Assolada pela crise "a democracia precisa da religião"
Sobre o conceito de ressonância de Hartmut Rosa, carregado de religiosidade
Herbert Böttcher
Assolada pela crise "a democracia precisa da religião". Esta proposta terapêutica resulta da teoria da ressonância de Hartmut Rosa, que ele quer ver como "sociologia da relação com o mundo" e pretende ser um desenvolvimento da teoria crítica. Ele interpreta as crises sociais como crises de ressonância. São alimentadas pelo facto de as sociedades modernas se estabilizarem estruturalmente através da compulsão para o crescimento. O que traz consigo relações com o mundo 'mudas' em vez de 'sonantes', ou seja, alienantes e reificantes em vez de ressonantes, numa relação de chamada e resposta. A conversão de relações com o mundo mudas em relações com o mundo ressonantes deve permitir processos de transformação social. Isto aplica-se sobretudo à democracia, uma vez que esta encarna o primado da política sobre as outras esferas da sociedade. E "a democracia precisa da religião" porque ela é um recurso para a experiência da ressonância e, portanto, para os processos de transformação social. Rosa junta-se assim ao apelo à religião que se torna cada vez mais forte na crise.
O texto de Herbert Böttcher torna claro que o conceito de ressonância de Rosa – sobretudo na sua referência a Heidegger – é ontologicamente fundamentado e baseia-se em experiências intemporais de ressonância, bem como em constantes antropológicas. Isto equivale a uma "revolução afirmativa" (Rosa). Não pode nem quer negar a forma capitalista da sociedade, porque teme que isso produza desesperança. Para o seu 'pensamento positivo' Rosa precisa de uma religião afirmativa e dos seus recursos de ressonância, que por sua vez são obtidos através da abstracção dos contextos de dominação. Assim as abordagens teológicas socialmente críticas são ignoradas por serem obviamente demasiado 'negativas' e, por isso, incapazes de ligação. No entanto elas revelam-se adequadas para uma visão social e religiosamente crítica da tentativa de Rosa de 'continuar a desenvolver' uma teoria crítica numa teoria afirmativa. (Apresentação do texto na exit! nº 21, Abril de 2024)
1. A sociedade em modo de crise * 2. A "essência" da crise * 3. Não há ressonância sem alienação * 4. O mundo precisa de democracia – a democracia precisa da religião * 5. A religião na concepção de ressonância de Rosa * 6. "Um mundo melhor é possível" * 7. Religião "para uma revolução afirmativa" * 8. "Revolução afirmativa" e "cristianismo revolucionário" * Bibliografia
A necessidade de recorrer à religião para ultrapassar situações de crise em tempos de crise capitalista não é um fenómeno novo. A procura e a oferta são alimentadas por um pós-moderno amor pela religião e pelos mitos. Que está ligado à necessidade de expansão espiritual e de aprofundamento das experiências de felicidade. À medida que os processos de crise avançam, o esoterismo religioso é cada vez mais procurado como agente terapêutico de alívio e estabilização (cf. Böttcher 2020, especialmente 213ss.). As igrejas também estão a responder a esta situação de mercado, oferecendo cuidados pastorais terapêuticos e fé esotérica como "igrejas empresariais" (cf. Böttcher 2022, especialmente 73ss.).
Com a propagação do extremismo de direita e da mania da conspiração, da guerra e do terror, a perda de controlo