após o fim do projecto dos Estados socialistas, o capitalismo – de acordo com Badiou – chegou a poder universal. Já não tem de temer qualquer outro projecto universal. Em retrospectiva, torna-se claro que os representantes do mercado e da democracia "apenas estavam realmente assustados com Lenine e Mao" (ibid., 14). A vitória do capitalismo universal também "forçou o pensamento de todos" (ibid.). Que é determinado pela "abstracção monetária capitalista" (ibid., 17), por um lado, e pelo "processo de fragmentação em identidades fechadas" (ibid.), por outro. A abstracção monetária é acompanhada por um processo em que os automatismos do capital são alargados a um mercado mundial global, enquanto a circulação das pessoas é dificultada e acompanhada por um "processo de fragmentação em identidades fechadas" (ibid.). Badiou vê ambos os processos ligados entre si como desterritorialização e reterritorialização: Enquanto os movimentos do capital homogeneizam o espaço, formam-se simultaneamente identidades subjectivas e nacionais. Tornam-se o ponto de partida de uma política de identidade nacional que persegue, através do direito, aqueles que não estão incluídos no espaço da identidade nacional.
Um processo de verdade que, segundo Badiou, deveria conduzir a uma nova prática dos sujeitos, não pode basear-se na homogeneidade do capital nem no identitário. É, pois, necessário romper com a homogeneidade monetária, bem como com as pretensões identitárias, com a universalidade abstracta do capital, bem como com interesses particulares. A singularidade e a universalidade devem juntar-se no processo da verdade. Assim, Badiou pergunta: "Quais são as condições de uma singularidade universal"? (ibid., 21, ibid., 21, destaque no original) Ela deveria "ser levada a cabo simultaneamente contra as abstracções estabelecidas [...] e contra a pretensão comunitarista ou particularista" (ibid., 21s.).
É precisamente aqui que o esclarecimento deve agora vir de São Paulo, na medida em que ele – na interpretação de Badiou – liga a verdade a um evento singular e à fidelidade subjectiva a ele. Como evento singular, não está vinculado a nenhuma generalidade. Devido ao seu carácter subjectivo, escapa ao mesmo tempo a qualquer autorização comunitária ou identitária. Constitui-se "como uma universalidade singular" que é "oferecida a todos ou determinada para cada um, sem que qualquer pertença pressuposta possa limitar esta oferta ou esta determinação" (ibidem, 22). Uma vez que o Paulo de Badiou liga o universal ao sujeito e ao fim da lei, parece possível ao seu pensamento "estabelecer a ligação entre verdade e sujeito" (ibid., 14), e ancorar "a dimensão militante de toda a verdade" (ibid., 114) num sujeito "que novamente toma o lugar da vida" (ibid., 108).
2.2 Paulo e a ressurreição do sujeito no evento
Um evento atinge Paulo a caminho de Damasco como um "relâmpago" (ibid., 26s.). Ele ouve uma voz. A qual interrompe o seu caminho em perseguição dos cristãos e faz dele um apóstolo do Messias que ele persegue. Nisto ele reconhece a verdade da sua existência e da sua vocação. É importante para Badiou que Paulo não procure o reconhecimento da sua vocação pelos outros apóstolos, ou seja, que não procure uma autorização comunitária. Só o evento o coloca na sua autoridade, faz dele um sujeito, um combatente militante pela verdade que encontra expressão no evento. Inicia um processo de verdade que abre caminho para uma universalidade em que as diferenças étnicas e culturais são ultrapassadas juntamente com as fronteiras entre judeus e gregos. "Professar a não-diferença entre judeu e grego estabelece a universalidade potencial do cristianismo" (ibidem, 73).
O evento às portas de Damasco, que para Paulo representa um ponto de viragem decisivo, "é o sinal subjectivo do evento real, que é a ressurreição de Cristo" (ibidem, 26). Este evento faz com que Paulo ressuscite como sujeito. Não se baseia em qualquer realidade, mas apenas numa fábula. A única referência à vida de Cristo continua a ser a cruz. "Tudo é reduzido a um único ponto: Jesus, que é o Filho de Deus e, nessa qualidade, o Cristo, morreu na cruz e ressuscitou" (ibidem, 45). A sua ressurreição não pertence à ordem do fáctico e está, portanto, para além da falsificação. "É um evento puro, a abertura de uma época, uma mudança na relação entre o possível e o impossível" (ibidem, 58) até à "vitória sobre a morte", não sobre a desprezível morte factual, mas sobre a morte "como uma disposição subjectiva" (ibidem), e a partir da qual o sujeito pode ascender a uma nova verdade.
3. A filosofia de Badiou como pano de fundo da sua leitura de Paulo
3.1 O significado do evento na filosofia de Badiou
Badiou quer ligar o ser e a verdade com o conceito de evento. Ao fazê-lo, ele está contra uma filosofia pós-moderna que abandona o conceito de verdade, bem como contra uma filosofia analítica que substitui a verdade pelo conceito de sentido. Ligada à categoria do sentido está a mudança para a linguagem, que se torna "o lugar decisivo do pensamento" (Badiou 1997b, 19). A filosofia, porém, não deve partir do sentido, que é expresso em palavras, deve partir "das próprias coisas" (ibid., 20). Mas depois não pode dizer adeus à verdade. Esta continua a ser uma pretensão incondicional. Sem ela a filosofia adapta-se – como nota Badiou "em relação às correntes dominantes da filosofia" (ibid., 29) – "à lei do mundo" (ibid.). Se se pretende manter o conceito de verdade e a referência ao objecto contra as correntes pós-modernas, a questão da sua relação com o tempo coloca-se com toda a acuidade. Nas tradições da filosofia, a questão da verdade está relacionada com a questão do ser. O confronto com o tempo, porém, põe em causa a possibilidade de uma verdade universal intemporal.
Através do evento, agora o tempo deve ser reconciliado com o ser e a verdade. O conceito de evento assume a dimensão do tempo, na medida em que se refere a algo que acontece no tempo. O evento faz surgir uma possibilidade "que era invisível e impensável" (Badiou 2012, 17). Representa uma ruptura, marca um corte que altera a situação global e a sua estrutura. Como evento político transforma "aquilo que foi declarado impossível numa possibilidade" (ibid., 19). Rompe com a estrutura dominante sob cujo controlo estava anteriormente o possível. Como exemplos históricos, Badiou cita a Revolução Francesa, que deu à França um significado universal (cf. Badiou 2015, 19), e a Revolução de Outubro (cf. Badiou 2012, 23).
Do "relâmpago" (Badiou 2002, 26s.) de um evento imprevisível e incalculável, a verdade toma o seu ponto de partida. Inicia um processo de verdade, um "processo genérico", como Badiou também lhe chama. Neste processo, o evento torna-se o critério decisivo a partir do qual a verdade é determinada. A ligação da verdade ao evento opõe-se a todas as tentativas de obter a verdade a partir de um "ser em si mesmo" como causa primeira de todo o ser. A verdade não “existe", mas é produzida através de um "processo genérico".
O evento não só traz a verdade, mas com ela o sujeito (cf. Badiou 2005, 439s.). Isso resulta do facto de as pessoas se abrirem ao evento, aceitarem-no e aproveitarem as possibilidades revolucionárias como oportunidades que surgem com o evento. Pelo que "o acaso, do qual toda a verdade é tecida" torna-se o "tecido do sujeito" (ibid., 442). Assim, a fidelidade ao evento pertence constitutivamente ao tornar-se sujeito. Os sujeitos comprometem-se a ser fiéis ao evento e às suas consequências. Eles vivem do princípio ao fim para o evento. A verdade, que é eventual e casual, e o sujeito, que no seu isolamento é heroicamente fiel à verdade que emerge no evento, constituem-se mutuamente. Esta verdade é "uma experiência irrefutável do sujeito" (Badiou 2015, 39) contra as especulações conceptuais da filosofia. Tal experiência da verdade "é a de uma singularidade subjectiva que é tal que possui o segredo do real a partir das suas próprias inferências subjectivas" (ibid., 38). O mistério do real revela-se em quatro caminhos da verdade: política, amor, arte e ciência. Estes são os pontos fulcrais em que a vida humana se realiza. É por estes caminhos que o evento, na sua espantosa força e indeterminação, rompe e abre novos horizontes de acção histórica.
A verdade vivida nos quatro caminhos não só abre um acesso à realidade, como também cria possibilidades criativas. No entanto, tudo depende de serem apreendidas num procedimento de verdade. Só assim o próprio evento pode tornar-se real na sua ruptura com o mundo real. A pessoa fiel ao evento aceita o evento, deixa-se mudar por ele e assim se torna o sujeito do evento. Uma pessoa criativa através do evento "deve nomear o evento, reconhecer o seu traço, ‘incorporar-se’" nele. (Tarby in: Badiou; Tarby 2012, 161). Assim, ela torna-se um sujeito. Leva uma vida verdadeira que é imortal porque as verdades em que está incorporada como sujeito são imortais (cf. Badiou 2010, 535s.).
Tarby salienta que o evento, por um lado, como evento situacional e relativo, "não muda tudo", mas pode "revolucionar apenas as situações locais" (Badiou; Tarby 2012, 161). Como evento político, porém, abre possibilidades políticas locais. Isto poupa a pessoa a "um falso niilismo e à sincera desesperança da impotência" (ibid.). Por outro lado, a verdade do evento não deve ser mal interpretada como libertando "uma verdade definitiva, determinada e substancial" (ibidem). Não faz referência a uma totalidade. O seu significado permanece aberto, indeterminado e indistinguível, em última análise vazio. Por conseguinte, o evento de Badiou é um evento vazio. Só como "genérica" é que a verdade do evento pode vir a entrar em vigor em processos de mudança histórica, de modo que os sujeitos se mantenham fiéis a ela. Está aberta a novos eventos e abre ao sujeito um processo de verdade que não tem fim.
3.2 O evento e o ser
Ao contrário do pensamento pós-moderno e desconstrucionista, as verdades que aparecem nos eventos históricos e geram processos de verdade estão ligadas a uma verdade geral. Contra a redução da verdade a um positivismo materialista e contra a filosofia analítica, em que a linguagem é a base das coisas e o ser é reduzido a sentido, Badiou insiste em pensar o ser como tal. Ele quer retomar e continuar a tradição da ontologia como uma "teoria sobre o que cada objecto tem em comum com outro" (Badiou 2015). O que os objectos têm em comum é o seu ser abstracto enquanto tal. Independentemente do que é uma coisa. Na medida em que Badiou insiste numa verdade ontológica, ele difere do pós-modernismo. Com a adopção de uma verdade geral, vê a filosofia como tendo entrado numa crise que ameaça anunciar o seu fim.
O pensamento pós-moderno, porém, também vigora em Badiou, quando ele pensa no comum das coisas como uma composição de diversidades, ontologizando assim a multiplicidade pós-moderna. O principal ponto de referência do pensamento ontológico de Badiou sobre a multiplicidade é a diversidade fundada no seu entendimento da teoria dos conjuntos. (2) Ser não é ser no singular, não "unum", mas sim ser na infinidade de diversidades, que são infinitamente decomponíveis em novas diversidades. Só a matemática pode expressar estas diversidades infinitamente decomponíveis na teoria dos conjuntos. Exprime "o que se pode dizer sobre o ser como ser" (Badiou 2005, 22). É por isso que Badiou a utiliza como base para uma pura teoria da multiplicidade, que se manifesta em diversidades. O seu discurso organiza tudo "o que sabemos e podemos sempre saber sobre o ser como ser" (ibid.). Nesta base, o infinito pode ser separado do um, abrindo assim o acesso a uma diversidade infinita que permanece imanente e pode prescindir de qualquer transcendência – tanto de Deus, enquanto origem infinita da realidade, como dum materialismo, em que a matéria se torna um princípio original.
A teoria das diversidades, que pode dizer adeus ao um, implica a existência de um conjunto vazio. Seguindo a teoria dos conjuntos de Georg Cantor (1845-1918) e a sua axiomatização por Ernst Zermelo (1871-1953) e Abraham Fraenkel (1891-1965), Tarby formula: "Um número, uma função, um ponto, uma relação aritmética são, na realidade, efeitos de conjuntos. Tudo o que é compreensível é composto por conjuntos e elementos, e os conjuntos e elementos são eles próprios composição e decomposição sem fim". (Tarby in: Badiou; Tarby 2010, 154). As diversidades infinitamente decompostas implicam um vazio infinito. Paradoxalmente expresso: "consistem" num vazio insubstancial sem significado em termos de conteúdo. Ao contrário de Heidegger, o ser de Badiou não está ligado a nenhum significado nem a nenhum sentido. Não contém nada mais do que "diversidades que vão até ao infinito e não têm nada mais do que o vazio sem sentido como fim último" (ibid., 155).
Assim, a matemática – como constata Badiou, por assim dizer, a partir de uma posição meta-ontológica – torna-se ontologia. Como teoria dos conjuntos, representa "a historicidade do discurso sobre o ser como ser" (Badiou 2005, 27). É essa "parte da matemática em que se afirma historicamente que cada objecto pode ser reduzido a diversidades puras, e que por sua vez se constrói sobre a não apresentação (imprésentation) do vazio" (ibidem, 28).
Por isso é necessário romper com os fundamentos da ontologia num "unum". "A multiplicidade é composta apenas por diversidades. Não há nenhum um. Ou cada multiplicidade é uma multiplicidade de multiplicidades" (ibid., 43). Isto aplica-se na situação "de pura multiplicidade, de multiplicidade em si mesma" (ibidem, 42). Nesta situação ontológica, a multiplicidade é apresentada "sem qualquer outro predicado para além da sua diversidade" (ibid.). Portanto, a ontologia só pode "ser a teoria das diversidades inconsistentes enquanto tais" (ibid.). O ser como tal é multiplicidade sem um e sem determinação por um predicado para além da pura diversidade. Assim "o nome do vazio" (ibid., 52) é a única apresentação tangível do que permanece não representativo como pura diversidade. "Se o um não é, o puro nome do vazio toma o lugar dos muitos, como aquele que permanece apenas como ser". (ibid., 51, destaque no original) Com o nome de vazio (ou também de nada) Badiou expressa que com o ser "nada (nenhum termo) é apresentado e que, ao mesmo tempo, a relação deste não apresentável tem lugar "no vazio", ou seja, sem qualquer localização estrutural concebível" (ibid., 73).
E, no entanto, o um é necessário, mas "apenas como o sistema de condições pelo qual a multiplicidade pode ser reconhecida como multiplicidade" (ibid., 43). A este nível vale que: "O um não é". Mas também vale que: "Existe um". (ibid., 37, destaque no original). Segundo a expressão francesa "il y a" (literalmente: tem aí) a formulação "Existe um" é "concebida como uma localização errante" (ibid., 38). O um é uma contagem no quadro de um método de cálculo, ou seja, uma operação e não uma apresentação. Badiou sintetiza: "A multiplicidade é o regime da apresentação, que é um, em termos de apresentação um resultado operacional (um resultado de cálculo)". (ibid.) Cada multiplicidade apresentada é, no uso da linguagem de Badiou, uma "situação". É também o local onde se apresenta uma multiplicidade que permite a um operador a contagem como um. Numa estrutura operacional, a multiplicidade é "retroactivamente legível como anterior ao um, na medida em que a contagem-como-um na situação é sempre um resultado" (ibid., destaque no original). Não pode haver uma apresentação do ser como tal, pois ele ocorre em cada apresentação e não se apresenta imediatamente como ser. Porque o ser como ser é excluído da apresentação, torna-se "dizível para os humanos, no efeito coercivo de uma lei que é a mais estrita de todas as leis concebíveis, nomeadamente a lei das conclusões a serem provadas e formalizáveis" (ibidem, 42).
Em ligação com o evento, o pensamento ontológico puramente formal obtido a partir da teoria dos conjuntos é transferido para o contexto do pensamento político. Segundo os axiomas da teoria dos conjuntos interpretados por Badiou, qualquer conjunto nunca pode ser completo; pois o que o determina depende sempre de um vazio indeterminável e não localizável que o constitui. Desta indeterminabilidade pode surgir algo de novo que não pode ser compreendido a partir da situação anterior de um conjunto, da sua coerência imanente. A isto corresponde o evento no plano político. Que não é um elemento ou um conjunto de elementos da estrutura dominante, mas pertence "à dimensão do não-ser" (Zizek 2010, 175). Nele cintila o vazio que se esconde sob a estrutura ou é reprimido pelo Estado como expressão da estrutura. “Ex nihilo" explode como resultado da imanência de um mundo fundado numa multiplicidade vazia e cuja multiplicidade infinita constitui a sua imanência. Por conseguinte, o evento pode quebrar a coerência de um conjunto ou de uma situação.
3.3 O papel da filosofia
É tarefa da filosofia relacionar dois discursos: o da matemática, como ciência do ser, e o do evento, "que por sua vez descreve precisamente aquilo que é ‘o que não é o ser como ser’" (Badiou 2005, 28, cf. também 217s.). Como interrupção da "soberania do mito" (Badiou 2011, 179), a matemática produziu um "pensamento intemporal" (ibid., 181). Com exclusão das peculiaridades empírico-históricas, ela tematiza o ser como a base de tudo o que existe no mundo. Só se a questão do ser como ser tiver um lugar de reflexão, a filosofia pode ter em conta a universalidade absoluta do ser e ser universal. "A matemática diz a verdade sobre o ser como ser, mas não pode dizer a verdade sobre o ser da verdade. Isto cai no domínio do evento". (Badiou 2015, 96) Portanto, a ontologia como teoria do ser como ser em diversidade indiferente precisa de ser complementada por uma filosofia que pense o evento. Numa filosofia do evento, é reflectido o ser da verdade no evento e neste a fidelidade ao evento que constitui o sujeito.
Na obra de Badiou, a clássica diferença ontológica entre ser e existente torna-se a diferença ontológica entre ser e evento. Converge com a distinção entre a matemática como filosofia ontológica e a filosofia do evento. Badiou quer ultrapassar a diferença entre ser e evento, entre filosofia ontológica e filosofia do evento, através da teoria das diversidades genéricas. Ela associa-se a um conhecimento que Badiou obtém da teoria dos conjuntos de Cantor: o conhecimento "de que o ponto absoluto do ser da multiplicidade não é a sua consistência – ou seja, a sua dependência de um procedimento de contar como um só – mas a sua inconsistência, ou seja, um desdobramento de multiplicidade que não reúne nenhuma unidade" (Badiou 2005, 59). A ideia de uma diversidade inconsistente e indistinguível, pura e vazia, liga Badiou a situações de diversidades empíricas que são estruturadas pelo um e que são, portanto, contabilizáveis e denomináveis. Estas situações consistentes são simultaneamente mais e menos do que as situações inconsistentes da pura diversidade. São mais porque o um é acrescentado como operador e instância representativa com o seu próprio peso estruturante; são menos porque apenas a parte representada da diversidade está representada, enquanto o excedente inconsistente é excluído como resto. Este resto excedente oferece a possibilidade de a situação inconsistente do ser se abrir para o evento e para a verdade relacionada com o mesmo. O conceito de genericidade relaciona o conceito de diversidade do ser com o do evento e da verdade. “Foi introduzido para ter em conta os efeitos inerentes a uma situação de diversidades de um evento que a complementa. Descreve o estatuto de certas diversidades que simultaneamente se inscrevem numa situação e aí se tecem permanentemente numa coincidência que é irreversivelmente retirada de qualquer designação. Esta intersecção da diversidade do contexto regulado de uma situação e da aleatoriedade ligada ao evento que a complementa é precisamente o lugar de uma verdade da situação" (Badiou 1997a, 116).
Com o pensamento genérico, o evento e a sua verdade podem ser pensados em relação à diversidade, de tal modo que complementam a situação, mas não se fundem nela. O resto instável excluído na representação pode vir a ser discutido. "O pensamento genérico assume o indistinguível como o modo de ser de toda a verdade e considera a instabilidade do resto como o real do ser, o ser do ser" (ibidem, 81). Com o pensamento genérico, Badiou posiciona-se contra o positivismo e a dialéctica (ver Roskamm 2002, 37s.). O positivismo reduz as diversidades ao empiricamente dado e não tem em conta o excedente instável. A dialéctica quer superá-las numa síntese superior e não as respeita como lei ontológica. Contra o reducionismo positivista e a superação dialéctica, Badiou opõe o seu pensamento genérico da imanência, que se refere à realidade do ser e à sua indistinguibilidade. Roskamm afirma-o como "crítico e radical [...] porque encontra na imanência do ser um momento que pode ser oposto ao dado, às situações do mundo, sem se referir a uma instância externa" (ibid.).
Correspondendo ao evento que vem do exterior nos quatro caminhos da política, do amor, da arte e da ciência, a filosofia, como pensamento do pensamento, também se refere a estes quatro caminhos. Os quatro processos da verdade ligados ao evento e, portanto, independentes da filosofia, tornam-se as condições do pensamento filosófico. Ele não parte de uma ideia global ou de uma causa inicial, mas constitui-se nestas condições. Assim ganha a sua relação com o mundo presente e com os seus problemas. A verdade que o evento gera nos quatro caminhos está ligada à verdade que é entendida ontologicamente como multiplicidade.
4. O recurso de Badiou a Paulo
Na apresentação de Paulo feita por Badiou reflecte-se a filosofia de Badiou. Paulo torna-se um modelo pelo qual Badiou exemplifica o que já conhece filosoficamente. No final, Paulo torna-se um meio de ilustração que também confere à filosofia de Badiou uma aura religiosa. Assim como Paulo se vê chamado a ser um apóstolo na autoridade do evento que lhe ocorreu, Badiou apresenta-se como um enviado de uma mensagem filosófica universal do ser, da verdade e do sujeito. Que tem a sua origem na autoridade do evento e na decisão de manter fidelidade ao evento.
4.1 O evento – uma história sem história
"O evento – 'ocorrido' muito simplesmente no anonimato de uma rua – é o sinal subjectivo do evento real, que é a ressurreição de Cristo" (Badiou 2009, 26). O evento subjectivo que aconteceu no caminho para Damasco é a conversão de Paulo. Paulo escreve sobre isso na carta aos Gálatas (Gal. 1,10s.) Sem entrar nas circunstâncias, ele apresenta a sua conversão de perseguidor a seguidor do Messias. Ele observa que foi desencadeada "por uma revelação de Jesus Cristo" (ibidem, 1,12). Com esta revelação Paulo legitima a sua vocação de apóstolo. Nos Actos dos Apóstolos, Lucas, que tinha acompanhado Paulo em muitas das suas viagens, resume a conversão de Paulo na forma de uma narrativa de chamamento, que ele coloca no caminho de Paulo até Damasco para perseguir os seguidores do Messias (Actos 9). A revelação de que fala Paulo, e que Lucas apresenta na sua narrativa, é o encontro com o Messias ressuscitado. Segundo Badiou este é o "evento real", para o qual o evento "no anonimato de uma rua" é o "sinal subjectivo" (ibid.). Ambos os eventos ocorrem na história, mas permanecem vazios, sem significado em termos de conteúdo. Tendo em conta o evento de Damasco, apenas são interessantes as circunstâncias históricas da vida de Paulo através das quais a sua fidelidade ao vazio do evento pode ser apresentada. Pela falta de conteúdo da ressurreição, Badiou refere-se à observação "de que a vida empírica de Jesus quase não é mencionada nas cartas, tão pouco como, aliás, qualquer uma das famosas parábolas do Mestre. Os ensinamentos de Jesus, não muito diferentemente dos seus milagres, são arrogantemente ignorados. Tudo se reduz a um ponto: Jesus [...] morreu na cruz e ressuscitou. Tudo o mais é sem verdadeira importância" (ibidem, 45).
Para o apóstolo Badiou a tradição paulina do cristianismo só se torna interessante na medida em que todo o conteúdo histórico é ignorado a favor do vazio do evento e do vazio de uma multiplicidade ontológica para a qual o evento é suposto construir uma ponte. Como a história real não tem lugar constitutivo no Organon do pensamento de Badiou, o seu pensamento permanece intemporal e vazio. O vazio do evento só pode estabelecer uma historicidade abstracta como existencial, mas não um pensamento em que a história e a sociedade têm categorialmente um lugar. No pensamento de Badiou, a ausência de objecto está ligada à ausência de história. Ao ligar estritamente a verdade ao vazio do evento, ele separa-a do conhecimento do conteúdo e de qualquer objectividade. Assim, o pensamento de Badiou também pode ser caracterizado como uma "quimera de um ser confiscado e desfigurado por nada de objectivo" (Adorno 2015, 603).
Na interpretação de Paulo por Badiou, isto torna-se claro pelo facto de Jesus estar separado da sua história e, portanto, permanecerem indeterminados os conteúdos que são decisivos para Ele. Dele só é preciso reter "aquilo que é indiferente à pessoa viva: Jesus ressuscitou, nada mais conta, para que Jesus seja como que uma variável anónima, um "alguém" sem traços predicativos, completamente absorvido na sua ressurreição" (Badiou 2009, 80). Sem qualquer definição de conteúdo Ele é "apenas o material contingente, do qual o evento toma posse para uma finalidade completamente diferente" (ibidem, 77). Esta finalidade é o fundamento de uma verdade universal que constitui o sujeito.
Mas para que Paulo não desapareça por trás da sua apropriação filosófica por Badiou, o conteúdo dos seus pontos de vista tem de ser realçado. Isto, por sua vez, só pode ser reconstruído se o seu "núcleo temporal", ou seja, a sua incorporação na sua situação histórica se tornar evidente. Isto já se aplica à mensagem paulina da ressurreição do Messias. Como conteúdo teológico que transcende a história, foge à verificação histórica; no entanto, o falar da ressurreição dos mortos permanece ligado à história pelo facto de se referir a um homem histórico e à sua vida, e aqueles que falam da sua ressurreição afirmam pretender ir mais longe no seu caminho histórico. Nem mesmo Badiou pode ignorar completamente a história de Jesus, na medida em que admite pelo menos que Jesus foi executado na cruz. Mas com isso entra em jogo um conteúdo que é indispensável para Paulo e para o movimento messiânico. Quando Paulo – numa passagem à qual também Badiou se refere – fala de ter concentrado a sua pregação em Corinto em Jesus Cristo "como o crucificado" (1 Cor. 2,2), o termo "crucificado" caracteriza toda a vida do Messias executado. Ele foi executado porque a orientação da sua vida e a sua mensagem estavam em conflito com os representantes da ordem vigente. Ele viu a dominação deles e os sacrifícios a ela associados em contradição com a sua religião judaica, que visa a libertação das relações de poder do Egipto, da Babilónia, da dominação grega, da dominação de Roma.
A cruz do Messias marca assim um lugar de conteúdo na história sem o qual o movimento messiânico não pode ser compreendido. A sua localização na história do sofrimento e da catástrofe humana é tão constitutiva para ela como a recusa de os aceitar. Se os conteúdos associados não forem lembrados, a tradição judaico-cristã (3) torna-se, em falsa imediatidade, compatível com apaziguamentos religiosos afirmativos, bem como com existencializações em que as localizações históricas da tradição cristã são dissolvidas em estados mentais básicos intemporalmente existenciais.
4.2 "O que é a verdade"?
pergunta o governador romano Pilatos a Jesus que está diante dele para a condenação, depois de Ele ter dito que veio ao mundo para testemunhar a verdade (cf. João 18,37s.). A situação deixa claro que, nos textos bíblicos, a questão da verdade não é a de uma verdade universal abstracta e intemporal. A disputa sobre a verdade é travada numa situação histórica que é determinada pelo conflito do Messias com a dominação de Roma (ver Hinkelammert 2001, 142s.). Fora deste contexto não se pode perguntar sobre a verdade que ele defende. Não há verdade fora da questão das circunstâncias históricas. O mesmo se aplica à questão sobre o Messias e o acesso à verdade que está enraizada na tradição judaico-cristã. A verdade tem um "núcleo temporal" – como Horkheimer e Adorno sublinham no prefácio da nova edição da Dialéctica do iluminismo de 1969 (cf. Horkheimer 2003). Uma suposta "intemporalidade", pelo contrário, "é o cúmulo da [...] cegueira" (Adorno 2003, 64).
Também para a sociedade actual é verdade que ela deve ser determinada a partir do seu núcleo temporal. A sua determinação como sociedade capitalista – indo além de Adorno – tem de abranger não só a troca de mercadorias como forma de circulação primária, mas também o trabalho como forma de produção e "a forma de circulação secundária (subjectividade jurídica, política)" (Kurz 2004, 39). Sobretudo, para além da relação de valor androcêntrica, a dissociação sexual deve ser enfatizada como categoria igualmente original para determinar a totalidade social (Scholz 2011). Com recurso ao termo "totalidade concreta" de Georg Lukács, Roswitha Scholz deixou claro que, partindo da dimensão de género, a determinação da totalidade social através das categorias de valor e dissociação igualmente originais implica "um entendimento da totalidade fragmentária" (Scholz 2009, 58). Com isto, consegue-se um entendimento da totalidade, no qual "planos mais concretos e as suas referências de conteúdo" devem ser incluídos na determinação da totalidade capitalista – "incluindo aquilo que nesta não fica absorvido" (ibidem).
4.2.1 Verdade intemporal
Com a ontologização da multiplicidade – o recurso de Badiou à matemática esquece generosamente o facto de a própria matemática ter uma história – e a sua ligação a um evento "histórico", mas que permanece vazio e sem objecto, Badiou elimina precisamente esse "núcleo temporal" que é constitutivo do pensamento da verdade e liga categorialmente a verdade à história. O evento é "um signo de nada" que "não se encaixa em nenhuma totalidade" (Badiou 2009, 55). A verdade de Badiou só pode existir sem conteúdo como referência de objecto e sem reflexão sobre a totalidade. Quando Badiou recorre Paulo para com ele ganhar perspectivas de salvação para as condições actuais, diferentes condições históricas colidem: a socialização capitalista moderna, a ser determinada como "totalidade concreta", e o antigo mundo de Paulo, no seu "núcleo temporal" marcado pela dominação de Roma, que toma forma nas dependências pessoais e encontra a sua expressão religiosa na representação pessoal pelo imperador venerado como "dominus et deus".
Nem a "totalidade concreta" da socialização capitalista nem a situação histórica da dominação romana encontram lugar nas categorias filosóficas de Badiou. Em vez disso, ele enfatiza programaticamente: "Uma verdade é por si só indiferente à natureza da situação, por exemplo, ao Estado romano" (ibidem, 23). Devido à sua indiferença intemporal, pode "referir-se directamente à nossa situação e às nossas tarefas filosóficas" (ibidem). No conceito de verdade de Badiou, os contextos históricos desvanecem-se. Portanto, tem de se acabar sem Jesus e sem o "núcleo temporal" expresso na sua cruz, ou seja, sem o torturado "Ecce homo" que está diante do representante da dominação romana (ver Jo. 19,5) e cuja verdade não pode ser compreendida sem esta referência histórica. A indiferença da verdade de Badiou em relação ao núcleo temporal da situação histórica da dominação romana, bem como em relação à socialização capitalista, visa a identidade da verdade intemporal em diferentes constelações históricas. Uma verdade assim intemporal tem de apagar categorialmente o não idêntico, o particular da dominação romana, tal como o conceito de uma totalidade negativa na perspectiva da socialização capitalista.
Apesar de toda a distância categorial da história real nas categorias filosóficas de Badiou, a sua filosofia – como mostra a sua interpretação de Paulo – não deixa de ter actualidade histórica. Pelo contrário: é formulada num contexto actual e pretende mesmo intervir na actualidade. Isto torna-se claro na pergunta bastante casual de Badiou: "O que determina realmente a nossa actualidade?” (ibidem, 13) A sua resposta prescinde de uma contextualização político-económica. Ela permanece filosófica e culturalista. Segundo Badiou, a actualidade é determinada pela redução da questão da verdade a um juízo linguístico em filosofia analítica e hermenêutica, que conduz a "um relativismo cultural e histórico" (ibid.) que molda a opinião pública, bem como as ciências. Para Badiou o decisivo neste processo é que o universal seja substituído pela "valorização da virtude cultural dos subconjuntos reprimidos", bem como pelo "elogio linguístico dos particularismos comunitários (que no final, para além da língua, todos se referem à raça, nação, religião ou género)". (ibid.). A questão político-económica limita-se à sugestão de que por detrás dos fenómenos descritos existe uma realidade que os liga: "a abstracção monetária, cuja falsa universalidade é perfeitamente compatível com o colorido comunitário" (ibid., 13s.).
Não é por acaso que a determinação da socialização capitalista não vai além de caracterizações difusas como "abstracção monetária", "falsa universalidade" ou "universalidade do capital", e que as suas posições críticas do capitalismo têm de ser derivadas de tomadas de posição populares, enquanto não encontram lugar nas suas obras filosóficas. Ao desvanecer categorialmente a história real na filosofia, Badiou tem de ignorar o que é especial e concreto e, sobretudo, o que não é abrangido pelo conceito de universalismo abstracto. A crítica de Badiou ao capitalismo fica aquém do nível de reflexão alcançado com o conceito de "totalidade concreta" (Scholz 2009) e o conexo entendimento da dialéctica entre forma abstracta e desenvolvimento histórico concreto (ver ibid., especialmente 85s.). E por isso não é por acaso que as declarações de Badiou sobre a crítica do capitalismo apenas estão associativamente e não estruturadas lado a lado em publicações populares. Assim, a "crítica do capitalismo" de Badiu pode ser lida e digerida facilmente sem lastro filosófico abstracto.
As "análises" confusas de Badiou, como ele as registou numa conversa com Fabien Tarby (Badiou; Tarby 2012) ou recentemente no seu escrito "Contra o Capitalismo Global" (Badiou 2016), por exemplo, podem ser uma espécie de prova. Sem qualquer determinação da forma, ele descreve o capitalismo numa sequência de fenómenos. Por vezes associa-o indeterminadamente a uma "forma de dominação" (Badiou 2016, 18), por vezes ao "mercado mundial", que "é hoje o ponto de referência absoluto de uma historicidade global" (ibid., 19), por vezes à solta "lógica do capital" (ibid., 20) ou ao "triunfo das empresas transnacionais sobre a soberania dos Estados" (ibid., 21), sem distinguir níveis de mediação social. A crise social não resulta da "contradição em processo" estabelecida com a relação de capital e a dissociação e do conexo limite lógico, que agora também historicamente atinge os seus limites. Pelo contrário: surge do "triunfo do capitalismo globalizado" (ibid. 17). Foi procurada e imposta pela política e – pensado em termos da teoria da conspiração – tornada possível pela interacção do poder do Estado com os aparelhos de propaganda dos media (cf. Badiou 2012, 15s.). Isto conduziu a um consenso social em que a esquerda também está incluída. Ela afirma o sistema político e limita-se à intenção de "distribuir uma quantidade muito pequena do lucro existente aos estratos desfavorecidos" (ibidem, 12). Contra o triunfo do capitalismo através da vontade política e de uma conspiração generalizada que leva ao consenso de que "a nossa sociedade não vai mudar" (ibid., 11), só uma política capaz de "produzir novas verdades" como "uma forte actividade subjectiva" (ibid., 12) pode ajudar. A base para isso é o evento salvador que cai do céu ou, no caso de Badiou, irrompe "ex nihilo" ou – em linguagem futebolística – cai do nada como um golo.
Perante tudo isto, incluindo a "abstracção monetária" e os particularismos que lhe estão associados, um verdadeiro universalismo, ou seja, um universalismo purificado do lugar e do tempo, é agora suposto salvar. Para que Paulo possa ser apropriado para este projecto, tem de tornar-se sujeito de uma verdade universal sem mácula de tempo e lugar, que faz a sua ligação à realidade histórica apenas através da própria pessoa, que pode tornar-se sujeito de uma verdade universal através de um evento singular que lhe ocorre. Com Paulo, Badiou exige formular "o universal concreto das verdades" contra "particularismos comunitários" e assim refundar "a ligação entre verdade e sujeito" (ibid.) na figura de "uma singularidade universal" (ibid., 21).
4.2.2 Verdade existencial como poder de acção
A verdade do evento entra, de facto, na história. Como evento vazio e indeterminável na sua formalidade, é histórico, mas retirado da reflexão crítica sobre o seu lugar na história real. Tem – como Badiou salienta em Paulo – o carácter de uma experiência religiosa do sujeito. Zizek comenta: "Para Badiou a verdade em si é um conceito político-teológico, teológico na medida em que a revelação religiosa é o paradigma não reconhecido do seu conceito de evento de verdade” (Zizek 2010, 249). Como experiência subjectiva, o evento está fora da justificação e da análise. Analogamente ao entendimento de fé de Kierkegaard, a sua verdade baseia-se "num momento paradoxal de objectividade subjectiva" (Finkelde 2007, 34). Assim, o conhecimento justificável é substituído pela confissão do evento emprestada do contexto religioso. A sua veracidade não pode ser comprovada, mas na fidelidade ao evento pode ser testemunhada como credível, subjectivamente apropriada e vivida em certeza existencial. A verdade assim compreendida é também um conceito político (cf. Zizek 2010, 249). Com ela constrói-se a ponte para a acção política. O evento que se legitima na experiência religiosa torna capaz de agir e pode servir a necessidade de fazer "alguma coisa", tendo em conta a confusão que se forma em torno das "múltiplas crises" não compreendidas. O sujeito, que professa a verdade do evento e permanece fiel a ela nas suas acções, reencontrou-se na sua verdade singular e simultaneamente universal, e constituiu-se de novo como seu agente. Com Paulo e a sua fidelidade declarada ao evento, pelo menos o activista político militante levantou-se como um novo sujeito, após o desaparecimento do "sujeito revolucionário". Tendo em conta "o paradigma global, a nova atitude global em que aceitamos humildemente o nosso lugar imposto na ordem global do ser", o "excedente de subjectividade aparece como única esperança de salvação" (Zizek 2010, 179).
4.2.3 Verdade e excepção decisionistas
Quem quiser professar o evento vazio e permanecer fiel a ele, tem de se decidir pela sua verdade. O evento que não pode ser justificado pela história, só pode ser reconhecido em sua verdade de um modo decisionista. A sua verdade marca "uma excepção às leis do mundo" (Badiou; Tarby 2012, 129). O evento vazio e puro, que "ex nihilo" e de modo imprevisível irrompe na ordem existente, transmuta-se num estado de excepção messiânico. Aqui, o evento e o sujeito decisivo movem-se numa relação circular. O evento "revela-se" apenas ao sujeito decisivo, enquanto o sujeito entra numa espécie de relação de fidelidade feudal ao evento, que dá acesso à verdade do evento e promete a salvação. A fidelidade prova-se em actos que se tornam actos de salvação e atestam o poder salvífico do evento.
A excepção do evento permite imaginar a salvação a partir do nada, fora do reconhecimento da situação histórica, sem analisar e negar a "totalidade concreta" (Scholz 2009) da sociedade capitalista. Sem o reconhecimento do limite lógico e histórico da valorização do capital, os activistas políticos estão impedidos de lidarem com a sua impotência política, que radica nos limites da valorização do capital. No desespero da auto-submissão às condições que forçam a uniformidade, a excepção do evento promete um romper da monotonia que permanece pontual e – perturbadora e confusamente – não assume a totalidade das condições.
A renúncia a uma visão analítica combinada com uma fé cega na excepção do evento implica a negação da crise. Que isto conduz a um estado de excepção que é tudo menos messiânico não é evidente. Com as consequências do surto de crise desencadeado pelo rebentamento da bolha imobiliária e suas estratégias de superação em 2007/08, a crise produz os seus efeitos em processos de desindustrialização, passando pela desintegração de Estados até aos movimentos refugiados, mesmo que seja negada. As perspectivas salvíficas aparentes só se abrem sob a forma de uma auto-afirmação intensificada numa concorrência que, no seu asselvajamento, se transforma em concorrência de aniquilação. Perante o fracasso, que já não pode ser ignorado, das estratégias individuais de auto-afirmação nas suas tentativas de assegurar a felicidade individual, e os receios de queda da classe média, a atenção vira-se para a suposta ameaça vinda do exterior. "Está a começar um tempo de despertar", é como o psicólogo Stephan Grünewald formula a conclusão de um estudo recente do rheingold-Institut für qualitative Markt- und Medienanalysen (Grünewald 2017). "O camião que embateu no mercado de Natal protegido de Berlim em Dezembro é um símbolo da ameaça iminente da entrada da poeira sufocante na região verde. O idílio privado tem de ser laboriosa e desafiadoramente recriado todos os dias". (ibidem.) Fala-se de um "tempo de despertar". Faz lembrar os tempos de um terrível despertar alemão no "estado de excepção" executado pelos nazis. O actual "despertar" é acompanhado por movimentos que pretendem proibir "a ameaça de irrupção da poeira sufocante" através de medidas repressivas, no quadro de um "estado de excepção" que na crise se está a tornar cada vez mais normal e cujas vítimas são sobretudo as massas "supérfluas" da população não mais valorizáveis para o capital. Em movimentos de direita e num centro que concorda com as suas preocupações, a "região verde" mostra o potencial autoritário, racista, anti-semita e sexista que se pode desencadear no "estado de excepção".
Niklaas Machunsky (Machunsky 2007) apontou para uma relação entre o evento de Badiou e o estado de excepção de Carl Schmitt. Ambos os "teóricos do estado de excepção" concordam que "a vida real tem primeiro de esquivar-se da vida quotidiana" (ibidem, 37). No evento de Badiou, a vida real em sua força vital faz um avanço contra a sua subjugação à "abstracção monetária". Na sua justificação do estado de excepção, Carl Schmitt refere também "o poder da vida real", que "na excepção [...] rompe a crosta de uma mecânica que congelou em repetição" (Schmitt 1996, 21). A vitalidade de uma "filosofia da vida concreta", que se opõe ao congelamento, "não deve recuar perante a excepção e o caso concreto". Os seus conhecimentos vão mais fundo "do que as claras generalizações do repetidor médio" (ibid.).
Enquanto no caso de Schmitt o soberano decide sobre o estado de excepção, no caso de Badiou a decisão é confiada àqueles que se mantêm decisionistamente fiéis ao evento. Porque o evento permanece vazio e, portanto, indeterminado, também pode ser preenchido, contra as intenções de Badiou, com as ideias a que os movimentos de direita e os "cidadãos preocupados" continuam leais com zelo activista. No recurso imediato a uma vida concreta vitalistamente compreendida e ao poder que lhe é inerente, e perante um soberano cujas possibilidades de criar ordem através de estados de excepção diminuem com a crise, os soberanos subjectivos podem alcançar uma validade horrível em auto-posicionamento autoritariamente decisionista.
Como testemunha da paixão existencialista, Schmitt invoca Kierkegaard, que combinou a pretensão de verdade da fé cristã com um existencialismo decisionista. Nele encontra também uma testemunha-chave para pensar a partir da excepção, em que o normal da dominação é determinado pela excepção. Citando Kierkegaard, Schmitt conclui o seu argumento sobre o estado de excepção: "A excepção explica o geral e a si própria. E se se quiser estudar bem o geral, basta procurar uma verdadeira excepção. […] A excepção pensa o geral com paixão enérgica". (ibidem).
4.3 Nem judeus nem gregos
4.3.1 Universalismo para lá de um discurso judaico e um discurso grego
Porque o Paulo de Badiou segue o evento, torna-se o fundador de um universalismo que rompe com um vínculo a conteúdos como a referência à vida de Jesus, bem como a particularidades ou quantidades objectivas como os judeus e os gregos. O que resta é a forma vazia "das condições genéricas da universalidade [...] e especialmente a impossibilidade de qualquer atribuição do discurso da verdade a conjuntos historicamente já constituídos. Separar impiedosamente cada processo de verdade da historicidade cultural em que a opinião comum a quer dissolver: esta é a operação em que seguimos Paulo" (Badiou 2009, 12s.).
A operação que separa o universalismo da multidão de judeus e gregos não visa "uma multidão humana objectiva", mas sim "disposições subjectivas". Mais precisamente, o que, para Paulo, são as duas figuras intelectuais coerentes do mundo em que ele vive – isto é, o que se poderia chamar um regime do discurso" (ibidem, 53, sublinhado no original). Badiou também aqui abstrai da história real ou redu-la a "uma topologia do discurso" (ibid., 54) – do judeu e do grego. Para poder tornar-se universal, o discurso tem de desligar-se de qualquer topologia particular. Badiou quer provar com 1 Cor. 1,17-29 a rejeição no discurso paulino da verdade de qualquer topologia particular em favor da universalidade. Neste texto Paulo posiciona a verdade de Deus, que ele reconhece no Messias crucificado, contra os judeus, que exigem sinais, e contra os gregos, que buscam sabedoria. Para ambos, o Messias crucificado não é aceitável. Para os judeus ele é "um escândalo, para os gentios um absurdo" (v. 1,23), mas, para aqueles que seguem o evento messiânico vazio, nele se manifestam "o poder e a sabedoria de Deus. Porque a absurdeza de Deus é mais sábia que a raça humana; e mais forte que a raça humana é a fraqueza de Deus" (v. 1,24s.).
O evento Cristo, purgado de conteúdo e de história, marca a ruptura com o discurso judaico, que exige sinais, bem como com o discurso filosófico grego, que faz perguntas e procura sabedoria. O discurso judaico do sinal está ligado à figura subjectiva do profeta que decifra os sinais obscuros que testemunham a transcendência. Na medida em que os sinais proféticos representam milagre e escolha, referem-se à transcendência e, portanto, ao "para lá da totalidade natural" (ibid.). Isto torna o discurso judaico um "discurso da excepção" (ibid.). O discurso grego constitui o sábio como uma figura subjectiva. A sua sabedoria é fundada na ordem do ser, na qual o Logos e o ser estão ligados. Permite reconhecer como o ser se desdobra na natureza ordenadamente. Como discurso cósmico ele localiza "o sujeito na razão de uma totalidade natural" (ibid.).
O discurso judaico e o grego diferem na medida em que o discurso judaico se refere à excepção transcendental a uma ordem, enquanto que o discurso grego visa a adaptação a uma ordem cósmica. Estão ligados pelo facto de ambos constituírem dominação: um a dominação do profeta, que tem o poder de decifrar os sinais transcendentes da excepção, o outro a dominação do sábio, que tem o conhecimento filosófico da totalidade cósmica que permite uma vida em harmonia com essa totalidade. Nenhum dos discursos pode ser universal, porque a dominação dos profetas e a dominação dos sábios são mutuamente excludentes. Os seus discursos levam à divisão entre judeus e gregos e bloqueiam o objectivo da universalidade de uma proclamação à qual o pensamento paulino se dirige. O pensamento universal deve, portanto, romper com a lei do cosmos e com a lei judaica. Nem o todo do cosmos nem o sinal como excepção ao todo do cosmos podem fundamentar a universalidade. Em contraste, o evento torna-se o ponto de partida do pensamento universal porque "não cabe em nenhuma totalidade e é um sinal de nada" (ibidem, 55). É "acósmico e ilegal" (ibid.), ou seja, não está sujeito a qualquer ordem ou lei – nem à ordem dos sábios nem às leis dos sinais.
Portanto, é necessário um discurso novo, um "discurso cristão". Como "discurso do filho" – em contraste com os "discursos do pai" judeus e gregos – é não particularista nem autoritário, mas universal e igualitário. O evento faz com que aqueles que o professam sejam filhos. O evento não veio para transmitir algo, por exemplo, o conhecimento de Deus, nem para provar algo. É o puramente incalculável começo de algo novo, a filiação. Em contraste com o discurso de domínio do pai, o discurso do filho abre uma visão não dominante da verdade do evento. Fundamenta-se no vazio do evento, que o retira da legitimação racional ou profética e o vincula ao sujeito, à sua confissão e lealdade ao evento: "Professar um evento é tornar-se filho do evento" (ibidem, 75). Na igualdade dos filhos, dissolve-se a particularidade dos pais.
Com o vazio do evento igualitário e a confissão do mesmo, "a loucura, o escândalo e a fraqueza tomam o lugar do reconhecimento da razão, da ordem e do poder [...], em que o não ser é a única confirmação plausível do ser" (ibid.). Paulo aponta a ausência de sinais e provas, e a fraqueza de um sujeito que não se baseia na razão, na ordem e no poder, mas num evento vazio, como a mais alta prova do poder que provém de um evento vazio. Para esta interpretação Badiou refere-se a uma passagem da Segunda Carta aos Coríntios na qual Paulo enfatiza a força que se baseia na fraqueza. Perante a lamentação da sua própria fraqueza, Paulo pode ouvir de Cristo: "É-te suficiente a minha graça; pois a força atinge a completude em fraqueza" (2 Cor 12,8). Badiou conclui: "O discurso cristão de uma vez por todas não deve ser o de um milagre, mas o da convicção, que permeia uma fraqueza" (ibid., 66). Só é determinado pela profissão do vazio de um evento, que renuncia a milagres e provas.
Portanto, o discurso do filho não pode vangloriar-se de sinais milagrosos nem de provas convincentes. Ele permanece o "discurso subjectivo da ostentação" (ibid.), que, como Paulo, vangloria-se da sua fraqueza (2 Cor. 2,9). Isto indica um quarto discurso. Pode ser chamado de discurso místico, na medida em que toca na inefabilidade do evento. Tem de permanecer em silêncio e não pode entrar em profissão e pregação, pois o cerne do evento é indizível e não deve ser afastado por palavras. E assim um discurso militante da fraqueza – sem sinais nem provas – permanece na "linguagem do evento nu" (ibidem, 69), que ao romper com o discurso judaico e grego se torna a base do pensamento universal.
4.3.2 A crítica paulina das relações de dominação romana e não dos discursos culturais
Por detrás da análise de Badiou sobre a dominação do discurso judaico e do grego, desaparece a verdadeira dominação de Roma e o sofrimento das pessoas sob esta dominação. Mas é exactamente com esta última que Paulo está preocupado. Só porque Badiou ignora culturalistamente estes contextos reais é que ele é capaz de encaixar Paulo no conceito básico da sua filosofia e usá-lo para exemplificar o que ele filosoficamente acredita que já sabe. As diferenças entre a interpretação de Paulo por Badiou e uma visão que procura compreender Paulo no contexto da realidade social e colectiva podem ser vistas em 1 Cor. 1,17-29, a passagem a que Badiou sobretudo se refere para retratar Paulo como o fundador do universalismo, na ultrapassagem dos sinais judaicos e da sabedoria grega. De acordo com a interpretação de Badiou, 1 Cor. 1,17-29 diz claramente: "A proclamação do Evangelho é feita sem a sabedoria da linguagem, 'para que a cruz de Cristo não seja destruída’. O que significa quando é destruído o evento do qual a cruz é o sinal? Significa simplesmente que este evento é tal que o Logos filosófico não o pode pronunciar. Por detrás disto está a tese de que um evento é reconhecível sobretudo pelo fenómeno de ser um ponto do real perante o qual a linguagem falha. Este fracasso é uma loucura (μωρία) para o discurso grego, que é um pensamento da razão, e um escândalo (σκάνδαλον) para o discurso judaico, que exige um sinal de poder divino e não vê nada em Cristo senão fraqueza, humildade e destino desprezível. O que torna imperativa a invenção de um novo discurso e de uma nova subjectividade, que não é filosófica nem profética, é precisamente o facto de o evento encontrar recepção e existência na linguagem apenas ao preço de tal invenção. É inaceitável para as linguagens existentes porque é inominável no sentido próprio" (ibid., 60, destaque no original).
Como evento no sentido de Badiou, a cruz de Cristo não está no discurso dos gregos nem no dos judeus. Isto torna imperativa "a invenção de um novo discurso e de uma nova subjectividade" (ibid.). O momento do real, que também está ligado ao evento de Badiou, desaparece da dizibilidade histórica. Consequentemente, com ele também o crucificado desaparece como conteúdo material do discurso da cruz de Cristo. Se o discurso ou narrativa da cruz de Cristo é separado do Jesus crucificado e, portanto, da ligação real com a dominação romana e suas outras vítimas, a realidade histórica desaparece numa indizibilidade distante da história ou na suposta intemporalidade de verdades ontológicas e da sua existencialização. Trata-se de uma remitificação da tradição judaico-cristã, que é marcada pela sua relação com a história. Só assim, porém, Paulo se torna adequado para exemplificar o evento de Badiou, cuja falta de fundamento é compensada pelo decisionismo e celebrada como "antifilosofia" (ibidem, 68).
Badiou não se deixa perturbar pelo facto de, no texto de Paulo que ele interpreta, as referências à realidade histórica dificilmente poderem ser ignoradas. Paulo formula-o numa situação em que vários "apóstolos" da comunidade messiânica de Corinto competem por influência. Referem-se ao facto de terem baptizado certos grupos de pessoas. Contra "apóstolos" que só se legitimam formalmente como baptistas, Paulo enfatiza a sua referência ao conteúdo da sua pregação. Ele "não é enviado para baptizar, mas para anunciar a boa-nova" (1 Cor. 1:17). A cruz do Messias constitui o conteúdo da sua pregação. Não deve ser "esvaziada da sua força" (v. 17). Assim traduz a nova tradução unificada o verbo grego κενόω (kenoo) que Paulo utiliza. No seu significado básico, pode ser traduzido como "esvaziar, destruir" (Lattke 1992, 696). No Segundo Testamento, isso só ocorre em Paulo. Segundo Lattke, Paulo usa este verbo para "advertir contra a destruição da cruz de Jesus, ou seja, contra o esvaziamento do conteúdo fundamental e essencial do Evangelho" (ibid., 698). Se o significado da cruz é esvaziado – segundo o pensamento de Paulo – então o Evangelho é tão esvaziado que é privado do seu conteúdo.
Mas qual o conteúdo do Evangelho e como é ele esvaziado? Paulo contrasta a "sabedoria do mundo" (v. 20) com o "discurso da cruz" (v. 18). Mas a "sabedoria do mundo" não pode ser reduzida a um discurso, tal como o "discurso da cruz" não pode ser reduzido a um momento do real que se torna o portador acidental de um evento vazio de conteúdo. Na cruz do Messias, torna-se claro que a referência ao Messias não pode ser separada das relações de dominação de que o Messias foi vítima.
Luise Schottroff (2013, 28s.) deixou claro que falar da "sabedoria do mundo" se articula numa linguagem de dominação. Quando Paulo fala de sabedoria, ele não está preocupado com um discurso filosófico, mas com "as estruturas sociais do mundo" (ibid., 28) do Império Romano. Neste contexto, a sabedoria é "estruturalmente atribuída àqueles que nele representam algo, que são reconhecidos" (ibid.). Que Paulo trata da crítica da dominação é confirmado pela passagem citada por Paulo do profeta Isaías (Is 29,14): "Destruirei a sabedoria dos sábios e a inteligência dos inteligentes Eu esconderei" (v. 19). Em Isaías, os sábios e os inteligentes referidos são os conselheiros do rei. Apelam a uma coligação com o Egipto para travar uma guerra contra a Assíria. A sua sabedoria e conselhos inteligentes, na opinião do profeta, levaram Jerusalém à ruína (cf. Kaiser 1983, 218). Neste contexto, Paulo fala no v. 20 dos sábios como "escribas" e "representantes deste mundo". Isto não se refere especificamente aos escribas judeus, mas sim, como em Actos 19,35, aos administrativos que dominam a escrita e que desempenham um papel importante na organização da vida e do comércio da cidade. O termo grego συζητητής (syzetetes) traduzido como "representantes deste mundo" tem em mente pessoas que aparecem em público e têm poder de decisão (cf. Schottroff 2013, 24, cf. também Balz/Schneider 1992: συζητητής (syzetetes)).
Quando Paulo associa o "discurso da cruz" à "loucura" (v. 18.23), isto também deve ser entendido a partir do contexto da dominação romana. Paulo lida com pessoas que consideram louco e insensato associar-se ofensivamente a um crucificado. Ser crucificado era uma ameaça para todos os que poderiam ser suspeitos de deslealdade à pretensão romana de poder. Quem invocava alguém crucificado por Roma por deslealdade punha a vida em perigo. Mesmo as pessoas que tentavam enterrar um homem executado ou que choravam por ele eram ameaçadas (Schottroff 1990, 136 s.). Assim aconteceu repetidas vezes que pessoas das comunidades messiânicas também negaram a sua pertença a um crucificado. Este é o pano de fundo das histórias de medo, fuga e negação que podem ser encontradas nos Evangelhos (por exemplo, Mc 14,66-72, especialmente v. 50; Mt 26,34-70). Tendo em conta todos os perigos a que estavam expostas, parecia louco e insensato assumir as ameaças associadas à ligação a um crucificado.
A afirmação de Paulo de que a cruz é "um escândalo para os judeus e um absurdo para os gentios" (1 Cor. 1,23) não pode ser aplicada aos judeus e aos gentios como grupos independentes. Trata-se antes de pessoas de fé judaica e de não judeus de língua grega que se reuniram na comunidade messiânica. Para alguns deles, tendo em conta os perigos envolvidos, parece fazer mais sentido afastar-se da loucura de pertencer a um crucificado e voltar à sabedoria dos sábios e prudentes. Para as pessoas de fé judaica, enraizadas em tradições centradas na história de que Deus conduziu o seu povo para fora da casa dos escravos do Egipto com "sinais e milagres", parece um escândalo que Deus tenha permitido que o poder de Roma triunfasse sobre o Messias.
Quando Paulo se refere à ressurreição do Messias crucificado por Roma, vê-a como um sinal de que o poder de Roma não é a "última palavra". Agora pode debater-se se e em que sentido a ressurreição pode ser entendida como realidade. O que é importante para o nosso contexto é que não é desprovido de conteúdo, pois refere-se ao conteúdo da vida do Crucificado e à ligação da sua vida com a tirania romana. Em linguagem teológica: Quando Deus ressuscita o seu Messias, faz justiça a Ele e à sua vida. Ao fazê-lo, Ele coloca Roma no caminho errado e prova ser um poder que deslegitima a dominação. Um poder salvífico não é atribuído a um evento vazio, mas a essa crítica da dominação que está ligada ao discurso do Deus de Israel e do seu Messias.
A dimensão da salvação é realçada por Paulo num duplo sentido: por um lado, como a esperança de que a abolição da dominação de Roma, que Paulo antecipa no sinal da ressurreição do crucificado, seja cumprida como abolição de toda a dominação (1 Cor. 15,20ss.). Por outro lado, o que se espera no futuro já se realiza fragmentariamente na realidade social da comunidade messiânica. Nela devem ser ultrapassadas as relações de superioridade e subordinação, estabelecidas desde a dominação romana até à estrutura das famílias patriarcais, nas quais o pater familias representa a dominação do imperador.
Isto torna-se claro quando termos usados por Paulo como "sábio", "poderoso", "nobre" bem como "tolo", "humilde", "desprezado", "que não é nada" não são ontologizados, mas compreendidos a partir dos contextos sociais de uma vida sob a dominação romana. Eles também aparecem em descrições extra-bíblicas da vida sob a dominação romana – entre outras na famosa descrição de Roma de Aelius Aristides (para provas sobre isto e outras provas bíblicas e extra-bíblicas ver Schottroff 2013, 42, 1990b, 250, ver também Wengst 1986, 19-71). Exprimem antagonismos sociais ligados à dominação romana. No modo de viver em conjunto nas comunidades messiânicas, pretende-se que estes contrastes já sejam ultrapassados. Aqui para Paulo – ao contrário dos textos deuteropaulinos (4) – não se trata de um equilíbrio entre pobres e ricos, impotentes e poderosos no sentido de um patriarcalismo de amor cristão, em que os ricos cuidam dos pobres e os poderosos cuidam dos impotentes, mas de ultrapassar as relações de poder (ver Schüssler-Fiorenza 1988). Por isso Paulo usa conceitos de poder e fala de "envergonhar" (v. 27), de "destruir/desempossar" (v. 28). Estes termos também reaparecem onde Paulo fala da abolição final de toda a dominação (cf. por exemplo, "desempossar" em 1 Cor. 15,24-26). Nesta linguagem Paulo capta ideias que, vindas da tradição judaica, desempenham um papel essencial nas tradições mais antigas de Jesus e que, em conformidade com Paulo, se reflectem nos Evangelhos sinópticos. Acima de tudo é a ideia do Deus de Israel, que ouve os gritos dos escravizados e a quem está ligada a esperança de uma mudança de circunstâncias, que encontra expressão no discurso da exaltação dos humilhados e do derrube dos poderosos (cf. Schottroff; Stegemann 1978).
Em contraste com as construções de Badiou, Paulo não pode ser isolado das outras tradições do Segundo Testamento nem das do Primeiro Testamento. Mesmo que ele – segundo a forma dos seus textos como cartas – não transmita histórias de Jesus, o conteúdo do seu Evangelho está presente na insistência paulina na proclamação do Messias crucificado e ressuscitado. Para construções de um evento vazio e a invenção de um discurso cristão vazio, Paulo é o exemplo historicamente errado. Especialmente a afirmação mais radical segundo Badiou do texto citado de Paulo – na tradução de Badiou: "Deus escolheu as coisas que não são τὰ μὴ ὄντα (ta mä onta), de modo a destruir as que são τὰ ὄντα (ta onta)" – não pode ser interpretada no sentido aqui desejado ou decisionistamente forçado por Badiou de uma "subversão ontológica, para a qual a antifilosofia paulina apela ao que professa ou ao combatente" (Badiou 2002, 61). Na tradição da memória judaica e do seu pensamento anamnético, Paulo fala da acção construtiva de Deus, tal como é expressa na interpretação da história da libertação das casas de escravos históricas. Ele escolheu as coisas que, da perspectiva da dominação, "não são nada, para anular as que são alguma coisa" (1 Cor. 1,28). Paulo não está preocupado com a ontologia ou com o discurso, mas com a abolição da dominação – dominação sob a qual Jesus foi crucificado e sob cuja violência muitas pessoas como ele têm de sofrer, e, em última análise, isto é, escatologicamente, com a abolição de qualquer dominação.
Correspondentemente, a fórmula "não mais judeus nem gregos", que Paulo cita de uma antiga profissão de baptismo (Gal. 3,27s.), não trata de ultrapassar um discurso judeu e um discurso grego em favor de um discurso universal, mas da negação das condições de superioridade e subordinação, como são expressas nas relações de dominação do Império Romano. Quando diz que com o Messias Jesus "não há judeu nem grego, não há escravo nem pessoa livre, não há masculino nem feminino" (Gal. 3,28), isso não significa uma rejeição da tradição judaica, que teria de ser eliminada no interesse de uma universalidade abstracta. Pelo contrário, é a raiz a partir da qual Paulo entendeu o Messias Jesus como o Messias de Israel. O "para todos" de uma orientação universal implica, sim, que a tradição de Israel se abra para todos com o Messias, em vez de desaparecer no vazio. Com esta abertura "para todos" não há qualquer pretensão ao poder universal. A sua "fraqueza" criativa pode ser vista no facto de ter de ser realçada negativamente, ou seja, como uma crítica das relações de poder. Dado que a tradição messiânica não pode ser separada das suas raízes judaicas, o posicionamento feito por Badiou de Paulo contra a lei (Badiou 2009, 95s.) é enganador e reproduz esquemas de uma interpretação antijudaica de Paulo.
4.4 O evento como libertação da lei
4.4.1 Ultrapassar o particularismo judaico
Segundo Badiou, na crítica de Paulo à lei articula-se a separação de Paulo do discurso judaico particular. Esta separação é um pré-requisito para o estabelecimento do universalismo e de uma práxis militante. A crítica da lei centra-se na lei alternativa ou fé. Nisto Badiou segue uma polarização antijudaica que vigora na teologia cristã, mas que entretanto tem sido largamente corrigida. Nela, contra as descobertas históricas, a tradição judaica é desvalorizada e a tradição cristã é revalorizada à custa da visão judaica. A escravidão da lei judaica é contraposta à liberdade do Evangelho. Assim pode brilhar com esplendor a mensagem cristã da liberdade da fé como ultrapassagem da escravidão do judaísmo.
A polarização da lei e da fé torna-se clara quando é contraposta uma sequência de termos judaicos e cristãos. A série judaica é definida pelos termos lei – trabalho – carne – erro e morte, enquanto a série cristã é definida pelos termos fé – graça – espírito – vida. A fé ultrapassa a lei, a graça a obra, o espírito a carne, a vida liberta do erro a morte. O gracioso evento da ressurreição torna possível a fé como fidelidade ao evento e redime da submissão à lei e às obras por ela exigidas. Nele há a libertação do caminho da carne, "cuja realidade é a morte" (Badiou 2009, 95), e abre-se ao ser humano tornado sujeito na fidelidade ao evento o caminho do Espírito, "cuja realidade é a vida" (ibid.).
Na série acima delineada, são contrapostos o particularismo judaico da lei e o universalismo cristão da graça e da pura convicção. Enquanto a lei objectiva a salvação de uma forma particularista, Cristo representa "em si e por si aquilo que nos acontece. E o que é que nos acontece? Que estamos desobrigados da lei" (ibidem, 63, destaque no original). A libertação da lei através da graciosa falta de fundamento do evento Cristo torna possível "a ligação essencial entre o evento e a universalidade, na medida em que é o um, ou mais simplesmente uma verdade" (ibidem, 95). Este um da universalidade abre o um a todos. Mas então o um não pode ser ligado a um Um particular. Em contraste com a lei predicativa, particular e parcial, o um como número, tem de livrar-se do conteúdo de um predicado, em suma, do controlo legal. Ontologicamente falando, o evento pode livrar-se do um, porque se baseia na ontologia de uma multiplicidade não representável, que por isso pode ser sem um. Em contraste com a diversidade particularizante atribuída à lei, a multiplicidade que sustenta a universalidade é uma diversidade que se estende para além de si mesma e não pode ser apresentada como totalidade.
Em última análise, o evento vazio é apenas uma abertura fraca da multiplicidade ontológica na história, cuja realidade é categorialmente intangível, como se demonstra, nomeadamente, na renúncia a qualquer crítica da economia política e à imunização ontológica contra o conceito de uma "totalidade concreta". Por conseguinte, a emancipação não pode ser concebida como uma ruptura com as condições concebidas como "totalidade concreta". No quadro da multiplicidade ontologizada, restam apenas soluções parciais para problemas parciais no quadro da impensável, mas, no entanto, existente totalidade da socialização capitalista. Onde a emancipação não pode ser uma ruptura com a forma das relações capitalistas, que pode ser entendida como uma "totalidade concreta", a única saída é a multiplicidade de emancipações, que – dependendo do estado de espírito dos actores – podem ter lugar em muitos pequenos passos ou ser carregadas de militância combatente. O que é decisivo é que o pensamento e a acção supostamente emancipatórios não estão ligados a uma teoria crítica da sociedade, em cujas categorias se exprime a referência à história e à sociedade. A história real e a teoria da sociedade capitalista não têm lugar nas categorias de ser e de evento de Badiou. A desintegração de filosofia e sociedade reflecte-se sobretudo nas declarações de Badiou sobre os actuais desenvolvimentos sociais, que não têm qualquer referência categorial à sua filosofia (ver Badiou 2016, 2017). A reflexão filosófica e a crítica social são colocadas sem mediação uma ao lado da outra ou uma acima da outra.
4.4.2 Carisma em vez de teoria crítica da sociedade
Enquanto se abstém de reflectir sobre a sua filosofia no contexto de uma teoria crítica da sociedade, Badiou recorre a uma conexão fundamental "entre universalismo e carisma, entre o poder da mensagem universal do um e a absoluta falta de fundamento da militância" (ibid., 97) que ele acredita encontrar em Paulo. O sujeito da acção não deve a sua capacidade de agir ao conhecimento das condições sociais, mas sim ao dom de um evento vazio infundado que surge do nada. Quando o conhecimento é substituído por um compromisso decisionista em relação a um evento vazio, o sujeito da acção não tem outro ponto de referência para além da vontade pura e soberana que estabelece a realidade no acto da decisão. "Não há nenhuma instância perante a qual o evento de um procedimento de verdade tenha de responder. Uma verdade nunca pertence à crítica. Baseia-se apenas em si mesma e corresponde a um sujeito de um novo tipo, que não é transcendente nem substancial, mas que se define inteiramente através da luta pela verdade [...]" (ibidem, 133). Uma vez que o evento, como graça da capacidade de agir na defesa em pânico contra o essencialismo e o totalitarismo, tem de permanecer vazio, ou seja, indefinido em termos de conteúdo, o seu actor pode estabelecer acções parcialmente emancipatórias, mas também acções de extrema-direita, num acto em que o voluntarismo e o decisionismo se combinam. Que verdade é válida em termos de conteúdo é decidido por uma persuasão e força infundadas, que se impõem na vontade de poder. Uma vez que o evento como puro carisma "não é determinado por nenhum conteúdo concreto, não há [...] nada" que proteja contra "a identificação de tal evento com a lei de habilitação de 1933 ou similar" (Standhartinger 2010, 78s.).
4.4.3 Paulo e as implicações de crítica da dominação da lei
A leitura de Paulo feita por Badiou baseia-se na separação consistente entre a forma do pensamento paulino e o seu conteúdo. Para Badiou, Paulo é "o teórico antifilosófico das condições formais do procedimento da verdade" (Zizek 2010, 194, destaque no original). Badiou alcança a formalização estrita do pensamento de Paulo ao fazer de Paulo o vencedor absoluto da lei judaica, que separa judeus e não judeus, constituindo assim um particularismo judaico. No entanto, a lei em Paulo também não pode ser reduzida a um procedimento formal. É determinada por um conteúdo também para Paulo indispensável: a história da salvação de Israel da escravatura no Egipto. No contexto desta salvação, que é recordada repetidamente, cristalizam-se os conteúdos que estão ligados ao nome bíblico de Deus: a audição dos gritos de sofrimento da pobreza e da violência, a promessa de que Deus acompanhará o seu povo na saída da casa dos escravos para uma vida moldada pelas experiências de libertação. Destes conteúdos nasce a Torá como expressão da busca de como Israel pode viver como um povo libertado. Não é uma lei intemporal, mas reflecte-se e continua a desenvolver-se repetidamente no confronto com novas situações históricas. Exprime a pretensão de moldar toda a vida a partir da perspectiva de libertação. Isto é exactamente o que corresponde à ideia de Deus que se cristaliza em Israel. Israel pensa em Deus como libertador e criador, e assim relaciona a ideia de Deus com toda a realidade.
O confronto de Paulo com a lei leva-o ao horizonte do pensamento judaico. Cuja constituição inclui a crítica da dominação através do seu enraizamento na memória da salvação do Egipto e da Torá nisso baseada. No critério negativo "não como no Egipto" percorre as diferentes tradições do Primeiro Testamento e torna-se uma crítica a Israel, onde Israel se estabelece como realeza. Paulo actualiza esta tradição para a dominação romana e o Messias crucificado sob ela. Nele, especialmente na cruz e na ressurreição, vê centradas as tradições de Israel da negação da dominação e da salvação da submissão. Este é o fundamento da sua convicção: Através do Messias Jesus, os povos ganham acesso às promessas de salvação de Israel, que estão ligadas ao nome do Deus de Israel. Paulo, portanto, de modo nenhum se despede do pensamento judaico, mas abre-o aos povos através do Messias. Neste sentido, a universalização a isto associada não é uma ruptura com as raízes judaicas. Porque se trata de abrir a tradição judaica a todos, a crítica de Paulo à lei visa a circuncisão e os mandamentos de pureza, que constituem um obstáculo ao acesso dos povos ao Deus de Israel. Paulo não estabelece um novo formalismo de verdade, mas torna os conteúdos ligados ao Deus de Israel e ao seu Messias acessíveis a todos.
4.4.4 A crítica da lei greco-romana na perspectiva da Torá
A discussão paulina da lei alterna entre uma crítica à forma como os judeus lidam com a Torá e o exame da lei no contexto greco-romano. Paulo acusa os judeus de se vangloriarem da lei sem a cumprirem e de assim condenarem outros (Rom. 2,17-24). Examina também criticamente o facto de a lei ser utilizada de tal modo que degenera numa impiedosa instância condenadora (Rom. 2,12-16) (cf. Theißen; von Gemünden 2016, 234s.). Esta crítica não vem do exterior, mas resulta do pensamento judaico, para o qual a unidade de pensar e agir, a lembrança da libertação e, portanto, o viver das instruções da Torá relacionadas com ela é tão constitutivo como a confiança na misericórdia de Deus perante o erro. A crítica de Paulo ao trato com a lei não vem de fora, mas tem raízes na própria tradição judaica.
Por outro lado, o entendimento greco-romano da lei constitui um pano de fundo essencial para a crítica paulina à lei. Este entendimento da lei inspira-se em Platão. Ilustra a sua necessidade abstracta referindo-se a um grupo de assaltantes. Também eles têm de cumprir as leis, pois só podem prosseguir o seu objectivo de roubo se os ladrões forem proibidos de se roubarem uns aos outros. Na lógica de Platão, a lei é geralmente necessária. Mas o seu conteúdo está ligado ao lugar social a que se aplica, à polis ou a um bando de ladrões (cf. Hinkelammert 2001, 227s.; 2010, 60s.). Paulo sabia que, em nome da lei romana, as províncias eram roubadas e aqueles que resistiam à dominação de Roma eram mortos. Em nome da lei, o Messias também tinha sido executado. Esta execução deslegitima a lei em cujo nome ela foi executada. Neste sentido Cristo é "a finalização da lei" (Rom. 10:4). Tal lei está em contraste com a Torá, que está ligada à experiência de libertação da dominação. Na crítica de Paulo à lei, portanto, deve ser feita uma distinção entre a crítica judaica interior à forma como a Torá é tratada e a lei que legitima a dominação de Roma. Segundo Paulo,os "sem lei são lei para si mesmos" (Rom. 2:14). "Todos têm uma lei, mas nem todos têm a Torá" interpretou Hinkelammert (2011, 62). Quem que não tem acesso à Torá como directiva para formas de libertação faz uma lei para si próprio, no caso de Roma uma lei que justifica o roubo e o assassínio. Porque distingue contextualmente a Torá e a lei, Paulo pode formular uma crítica à lei greco-romana na tradição da Torá.
Badiou apropria-se da crítica à lei de modo antijudaico para fundamentar um universalismo vazio, que tem de ser separado do conteúdo da tradição judaica. Com esta operação, porém, Badiou não vai dar a Paulo, mas perto de Marcião, que entende o "evento de Cristo" como uma ruptura com o Primeiro Testamento, e que separa o malicioso Deus criador do Primeiro Testamento do amoroso Deus salvador do Segundo Testamento tão estritamente que exige da Igreja que não reconheça mais o Primeiro Testamento como base da fé. Em contraste com o universalismo vazio de Badiou, a crítica da subjugação da sociedade à lei capitalista da multiplicação abstracta do dinheiro como um fim abstracto em si mesmo, juntamente com a crítica do Estado e da sua "lei" formal, seria conectável a Paulo – não porém numa imediatidade associativa em que Paulo é transferido para o presente, mas apenas através do desvio por uma teoria crítica da sociedade capitalista e numa contextualização de Paulo na sua situação histórica que tenha em conta as diferenças entre a situação histórica de Paulo e a sociedade moderna.
Tal reflexão deve ser entendida como uma herança da Torá. Afinal, não se trata de uma lei intemporal, mas sim de uma tentativa de fazer valer o conteúdo da fé judaica em diferentes situações históricas (cf. Crüsemann 1992). A fórmula abstracta do amor como cumprimento da lei (Rom. 13,10), a que Badiou (2009, 108) se refere, não faz justiça a esta herança. A Torá como reflexão sobre como Israel pode viver a sua memória de salvação e libertação em diferentes constelações históricas seria herdada numa reflexão teológica que, em conjunto com a teoria social crítica, pergunta o significado que a Torá e a tradição messiânica podem ter nas actuais circunstâncias.
O tratamento – não em último lugar antijudaico – dado por Badiou a Paulo deve-se a um pensamento que pressiona Paulo para a cama de Procrustes da sua ontologia, sem reflexão sobre as constelações históricas. No seu centro já nem está um ser intemporal substancialmente entendido, mas um vazio ontológico intemporal, privado de todo o conteúdo, que só se abre ao tempo pelo vazio de um evento, a que se atribui uma qualidade messiânica como salvação "ex nihilo". Nisto Badiou segue – intimamente ligado a Heidegger, apesar de todas as contradições – os traços do pensamento da origem fundamental – mesmo que ele – anti-substancialmente – entenda o Ser como uma multiplicidade vazia e não encontre o significado salvífico num sentido universal da história, mas baseie a sua crente expectativa no vazio de um evento que, com base na multiplicidade ontológica, pode irromper a qualquer momento como um maravilhoso evento escatológico. Porque, no contexto de uma imanência fechada do infinito, não consegue pensar nem num fim do tempo nem numa ruptura com uma totalidade, a história torna-se um regresso vazio do mesmo, na alternância da rotina quotidiana e da sua interrupção por um evento.
4.5 Antidialéctica e formalismo vazio
Badiou posiciona o seu pensamento antidialéctico contra a dialéctica do pensamento hegeliano da totalidade. Na sua interpretação de Paulo, esclarece-o num entendimento antidialéctico da morte e da ressurreição. Nisto, Badiou distingue-se da concepção de Hegel dialecticamente pensada da auto-renúncia do Absoluto até à sua paixão. A sua crítica visa o facto de neste pensamento haver uma "função essencialmente salvadora no sofrimento e no martírio", enquanto que a ressurreição é "mera negação da negação" (ibidem, 83). Nele o sofrimento é sobrestimado, enquanto o mal se justifica como um mal necessário no decurso do progresso, que se realiza na auto-renúncia do Absoluto e no retorno a si mesmo. Assim, o evento não-derivável desaparece na necessidade do processo de auto-renúncia do eEspírito absoluto.
Para Paulo, que pensa a partir da graça do evento, o evento não é a morte, mas a ressurreição. Para Badiou, a fraqueza e a humilhação visíveis na morte de Jesus são apenas uma expressão da fragilidade do evento, cujo tesouro é guardado "em vasos de barro" (2 Cor. 4,7) e cuja força de verdade "reside no que para os discursos estabelecidos é fraqueza ou ilusão" (ibid., 84). A morte não é um "exercício necessário do poder imanente do mal" (ibid., 83) nem tem uma dimensão salvadora. Na posição de Paulo, entendida de modo antidialéctico, a graça do evento é pura afirmação, sem negação prévia. "Esta desdialectização do evento Cristo torna possível extrair do núcleo mitológico da sua mensagem uma concepção formal de graça completamente laicizada. A única questão é se, ao romper com a habitualidade inexorável do tempo, uma existência encontra a felicidade material de servir uma verdade e assim se tornar imortal […], para além das necessidades de sobrevivência do animal humano" (ibid., 84).
A concepção formal da graça do evento faz do ser humano um ser para quem as "necessidades de sobrevivência do animal humano" e, portanto, as necessidades físicas se tornam sem sentido; pois o sujeito ressuscitado no evento é um sujeito dividido. Enquanto o sujeito único representa um entrelaçamento de dois caminhos – o da carne e o do espírito – o sujeito dividido está ligado ao caminho do espírito; enquanto o caminho do sujeito uno é o caminho da morte, o caminho do sujeito dividido é o caminho da vida. A morte está do lado da carne. É servida pela lei. Não tem nada de biológico, tal como não o tem a vida. Morte e vida são modos de pensar [...]" (ibid., 86); não é "um facto biológico, mas um pensamento da carne" (ibid., 88).
Se a morte se torna um pensamento da carne, então na morte de Jesus a carne biológica e torturada pode calmamente desaparecer. Basta que Jesus, para além da sua corporeidade biológica e histórica, se torne o local formal do evento, purgado de todas as circunstâncias sociais e físicas. Ele é apenas uma condição de imanência e, portanto, "a montagem de um devir imanente do espírito" (ibid.). Só a ressurreição é evento. A morte é apenas um lugar do evento ao serviço da sua operação, que é a salvação. A morte torna-se então "uma operação dentro da situação, uma operação que torna imanente o lugar do evento, enquanto a ressurreição é o próprio evento". Por esta razão, qualquer dialéctica é estranha ao pensamento paulino: a ressurreição não é uma superação nem uma ultrapassagem da morte" (ibidem, 89).
Com Paulo, porém, as condições históricas e físicas da morte de Jesus não desaparecem de modo nenhum. Quando fala do tesouro da fé transportado "em vasos de barro" (2 Cor 4,7), refere-se à "agonia de Jesus", da qual ele diz: "Nós sempre" a carregamos "em nosso corpo, para que a vida de Jesus seja manifesta em nosso corpo". (2 Cor. 4,10) Como Jesus, Paulo também está à mercê da morte. O que isto significa descreve ele como "fraquezas", "insultos e necessidades, perseguições e dificuldades" (2 Cor. 12,10) ou como "aflição" e "perseguição", "fome" e "nudez", "perigo" e "espada" (Rom. 8,35). O crucificado é assim de tal modo o conteúdo da sua proclamação que ele sente no seu próprio corpo o que marcou a sua vida. Quando Paulo proclama a ressurreição de Jesus, ele faz do crucificado o conteúdo da sua proclamação. A ressurreição como um predicado refere-se a ele como um sujeito gramatical. Para Paulo, isso implica precisamente a negação das circunstâncias que levaram à execução de Jesus, bem como a negação não da Torá, mas da lei que legitima essa execução, e ao mesmo tempo o início de uma vida messiânica que resiste às pretensões da dominação romana. Quando esta dialéctica é dissolvida, o voo para a existencialização é apenas lógico. A ruptura com as condições desvanece-se numa ruptura na existência, numa "ruptura com a vulgaridade inexorável do tempo", "vulgaridade" a que pertence a "necessidade de sobrevivência do animal humano" (ibid., 84).
Onde todas as condições objectivas são absorvidas na sua existencialização, e onde a morte, em contraste com um "estado de coisas", se torna uma "dimensão do sujeito", o decisionismo também não está longe: "A morte não é destino, mas uma escolha, porque, na subtracção da morte, a escolha da vida pode estar aberta para nós" (ibidem, 92). E ali, onde, numa mistura de antifilosofia, antidialética e vitalismo, "a afirmação abrangente da vida como evento pode ser oposta ao regime do negativo e da morte" (ibidem, 91), Nietzsche não está longe: A ele, "que queria que [...] surgisse o Homem novo, a super-humanidade da qual a humanidade é capaz, Paulo poderia ter chamado como testemunha, aquele Paulo que proclama num tom profundamente nietzschiano que não se trata "nem da circuncisão nem da incircuncisão, mas de uma nova fundação" (Gal. 6, 15)" (ibidem). Em Badiou, a inimizade entre Paulo e Nietzsche transforma-se numa rivalidade amigável sobre a criação do super-Homem que ignora a dialéctica das condições sociais e as catástrofes a elas ligadas, e pode assim desfrutar dionisiacamente "da felicidade material" de "servir uma verdade" e "tornar-se imortal para além das condições de vida do animal humano" (ibid., 84).
Através da desdialectização, torna-se possível a Badiou "extrair uma concepção formal de graça” (ibid.) do cristianismo. Antidialéctica e formalização tornam-se reconhecíveis como as duas faces da mesma moeda. A forma abstracta, livre de qualquer conteúdo, reflecte-se na categoria do vazio de Badiou. A sua ontologia é puro pensamento de uma multiplicidade vazia e não apresentável. Está objectivamente fundamentada na teoria dos conjuntos, mas sem objecto. Na ontologia de Badiou não há objectualidade. Está livre de qualquer conteúdo e não manchada pelo sangue da história. O evento permanece também vazio. Algo acontece, porém o que acontece não é conceptualmente tangível enquanto objecto, mas apenas exprimível em confissão. O que importa então na verdade do evento paulino é "o gesto subjectivo no seu poder fundador em relação às condições genéricas da universalidade". O que resta quando se omite o conteúdo fabuloso é a forma destas condições e sobretudo a impossibilidade de atribuir o discurso da verdade a conjuntos historicamente já constituídos" (ibid., 12s.).
Na redução do pensamento a um puro formalismo, Badiou segue os passos de Kant. Em vez de uma religião enfraquecida, uma ética puramente formal é suposta manter a sociedade unida e uma forma pura de direito é suposta legitimar toda a lei. Na estrutura do sistema kantiano – como observou Adorno – anuncia-se “uma forma de organização integral da vida desprovida dum fim com conteúdo" (Adorno 2003a, 108). A ética e a razão podem ser funcionalizadas e disponibilizadas para todos os fins possíveis. Isto é tanto mais verdade quanto são fundadas no evento vazio de Badiou, que não está aberto à reflexão, e na decidida lealdade a ele. Contra o entendimento da verdade por Badiou, a relação de objecto do pensamento deve ser enfatizada com Adorno: A verdade do pensamento depende da relação com a coisa que está a ser pensada. Onde a coisa é dissolvida em formas vazias, "o malicioso rancor tem o seu direito desprezível contra aquele que ali está sentado e pensa [...]. Este tipo de pensamento comporta-se frequentemente como se não tivesse material. Afunda-se em si mesmo como numa esfera de suposta pureza. Hegel denuncia-a como profundidade vazia. A quimera de um ser confiscado e desfigurado por nenhuma objectividade não é, afinal, mais do que o reflexo do próprio pensamento sem qualquer determinação e completamente formal" (Adorno 2015, 603).
5. Giorgio Agamben, o tempo do Messias e a salvação da democracia
Badiou e Paulo estão unidos na busca de salvação perante a experiência de ameaças actuais. Badiou vê-as sobretudo na política de identidade culturalista em que a verdade desaparece. A salvação é prometida pelo universalismo de Paulo, que se separa das particularidades dos pensamentos grego e judaico. Em ambos Badiou diagnostica a subjugação do particular ao geral – a uma causa primordial cosmologicamente interpretada (grega) ou à lei (judaica).
Giorgio Agamben procura a salvação na tradição judaica rejeitada por Badiou como particular, no messianismo judaico. A sua ponte para Paulo é a referência de Benjamin a "uma frágil força messiânica" (Benjamin 2015, 694, destaque no original) nas suas Teses sobre o conceito de história. Já Jacob Taubes (1993, 103s.) tinha visto uma ligação entre as observações de Benjamin sobre o messianismo e Paulo. Enquanto Taubes faz a ligação messiânica através de uma interpretação do discurso de Paulo sobre o grito da criação pela salvação (Rom. 8,19-29), Agamben quer reconhecer em Benjamim uma citação oculta de 2 Cor. 12,9s. (Agamben 2015, 154s.). Aqui Paulo relata que tinha pedido três vezes a Deus que o livrasse de um espinho na sua carne, presumivelmente um sofrimento físico. Este pedido é-lhe recusado. Em vez disso, ele recebe a resposta: "É-te suficiente a minha graça; pois a força atinge a completude em fraqueza" (2 Cor. 12,9). A Paulo é apontado um caminho que conduz à salvação através da experiência da fraqueza e da impotência nos abusos e nas dificuldades, nas perseguições e nos medos; "pois quando me sinto fraco, é então que sou forte" (2 Cor. 12,10).
Através da citação da Segunda Carta aos Coríntios, Agamben identifica o anão pequeno e feio, que nas teses de Benjamin é uma imagem para a teologia (Benjamin 2015, 693), com Paulo. Ele guia secretamente as mãos do fantoche, que representa o materialismo histórico, de tal modo que este ganha num jogo de xadrez contra um autómato. Esta imagem deve ser compreendida no sentido de Benjamin: "Imagem significa [...] para Benjamin tudo (um objecto, uma obra de arte, um texto, uma memória ou um documento) em que um momento do passado e um momento do presente se juntam numa constelação, em que o presente tem de se reconhecer no passado e o último experimenta o seu significado e conclusão no primeiro" (Agamben 2015 158, destaque no original). Agamben vê tal constelação nas teses de Benjamin e nas cartas de Paulo. Estão escritas "numa situação radicalmente de crise" e experimentam "só hoje o agora da sua legibilidade" (ibid., 162). A imagem estabelece uma relação dialéctica do passado com o presente. "A imagem que se lê, quer dizer a imagem no agora do reconhecível, tem no mais alto grau o selo do momento crítico e perigoso que subjaz a toda a leitura" (Benjamin 2015, 578).
O recurso de Agamben a Paulo é motivado pelo facto de o passado e o presente estarem ligados por uma situação de crise e pela questão da salvação. Agamben vê a crise na ligação entre guerras civis globais e estado de excepção: "Tendo em conta o aumento imparável do que foi definido como uma "guerra civil mundial", o estado de excepção está a revelar-se o paradigma dominante da governação na política contemporânea" (Agamben 2014, 9). Nele, torna-se clara uma "passagem do estado de excepção de uma medida provisória para uma técnica de governo" (ibid.), de modo que o estado de excepção se torna cada vez mais o estado normal. Vai desde os prisioneiros de Guantánamo à legitimação de guerras que andam de mãos dadas com a anulação do direito internacional, até aos refugiados que são obrigados a viver fora da lei em campos de acolhimento e zonas de trânsito, apenas para serem deportados para a miséria de onde procuraram fugir. Com o estado de excepção a tornar-se normal, "é permitida a eliminação física não só do adversário político, mas de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, são considerados incapazes de se integrar no sistema político" (ibidem, 8). Em tudo isto torna-se visível o "declínio da democracia moderna e a sua crescente convergência com os Estados totalitários" (ibid., 20). A salvação está a aproximar-se através de Paulo. Com a sua ajuda torna-se possível "repensar os nossos conceitos antiquados e talvez indispensáveis de povo e democracia numa nova perspectiva" (Agamben 2015, 70).
5.1 O estado de excepção
5.1.1 A busca de Agamben pela origem do estado de excepção: o banimento como relação política original
A nova perspectiva política de Agamben é a questão da "estrutura original da estatalidade" (Agamben 2002, 22). Ele persegue-a na busca das origens da soberania e do direito, traça-a até à Antiguidade e foca-a na relação do Estado e da ordem jurídica com a "vida nua". O ponto de referência mais actual é o conceito de "biopoder" ou "biopolítica" de Foucault. Enquanto o poder soberano dos Estados-nação se estende por um território, o biopoder engloba a vida dos indivíduos e das espécies. Ele encontra a sua expressão na juridificação do biológico. Na sua análise do poder, Foucault centra-se, segundo Agamben, na "análise das formas concretas como o próprio poder se apodera do corpo dos sujeitos e das suas formas de vida" (Agamben 2002, 15). Isto ocorre numa combinação de técnicas políticas "com as quais o Estado cuida e integra em si mesmo a vida natural dos indivíduos" (ibid.), e de "tecnologias do eu, através das quais o processo de subjectivação tem lugar, o que leva os indivíduos a vincularem-se à sua própria identidade e a um poder externo de controlo" (ibid.). No entanto, com a passagem do poder territorial para o biopoder, as questões clássicas da soberania e da legitimação do poder estatal não estão, de modo nenhum, resolvidas. O interesse de Agamben centra-se no ponto em que o clássico entendimento jurídico-institucional do poder se cruza com o entendimento biopolítico do poder. Este ponto é "a inclusão da vida nua na dominação política" (ibid., 16). Nele Agamben vê "o núcleo original [...] do poder soberano" e na "produção de um corpo biopolítico" a sua "realização original" (ibid.). O moderno e o arcaico estão intimamente ligados: "Ao colocar a vida biológica no centro dos seus cálculos, o Estado moderno traz à luz o laço secreto que liga o poder à vida nua" (ibid.).
A inclusão da "vida nua", do vivo ζωή (zoä) na forma de vida da pólis βίος (bios) é ao mesmo tempo uma exclusão da "vida nua" da pólis. A política ocidental é caracterizada por esta estrutura de inclusão excluidora com base na distinção entre "vida nua" e "vida política", entre zoä e bios, inclusão e exclusão. Segundo Agamben, o poder soberano e a lei “são fundados na inclusão excluidora da vida nua no Estado" (ibid., 117), – não no contrato, como ele enfatiza contra o mito de Hobbes sobre o estado de natureza. O estado da natureza não é um espaço pré-jurídico, mas "uma situação em que cada um é vida nua para o outro [...]" (ibid., 116). Se esta é a condição prévia de soberania, então o estado natural é "na verdade um estado de excepção" (ibid., 118). O estado natural e o estado de excepção estão relacionados entre si de tal modo que o estado de natureza pressuposto como exterior "reaparece no interior (como estado de excepção)" (ibid., 48). O estado de excepção e a ordem normal pertencem um ao outro constitutivamente. A decisão soberana que estabelece o direito vincula a vida nua no domínio da sua disposição e suprime o direito no estado de excepção (ibid., 92s.). Então o excluído é "não completamente sem relação com a norma", mas "permanece ligado a ela [...] sob a forma da sua supressão" (ibid., 17). Ao estabelecer a excepção, o soberano excluidor continua a manter uma relação com os excluídos, a de uma exclusão inclusiva.
O paradoxo da exclusão inclusiva é expresso na estrutura paradoxal do estado de excepção: "O estado de excepção define um estado da lei em que a norma é válida mas não aplicada (porque não tem "força") e, por outro lado, acções que não têm o valor de leis, mas cuja força estão a ganhar" (Agamben 2014, 49). Em estado de excepção, "o que corresponde à norma e o que a transgride" (Agamben 2002, 68) coincidem. A aplicação e a transgressão da lei não podem ser distinguidas, "de modo que aquilo que cumpre a norma e o que a viola coincidem completamente (uma pessoa que vai passear durante um recolher obrigatório não transgride a lei mais do que o soldado que eventualmente a mata dando cumprimento à lei)" (Agamben 2002, 68) (ibid.).
O local onde o estado de excepção toma forma espacial é o campo de concentração (ibid., 175s.). Nele, a placidez da "vida nua" assume uma definição espacial. A partir de uma suspensão temporária da ordem jurídica, o estado de excepção torna-se "uma instituição espacial estável em que vive aquela vida nua que já não pode ser inscrita na ordem" (ibid., 184s.). No campo já não é possível distinguir entre lei e violência, dominação e excepção, a criação e aplicação de normas e, no entanto, é preciso decidir sobre a "vida nua" no campo. Se são cometidas mais ou menos crueldades depende então de supervisores e funcionários que actuam temporariamente no papel do soberano.
Agamben esclarece o espaço de indistinguibilidade entre o direito e a violência pelo banimento: "O que é submetido ao banimento é deixado à sua própria segregação e ao mesmo tempo à mercê daquele que o deixa simultaneamente incluído e excluído, libertado e ao mesmo tempo preso" (ibidem, 119). O banido não está fora da lei, mas abandonado por ela, "abandonado no limiar onde a vida e a lei, o fora e o dentro, se confundem" (ibid., 39). Ao descrever o estado de excepção como um banimento na estrutura de ser abandonado e ser detido, Agamben realça a relação aristotélica de acto e potência, δύναμις (dynamis) e ἐνέργεια (energeia) (cf. ibid., 55s.). A potência como capacidade implica também a possibilidade de não ser actual, de não ser real. O direito tem, portanto, a possibilidade de se retirar, de deixar o seu objecto, mas mantém-se em vigor – passivamente activo, por assim dizer. Neste contexto, Agamben define o estado de excepção como "um estado de direito em que a norma é válida mas não aplicada [...], e, por outro lado, acções que não têm a força da lei, mas cuja ‘força’ ganham" (Agamben 2014, 49). O facto e o direito tornam-se indistinguíveis.
No entanto, é preciso tomar uma decisão sobre o estado de excepção. Segundo Carl Schmitt, o soberano decide sobre o estado de excepção. Ao fazê-lo, decide "não sobre o que é admissível e o que não é admissível, mas sobre a inclusão original do ser vivo na esfera do direito" (Agamben 2002, 36). Como "forma pura de-se-relacionar-com-algo em geral" (ibidem, 40), precede uma decisão sobre o admissível e o inadmissível e permanece sem conteúdo. A lei funciona como a relação vazia de conteúdo do banimento, mas não tem qualquer significado. Na opinião de Agamben, "vigência sem significado" torna-se a fórmula com a qual a forma da lei é descrita. É – bem na linha de Kant – "uma simples forma [...] uma lei reduzida ao ponto zero do seu conteúdo, que no entanto é válida como tal" (ibidem, 62). Embora ou precisamente porque não prescreve nada em termos de conteúdo, é omnipresente como lei vazia na sua pura formalidade.
Agamben difere de Carl Schmitt na sua ênfase no banimento como expressão da soberania. Para Schmitt, o estado de excepção baseia-se na decisão do soberano. Com a referência de Agamben ao banimento, a ênfase passa de um titular personalizado da soberania para uma estrutura. A lei retira-se sem renunciar ao seu poder. Torna-se uma potência que é suspensa, mas continua a ser determinante como potência. Este movimento da lei baseia-se numa estrutura, na excepção como "estrutura original da soberania, em que a lei se refere à vida e a encerra em si mesma através da sua própria suspensão" (ibidem, 39). A soberania não estabelece o estado de excepção, mas deriva da excepção. Por conseguinte, ao contrário de Carl Schmitt, a excepção não pode fundamentar a essência da soberania nem esta pode ser fundamentada decisionistamente na decisão do soberano. Além disso, enquanto a decisão do soberano traça uma linha divisória entre interior e exterior, amigo e inimigo, o estado de excepção em Agamben não se encontra nem dentro nem fora da ordem jurídica. A sua definição toca antes "um limiar ou uma zona de indeterminação em que o interior e o exterior não se excluem mutuamente, mas são indeterminados" (Agamben 2014, 35). Nesta indeterminação, a suspensão da norma não implica a sua abolição, e a anomia não permanece sem referência ao direito. A vida e o direito tornam-se indistinguíveis. Eva Geulen resume as diferenças entre Schmitt e Agamben no seu entendimento de soberania e excepção do seguinte modo: "Não o desenho de limites, mas a sua remoção, não a "tomada de terra" (Schmitt), mas a "excepção", não a "localização", mas a "deslocalização", não a "decisão", mas a "demissão" é que é o acto soberano" (Geulen 2008, 78s.).
Segundo Agamben, a presente actualidade do estado de excepção é explicitada na ordem militar do Presidente americano de 13 de Novembro de 2001, segundo a qual os não cidadãos suspeitos de terrorismo podem ser detidos ilimitadamente e julgados nos tribunais militares (ver Agamben 2014, 9s.). Através da sua suspensão, o direito inclui pessoas que estão reduzidas a estar vivas. O estado de excepção torna-se assim o estado normal. Torna-se – tal como Agamben o formula com referência a Benjamin – a "regra" (ibid., 13, ver Benjamin 2015a, 697) e conduz à dissolução da democracia. Sobretudo ao lidar com as massas de pessoas que são supérfluas na crise do capitalismo, que muitas vezes não têm outra escolha senão procurar a sua salvação na fuga, e com a sua exclusão em áreas sem lei (ver Kurz 2003, 156 s.), a indistinguibilidade entre o estado de excepção e o estado normal pode – nas palavras de Agamben – continuar a ser actualizada.
5.1.2 A procura da origem e a questão da forma em Agamben
Na reflexão de Agamben sobre o estado de excepção, torna-se claro que ele regista mudanças no desenvolvimento da soberania e do direito. O facto de ele, ao contrário de Carl Schmitt, relativizar a ligação estrita entre o poder soberano e a decisão sobre o estado de excepção, e pensar numa estrutura que abre um espaço de indeterminação poderia, pelo menos, sugerir uma crise da soberania. Com os limites do processo de valorização, as decisões supostamente soberanas quebram-se nas condições objectivas. No entanto, os esforços de Agamben para localizar a crise da soberania e do direito numa espécie de pecado original que remonta à Antiguidade e a cinzentos tempos remotos bloqueiam o seu caminho para uma análise histórica das condições modernas e das catástrofes que as acompanham. Em vez de as descrever nos seus desenvolvimentos históricos e de as relacionar com a forma social, Agamben quer compreender a crise do direito e da democracia – apesar de toda a meticulosidade filológica e intelectual em última análise associativa – a partir de formas de pensamento e de constituição pré-modernas, e com a ajuda de Paulo procura soluções também na Antiguidade. Este modo de pensar permanece a-histórico e está ligado a uma ontologização que procura na Antiguidade a origem da exclusão inclusiva, que na história da sua influência mostra os seus traços bem dentro da constituição da modernidade. A aura trans-histórica da ontologização alivia-nos da percepção de que o tornar-se supérfluo das pessoas e a sua inclusão excluidora tiveram origem no seio da sociedade moderna e da sua crise.
Em A guerra de ordenamento mundial, Robert Kurz retomou as categorias de Agamben, mas não as ontologizou a-historiamente, tendo antes reflectido sobre elas no contexto da história da imposição e desenvolvimento do capitalismo até à crise final (ver Kurz 2003, 345s.; 2016). Agamben é conectável a isto na medida em que assume "uma íntima solidariedade entre democracia e totalitarismo" (Agamben 2002, 20), que se torna visível no facto de o estado de excepção se tornar o estado normal. Esta ligação só pode ser entendida historicamente quando se torna evidente a ligação – que Agamben ignora – entre a dominação do irracional fim em si mesmo capitalista e a constituição polar da política e da economia, ou do direito e da economia, no contexto da dissociação-valor. A redução à "vida nua", o banimento como "inclusão excluidora" torna-se então reconhecível como expressão da relação coerciva que é estabelecida com esta forma. Juntamente com o espaço da economia empresarial de exploração do trabalho humano, a relação de capital constitui um espaço normal de exclusão incluidora que precede todo o direito e livre vontade. Aqui a vida é reduzida à vida nua como unidade de dispêndio de força de trabalho para o fim em si abstracto, o ser humano é reduzido a um contentor de trabalho; os indivíduos estão embutidos neste espaço: todas as determinações de conteúdo da vida, tais como a satisfação das necessidades, a saúde, etc., continuam a ser produtos residuais da máquina valorização. O campo de concentração é o espaço da exclusão incluidora, do banimento e da subjugação. Como campo de trabalho, campo de castigo, campo de extermínio, ou mesmo como casa de pobres, casa de trabalho, casa de correcção, não é um fenómeno histórico acidental, mas "uma lógica sempre presente inscrita no 'estado normal'" (Kurz 2003 348; 2012, 153). Toda a capacidade jurídica dos indivíduos está vinculada à possibilidade de a vida poder ser reproduzida dentro do quadro estabelecido pelo mecanismo da valorização. Eles estão sob reserva da possibilidade de valorização para o fim em si irracional e abstracto da valorização. Todo o direito, a chamada vontade geral e toda a soberania estão vinculadas a esta condição prévia.
Neste contexto, o "estado de excepção" torna-se reconhecível como "uma consolidação, endurecimento e agravamento agudo da dominação para além de uma medida ‘normal’, ‘habitual’" (Kurz 2002, 352; 2012, 156). Face à crise, a dominação capitalista atinge os seus limites, porque cada vez mais material humano supérfluo cai fora do espaço de valorização. A redução à vida nua já não pode funcionar nos espaços normais da economia empresarial e recai sobre o soberano. No entanto, com os espaços normais de exclusão incluidora, rompem-se os fundamentos da sua soberania, de modo que também os soberanos se encontram em processos de dissolução. Com isto, porém, também as zonas de indistinguibilidade de Agamben entre interior e exterior, estado de excepção e estado normal, direito e vida se dissolvem no asselvajamento barbarizante da vida no decurso da erosão das estruturas estatais.
5.2 Homo sacer, Muselmann e um resto salvador
Não é só a crise da modernidade que se pretende derivar de uma origem na era pré-moderna. Da Antiguidade também devem emergir perspectivas de salvação. Isto torna-se claro na relação entre "homo sacer", Muselmann e um resto salvador. Agamben associa a antiga figura do "homo sacer" à redução dos indivíduos, que estão sob banimento e submetidos a uma soberania vazia, à "vida nua" (Agamben 2002, 19). Agamben encontrou esta figura no direito romano arcaico (ibid., 81s.; cf. também Geulen 2005, 21). Descreve um ser humano que nada mais tem e nada mais é do que a sua "vida nua". Pode ser morto mas não sacrificado, ou seja, é excluído da lei secular e da lei religiosa, da lei secular na medida em que pode ser morto sem que o infractor tenha de temer consequências legais, da lei religiosa na medida em que não pode ser oferecido em sacrifício. Excluído, sem direitos e sem protecção, ele é, no entanto, uma figura de direito. Ele representa a exclusão inclusiva, a exclusão porque está excluído da lei, a inclusão porque, mesmo na exclusão, não perde a sua relação com a lei. Na sua existência ele encarna a entrega à forma relacional vazia do banimento. A vida do "homo sacer" é "sagrada" não no sentido religioso, mas apenas na medida em que é "entendida na excepção soberana" como podendo ser morto, mas não oferecido em sacrifício (ibid., 95). Entre o religioso e o profano, o "homo sacer" move-se numa "zona de indistinguibilidade" (ibid., 96).
Perto da figura do "homo sacer" está o Muselmann. Na literatura do Holocausto é descrito "como a figura de um prisioneiro do campo de concentração que está próximo da morte por esgotamento" (Finkelde 2007, 57). Em relação ao "homo sacer", figura do direito romano, o Muselmann aparece como a sua realização histórica. O campo como nova expressão de soberania está numa relação análoga com a sua contextualizção histórica em Auschwitz. Em ambas as analogias, as figuras jurídicas são ultrapassadas pela sua realização (cf. Geulen 2005, 132).
Agamben refere-se, na sua adopção do Muselmann, aos escritos de Primo Levi (ver Levi 2015), nos quais dá testemunho de Auschwitz como campo de morte (ver Agamben 2013, 13s.). Levi descreve o Muselmann como aquele que "viu a Górgona" (ibid., 45). Isto refere-se à antiga cabeça de Górgona, uma cabeça feminina ameaçada por cobras. Quem quer que olhasse para ela tinha de morrer. O Muselmann parece ter olhado a Górgona no rosto e perdeu a sua humanidade, o seu rosto. O seu rosto é agora "a expressão de um vazio que assusta" (Finkelde 2007, 58), de modo que também é evitado dentro do campo. Humanos e desumanos tornam-se indistinguíveis. Ser humano está reduzido à pertença biológica à espécie humana.
Na interpretação de Agamben, o Muselmann representa "a revelação do banimento de uma radicalidade sem par, que produz ‘mera vida" (ibid., 59), "o horror da existência humana, onde o banimento e uma lei sem lei se tornaram o quotidiano" (ibid., 62). A existência do Muselmann leva ao absurdo tudo o que foi idealistamente dito sobre a natureza do ser humano, a sua existência e a sua morte, a sua identidade e a sua dignidade. Agamben ilustra este facto, tendo em conta as testemunhas de Auschwitz. Aquele que testemunha testemunha a sua "dessubjectivação", porque testemunha "que não existe um verdadeiro sujeito de testemunho [...] e que cada testemunho é um processo, um campo de forças continuamente percorrido pelas correntes da subjectivação e da dessubjectivação" (Agamben 2013, 105). Não falantes e falantes, não humanos e humanos encontram-se numa "zona de indistinguibilidade" (ibid.).
A indistinguibilidade faz com que seja concebível um resto. "As testemunhas de Auschwitz" não são "nem os mortos nem os sobreviventes, nem os mortos nem os salvos, mas o que fica entre eles como resto" (Agamben 2013, 143). Para além das determinações identitárias, onde o Muselmann é despojado da sua dignidade e identidade humanas, da sua autonomia, parece surgir um resto que não se funde com as determinações humanas e desumanas – uma "zona de indistinguibilidade". Com o conceito de resto Agamben visa uma categoria de salvação messiânica, que ele – inspirado por Benjamin – fortalece com Paulo. É ganha na via de uma crítica à lei, que, ao contrário de Badiou, se liga ao pensamento judaico e às suas implicações messiânicas.
5.3 A divisão da lei, o resto salvador e o tempo messiânico
5.3.1 A lei das obras e a lei da fé messiânica
Em Agamben, a questão do messiânico está ligada à relação entre banimento, soberania e lei. No banimento como "inclusão excluidora" do "homo sacer", torna-se clara a entrega das pessoas ao poder soberano e à lei. Esta pista leva-o a Paulo. Na Carta aos Romanos diz: "Não existe quem seja justo, nem uma pessoa só" (Rom. 3,10); pois "todos, tanto judeus como gregos", estão "sob o erro" (Rom. 3,9). A lei – de acordo com a interpretação de Paulo por Agamben – tornou-se impraticável. Só a fé no Messias pode levar a uma nova vigência da Lei. Em outra passagem da Carta aos Romanos, Paulo descreve como experimenta a inexequibilidade da lei na cisão da sua pessoa: " [...] o que realizo não compreendo. Não é o que eu quero aquilo que pratico, mas aquilo que odeio é o que faço" (Rom. 7, 15) (cf. a tradução de Agamben 2015, 122). Para Agamben, esta cisão é um exemplo de "quão temível é a condição do ser humano perante uma lei que se tornou totalmente impraticável para ele e, como tal, funciona simplesmente como um princípio universal de acusação" (ibidem). A inexequibilidade da lei intensifica o receio pelo facto de, segundo Agamben, a inexequibilidade da lei ser combinada com a impossibilidade da sua formulação. De acordo com Paulo, a lei diz: "Não cobiçarás" (Rom. 7,7). Esta exigência permanece sem objecto e, portanto, sem prescrição. Tendo-se tornado impraticável e informulável "a lei é apenas o reconhecimento da culpa, o processo no sentido de Kafka, a auto-acusação ininterrupta sem prescrição" (ibidem).
Na parábola de Kafka sobre o porteiro da lei e o homem do campo que pede para entrar (cf. capítulo de Kafka "Diante da lei" no seu romance "O Processo"), Agamben vê, por um lado, o problema de uma lei vazia de conteúdo, reduzida à sua forma pura e no entanto válida (cf. Agamben 2002, 62s.). O homem do campo fica sob o banimento de um centro de poder cujo significado é vazio. Por outro lado, no homem do campo torna-se reconhecível um caminho no qual o banimento pode ser quebrado. O seu comportamento leva ao fechamento da porta da lei e torna-se legível "como uma estratégia complicada e paciente para conseguir o fechamento a fim de quebrar a vigência" (ibidem, 66). Deste modo, a figura do porteiro aproxima-se do messiânico. Ela põe fim à dominação da lei e liberta-se do seu banimento. Superado é "o estado de excepção virtual que prevalece na vigência vazia da lei, que já não tem significado mas que é tanto mais eficaz na sua potência" (Geulen 2005, 81). Isto traz a salvação à vista. Agamben descreve-o – com recurso a Walter Benjamin – como um "estado de excepção real" (Agamben 2002). Para Benjamin, pelo contrário, representa o "estado de excepção em que vivemos e que é a regra". Ao que ele contrapõe um estado de excepção por que é preciso combater (Benjamin 2015a, 697), que revoga o "estado de excepção virtual". Assim, entram em jogo dimensões que se ligam à figura do Messias; pois a sua vinda é o "cumprimento e esgotamento completo da lei" (Agamben 2002, 67). O messianismo torna-se com Agamben uma "teoria do estado de excepção; só que não é a autoridade em vigor que o proclama, mas o Messias que subverte o seu poder" (ibid., 68).
No entendimento do messianismo, Agamben é fundamentalmente diferente de Badiou. Enquanto Badiou o reclama para o estabelecimento de um novo universalismo para além da lei judaica, Agamben – tal como Paulo – continua ligado às suas raízes judaicas. A concepção diferente de Agamben é evidente no facto de a lei não ser simplesmente negada, mas interpretada nas categorias da promessa associada à lei e ao seu cumprimento no Messias. Pois, no entanto, a lei e a fé no Messias não são opostos estritos, mas relações que se expressam como uma relação entre promessa e cumprimento.
A interpretação que Agamben faz destas relações pode ser esboçada mais ou menos do seguinte modo: Enquanto a lei, que ninguém pode justificar, torna-se a instância de acusação e condenação, a salvação vem da fé (cf. Rom. 3,28). Mas depois surge a questão: "Anulamos [...] a lei através da fé? (Rom. 3,31a). Paulo nega isso e assegura: "Antes pelo contrário, sustemos a lei" (Rom. 3,31b). Agamben explica a aparente contradição com uma "oposição no interior do próprio nomos" (Agamben 2015, 108, destaque no original). Torna-se evidente na distinção "entre um elemento normativo e um elemento promissor da lei" (ibid.). Isto significa que a lei está associada a disposições individuais normativas, mas também a promessas. Agamben ilustra isto na referência de Paulo às figuras de Abraão e Moisés (cf. ibid., 106s.): "Abraão e seus descendentes receberam a promessa de serem herdeiros do mundo não com base na lei, mas na justiça da fé" (Rom. 4,19). Na genealogia da promessa e da lei, a promessa feita a Abraão precede a lei associada a Moisés. A lei posterior não invalida o pacto com Abraão e não anula a promessa (Gal. 3,17). Mas mesmo a lei não é simplesmente superada e subordinada à fé. Por isso Paulo pode falar da "lei de fé" (Rom. 3,27) assim como das "obras de lei" (Rom. 3,28). Compreender a lei sem subordinação à fé pressupõe que há algo na lei que a transcende constitutivamente e a torna insuperável: a sua relação com a promessa. Assim, a "lei de fé”, entendida de modo messiânico, “não é simplesmente a negação da lei" (ibidem, 108), nem é o fundamento de novos mandamentos. "Trata-se antes de combater a concepção normativa da lei com uma concepção não-normativa" (ibidem, 108s.).
Agamben ilustra o aspecto não-normativo da lei usando o verbo καταργεῖν (katargein), que ele traduz como tornar ineficaz, e que ele entende como o oposto de ἐνεργεῖν (energein), que significa causar, activar. Em relação à lei, καταργεῖν (katargein) significa: A lei não é simplesmente inválida ou mesmo destruída, mas interrompida ou desactivada. A "justiça independentemente de lei" (Rom. 3,21) é então "não a negação mas a realização e cumprimento – o πλήρωμα (pléroma) – da lei" e a fé é ao mesmo tempo "desactivação [...] e preservação [...] da lei" (ibid. 121, destaque no original). A superação que cumpre a lei implica a anulação do estado de excepção e uma forma em que "o pleno cumprimento da lei é o amor" (Rom. 13,10). De uma lei que acusa e condena tornou-se a lei de salvação da fé messiânica.
Neste entendimento da lei, duas formas de pensar importantes desempenham um papel decisivo para Agamben. Por um lado, é o seu pensamento nas categorias ontológicas de actualidade e potencialidade, que ele obteve de Aristóteles. Com esta figura de pensamento, ele liga com a distinção aristotélica entre ser real e ser possível, acto e potência (ver Agamben 2002, 55s.). No acto, a potência torna-se realidade. Ser possível torna-se ser real. Aqui, a possibilidade parece ter prioridade sobre a realidade. Contra a afirmação dos megaristas (5) de que a potência só existe no acto, Aristóteles enfatiza a autonomia da potência. Usando o exemplo do tocador de cítara, ele deixa claro que mantém a potência de tocar cítara mesmo quando de momento não está a tocar. Assim, a possibilidade não se perde na sua realização. Mas então a potência mantém a sua autonomia da realidade: "O que é capaz de ser, pode ser tão bem como não ser e, portanto, tem a mesma capacidade de ser e de não ser" (Aristóteles 2002, 10). O possível tem, portanto, o poder de ser e de não ser. Para que a possibilidade se torne real, é preciso descartar a potência de não ser. Agamben sublinha agora: "Este descartar da impotência não significa a sua destruição, mas sim o seu cumprimento; a potência afasta-se de si mesma para se dar" (Agamben 2002, 56).
A interpretação que Agamben faz da lei assume esta via. Em καταργεῖν (katargein) exprime-se a desactivação da lei. No entanto, tal não implica a destruição da lei. Em vez disso, retira-se para sua impotência e apresenta-se como o cumprimento da promessa que lhe está associada. Que isto implica no pensamento de Agamben a superação do estado de excepção é tornado claro pelo facto de ele também compreender o banimento no horizonte da autonomia da potência: "A estrutura da potência, que permanece ligada ao acto precisamente pela sua capacidade de não ser, corresponde à do banimento soberano, que se aplica à excepção ao afastar-se" (ibidem, 57). Em contrapartida, a lei que se desactiva liberta do banimento e abre um horizonte de cumprimento messiânico.
5.3.2 A divisão da divisão da lei e um resto salvador
Já na interpretação da lei no contexto da relação entre promessa e cumprimento, bem como na desactivação da lei, torna-se claro que Agamben – ao contrário de Badiou – não se afasta de modo nenhum da tradição da lei. Ele está preocupado com as divisões associadas à lei. Tem a etimologia do seu lado; o termo grego para lei, νόμος (nomos) vem do verbo νέμειν (nemein), que pode ser traduzido como "dividir", "atribuir". Com a divisão em judeus e não judeus, a lei divide a humanidade em duas partes. Paulo rompe esta divisão com outra divisão, a que existe entre a carne, σάρξ (sarx), e o sopro, πνεῦμα (pneuma). Não se trata aqui de uma divisão dualista do ser humano em corpo e espírito, mas de duas formas de vida que se opõem uma à outra. Segundo Agamben, a divisão entre carne e sopro corta através da divisão feita pela lei em judeus e não-judeus; "pois não é judeu quem o é na aparência, nem é circuncisão a que se vê na carne, mas judeu é quem o é no seu íntimo, e a circuncisão do coração acontece em espírito e não na letra" (Rom. 2,28). Assim, o grupo de judeus (na carne) está novamente dividido em judeus visíveis e judeus em espírito invisíveis. A mesma divisão também se aplica aos não judeus, na medida em que também há entre eles aqueles que vivem segundo a aparência exterior da carne e aqueles que vivem segundo o Espírito.
Como resultado da divisão, estão agora contrapostos uns aos outros: Por um lado, os judeus que podem ser reconhecidos pela circuncisão, que também podem ser judeus "pelo Espírito". Mas também é possível que, apesar do sinal visível da circuncisão, eles não correspondam a uma vida "pelo Espírito" no seu modo de vida. Por outro lado, há judeus que "vivem pelo Espírito". Mas também podem ser pessoas que não são – literalmente – circuncidadas. Assim, a separação entre judeus e não judeus é abolida, pois podem existir judeus "pelo Espírito" sem circuncisão, tal como podem existir judeus circuncidados que não vivem "pelo Espírito".
Através desta divisão da divisão da lei, surgiu agora um resto em ambos os lados da divisão, ou seja, entre judeus e não judeus: Os judeus segundo o Espírito e os gentios segundo o Espírito, ou seja, com um modo de vida que corresponde ao "Espírito". Este resto não pode "ser definido como judeu nem como não judeu". Só pode ser entendido como "não-não-judeu", ou seja, "como aquele que vive na lei do Messias" (Agamben 2002, 63). Este resto, que não é judeu nem não judeu, rompe a divisão da lei em judeus e não judeus sem estabelecer uma nova identidade. Permanece do lado dos judeus e dos não judeus, na medida em que constitui como um resto judeus segundo o Espírito e não judeus segundo o Espírito.
Este resto não é um "número mensurável ou um remanescente positivo e substancial" (ibid.,) mas abre um espaço de não-identidade que torna impossível aos judeus e não-judeus "coincidirem consigo próprios, são mais como um resto entre um povo e eles próprios, entre qualquer identidade e eles próprios" (ibid., 64). Formulado tendo em conta a lei: Aquele que vive no Espírito não está dentro nem fora da lei, mas num espaço transversal à lei, que não é abolida. "Todo aquele que está no sopro é então 'cristão' em sentido estrito, mas sem deixar de ser judeu (isto é, estar na lei) ou gentio, isto é, sem ter de obedecer à lei judaica" (Finkelde 2007, 43). Cria-se assim um espaço que é determinado pelo facto de aqueles que a ele pertencem não serem judeus nem não-judeus. Paulo ilustra isso em sua própria pessoa quando diz: " Aos que estão sob a lei apresentei-me como sob a lei, não estando eu próprio sob a lei [...] Aos que não têm lei apresentei-me como sem lei (embora eu não esteja sem a lei de Deus, porque tenho a lei de Cristo" (1 Cor. 9,21). Agamben traduz: "como um sem lei, não estando sem a lei de Deus, mas na lei do Messias" e constata: "Quem está na lei messiânica está na não-não-lei" (Agamben 2015, 63). O "não-não" – "não-não judeus", "não-não na lei" – é característico da recepção de Paulo por Agamben. Implica uma dupla negação, não porém uma posição, mas uma não-não-posição que não permite nenhuma identidade.
Tão pouco como uma nova identidade pode um novo universalismo ser fundado sobre a "divisão da divisão" – como sublinha Agamben contra Badiou. Agamben (cf. Agamben 2002, 62s.) ilustra isto com o "corte de Apelles", um aforismo que ele retoma das Passagens de Benjamin (Benjamin: Passagenwerk, fragmento 7a). Segundo esta história grega, que conta a concorrência entre os pintores Protogenes e Apelles, Apelles vence a concorrência dividindo a já fina linha do seu concorrente por uma linha ainda mais fina. Este corte, "que não tem um objecto real" (Agamben 2002, 64), torna-se para Agamben a imagem para a "divisão das divisões". Ele divide a divisão feita pela lei em judeus e não-judeus através do corte entre carne, σάρξ (sarx), e sopro/espírito, πνεῦμα (pneuma). Isto não cria um universal que possa ser considerado como geral para além da divisão da lei ou para além do particular. O que se torna possível, pelo contrário, é uma nova lógica que vai além da oposição A/não-A, que permite "uma terceira, que assume a forma de uma dupla negação: não não-A" (ibidem, 63).
Na divisão Agamben julga reconhecer um momento estrutural em Paulo, que permite pensar a universalidade para além de uma identidade de sujeito e de verdade, bem como tolerar ou exceder as diferenças e a aceitação de um princípio transcendente. Este momento estrutural é "um procedimento que divide e torna ineficazes as divisões da própria lei, sem nunca encontrar uma base final" (Agamben 2015, 65). O resultado não é nenhum novo posicionamento substantivo, nenhuma nova verdade, nenhuma nova identidade, mas um resto indeterminável no qual a salvação messiânica se apresenta.
Com o recurso ao pensamento do resto, Paulo deixa claro que há salvação para Israel mesmo que o objectivo da lei seja que "Cristo torne a justiça extensiva a todo aquele que tem fé" (Rom. 10,4). Mesmo assim Israel não é abandonado pelo seu Deus. Paulo enfatiza: Há "também no tempo presente um resto segundo uma eleição de graça" (Rom. 11,5). Com isto ele actualiza uma tradição bíblica segundo a qual, em diferentes épocas de crise em Israel, os profetas se referem a um resto em que Israel é salvo. Paulo recorda o tempo do profeta Elias, quando Deus "deixou para Si sete mil homens que não se ajoelharam perante Baal" (Rom. 11,4). Agamben acrescenta outras referências: o resto do qual Isaías fala como um resto de Israel, que "não confiará mais naquele que o injustiçou" (Is. 10,20) ou à promessa do profeta Miquéias: "Farei da esmagada um resto e da rejeitada uma nação forte" (Mi 4,7).
Segundo Agamben, este resto não deve ser pensado "como uma quantidade contabilizável". Nem se refere à "parte dos judeus que sobreviveram às catástrofes", nem é simplesmente idêntica a Israel "como um povo escolhido que sobrevive à aniquilação das nações no final" (ibidem, 67). Ambas seriam ideias identitárias. Para escapar a isto, o resto não pode ser "nem o todo nem uma parte dele", "mas significa a impossibilidade de o todo e a parte serem idênticos a si mesmos" (ibidem, 67). É o "excedente do todo sobre a parte e da parte sobre o todo, que funciona como uma máquina soteriológica muito especial" (ibid., 69). O discurso sobre a máquina soteriológica deixa claro que o resto não é o objecto, mas o instrumento de salvação. A máquina de salvação, por sua vez, é o resultado de um "procedimento", o da divisão da divisão, que pretende ultrapassar o pensamento identitário de tal modo que o pensamento permanece sem objecto, ou seja, formal e vazio de conteúdo.
5.3.3 O tempo salvador
Paulo relaciona o pensamento profético do resto com a salvação, que também se aplica a Israel, no seu presente: assim como havia um resto nos tempos dos profetas, "também no tempo presente surgiu um resto segundo uma eleição de graça" (Rom. 11,5). Com Paulo, porém, a ideia de salvação não surge no presente, mas permanece – tal como com os profetas – ligada a uma salvação futura. Em contraste, a interpretação que Agamben faz de Paulo concentra a ideia de salvação inteiramente no presente. Uma promessa que também é orientada para o futuro torna-se então um cumprimento no presente. Agamben refere-se ao facto de Paulo falar de ὁ νῦν καιρός (ho nün kairos) (do tempo presente) (Rom 3,26; 8,18; 11,5) e, portanto, refere-se exclusivamente ao tempo presente como o kairos da salvação. O passado e o presente coincidem então no kairos messiânico. Agamben sublinha a proximidade deste entendimento do tempo com Walter Benjamin, que com o conceito enigmático de imagem faz uma ligação entre o presente e o passado (cf. Benjamin, 2015a, 695). A imagem representa uma constelação em que "um momento do passado e um momento do presente" se unem de tal modo que "o presente deve reconhecer-se no passado e o último deve experimentar o seu significado e conclusão no primeiro" (Agamben 2015, 158). Face a uma tal constelação, Agamben pergunta sobre o tempo messiânico em Paulo, um tempo que é agora o tempo do presente e simultaneamente o "tempo que resta" messiânico.
Agamben distingue o tempo messiânico do tempo cronológico, que é uma sequência de eventos. Nas tradições bíblicas, esta última estende-se desde a criação, passando pelo evento messiânico da ressurreição do Messias, até ao seu fim no Escato, que é também a sua conclusão. O tempo messiânico não é o fim do tempo cronológico, mas a sua transformação no presente, em "ho nün kairos". É o tempo que é curto, comprimido (1 Cor. 7,29). Agamben chama-lhe "o tempo que resta entre o tempo e o seu fim" (ibid., 75). Faz parte do tempo cronológico profano, mas transforma-o completamente através de uma cesura. Tal como a divisão da linha no corte de Apeles (6) e a divisão das divisões da lei, a cesura divide as divisões do tempo. Deste modo, por sua vez, surge um resto salvador que transcende as divisões do tempo, o tempo messiânico.
Para proteger o tempo messiânico de um mal-entendido positivista, Agamben relaciona o tempo messiânico com o paradigma do tempo operativo desenvolvido pelo linguista Gustave Guillaume (1883-1969). Guillaume parte das dificuldades que a mente encontra quando quer desenvolver uma visão do tempo. Tem de desenvolver construções espaciais que dividam o tempo ao longo de um eixo temporal, em secções como o passado, o presente e o futuro. Guillaume chama a estas construções "tempo-imagem". De acordo com Agamben, o tempo "que a mente precisa para realizar um tempo-imagem" (ibidem, 79) é tempo operativo. Processa e transforma o tempo cronológico. Ele identifica o tempo messiânico como "o tempo que o tempo precisa para chegar ao fim – ou, mais precisamente, o tempo que precisamos para terminar, para completar a nossa representação do tempo" (ibid., 81). Neste sentido, é "o tempo que resta" o tempo que nós próprios somos – e portanto o único tempo real que temos" (ibid., destaque no original).
Para o entendimento de Agamben do sujeito é agora essencial que o sujeito "implique necessariamente um tempo operativo" no seu pensamento, de modo que o pensamento "nunca possa coincidir completamente consigo mesmo" (ibidem, 80). Cada discurso sobre o tempo implica um tempo adicional que não se pode esgotar nele – "como se o ser humano, como ser pensante e falante, produzisse um tempo adicional que excede o cronológico" (ibidem, 80s.). Tal como o tempo, também o sujeito "nunca pode coincidir completamente consigo mesmo", mas corre "atrás da sua identidade em momentos cada vez mais pequenos do tempo" (Finkelde 2007, 51). O ser humano enquanto sujeito não coincide, portanto, nem com o tempo nem consigo próprio. O tempo é retirado de uma calculabilidade e de uma objectividade cronológicas. Pode, portanto, tornar-se tempo messiânico, que como tempo operativo irrompe no tempo cronológico, a fim de o transformar. Pode ser percebido pelo sujeito como "tempo presente".
O "tempo presente" é como "tempo comprimido" (1 Cor. 7,29) "uma espécie de abreviação sumária de tudo [...] da totalidade do passado" (Agamben 2015, 90). Agamben ilustra esta ideia ao referir-se a Efes. 1,10, um texto deutero-paulino: Deus "planeou nele para administração da plenitude dos tempos, para reunir todas as coisas em Cristo, tanto as que há no céu como na terra reunidas nele". Nesta formulação, a "recapitulação" do passado, ou seja, a sua abreviação sumária no presente, está ligada à plenitude como conclusão. A plenitude messiânica é simultaneamente abreviação e antecipação da conclusão. Agamben não retoma mais a ideia do fim, que está contida no discurso da conclusão. Em vez disso, ele enfatiza: "O que é decisivo aqui é que o pléroma dos kairoi significa a relação de cada momento com o Messias – cada kairos é imediatamente com Deus – e não o resultado final de um processo" (ibid., destaque no original). Portanto, no "tempo que resta", o sujeito pode agarrar o Messias ou o Messiânico. Tem acesso imediato ao tempo messiânico, que, embora se possa distinguir do tempo cronológico, também não pode ser separado dele.
5.3.4 O "como-se-não" como forma de vida messiânica
A vocação, o chamamento messiânico, é "o evento central" (ibid., 25) pelo qual as pessoas são chamadas a uma vida no tempo messiânico, a uma forma de vida messiânica. É seguida numa vida "como-se-não". Esta formulação está directamente relacionada com o discurso sobre o tempo "curto" ou "comprimido". Porque o tempo é curto, comprimido, "doravante os que têm mulheres sejam como os que não têm; [...] e os compradores como os que não possuem nada; e os que tiram partido do mundo como os que dele não tiram partido" (1 Cor. 7,29s.). Agamben esclarece o seu entendimento desta frase com uma passagem onde Paulo fala do chamamento das pessoas que foram "chamadas como escravas" (1 Cor. 7,23). Agamben traduz: "Foste chamado como escravo? Deixa lá isso! Mesmo que possas tornar-te livre, precisas ainda mais" (ibid., 37). Não se trata, portanto, de ultrapassar o estatuto legal de escravo, mas de fazer o uso correcto da vocação. Na leitura de Agamben, isto significa: "Mesmo que possas tornar-te livre, usa a tua klesis (i.e. vocação, HB) como escravo ainda mais" (ibid., ênfase ibid.). Sem querer ultrapassar o seu estatuto de escravo, aquele que é chamado deveria viver messianicamente – no modo "como-se-não". A vida messiânica no modo "como-se-não" permite transformar messianicamente, no horizonte do "tempo contraído" que permanece, tudo o que está ligado à vida quotidiana no tempo cronológico e que mantém a vida no seu banimento – das relações à propriedade até ao estatuto de escravo. O estatuto – quer seja de proprietário ou não-possuidor, livre ou escravo – é indiferente. O que importa é a utilização no modo "como-se-não"; pois "a vocação messiânica não é um direito e não constitui uma identidade: é uma potência geral que é utilizada" (ibid.).
Assim, na vida messiânica não se trata de trocar condições e circunstâncias por outras, mas sim de fazer um uso messiânico das mesmas. Finkelde vê Agamben com esta interpretação no caminho para algo muito mais radical do que a ultrapassagem das condições e a sua substituição por outras. Ele visa "o desprendimento radical de toda forma de posse metafísica e física, que [...] leva à dissolução da própria identidade" (Finkelde 2007, 53). Para Agamben, a dissolução radical da identidade anda de mãos dadas com um vazio de conteúdo. "A vocação chama a nada e a nenhum lugar: é por isso que pode coincidir com o estatuto jurídico de facto em que cada um é chamado, e é precisamente por isso que ele é revogado por completo. A vocação messiânica é a revogação de qualquer vocação" (Agamben 2015, 34, destaque no original). É por isso que não tem "nenhum conteúdo específico: nada mais é do que a retoma das mesmas condições factuais e jurídicas em que se é chamado ou a que se é chamado" (ibid. 33, ênfase o original). Quem é chamado toma conta do mundo no modo "como-se-não". Ele pode "consentir em qualquer vocação, mas pela mesma razão, no acto de consentimento, revogar essa vocação" (ibidem, 34); ele é chamado e revogado.
Com a vocação messiânica, o tempo cronológico cai na pretensão messiânica de "como-se-não". Não suprime a lei, mas suspende-a, torna-a ineficaz. Nisto Agamben vê o cumprimento da lei. O Messias não ultrapassa a lei estabelecendo poderosamente uma nova dominação e pondo em vigor uma nova lei correspondente. Ele cumpre-a como um Messias fraco na impotência de um crucificado, tornando-a assim ineficaz. Com Paulo diz: "A força atinge a completude em fraqueza" (2 Cor. 12,9). Agamben interpreta a ligação entre fraqueza e completude a partir de ἀσθένεια (astheneia) e τέλος (telos), a partir do seu entendimento das categorias aristotélicas de potência e acto, possibilidade e realidade. Por conseguinte, a potência não se perde na realidade. Tem antes o poder de ser real e não de ser real (cf. ibid., 111s.). É por isso que a potência não se dissolve na sua realização, mas permanece na sua realização. No que respeita à potência messiânica, isto significa: o telos, o cumprimento, a promessa mantém-se mesmo quando a lei é suspensa. É por isso que o messianismo não é "a destruição, mas a desactivação e a inviabilidade da lei" (ibidem, 111).
A lei revogada e cumprida ao mesmo tempo aproxima-se do estado de excepção. A lei que se afasta e assim mantém as pessoas em banimento é contrastada com a messiânica "lei da fé" (Rom. 3,27) como salvação, que "independentemente de lei revela a justiça de Deus" (Rom. 3,21) como o cumprimento da lei. A "lei da fé" desactiva a lei e, ao mesmo tempo, preserva-a. A "justiça sem lei não é a negação, mas a realização e cumprimento – o πλήρωμα (pléroma) – da lei" (ibid., 121).
No que diz respeito ao estado de excepção, isto significa: a lei da fé revoga o estado de excepção. Com ela, o banimento de uma "lei sem significado" é quebrado e o cumprimento messiânico da lei numa vida messiânica "como-se-não" é tornado possível. O tempo cronológico é desempossado pelo tempo messiânico. Nele "todo o principado, toda a dominação e poder" (1 Cor. 15,24) são destruídos. Isto não implica, contudo, um derrube das relações de poder. O kairos do tempo messiânico não rompe nem substitui o tempo cronológico, mas transforma-o a partir do interior através da experiência de uma vida "como-se-não". Posse, poder, relações que determinam a vida no tempo cronológico podem ser vividas de novo no horizonte do tempo messiânico no modo "como-se-não". Segundo Agamben, não se trata de substituir uma lei antiga por uma nova lei, condições antigas por novas condições. Isso permaneceria preso nas antigas identidades do tempo cronológico. "A chamada para o tempo messiânico pode, por exemplo, suportar qualquer estatuto legal (seja como escravo ou como homem livre), uma vez que não se trata de trocar um estado por outro ou de possuir uma nova propriedade jurídica de facto" (Finkelde 2007, 53). Trata-se de algo muito mais radical: "o desapego radical de qualquer forma de posse metafísica ou física" (ibidem).
5.3.5 Uma mudança salvadora
O "homo sacer" encarna a vida de uma pessoa que está à mercê do banimento sob a lei da exclusão inclusiva. O "Muselmann" representa a sua radicalização, na medida em que o banimento nele se torna claro na agudização do campo de concentração. Há um ponto "em que o ser humano, embora aparentemente permaneça humano, deixa de ser humano". Este ponto é o Muselmann e o campo de concentração é o seu lugar por excelência" (Agamben 2013, 48). A depravação da sua humanidade permite-nos olhar para abismos que negam tanto as concepções humanistas do ser humano, o entendimento esclarecido do ser humano como sujeito de pensamento e acção, como a interpretação existencialista da vida como "ser para a morte" e a execução existencial da própria morte.
Na sua desumanização, que faz dele um não-humano, o "Muselmann" mostra-se ao mesmo tempo como uma figura que "se apresenta persistentemente como um ser humano". Ele é "o humano que já não pode ser separado do inumano" (ibidem, 71). Mas isto também significa: "que o nome 'ser humano' se destina sobretudo aos não-humanos e que a testemunha completa do ser humano é aquele cuja humanidade foi completamente destruída" (ibidem, 72). Agamben liga o "Muselmann" ao conceito messiânico de resto. Ele vê isso em analogia com o evento messiânico, que é entendido "como uma série de cesuras que dividem o povo de Israel e ao mesmo tempo os gentios e em cada corte os colocam na posição de um resto" (Agamben 2013, 142). Do resto salvador, a vida messiânica em Cristo emerge como uma "nova criação" (2 Cor. 5,17), uma vida além do banimento e de todo pensamento identitário. Se o "Muselmann" for entendido por analogia com o resto salvador, na irreconhecibilidade da sua humanidade torna-se reconhecível um resto de humanidade indefinida. Ele encarna uma vida para além do banimento e de todo o pensamento de identidade. A sua dimensão messiânica reside no facto de, na sua desumanização, subsistir um resto que se torna uma força salvadora ao escapar a todas as determinações.
Como alguém que em humilhação e impotência representa um resto salvador, o "Muselmann" aproxima-se da figura de Cristo (ver Finkelde 2007, 69s.). Renunciando à omnipotência divina, o Messias, no seu auto-rebaixamento (quenose), submeteu-se ao poder da lei até à crucificação. "O sagrado mostra-se na carne mutilada. Mas é precisamente esta passividade radical, ou mesmo impotência, apatia, que se torna a imagem da externalização de Deus e, portanto, do derrube da lei" interpreta Finkelde a ligação entre Cristo e o "Muselmann" e compara ambos com o homem do campo de Kafka, que permanece passivamente perante a lei. Ele "é [...] (semelhantemente ao 'Muselmann') uma figura messiânica como Cristo, uma vez que aparece na área do banimento da lei e viola esta lei precisamente pela sua impotência e apatia" (ibid.). O ponto zero de impotência e passividade transforma-se numa salvação a partir da qual se quebra o banimento e surge uma vida messiânica, o que permite cumprir a lei através da sua revogação. O banimento da lei não é quebrado pelo poder e pela força, mas pela aceitação da fraqueza, que se torna o poder salvador. A inversão messiânica ocorre numa espécie de "astúcia messiânica" (Finkelde), na qual entra em jogo a máxima de Hölderlin, também citada com prazer por Heidegger: "Mas onde há perigo também cresce o que nos salva". Da primazia da possibilidade sobre a realidade, que pode transformar misteriosamente a fraqueza da impotência, emerge uma mudança salvadora a partir de um ponto zero de perigo máximo.
5.4 Um messianismo vazio – Os problemas do recurso de Agamben a Paulo
A natureza problemática do pensamento de Agamben é particularmente evidente no seu enfoque numa vida messiânica "como-se-não" e na construção de uma reviravolta messiânica. Aquilo que, como pensamento consistentemente não-identitário, era suposto ser mais radical do que todo o pensamento anterior acaba por se revelar uma afirmação "radical". Os escravos não precisam de sair da casa dos escravos, mas podem viver a sua vocação "como-se-não" na casa dos escravos. A vida "como-se-não" não toca na totalidade social, mas pressupõe que ela não seja tematizada. Assim, sob o capitalismo, é possível viver no modo "como-se-não", como se ele estivesse suspenso. Tal como Agamben desvanece a análise e a crítica das condições capitalistas em relação ao presente, está igualmente pouco interessado nas ligações sociais e nas relações de dominação que formam o contexto histórico dos textos bíblicos. Assim, ele pode aceder a textos bíblicos em despreocupada imediatidade e livre associação, e organizá-los de modo a que possam ser usados como confirmação ilustrativa do seu pensamento. Sem contextualização histórica também a reviravolta messiânica, que torna possível a vida no modo do "como-se-não", permanece no enevoamento mitológico de uma reviravolta misteriosa, que pode surgir repetidamente a partir do ponto zero da ausência de salvação, porque a possibilidade tem prioridade sobre a realização. A salvação, que se pretende tornar realidade de modo misterioso, corresponde à procura em cinzentos tempos pré-históricos da origem da actual situação de crise, que Agamben descreve como um estado de excepção. A crise e a salvação só se tornam tangíveis trans-histórica e ontologicamente, abstraindo da história e das respectivas relações de dominação.
5.4.1 Fuga para a história abstracta
O voo para trans-historicizações abstractas já é evidente na apresentação que Agamben faz do estado de excepção. Em ligação com Walter Benjamin, distingue entre o "estado de excepção em que vivemos" e a "criação do verdadeiro estado de excepção" (Benjamin 2015a, 697). O "estado de excepção em que vivemos" é o estado de excepção que se torna o estado normal, enquanto o "verdadeiro estado de excepção" é o tempo messiânico e a vida messiânica "como-se-não". Enquanto Agamben busca as origens trans-históricas do estado de excepção, Benjamin coloca-as no contexto do perigo do fascismo e das lutas históricas. Torna-se reconhecível a partir da "tradição dos oprimidos". E "o estabelecimento do verdadeiro estado de excepção" reforça "a luta contra o fascismo" (Benjamin 2015, 697). Enquanto Benjamin – apesar de todas as objecções que poderiam ser levantadas contra a sua análise – contextualiza historicamente o discurso sobre o estado de excepção e a sua ultrapassagem, o estado de excepção adquire em Agamben um estatuto trans-histórico. A razão para fazer do estado de excepção um tema de discussão é, de facto, a actual situação política, em que o estado de excepção se torna um estado normal. No entanto, a sua origem é procurada nos tempos antigos. A salvação deve vir do messianismo da tradição paulina, que está imediatamente relacionada com o presente através da ideia do "tempo presente" sem a mediação da teoria social. Neste sentido, Agamben foge da história real para uma espécie de pecado original, e para a ideia escatológica da salvação messiânica, que se situa no presente com um "tempo que permanece", como salvação possível em qualquer momento de uma vida "como-se-não".
A abstracção da história real e do seu decurso também determina a leitura que Agamben faz de Paulo. Agamben também se liga à tradição paulina em falsa imediatidade, ou seja, fora do contexto histórico da dominação romana. Isto conduz a uma interpretação historicamente problemática de Paulo, que implica interpretações teológicas e filosóficas erradas. O que pode ficar claro através de alguns pontos de referência essenciais para a interpretação que Agamben faz de Paulo:
5.4.1.1 A inexequibilidade da lei
A inexequibilidade da lei, apontada por Agamben no conflito interior da experiência individual de Paulo, que quer deixar claro que não faz o que quer mas o que odeia (cf. 5.3.1), não se deve a uma sobrecarga existencial, mas à excessiva exigência romana, que, na opinião de Paulo, priva Israel da liberdade necessária para que Israel vivesse como um povo libertado do Egipto, segundo as instruções da Torá, que aponta para uma vida como povo libertado da dominação. A razão pela qual as instruções da Torá não podem ser vividas é descrita por Paulo no início da Carta aos Romanos: A "ira de Deus" (Rom. 1,18) ameaça todas as pessoas, pois "transformaram a glória do Deus incorruptível numa parecença de figura humana corruptível" (Rom. 1,23). O culto imperial romano, sobre o qual Paulo reflecte aqui (cf. Tamez 1998, 143s.), exprime esta inversão. Reflecte a inversão histórica das tradições da libertação de Israel com a sua submissão à dominação romana. Nela encontra a sua continuação a subjugação à dominação helenística, que tinha começado no século IV a.n.e. com as vitórias de Alexandre (334-326) e em que as revoltas dos Macabeus no século II a.n.e. tinham fracassado. Exactamente isto torna a Torá impossível de ser vivida (cf. Verkamp, 2012, 253s.) e transforma-a, de uma directiva para uma vida para além da dominação à maneira do Egipto, num instrumento de acusação. Isto aplica-se não só aos judeus, mas a todas as pessoas, na medida em que todos podem reconhecer as reviravoltas associadas à dominação romana. Portanto, todos estão sob o "poder do erro" (Rom. 6,18), que Paulo descreve em categorias de dominação (cf. Schottroff 1990a).
Sem romper com a dominação romana, não pode haver vida de acordo com a Torá para Paulo. É por isso que o pensamento falha nas ideias de pacto/promessa e de lei, segundo as quais a promessa de libertação está ligada ao facto de Israel viver de acordo com as instruções que dão lugar a essa libertação na vida do povo. Face à impossibilidade real de viver a Torá, emerge o movimento dos fariseus e, na sua tradição, o judaísmo rabínico. Como pessoas separadas – como o termo "fariseus" deve ser entendido literalmente – procuram manter-se fiéis à Torá, tentando seguir a Torá, que já não pode ser vivida como um povo, meticulosamente, pelo menos na área da vida familiar. Outra forma de sair de uma situação em que a Torá já não pode ser vivida é o apocalipticismo e o messianismo a ele associado. Neste contexto, a chamada conversão de Paulo deve ser entendida como um afastamento do caminho dos fariseus e do judaísmo rabínico em direção ao messianismo, que encontrava uma expressão histórica actual no movimento em torno do Messias Jesus. Este messianismo continua a ser o messianismo judaico na medida em que permanece ligado à tradição apocalíptica tal como se tinha cristalizado no confronto com a dominação helenista.
5.4.1.2 Separação do apocalipticismo
Agamben separa agora entre messianismo e apocalipticismo (cf. Agamben 2015, 75s.). Ele entende o apocalipticismo como a representação do fim dos tempos no dia do juízo. Dele ele distingue "o Messiânico". Não é "o fim dos tempos, mas o tempo do fim" ou, tendo em vista o tempo "comprimido" (cf. Rom. 7,29), "o tempo que resta entre o tempo e o seu fim" (ibid., 75, destaque no original). Em Paulo, porém, o pensamento messiânico não pode ser separado do apocalíptico. O apocalipticismo não é, como insinua Agamben, sobre informações secretas acerca de eventos históricos no fim da história, mas sobre a crítica e o fim da dominação. O pensamento apocalíptico tem origem na época em que Israel estava submetido aos impérios helenísticos (finais do século IV a.n.e.) e estende-se biblicamente até ao Apocalipse de João, o último livro da Bíblia (finais do século I e.c.). No Apocalipse do Livro de Daniel, a dominação dos grandes impérios sob os quais Israel caiu vítima é retratada como "bestial", com imagens de animais selvagens (cf. Dan. 7,1-8). Eles são pontapeados "sobre as nuvens do céu" (Dan. 7,13), isto é, da esfera do Deus de Israel, que acompanhou o seu povo numa coluna de nuvens ao sair do Egipto, por "um filho de ser humano" (Dan. 7,13). Este marca o fim da dominação (cf. Kellner 1985). As tradições do Segundo Testamento vêem este filho de ser humano vindo em Jesus de Nazaré, que entendem como o Messias, porque o vêem como uma manifestação da dominação libertadora de Deus em contradição com a dominação romana. Finalmente, a Revelação de João não trata simplesmente do fim do mundo, mas do fim da dominação romana. O fim desta (cf. Apocalipse 19) é a condição prévia para um novo mundo que se apresenta nas imagens de um "novo céu e uma nova terra" ou de uma "nova Jerusalém" (cf. Apocalipse 21,1s.) (cf. Richard 1996; Schüssler; Fiorenza 1991).
A ligação do messianismo de Paulo com as ideias apocalípticas é especialmente evidente no facto de Paulo insistir consistentemente no fim da dominação. Surge quando o Messias "der o reino a Deus Pai, quando tiver destruído todo o principado, toda a dominação e poder" (1 Cor. 15,24). Luise Schottroff critica uma tradição de interpretação em que, nas ideias de um eixo temporal linear, a dominação de Deus está apenas ligada ao fim da história e é transferida para um futuro distante (ver Schottroff 2013, 304). Paulo, pelo contrário, fala do presente e do futuro de tal modo que ambos são determinados pela relação com "Deus, que ressuscita os mortos e que finalmente vencerá a morte" (ibidem). Por conseguinte, o confronto com a dominação destrutiva tem de ocorrer no presente. É sustentado pela esperança de que toda a dominação terminará num futuro em que "Deus seja todas as coisas em todos" (1 Cor. 15,28). Paulo desenvolve as suas reflexões sobre o fim da dominação num contexto em que desenvolve o significado da ressurreição do Messias num horizonte apocalíptico do pensamento (1 Cor. 15). Ele associa a ressurreição de um à esperança apocalíptica da ressurreição de todos. No sentido do pensamento tipológico, o Messias ressuscitado como "primeiro" é, por assim dizer, o protótipo "dos que morreram" (1 Cor. 15,20). Estas declarações não devem ser simplesmente entendidas como uma esperança de ultrapassar a morte enquanto tal, como um fundo para a dominação existencial da própria morte. O que é essencial para Paulo é a quem o discurso da ressurreição dos mortos se refere, nomeadamente ao Messias crucificado por Roma. Se o Deus de Israel o ressuscitou, então ele contradisse o poder de Roma e marcou o seu fim ao ressuscitar um. Assim, o Messias torna-se um verdadeiro símbolo do fim da dominação, que não pode ser compreendido sem a crítica à dominação actual. O sofrimento do Messias na cruz dos romanos, como os sofrimentos a que Paulo está sujeito, não é expressão de uma aceitação passiva, apática e perseverante da lei (cf. secção 5.3.4) e das condições que ela assegura, mas antes o resultado de um conflito com a lei secular e religiosa e com as condições que ela pretende assegurar. O Messias foi executado porque entrou em conflito com a lei. Se Paulo associa ao Messias crucificado a esperança do fim da dominação, é porque a fé na sua ressurreição implica que a "última" palavra, a palavra escatológica ainda não foi dita, e a dominação não é, portanto, perpetuada, mas pode ser ultrapassada.
5.4.1.3 Glorificação do fraco
Pelo contrário, a glorificação feita por Agamben da passividade e apatia como condição prévia para que se possa atingir a "astúcia messiânica" de uma brusca mudança misteriosa aproxima-se de uma teologia que, na esperança de um futuro melhor, exorta à aceitação obediente do sofrimento e do aguentar paciente. Para a ideia de uma reviravolta de fraqueza em força, ele refere-se à reflexão de Paulo sobre o facto de a comunidade de Corinto ser composta sobretudo por pessoas socialmente impotentes e fracas. Aqui Paulo formula: "As coisa fracas do mundo escolheu Deus para envergonhar as coisas fortes" (1 Cor. 1,27). Para além de todas as relações de poder, para Agamben o fraco, que tem o poder de destruir o forte, é um problema puramente filosófico. Com base no primado da potência sobre a sua realização, a sua interpretação da fraqueza preocupa-se com "a potência messiânica", que não se esgota "na sua ergon"; pois "permanece potente nela sob a forma de fraqueza" (Agamben 2015, 111, destaque no original). Por conseguinte, pode tornar a lei ineficaz sem a destruir. Paulo, pelo contrário, fala da fraqueza messiânica no contexto do Messias crucificado sob a dominação romana. A fraqueza expressa nisto é "um escândalo para os judeus e um absurdo para os gentios" (1 Cor. 1,23). É um escândalo para os judeus que só podem imaginar a libertação da dominação romana como uma nova dominação na restauração do reino de David. É uma loucura para os gentios, porque é inimaginável, um perfeito disparate para o pensamento grego associar Deus como "ens perfectissimum" ao sofrimento em geral, e muito menos ao de um miserável falhado.
Mas os chamados pelo Messias, "tanto judeus como gregos" têm uma perspectiva diferente. Eles reconhecem no Messias, que se tornou vítima da dominação romana, "o poder de Deus e a sabedoria de Deus" (1 Cor. 1,24). Para eles, o Messias crucificado é um verdadeiro símbolo de que ainda não foi dita a "última palavra" de uma história de violência e dominação que Israel viveu. Isto priva-a de legitimidade e anuncia o seu fim. Neste contexto, Paulo pode dizer: "Deus escolheu as coisas vis e desprezadas deste mundo, assim como as que não são nada, para anular as que são alguma coisa, para toda a carne não se vanglorie diante de Deus" (1 Cor. 1,28). Ele vê-se como um apóstolo no seguimento do Messias crucificado e na sua negação de uma lei que legitima a dominação religiosa e secular. Isto é expresso na sua própria vida. Nem por causa da sua constituição física (2 Cor. 12,7s.) nem por causa de suas experiências como pessoa perseguida (Rom. 8,35s.) ele tem motivos para se vangloriar da sua força. Ele não elogia certamente a prioridade salvadora que Agamben atribui à potência sobre a possibilidade. Porque experimenta o sofrimento do Messias no seu próprio corpo e na sua própria história, só pode vangloriar-se da sua "fraqueza"; pois a sua fraqueza faz parte da fraqueza messiânica que liga a ideia de salvação com a negação conflituosa da dominação, cujas consequências se fazem sentir também somaticamente.
5.4.1.4 Ignorância em modo "como-se-não
Em vez da negação da história de dominação e violência implícita no pensamento apocalíptico, Agamben centra-se numa vida "como-se-não". Nele a "transformação peculiar" ligada à vocação deve tomar a forma "que cada estado jurídico ou mundano experimenta quando entra em contacto com o evento messiânico" (ibid., 33). No "tempo que resta", o banimento da lei deve ser quebrado por uma vida "como-se-não". No entanto, se não se romper com as relações de dominação, que devem ser analisadas política e economicamente, bem como cultural e psicossocialmente, não se pode romper com o banimento e com a exclusão inclusiva que o acompanha. Pelo contrário: a vida "como-se-não" já pressupõe sempre o banimento. A renúncia anti-apocalíptica a um pensamento do fim transforma-se na eternização do "tempo que resta" e da vida "como-se-não" que lhe corresponde.
Precisamente contra isso, por sua vez, estão o pensamento apocalíptico de Paulo e a sua negação messiânica da dominação. Os baptizados que, segundo Paulo, "estão vestidos de Cristo" vestindo o manto batismal e professam que com o Messias "não há judeu nem grego, não há escravo nem pessoa livre, não há masculino nem feminino" (Gal. 3,27s.), negam as relações sociais de superioridade e subordinação. No entanto, as verdadeiras relações de poder continuam a existir. Mas como podem então os baptizados permanecer fiéis ao chamamento de Deus para a comunidade do Messias? Paulo reflecte sobre esta questão em 1 Cor. 7,17s., a passagem que Agamben utiliza para descrever a sua vida "como-se-não". O apelo à comunidade messiânica não deve excluir nem os incircuncisos nem os escravos que não podem ser libertados dos seus senhores. Estes últimos deveriam, pelo menos, experimentar na comunidade messiânica algo do que pode significar viver como libertados da dominação. Isto não significa acordo nem resignação com o status quo, mas uma vida que procura formas de, sob a condição de negação da dominação, pessoas livres e escravizadas poderem viver juntas em comunidades messiânicas, mesmo quando não existe actualmente uma possibilidade real de ultrapassar a escravatura.
Também para Agamben a vocação anula o estado em que a lei torna alguns judeus e alguns não judeus, alguns livres e alguns escravos. Mas a vocação também é nula: não tem "nenhum conteúdo específico: nada mais é do que a retoma das mesmas condições factuais e jurídicas nas quais se foi chamado ou para as quais se é chamado" (ibid., 33, destaque no original). Por conseguinte, pode "consentir em qualquer condição, mas pela mesma razão pode revogar e questionar radicalmente essa condição" (ibidem, 34). Assim, nada resta da vida "como-se-não". Trata-se de uma "transformação peculiar", pela qual não se tocam as condições, por detrás da qual não há nada mais do que uma transformação simulada numa espécie de lúdico agir "como-se-não". O suposto distanciamento radical de Agamben de qualquer identidade converge assim com aquela tradição de interpretação que Luise Schottroff critica "como legitimação de uma teologia do status quo" (Schottroff 2013, 130). Ela insiste que o chamamento de Deus não implica qualquer mudança no status quo social e que todos os chamados devem permanecer no seu status. Agamben poderia simplesmente acrescentar: Mas nós fingimos que o status quo não existe.
5.4.2 Ontologizações
5.4.2.1 Ontologização de experiências históricas
Agamben opõe-se às tentativas ontológicas de fundar a realidade num ser filosoficamente fundamentado como primeira e também última verdade, ou que liga a verdade a um fundamento metafísico. Isto corresponde à sua posição estritamente contrária a qualquer pensamento que pudesse ser retirado do substancialismo ou do essencialismo. O pensamento ontológico é justamente criticado, entre outras coisas, porque esconde o seu próprio núcleo temporal ou a sua integração em contextos históricos, e precisamente por isso se rodeia da aura da supra-temporalidade, na qual se estabelecem verdades universalmente válidas, aparentemente independentes das condições históricas, e onde experiências e entendimentos historicamente particulares são ontologizados (ver Adorno 2008).
Apesar de todos os esforços para evitar qualquer essencialismo, Agamben não escapa à ontologização dos eventos históricos e dos conhecimentos com eles relacionados. É precisamente a separação do messianismo do apocalipticismo que o torna uma experiência trans-histórica que é imediatamente possível a qualquer momento. Enquanto o apocalipticismo expressa o grito pela salvação da violência que as pessoas sofrem através das formas históricas de dominação e a esperança no fim ainda por vir da dominação sofrida, o cumprimento e a conclusão coincidem na recapitulação de Agamben (ver Agamben 2015, 89s.). O que é decisivo aqui é "que o pléroma dos kairoi significa a relação de cada momento com o Messias – [...]"; pois "cada kairos é imediatamente com Deus" (ibid., 90, destaque no original). Correspondentemente, "o messiânico [...] é o presente como exigência de conclusão, como o que está pendente "em nome do fim" (ibid., 90s.). Esta conclusão já existe sempre, só tem de ser apreendida existencialmente.
Em contraste, o pensamento apocalíptico, devido à sua sensibilidade ao que as pessoas têm de sofrer em crises e catástrofes históricas, é impedido de procurar a salvação na imediatidade do presente. Por conseguinte, o Messias não pode ser encontrado num "tempo presente" cumprido. Ele e o tempo messiânico a ele ligado estão desaparecidos. Está por vir. Nos textos bíblicos esta falta é articulada no grito pela salvação. Percorre os textos bíblicos desde a experiência da escravidão no Egipto até ao grito pela vinda do Messias – "Vem, Senhor Jesus!” (Apoc. 22,20) – com o qual a Bíblia conclui. Não termina com a proclamação de uma verdade geral ou de um sentido geral da história, mas com uma questão em aberto. No entanto, não se evapora em não-identidades que rejeitam todo o conteúdo, mas insiste no fim da dominação, que as pessoas experimentam no tormento do seu corpo através da fome e da tortura, da guerra e da perseguição, e que conduz a catástrofes históricas. É absolutamente cínico pregar às pessoas, tendo em conta o que elas têm de sofrer, que devem enfrentar a dominação que sofrem no modo "como-se-não". Mas este é o cinismo que representa o messianismo de Agamben, purgado de qualquer apocalipticismo. Contra este cinismo, o pensamento apocalíptico insiste numa ruptura com as relações de dominação. Biblicamente, ela é expressa na ideia do julgamento. Segundo o Apocalipse de João, o prometido novo céu e nova terra, como o fim de todo o tormento, só pode tornar-se realidade quando Roma for julgada, ou seja, quando a sua dominação terminar.
O messianismo de Agamben, pelo contrário, não reconhece a ruptura com a dominação actual como condição prévia para a salvação. Com ele, o cumprimento já está sempre presente. Mas com isso ele ontologiza o messiânico como um momento sempre presente. No final, ele acaba na ideia de Nietzsche do "eterno retorno do mesmo" e na ontologização do tempo, que não conhece um fim mas permanece. No tempo presente messiânico que permanece, passado e presente coincidem de tal modo que o futuro, como possível fim de toda a dominação, não tem lugar no tempo messiânico. Enquanto com Nietzsche, o "retorno do mesmo" é uma expressão de niilismo, com Agamben é sempre carregado de plenitude e realização messiânica, mas a suposta plenitude – pensada de modo estritamente anti-substancialista – permanece vazia e, assim, niilista.
5.4.2.2 Ontologização de uma indeterminação vazia
A "relação imediata [...] com o escatão, o evento messiânico e a escolha" (Agamben 2013, 142) é estabelecida pela ideia de resto. É conseguida através do processo formal de divisão das divisões, que produz aquele resto messiânico que não permite uma identidade igual a si própria. A divisão da divisão da lei torna possível um resto salvador de Israel e, através do "homo sacer" e do "Muselmann", transmite também um resto salvador da existência humana e, na divisão do tempo, um "tempo que resta" salvador. Em todas as divisões continuam a existir zonas indefinidas de indecidibilidade. A divisão das divisões da lei não conduz a um resto que torna possível uma nova identidade como povo ou algo semelhante, mas decompõe todas as identidades e conduz ao vazio substantivo da indeterminação de um não-não-posicionamento. O resto do ser humano também não implica uma nova essência humana, mas destrói todas as identificações. No "tempo que resta" messiânico, o passado, o presente e o futuro estão para além da completude e da incompletude do tempo, num campo de tensão em que o passado enquanto completude recupera actualidade e, portanto, incompletude, enquanto a incompletude do presente "experimenta uma espécie de completude" (Agamben 2015, 89).
Também a vocação messiânica e o seu modo de vida "como-se-não" não transmite nenhuma nova identidade como base para um novo sujeito, nem nenhum "ponto de vista de salvação" (Adorno 2014, 283, cf. Agamben 2015) a partir do qual o mundo pudesse ser encarado. O messianismo de Agamben não conhece nem negação nem determinações de conteúdo. O ser humano torna-se a essência da não-identidade que se furta a identidades étnicas, políticas e religiosas. Na vida após a vocação é importante permanecer no vazio sem conteúdo da não-identidade. Embora não possa haver essência humana para Agamben, ele ontologiza o vazio da não-identidade como essência do ser humano messiânico.
A este vazio corresponde a falta de conteúdo da fé. Agamben refere-se à correspondência entre a boca e o coração, que é a base da palavra da fé, como expressa na frase de Paulo: "A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração" (Rom. 10,8). A palavra da fé traz sentido e salvação ao ser falada. A este respeito, ἐγγύς (engys), a palavra grega para próximo, já se refere a um vazio, o vazio da mão em que é colocado um penhor. Agamben visa assim o efeito da fé "que se realiza na própria pronúncia perto da boca e do coração" (Agamben 2015, 146). A profissão de fé não está relacionada com um conteúdo, com uma relação entre a palavra e o conteúdo factual. Pelo contrário, toda a revelação é "antes de tudo uma revelação da própria linguagem, uma experiência de um puro evento da palavra" (ibidem, 150). Na "experiência da palavra pura" abre-se um espaço de graça, "de gratuidade e de uso", de vida messiânica no modo "como-se-não", de "liberdade do sujeito", que Agamben identifica directamente com a "liberdade que temos em Cristo Jesus" (Gal 2,4) (ibid.).
No horizonte do messianismo de Agamben, a palavra "não pode ser uma palavra significativa que faça afirmações verdadeiras sobre as condições, nem um performativo jurídico que se estabeleça como um facto" (ibidem). Mostra-se como "experiência efectiva de pura potência do dizer" (ibid., 152). Portanto, não há "nenhum conteúdo de fé. Falar a palavra da fé não significa proclamar declarações verdadeiras sobre Deus e o mundo" (ibidem). Como pura potência do dizer, transcende tudo o que é dito, incluindo o acto de dizer. É "aquele resto de uma potência que não se esgota no acto, mas que é sempre preservado e nele permanece" (ibid.). Também na palavra da fé se mostra esse resto que é simultaneamente messiânico e fraco. Mas precisamente na sua fraqueza, que mostra devido ao seu vazio de conteúdo e insubstancialidade, reside o seu puro poder salvador messiânico para deixar numa vida "como-se-não" a realidade como ela é, mas fazendo um uso livre da mesma. No final, o pecado original de um banimento original torna-se salvação, através do misterioso truque de um resto messiânico que pode fazer o milagre do que é salvo do nada através do nada.
O vazio de conteúdo de Agamben, que se consegue através do processo de divisões, acaba por se resumir à forma vazia, tornando-se conteúdo sob a forma de uma não-identidade que foge a qualquer determinação. Isto corresponde à "ideologia pós-moderna anti-essencialista", a cuja "essência" pertence, "que a relação referencial entre representação e objecto, modus e conteúdo, signo e significado tenha de ser apagada" (Kurz 2012, 76). A forma vazia é o que tende a ser a contradição em processo da valorização do capital: a ilusória separação deste processo da matéria. Por isto também são afectados os indivíduos que sob o capitalismo como sujeitos se tornam agentes do "trabalho abstracto" (Marx) ou têm de realizar actividades reprodutivas no domínio dissociado. Com o colapso dos fundamentos do valor e da dissociação, do trabalho e da família, também os indivíduos correm o risco de desaparecer no nada. A partir deste ponto zero, nada pode nascer de salvador nem mesmo por uma "astúcia messiânica", mas há a ameaça do nada como aniquilação. O nada pode tornar-se em nada. ("Von nix kütt nix", todas as crianças de Colónia sabem disso, mesmo que tivessem ido à escola Kayjass). O vazio de conteúdo e a indiferença face ao agravamento das catástrofes são inerentes ao modo capitalista de produção e de vida. Saltam tanto mais para primeiro plano quanto mais dramaticamente a crise se agrava. Ao mesmo tempo, a indeterminação do vazio abre a possibilidade de ele ser carregado com identidades como família, região, nação. Como âncora de salvação identitária, é precisamente aquilo que é destruído pelo processo de crise que se pretende que seja de novo realçado.
5.4.3 Existencialização na peugada de Heidegger
Em contraste com o tempo cronológico, em que um período de tempo é substituído pelo seguinte e o sujeito vai e passa com o tempo, o tempo presente do tempo messiânico é agora tempo preenchido, "tempo que resta". Pode ser percebido pelo sujeito como tempo messiânico para viver no modo "como-se-não". O abandono de todas as coisas e certezas metafísicas, a separação de tudo o que é substancial e essencial até à dissolução de toda a identidade no vazio ontologizado da não-identidade torna-se a base de uma nova existência.
Não é por acaso que o entendimento de Agamben de um novo ser-aí messiânico está próximo do pensamento de Heidegger e do pensamento existencialista. O primado da potência sobre a realidade encontra-se em Heidegger no primado do ser-aí sobre a sua realização. A possibilidade como existencial do ser-aí "é a possibilidade de ser livre para o próprio poder-ser" (Heidegger 1979, 144, ver também 142s.). A potencialidade é pensada como um horizonte aberto de "possibilidades de questionamento". O "poder questionar" caracteriza ontologicamente a forma de ser do ser humano, em contraste com o ser puramente objectivo. As possibilidades de questionar podem ser percebidas numa "determinação preliminar" que contém em si mesma "o verdadeiro ser para a morte", e nela abre o horizonte para a capacidade existencial de todo o poder ser (ibid., 305). Também a ideia de que o ponto baixo é ao mesmo tempo o ponto em que há um misterioso ponto de viragem para a salvação se deve a Heidegger. No contexto de uma reflexão sobre os perigos que emanam para o homem da tecnologia, Heidegger ilustra a coincidência do perigo e da salvação com a citação de Hölderlin que aparece repetidamente no século XX "Mas onde há perigo também cresce o que nos salva", (cf. Heidegger 1949). A promessa infundada de salvação, que deve acontecer no ponto extremo do perigo, é acompanhada de uma hipostasiação da fraqueza. Se o ponto zero de viragem é considerado como uma condição prévia de salvação torna-se uma justificação do sofrimento.
Agamben refere-se explicitamente à interpretação de Heidegger de 1 Cor. 7,20-23, na qual Paulo fala da vida messiânica no modo "como-se-não". Agamben resume assim: "Segundo Heidegger, nem o dogma nem a teoria são fundamentais em Paulo, mas a experiência factual, a forma como as condições mundanas são vividas (a execução, o modo de vida)" (Agamben 2015, 45, destaque no original). Nesta interpretação, torna-se claro um núcleo que, no caso de Agamben, percorre toda a sua interpretação de Paulo. É a renúncia consistente a remeter o pensamento de Paulo para as "condições mundanas", bem como para o conteúdo da sua pregação, que só pode ser compreendido no exame das condições. O dogma e a teoria são assim desvalorizados num só fôlego. Dogma associa a ideia de dogmático, e dogmático é equiparado a fundamentalista. Mas o dogma da teologia crítica representa o conteúdo da tradição da fé. Está vinculado às profissões de conteúdo. Que devem ser interpretadas, fundamentadas e reflectidas de forma sociocrítica como "fórmulas de recordação de uma memória reprimida, não resolvida, subversiva e perigosa da humanidade" (Metz 2016, 48).
A referência ao ambiente das "condições mundanas" e ao conteúdo já é substituída pela originalidade, na interpretação de Heidegger de 1 Cor. 7,20-23. Agamben nota citando Heidegger: "As referências ao ambiente – infelizmente depois de algum modo inevitáveis – não obtêm o seu sentido a partir do significado relacionado com o conteúdo para o qual vão, pelo contrário, a partir da execução original é determinada a referência ao sentido do significativo vivido" (Heidegger 1995, 117, citado em Agamben 2015, 45). O recurso de Agamben a uma "referência original" está ligado à experiência. Não é "determinado pelas condições do mundo e pelo seu conteúdo", "mas pela forma como são vividas" (ibid.). A referência às "condições mundanas" e aos conteúdos da vida messiânica reflecte-se numa existencialização vazia. Não tem fundamento, mas tem de ser assumida resolutamente. E assim a existencialização de Agamben conduz a um decisionismo infundado que substitui a teoria pela experiência e, na agravação autoritária, substitui a fundamentação pela obediência "questionante" às possibilidades a serem apreendidas existencialmente no jogo do "como-se-não".
6. Filosofia e religião como âncoras de salvação em tempos de crise
6.1 O messianismo como filosofia
Nem Agamben nem Badiou tratam, afinal, de Paulo. Limpo do contexto histórico e do conteúdo, utilizam-no como base para ilustrarem os seus próprios conceitos filosóficos. Badiou preocupa-se em recuperar um conceito universal de verdade e um sujeito militante, perante a crise pós-moderna da verdade e a ameaçadora política de identidade. Em contraste, Agamben procura uma saída para o banimento do estado de excepção, que se está a tornar normal, num pensamento anti-essencialista de não-identidade, que – evitando qualquer definição de conteúdo – procura a salvação messiânica num não-posicionamento, no horizonte de um resto numericamente indefinível e de conteúdo indeterminável e, portanto, vazio. O que eles têm em comum é a ontologização de um vazio salvador – numa pluralidade vazia e num evento vazio em Badiou, no vazio de um resto salvador em Agamben. Ambas as variantes substituem a fundamentação e a reflexão da crítica social pelas existencializações e pelos decisionismos associados, que têm um carácter autoritário devido à sua falta de fundamentação.
Nas respectivas ontologizações e existencializações reflecte-se a renúncia a uma reflexão sobre a totalidade social. Com o pensamento de Adorno e o seu desenvolvimento crítico na crítica da dissociação e do valor, teria sido possível associar uma forma de pensar em que, tendo em conta o não idêntico, é possível superar o pensamento na lógica da identidade sem renunciar à definição conceptual, à referência à "totalidade concreta" (Scholz 2009) da forma capitalista da sociedade, nem à referência aos contextos históricos dos textos paulinos. Sem uma reflexão sobre o contexto da mediação social, a crise da forma social capitalista e das suas categorias de valor e dissociação, e nelas de trabalho e sujeito, de Estado e forma política etc., tem de permanecer tão incompreensível como as tentativas de processar a crise ao nível dos indivíduos, em estratégias que prometem um alívio imediato. No entanto, isto não conduzirá a nenhuma salvação, mas antes iluminará o caminho para aquela catástrofe da qual um sujeito renascido messiânico ou uma misteriosa reviravolta messiânica supostamente salvarão.
Mas é exactamente isto que se torna compatível com pessoas tão fundidas com a imanência fechada das categorias reais capitalistas que mais depressa conseguem imaginar o fim do mundo do que a ultrapassagem das formas capitalistas. Com Badiou parece possível, por um lado, recuperar a capacidade militante de agir sem ter de reconhecer que a capacidade de agir esbarra nos limites estabelecidos pelas categorias reais capitalistas. Fora de qualquer reflexão sobre as formas fetichistas que conduzem à catástrofe, em Badiou cai do céu "ex nihilo" um evento salvador. Numa fidelidade infundada e decisionista ao evento, o objectivo é tornar possível aquilo que não é possível: dissolver as aporias ligadas à sociedade de crise capitalista através de uma acção militante que permanece indefinida. A ilusão do sujeito é novamente reforçada ou conduzida a uma nova escala. Mesmo que a substância de trabalho como sua base social esteja a diminuir, ela já não é impotente ou mesmo ameaçada pelo asselvajamento barbarizante através do colapso das categorias reais capitalistas, mas pode, em fidelidade decisionista ao evento, despertar alegremente de um sono profundo para uma nova militância, e até reafirmar-se como sujeito revolucionário. Ao mesmo tempo, a verdade, que desaparece no relativismo pós-moderno, também é novamente colocada no sujeito. Com um evento vazio e o seu fundamento numa ontologia vazia, pretende-se encontrar uma nova identidade do sujeito e uma nova verdade, uma identidade e uma verdade que sejam anti-essencialistamente livres de conteúdos identitários, a causa de todo o mal.
Na sua ligação da forma vazia do evento com a ontologização da multiplicidade, o pensamento de Badiou também é compatível com a viragem dentro da pós-modernidade do pólo da desconstrução de tudo e todos para as certezas de verdades seguras. Esta situação está associada ao surto de desvalorização que a crise financeira e bancária desencadeou a partir de 2008 (ver Späth 2017a). Com ela, especialmente nas classes médias ameaçadas pelo declínio social, intensifica-se a sensação de que as bases do seu próprio modo de vida se estão a desmoronar e o futuro está ameaçado. Com isto chegam ao fim os jogos virtuais desconstrucionistas e a forma vazia perde a sua plausibilidade como independência vazia do conteúdo. A estabilidade é agora mais uma vez prometida pela fundação numa verdade objectiva. Badiou oferece-a no estabelecimento decisionistamente autoritário do sujeito na sua fidelidade ao evento, bem como numa ontologia que, ao ontologizar a multiplicidade vazia, diz escapar ao essencialismo. Oferece ambas, por assim dizer: a forma vazia como independência de qualquer conteúdo e o estabelecimento da identidade através do qual a verdade deve ser fundada de novo. Trata-se de uma verdade imediata, livre de mediações históricas e sociais. Na sua imediatidade posta sem fundamento torna-se "a base de um conceito autoritário e ontológico de verdade" (ibid., 97, destaque no original), que pode ser preenchido com identidades de acordo com as necessidades. A este respeito, o pensamento de Badiou deixa claro o quanto a independência desconstrucionista da forma vazia em relação ao conteúdo, bem como a procura de nova objectividade e novo realismo (ver Scholz 2018) representam dois aspectos complementares do mesmo problema: a negação da totalidade social e da sua dinâmica de crise. O facto de, assim, "a desconstrução do objecto recuar cada vez mais o seu estabelecimento imediato constitui um deslocamento, ele próprio pré-formado pelo desenvolvimento de crise no interior da forma burguesa de pensar" (cf. Späth 2017b).
Ao contrário de Badiou, Agamben não visa uma nova identidade do sujeito, que se reconstitui numa verdade assumida em fidelidade ao evento. Ele preocupa-se em perseverar na não-identidade (cf. Finkelde 2007, 43s.). Na sua interpretação de Paulo "a vocação messiânica é o evento central" (Agamben 2015, 25). Não constitui, porém, uma nova identidade, mas abre como "um movimento imanente [...] uma zona de absoluta indistinguibilidade entre imanência e transcendência, entre mundo presente e mundo futuro" (ibidem, 36). É apreendida existencialmente na utilização do mundo "como-se-não". Na suposta "zona de indistinguibilidade absoluta", a imanência e a transcendência fundem-se, de modo que nem na imanência da história as relações podem ser negadas e transcendidas, nem é concebível um fim da história e nele justiça para as vítimas das catástrofes históricas. O "tempo que resta" torna-se a eternização do status quo e a eternização do tempo na imanência fechada de um retorno do mesmo. No tempo do capitalismo de crise, o entendimento da vida "como-se-não" torna-se uma ilusão de que pode continuar assim para sempre, e de que é possível estabelecer-se no capitalismo e viver simultaneamente no habitus do "como-se-não" de modo crítico do capitalismo. É a eternização de uma simulação sem qualquer fundamento na crise do capitalismo, mas que é compatível com as pessoas que procuram opções de acção dentro das polaridades capitalistas e pensam que podem assim ultrapassar o capitalismo. Podem proceder como se conseguissem ultrapassar o capitalismo, enquanto ao mesmo tempo – supostamente de modo anti-identitário – permanecem na "zona de absoluta indistinguibilidade" e, portanto, na imanência fechada da organização capitalista. O pensamento de Agamben também é compatível com alternativas mais contemplativas. No habitus do pensamento crítico, é possível entregar-se a uma filosofia "após cujo consumo se pode continuar a pensar e a agir como se nada tivesse acontecido" (Akrap 2005). A vida "como-se-não" sugere uma superioridade moral e ao mesmo tempo messiânica sobre o capitalismo, sem ter de o negar e ultrapassar. Termina em afirmação negadora da totalidade e da crise, como pseudo-saída em última análise contemplativa através de uma nova forma de pensar.
Por mais que Badiou e Agamben sejam diferentes em termos de pensamento sobre identidade e não-identidade, reencontram-se no evitar do conteúdo. O vazio da ontologia e do evento (Badiou) convergem com o vazio de conteúdo da indistinguibilidade (Agamben). O vazio corresponde à redução do pensamento a uma forma supostamente pura, ao formalismo decisionista da pura decisão, bem como ao formalismo do procedimento de divisões, que conduz a um resto messiânico indeterminável.
No vazio com que Badiou e Agamben querem escapar ao essencialismo e à compulsão da identidade, reflectem-se a abstracção e o vazio de conteúdo da forma social do capitalismo: "o vazio metafísico do valor" (Robert Kurz) – do vazio do trabalho abstracto e do sujeito como seu agente, ao vazio do Estado e da política, ao vazio do dinheiro como a expressão mais abstracta do fim-em-si do aumento da riqueza. Não tem outra finalidade que não seja a da sua autovalorização como capital e é, nesta, a expressão paradoxal de uma forma vazia (de conteúdo). "O vazio de conteúdo de valor, dinheiro e Estado tem de se exteriorizar sem excepção em todas as coisas deste mundo, para poder representar-se como real: desde a escova de dentes até à mais subtil emoção, do objecto utilitário mais simples à reflexão filosófica ou à transformação de paisagens e continentes inteiros. Vida e morte, todos os seres humanos e toda a natureza servem apenas esta capacidade de auto-representação multiforme do vazio social metafísico de capital e Estado." (Kurz 2003, 69s.). No vazio metafísico do valor e do sujeito como agente do processo de valorização "reside um potencial de destruição do mundo, uma vez que a contradição entre o vazio metafísico e a ‘obrigatoriedade da representação’ do valor no mundo sensível só pode ser resolvida no nada e, portanto, na aniquilação" (ibid., 69).
Nos actuais contextos de crise, sobretudo nos processos de desvalorização global, que se tornaram ainda mais agudos desde 2008 com a crise financeira, torna-se evidente que o sistema de produção de mercadorias também encontrou historicamente o limite interno da sua capacidade de reprodução. Liberta uma dinâmica de destruição das suas próprias bases e priva das bases da sua existência os indivíduos banidos para a forma de sujeito. Isto leva a que cada vez mais o que é supérfluo para a valorização seja "empurrado" para os abismos do asselvajamento barbarizante. É nesta fronteira que "a metafísica real da modernidade revela-se na sua maneira mais repugnante. Depois de o sujeito burguês esclarecido se ter despojado das suas vestes, torna-se evidente que sob essas vestes NADA existe: que o âmago desse sujeito é um vazio; que se trata de uma forma "em si", sem qualquer conteúdo." (ibid., 68, destaque no original). Por detrás deste vazio está o vazio da relação de valor e as vestes vazias da soberania como relação política coerciva em colapso, o vazio da legislação em geral com a sua "vigência sem significado", a que Agamben chama "o niilismo em que vivemos" (Agamben 2002, 62).
Ao contrário de Agamben, porém, o niilismo não deve ser procurado apenas no nível político da soberania e do direito, mas sim a nível da forma social que tem de se representar no mundo empírico. Na crise, esta coerção de representação e submissão fica sem substância. Atinge um limite absoluto e desenvolve o seu potencial de destruição com toda a acutilância: a destruição do(s) outro(s) numa concorrência selvagem e a destruição de toda a organização sem sentido porque vazia. A redução do ser humano à "vida nua" da força de trabalho desvalorizada leva à "derradeira e absoluta redução da vida a matéria morta" (Kurz 2003, 360). A consequência final da "exclusão inclusiva" é a autodestruição.
Em vez de avançarem para uma crítica categorial face às experiências de crise e à progressiva incapacidade de o sistema produtor de mercadorias se reproduzir, Badiou e Agamben permanecem fiéis às ideias ligadas ao sistema em colapso, persistem na "adoração da abstracção vazia" (ibidem), 70) e refugiam-se em ontologizações e existencializações a-históricas, em última análise num niilismo, do qual um evento messiânico ou uma viragem misteriosa a partir de um ponto zero supostamente proporcionam a salvação das catástrofes através duma "astúcia messiânica". Esse vazio, carregado de um potencial de destruição mundial, deve agora, como evento messiânico vazio e chamamento messiânico desprovido de conteúdo, trazer a salvação "ex nihilo". Com a ajuda de conotações religiosas equipadas com uma aura de salvação, o vazio é hipostasiado, transformando assim um vazio destrutivo num vazio salvador.
6.2 O regresso da religião?
A aura religiosa que aparece em Badiou e Agamben não é por acaso, mas anda de mãos dadas com processos em que a religião, desencantada pela racionalização e aparentemente desaparecida na secularização, se manifesta de novo. Não foi apenas o renascimento de Paulo na filosofia que sinalizou a ressurreição da religião declarada morta. Ela nunca tinha desaparecido, mas, com o iluminismo e a modernidade, perdera a sua posição como factor determinante da sociedade e perdera plausibilidade (ver Buchholz 2017, 21s.). Encontrou o seu lugar sobretudo na esfera privada ou em subáreas sociais, onde é procurada como ajuda para fazer face à contingência.
Mesmo as vertentes fundamentalistas das religiões monoteístas não foram simplesmente despachadas com o iluminismo. Nem poderiam ser, uma vez que o iluminismo, por um lado, não pode existir sem o seu aparente contrário, o contra-iluminismo (ver Kurz 2004, 68s.). Além disso, o próprio iluminismo – apesar da sua ruptura com uma religião intimamente ligada à civilização agrícola – deve ser entendido "como momento constitutivo da religião secularizada ou terrena metafísica real da relação de valor e dissociação" (ibidem, 101). Assim, a secularização também não está simplesmente em oposição à religião, mas mostra-se "como uma transformação dentro da metafísica social real ou da formação fetichista da socialidade" (ibid., 435).
Uma vez que a religião não se dissolveu, mas apenas mudou o seu papel e perdeu importância, não pode afinal surpreender que volte a ganhar importância ali onde, perante fenómenos de crise não compreendidos, surge a suspeita de que não têm qualquer base real as promessas iluministas de salvação em maioridade e liberdade, bem como de um curso da história rumo a um eterno progresso. Em vez disso, a história do capitalismo, que foi acompanhada pelo iluminismo em reflexão positiva, revela-se uma catástrofe que mesmo nos países ditos ricos se torna evidente, face à pobreza crescente, aos receios de declínio social e às ameaças terroristas. Em vez de fazer do iluminismo e da forma social a ele associada objecto de crítica categorial, proibe-se a reflexão teórica e, sobretudo, a sua relação com a totalidade social. “No preciso momento em que o verdadeiro totalitarismo do dinheiro domina completamente como nunca a realidade, [...] a própria teoria social crítica é denunciada como totalitária na sua pretensão" (Kurz 2013, 66) e a forma social que já não pode ser criticada é afirmada como sem alternativa. É admitida ou celebrada uma prática supostamente realista, que diz adeus às reivindicações de mudança fundamental. A qual se torna uma administração da crise sem reflexão nem perspectiva, que sujeita a vida das pessoas aos constrangimentos da crise sem alternativa e expõe os indivíduos a constrangimentos sempre novos de adaptação, que devem – com pleno esclarecimento – ser assumidos em responsabilidade pessoal e auto-realização autónomas.
Catástrofes sofridas, falta de perspectivas e impotência, sempre novas compulsões de adaptação e as conexas exigências excessivas, bem como experiências de fracasso e novos começos na imanência de uma forma social que não deve ser percebida e muito menos ultrapassada clamam por alívio. Para além de um ilusório fetichismo da acção compensatório da impotência nos movimentos sociais, ou das ofertas de ética e de arte de viver, a religião emerge também em diferentes variantes da sua existência de nicho. Articula-se como resposta à necessidade de orientação e alívio na imanência das relações de fetiche capitalistas. Para poder desempenhar esse papel, é pressuposto aceitar a imanência fechada das relações de fetiche capitalistas e abster-se de as transcender em ligação com a reflexão da crítica social.
Pode distinguir-se entre uma variante forte e uma variante fraca do fundamentalismo religioso (cf. Buchholz 2017, 153s.). A variante forte ("strong religion") apresenta-se como não-conformista e, tendo em conta as crises económicas e as incertezas sociais, bem como o inquietante relativismo, promete orientação inequívoca e certeza carregadas de promessas messiânicas. Ela encontra o seu fundamento nas tradições pré-modernas, na Bíblia e no Corão, que são pressupostas sem contextualização histórica como verdade original. Se, desde os anos de 1960, os movimentos religiosos se tinham entendido no horizonte da "teologia política" sócio-crítica ou da teologia da libertação surgida na América Latina, "hoje a regressão religiosa mundial tornou-se o detonador da barbarização. Isto aplica-se a todas as religiões sem excepção, tanto ao fundamentalismo católico da ‘Opus Dei’ como às seitas protestantes, ao islamismo, aos messiânico-teocráticos ultras judeus, ao movimento hindu de extrema-direita, aos budistas racistas do Sri Lanka, etc.". (Kurz 2003, 435). Na visão retrospectiva transfigurante sobre uma situação original sã, ganham a sua aura e "aparecem como uma saída para a situação precária e ao mesmo tempo como uma parte ameaçada da sua própria identidade que é considerada inalterável" (Buchholz 2017, 148). O ónus da verificação não tem de ser suportado pelo indivíduo. É-lhe retirado pela integração em grupos em que são partilhadas as orientações e as certezas, bem como por líderes carismáticos que articulam "de cima" as necessidades quotidianas, que também eles experimentaram quando ainda estavam "em baixo". (7)
Numa perspectiva de crítica da dissociação e do valor, este fundamentalismo alimenta-se de uma falsa imediatidade e da renúncia à reflexão crítica, especialmente no que diz respeito à totalidade social, sem a qual todas as experiências individuais têm de permanecer incompreensíveis. A renúncia à reflexão abre a possibilidade de transformar pessoas, actores, grupos, culturas, etc. em objectos de substituição, onde são expressos mal-estares incompreendidos e receios difusos. Isto implica uma compulsão identitária a ser hostil a toda a heterogeneidade. Carl Schmitt revelou que tal inimizade faz parte da "história da democracia". Nela existem "algumas ditaduras, cesarismos e outros exemplos de métodos, incomuns para as tradições liberais do século passado, de formar a vontade do povo e criar homogeneidade" (Schmitt 1969, 22) que, se necessário, tem de ser excluída e destruída. Com isto a inimizade é elevada a constituição e o inimigo é ontologizado na sua heterogeneidade; pois "pertence à sua natureza que é, num sentido particularmente intensivo, algo diferente e estranho" (Schmitt 1991, 27). Como essencialmente estranho, ele é um factor perturbador da homogeneidade social.
Diferentemente do fundamentalismo religioso forte, a sua variante fraca é alimentada sobretudo pelo egocentrismo forçado pela intensificação da concorrência e pelas sempre novas exigências de adaptação na luta individual pela sobrevivência, que são sempre exigidas como uma auto-optimização inacabável. Devem ser alcançadas como auto-submissão e com o sorriso do "pensamento positivo" nos lábios. Dependendo das necessidades individuais, a religião é procurada em vários aspectos: como exaltação e extensão da felicidade, bem como alívio e acompanhamento do fracasso e dos novos começos. É oferecida sobretudo sob a forma de espiritualidade, tanto nos mercados esotéricos como nas igrejas, que na luta pela sua própria sobrevivência querem assegurar quotas nos mercados de sentido e de terapia (ver Böttcher 2013, 21s.).
Por mais coloridas que sejam as ofertas em detalhe, procuram o sucesso relacionando-se directamente com o estado de espírito dos indivíduos e com a sua busca de desenvolvimento e exaltação da felicidade, através da vivência intensiva e da experiência espiritual, de alívio para os estressados através do bem-estar, de sentido e proximidade para os fracassados. Na imediatidade da ligação às necessidades individuais, o contexto da mediação social não é superado, mas sim tornado invisível. O que permanece invisível é que os indivíduos estão sujeitos à forma social como generalidade, sob a aparência da busca da felicidade individual, bem como na experiência do fracasso. Esta ligação tem de permanecer oculta para que as ofertas religiosas cheguem aos/às clientes no seu estado de espírito imediato. Para além da reflexão da crítica social, também tem de ser escondida a reivindicação de verdade e coerência de uma tradição religiosa. O seu conteúdo tem de permanecer vazio. Os conteúdos que devem ser objecto de uma reflexão crítica sobre a sua pretensão de verdade interferem com a utilidade e a funcionalidade no que diz respeito à utilização imediata das tradições religiosas. Para que as suas ofertas sejam bem sucedidas, têm de ser intensivas como evento e experiência e, ao mesmo tempo, tão vazias de conteúdo e resistentes à reflexão quanto possível. Deste modo, vão ao encontro do carácter social narcisista que se desenvolve nos processos de crise pós-modernos, que na imediatidade da auto-referência não está em posição de formar uma referência de objecto e está sob a compulsão de assimilar imediatamente o conteúdo ou de o repelir agressivamente (ver Wissen 2017). O que Adorno já tinha descrito em relação à indústria cultural (ver Adorno 2015, 337-345) aplica-se à religião oferecida nos mercados esotéricos e nas igrejas: duplica e consolida a mentalidade das pessoas a quem oferece a cultura como um produto de massas. Com ela, a cultura – privada da sua objecção às condições – é "incorporada nas condições esclerosadas e volta a degradar as pessoas" (ibid. 338).
O fundamentalismo desta variante da religião de aparência fraca e produzida pela indústria cultural baseia-se no facto de o mundo tal como é e a fusão dos indivíduos com ele já ter sido sempre pressuposto sem fundamento e com hostilidade à reflexão, sem necessidade de formular uma doutrina reflexiva em termos de conteúdo e de estabelecer uma coerência interna entre as facetas individuais. Não há sequer necessidade de uma decisão existencialista heróica para se comprometer com a vida religiosa. O autoritarismo da submissão sempre esteve presente como base "dogmática" das execuções existenciais e como um imperativo vazio que se dá sem o conteúdo de palavras impositivas. "A superioridade do [...] existente sobre o indivíduo e as suas intenções" deve ser "reconhecida" como realismo e implica "classificar-se como um apêndice da máquina social", diz-se nos estudos de Adorno sobre o carácter autoritário (citado em Buchholz 2017, 141). Com o pressuposto autoritário do mundo tal como ele é, qualquer ideia de que o mundo também poderia ser diferente é excluída. É trancada numa imanência fechada, a qual é sobrestimada por uma religião que renuncia a qualquer pensamento orientado para a transcendência.
Estruturas de pensamento semelhantes às dos fundamentalismos religiosos mencionados podem ser encontradas nas teologias existencialistas de Kierkegaard e Bultmann (ver também ibid., 168s.). Ambas as variantes teológicas reagem ao facto de a fé cristã ter perdido plausibilidade e coerência na era moderna; pois a fé baseada na revelação e o conhecimento baseado na experiência e na reflexão entram em contradição. As aporias epistemológicas com ela relacionadas devem ser transpostas em Kierkegaard com um salto de fé em que a dúvida intelectual é excluída pela certeza existencial. A base para tal é uma decisão em que é aceite a reivindicação de Deus sobre o ser humano, que permanece indeterminada no seu conteúdo. Através da existencialização, a fé é imunizada contra a reflexão crítica, estando assim ligada a um traço autoritário fundamental – assegurado numa esfera existencial que permanece tão intocada por contextualizações históricas como por contradições sociais. O aspecto autoritário da obediência torna-se particularmente evidente em Kierkegaard, onde interpreta o sacrifício de Isaac como expressão da obediência fiel de Abraão (Gen. 22) (cf. Kierkegaard 2004, 22). Em contraste com isso, uma interpretação que inclua o contexto histórico pode tornar plausível que o sacrifício de Abraão tem a ver com a incompatibilidade de um mito que exige um sacrifício humano com a fé no Deus de Israel (ver Hinkelammert 1989, 17s.; Böttcher 2006).
Em Bultmann torna-se claro como a separação da escatologia do apocalipsismo, que é importante para a interpretação de Paulo por Agamben, conduz também teologicamente à estrita existencialização. Com o seu programa de desmitologização quer tornar a tradição bíblica compatível com a experiência do mundo racional moderno. Para este fim, devem ser eliminadas sobretudo as concepções míticas de apocalipticismo que são incompatíveis com a visão moderna do mundo. Ao mesmo tempo, porém, será eliminada com elas a experiência histórica de crises e catástrofes, que encontra a sua expressão nas tradições apocalípticas. O caminho para sair da história leva de novo para dentro da existencialização. Como discurso ao ouvinte, a Palavra de Deus torna-se um evento que ele deve reconhecer como expressão da "pretensão de dominação de Deus" (Bultmann 1980, 117). Com este reconhecimento está ligada uma mudança da existência. Em relação à realidade histórica, permanece indiferente e, portanto, sem sentido. Assim, torna-se uma existência "como-se" ou "como-se-não". Em contraste com o apocalipticismo, que se dirige para o fim da história da dominação e da violência, Bultmann entende este processo existencial, liberto da história e da crise, como uma escatologia presente, em que a salvação ocorre no presente do discurso pela palavra de Deus e tem de ser apreendida existencialmente. É apreendida numa decisão que assume o risco de dar o salto para a fé. Com a decisão, o conteúdo da fé – teologicamente falando – o fides quae (ou seja, o conteúdo da fé) desaparece no fides qua (ou seja, o acto de fé). Correspondentemente, do lado do discurso pela palavra de Deus não é o seu conteúdo que é decisivo, mas "o ser falado, e não o seu significado" (ibid., 269). Como conclusão Buchholz formula apropriadamente: "A fé desmitificada por todos os meios de crítica histórica e filosófica coloca-se ela própria para além da mediação racional como novo mito reconhecidamente vazio, e está nisso mais próxima do fundamentalismo do que pode parecer à primeira vista" (Buchholz 2017, 213).
Se a recepção de Paulo por Badiou e Agamben é vista no horizonte da regressão religiosa mundial e das orientações existencialistas em teologia, torna-se claro que as estruturas e facetas existencialistas-decisionistas das orientações religiosas se mostram não apenas na ligação com Paulo, mas em toda a orientação do seu pensamento filosófico. Ora não se trata simplesmente de subsumir a filosofia religiosamente conotada de Badiou e Agamben sob o conceito de fundamentalismo religioso. No entanto, existem pontos de contacto: a renúncia à reflexão crítica sobre uma totalidade social que anda a par com as ontologizações, o decisionismo por detrás do qual desaparece a pretensão de justificação e que, portanto, mostra uma proximidade interior com o autoritário, pois implica uma decisão cega, porque infundada, bem como o desaparecimento de todo o conteúdo em existencializações vazias ou em zonas de não-identidade. E, antes de qualquer decisionismo, o mundo é sempre pressuposto tal como está na sua forma capitalista. É a base da execução da existência "como-se" ou "como-se-não". Onde objectivamente não pode haver saída da "contradição em processo" da relação de valor e dissociação, que está a chegar à maturidade de crise, e onde a crítica radical é tabu, tendo em conta a fusão com o mundo tal como ele é, a salvação messiânica deve ser conjurada seguindo as tradições "da região nebulosa do mundo religioso" (Marx 1984, 86), que alucina com uma salvação ao nível dos tempos sem ter de arriscar uma ruptura categorial.
A filosofia de Badiou de uma ontologia vazia e de um evento messiânico vazio resume-se ao facto de uma verdade objectiva e um sujeito militante serem decididamente estabelecidos como novas identidades "ex nihilo". Agamben, por sua vez, quer perseverar na não-identidade sob o capitalismo de um modo crítico da identidade. Também isto é posto decisionistamente. Para escapar ao essencialismo e à identidade, a ontologia e o evento em Badiou e a vocação messiânica em Agamben têm de permanecer vazios em termos de conteúdo. O vazio de conteúdo também pode, no entanto, ser recarregado identitariamente na crise crescente, na mudança brusca entre os pólos da não-identidade e da identidade. Finalmente, as incertezas da própria existência, o esvaziamento dos fundamentos da vida no colapso do trabalho e da família têm de ser tratados por pessoas que se encontram no colete-de-forças da forma de sujeito. Aí – em condições adequadas – é natural preencher o vazio da própria existência e dos fundamentos da vida com ontologismos promissores de certeza – com qualquer fundamentalismo religioso sem coerência de conteúdo, ou também com o étnico, o nacional e o regional – e afirmar o vazio assim preenchido com violência contra supostas ameaças. Com base em decisão, falsa imediatidade e hostilidade à reflexão, uma razão instrumental meramente formal e desprovida de conteúdo – possivelmente sobrestimada e legitimada pelos fundamentalismos religiosos e seculares – pode transformar o globo num vazio.
6.3 Religião com conteúdo emancipatório?
No horizonte de uma teologia crítica da sociedade, Johann Baptist Metz, já nos anos 90, sugeriu as tendências favoráveis à religião do pós-modernismo na fórmula "Religião sim – Deus não" (cf. Metz 1991, 1994). Quando a ideia de Deus, como é recordada na tradição judaico-cristã – em contraste com as ontologizações filosóficas e os esboços teleológicos idealistas de um sentido global da história – é absorvida em religiosidade difusa, desaparecem os conteúdos religiosos que não sobrestimam as condições sociais mas as contradizem criticamente. Acima de tudo, é então posta de parte a distinção crítica da religião entre a memória do Deus de Israel, que foi formulada em rigoroso contraste com condições como no Egipto, na Babilónia, no helenismo ou em Roma, e os "ídolos", como sobrestimação fetichista e justificação da dominação, que pode ser expressa em termos religiosos, mas também em variantes seculares.
Paulo faz sobressair a distinção entre Deus e os ídolos nas críticas à dominação romana. Ele vê o seu núcleo no facto de que "transformaram a glória do Deus incorruptível numa parecença de figura humana corruptível" (Rom. 1,23). No contexto da dominação romana de Israel, Paulo traz assim à luz a herança da distinção entre o Deus de Israel, que não pode ser representado por imagens, e a imagem do imperador como representante pessoal da dominação romana. O Deus de Israel não pode ser representado por imagens porque, como Deus transcendente, não pode fundir-se com a imanência de circunstâncias históricas. Ele é lembrado sobretudo nas narrativas em que os conteúdos ligados ao nome de Deus (sobretudo a memória do sofrimento sob a dominação e a sua negação, cf. Ex. 2,23s.) encontram expressão na negação das condições "como no Egipto". Aqui "Egipto" é uma cifra para as condições em que as pessoas estão sujeitas à dominação social e religiosa. "O recurso ao ‘Egipto’ é uma referência a uma experiência histórica de Israel que, por um lado, está ligada ao colapso do império faraónico no final da Idade do Bronze tardia e, por outro, tornou-se de facto um "símbolo mítico", mas conserva a sua expressividade ligada à história" (Zenger 2002, 159s., destaque no original). A memória que Israel tem de Deus não está, portanto, enraizada num mito pré-histórico de origem, mas sim na história. A memória refere-se a um evento da história que é interpretado teologicamente. Isto modela a relação de Israel com a história. A memória assim entendida não é um retorno do mesmo no quadro de um mito de origem, mas está ligada a um processo de interpretação, em que a distinção entre o Deus de Israel e o "Egipto" é articulada como uma crítica desmitificadora da dominação histórica. Ela é pervertida onde – como nas actuais concepções fundamentalistas que se dão por críticas da dominação (ver Buchholz 237s.) – a rejeição da dominação humana é comprada pela submissão autoritária a uma vontade de Deus que pode ser verificada directamente, ou seja, sem interpretação. A memória que Israel tem de Deus, porém, está embutida na ideia de pacto, em que se luta pelo modo como os conteúdos ligados à ideia de Deus podem tornar-se historicamente eficazes. No quadro da ideia de pacto é ao mesmo tempo possível pensar "contra Deus" e assim expressar as aporias da ideia de Deus, sentir a falta das promessas a ela ligadas face às catástrofes históricas, sob a forma da questão de teodiceia.
A reflexão teológica de crítica social tenta reler e trazer à luz a memória judaico-cristã de Deus na presente situação histórica. Mas isto não pode acontecer – como aconteceu com Badiou e Agamben – de tal modo que a "vala nojenta da história" (Lessing) seja associativamente saltada em falsa imediatidade e Paulo seja reconstruído de modo a poder tornar-se um ecrã de projecção para o próprio pensamento. Pelo contrário, as relações pré-modernas e modernas de dominação têm de ser postas em relação entre si. Deve ser feita uma distinção entre as relações de dominação pré-modernas, religiosas e representadas pessoalmente, e as relações de fetiche realmente abstractas na modernidade capitalista. Isto inclui, por um lado, a indispensabilidade da análise histórica das relações antigas, em que se expressaram as tradições a recordar, mas, por outro lado, também a análise crítica-da-dissociação-e-do-valor das relações actuais, em que se deve enunciar a tradição recordada. Assim, conceitos ou contextos de pensamento que não abstraem de situações históricas podem ser correlacionados. Mais, as situações históricas, juntamente com os conteúdos teológicos bíblicos que nelas são expressos, devem ser correlacionados com a actual situação de crise do capitalismo, nos seus diferentes níveis e nas suas várias facetas, o que deve ser reflectido com a crítica da dissociação e do valor. Assim, uma teologia crítica da sociedade enfrenta o desafio de contradizer a "tentativa bárbara de uma formulação religiosa das condições de crise da sociedade mundial" (Kurz 2003, 435) e de introduzir a sua tradição de distinção entre Deus e os ídolos na "crítica da metafísica real terrena, ou seja [...] a crítica da constituição fetichizada da sociedade" (ibid.).
Para a questão da relação da teologia com os seus contextos sociais é de importância central justamente a herança da Torá, que Badiou abandona no seu novo universalismo e cujo conteúdo desaparece nas divisões de Agamben. Na tradição de Israel, a Torá é uma expressão do facto de a separação do Egipto dever abranger todas as áreas da vida. Com a Torá, a ideia de Deus de Israel estende-se a toda a vida de Israel nas respectivas situações históricas. Paulo interpreta o Messias de Israel de tal modo que o legado de libertação de Israel pode ser entendido como uma esperança de salvação para todos os povos, o que significa que, em princípio, o acesso aos conteúdos ligados à ideia de Deus de Israel tem de ser aberto a todos. Neste contexto, coloca-se a questão dos contornos da vida messiânica, que deve ser vivida no seguimento do Messias de Israel – não num nicho de "como-se-não", em que só pode ser simulada, nem na simulação eternizada como "tempo que resta", mas numa negação apocalíptica das condições em que as pessoas sofrem. Nos tempos de Paulo e do cristianismo bíblico primitivo, a Torá era lida como a Bíblia das cristãs e cristãos. Nela, as leis em sentido estrito estão embutidas na narrativa da libertação do Egipto e da viagem através do deserto, na qual o próprio exame de Israel da distinção entre Deus e os ídolos é reflectido autocriticamente. A referência à Torá não tem a ver com a aplicação de leis de validade supostamente intemporal. As leis individuais são antes uma expressão da luta por um caminho adequado, "separado do Egipto", que deve ser procurado de novo em diferentes situações históricas, na reflexão crítica do fetichismo. A Torá é uma expressão do facto de que o Deus de Israel só pode ser recordado se ele estiver relacionado com a totalidade da realidade. Nela entra em vigor o aguilhão teórico indispensável para a transmissão da herança judaico-cristã: a referência ao conjunto da realidade – tanto em termos de situações históricas como em termos do conjunto da história, para a qual Deus é pensado como criador e libertador.
Porque a ideia bíblica de Deus é inerente à negação da dominação que causa sofrimento, tanto em relação às situações históricas como em relação a toda a história, não se pode pensar nela senão como transcendendo, como atravessando fronteiras, tanto atravessando as fronteiras das casas históricas dos escravos, como a Bíblia menciona na memória do Egipto, como atravessando as fronteiras da história, em que os sofrimentos passados também estão incluídos na ideia de salvação. Enquanto a alegria da religião pós-moderna quase vive do facto de não tocar nas condições em que tem aceitação, a ideia de Deus lembrada na tradição judaico-cristã não pode ser pensada sem um duplo transcender – transcender na história e transcender para além da história (ver Böttcher 2013, 155s.). Com ela se liga a objecção contra a imanência fechada que é expressa na afirmação pós-moderna das condições e na sua exaltação religiosa. Em Badiou, a imanência fechada torna-se clara na renúncia à crítica categorial, acompanhada pela fuga para a ontologia de uma multiplicidade vazia e para um evento vazio do qual se supõe que virá a salvação sem reflexão sobre o curso da história. Para Agamben, é a eternização do banimento capitalista na vida "como-se-não" como expressão dum messianismo que é vivido num "tempo que resta". Talvez seja a crença indefinida em algo indefinidamente messiânico, que salva sem romper com a imanência fechada da socialização capitalista, que torna ambas as formas de pensar tão atraentes na alegria da religião pós-moderna.
Agamben – segundo a interpretação de Jacob Taube (cf. Taubes 1993, 103s.) – acusa Adorno de reflectir sobre a ideia de salvação em Minima Moralia, tomando a posição vazia de "como-se" e terminando numa estetização da salvação (Agamben 2015, 46s.). Ambos se referem à observação de Adorno de que o pensamento de salvação tem de "compreender a sua própria impossibilidade [...] por amor da possibilidade", e ao acrescento: "Mas a questão da realidade ou irrealidade da própria salvação é quase indiferente face à exigência que assim se impõe" (Adorno 2014, 283).
Por detrás da observação de Adorno está a percepção de que o conhecimento da salvação não é possível. Também não pode ser derivado de filosofias ou teologias ontológico-idealistas de primeira e última fundamentação. Para um tal conhecimento teria de ser possível assumir um ponto de vista impensável do Absoluto para além da história. Mas é possível um "ponto de vista de salvação". Estaria ligado a perspectivas "em que o mundo [...] se mostre nas suas fissuras e fendas, como um dia ficará enquanto necessitado e desfigurado à luz messiânica" (ibid.). Do "ponto de vista da salvação" vem o sofrimento que nos faz pensar e cuja verdade não pode ser formulada. "A necessidade de deixar o sofrimento ser eloquente é a condição de toda a verdade. Pois o sofrimento é objectividade que pesa sobre o sujeito; o que ele experimenta como sua expressão mais subjectiva é objectivamente transmitido" (Adorno 2003, 29). Perante o sofrimento, pensar no objectivo de ultrapassar o sofrimento não pode acalmar. Esta é a base em que "a experiência que o pensamento que não se decapita vai dar à transcendência, até à ideia de uma constituição do mundo em que não só o sofrimento existente seria abolido mas também o passado irrevogável seria revogado" (ibidem, 395). A partir desta experiência a salvação não pode ser afirmada nem com a filosofia da identidade nem com a teologia da identidade. A sua possibilidade só pode ser mantida em aberto na negação do mundo tal como ele é. Neste sentido, o pensamento da salvação deve "agarrar a sua própria impossibilidade por amor da possibilidade" (Adorno 2014, 282). Porque "o menor vestígio de sofrimento sem sentido [...] condena todas as mentiras da filosofia da identidade" (Adorno 2003, 203), a saída para as certezas ontológicas é negada. Tudo depende da resistência mesmo ao menor vestígio de sofrimento sem sentido. Perante isto, "a questão da realidade ou irrealidade da própria salvação é quase indiferente" (Adorno 2014, 282).
Contra o pretenso "como-se" da salvação, Agamben procura uma solução no "como-se-não": "Aquele que permanece na vocação messiânica não conhece um como-se [...] Ele sabe que no tempo messiânico o mundo que se salva é idêntico ao mundo que está perdido sem salvação possível" (Agamben, 2006, 54). Portanto, a eternização do "como-se-não" permanece como uma eterna simulação de uma salvação sem salvação, que "se perde no sem salvação possível" (ibid.). Em contraste com isso, uma teologia sócio-crítica na peugada de Adorno deixar-se-á irritar pelos vestígios de sofrimento, manterá em aberto a questão da salvação sem poder afirmá-la em termos de lógica da identidade. A teologia também não dispõe de certezas sobre o absoluto. A este respeito, não pode haver uma reflexão teológica que não tome também em consideração o momento da dúvida. O seu conhecimento alimenta-se do sentimento da ausência de salvação, que é transmitido nas fontes bíblicas como esperança de um fim do sofrimento, numa história marcada pela violência e pela dominação. Não se pode acalmar com um "tempo que resta", mas liga-se ao anseio apocalíptico de um "fim do tempo", porque só assim seria concebível a salvação, que, com a negação dos sofrimentos do presente e das condições em que são vividos, poderia também incluir os sofrimentos do passado na perspectiva da salvação. O sentimento da ausência de salvação não pode ser acalmado por nenhuma medicina religiosa – mesmo que pretenda ser administrada sob o disfarce de filosofias da imanência fechada.
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Notas
(1) "Em extrema simplificação, pode-se dizer que "pós-modernismo" significa que já não se acredita em metanarrativas" (Lyotard 1986).
(2) A questão aqui não é criticar o entendimento (bastante associativo) de Badiou sobre a matemática, mas o modo como ele a usa para a sua ontologia filosófica.
(3) O discurso da "tradição judaico-cristã" aqui utilizado, bem como no seguimento do texto, é contrário ao poderoso antijudaísmo do cristianismo. Este encontra a sua expressão numa atitude antijudaica que vai até à aniquilação, mas também numa interpretação do cristianismo como uma religião superior ao judaísmo e que o substitui. Embora o discurso sobre a "tradição judaico-cristã" também não seja isento de problemas, ele continua a ser social e eclesiasticamente marginal. Além disso, pode facilmente ser mal interpretado como um modo de falar que se apropria das tradições judaicas. É aqui utilizado para deixar claro que qualquer visão cristã, isto é, baseada no Messias Jesus, que está enraizado na tradição judaica, deve necessariamente permanecer relacionada com a tradição judaica e representar uma interpretação específica dessa tradição. Isto pressupõe a sua independência e validade.
(4) Pode-se assumir que as cartas aos Romanos (Rom.), Coríntios (1 e 2 Cor.), Gálatas (Gal.), Filipenses (Filip.), a primeira carta aos Tessalonicenses (1 Tess.) assim como a carta a Filemon (Filem.) foram escritas pelo próprio Paulo. Em contraste, as chamadas Deuteropaulinas (as Cartas aos Efésios (Ef.), Colossenses (Col.), a segunda carta aos Tessalonicenses (2 Tess.), as Cartas a Timóteo (1 e 2 Tim.), Tito (Tit.) assim como aos Hebreus são textos escritos por autores que pretendem escrever na tradição do pensamento paulino.
(5) Os Megaristas tomam o nome da cidade de Megara. A escola megarista teria sido fundada por Euclides de Megara (450-380 a.n.e.).
(6) A menção do "corte de Apeles" refere-se a uma história transmitida por Plínio sobre a concorrência entre os pintores Apeles e Protogenes sobre o traçado de uma linha. Protogenes desenhara uma linha tão fina que não parecia ter sido desenhada com um lápis humano. Apeles divide esta linha com uma linha ainda mais fina.
(7) Não devem ser esquecidos os regimes em que os fanáticos religiosos têm detido o poder do Estado há décadas, como por exemplo no Irão (ver Wahdat-Hagh 2012).
Nota do tradutor: As citações da Bíblia seguem de perto a tradução de Frederico Lourenço, Quetzal, Lisboa, 2016ss.
Original “Hilft in der Krise nur noch beten? Zur philosophischen Flucht in paulinischen Messianismus” in revista exit! nº 16, Maio de 2019, p. 86-181. Tradução de Boaventura Antunes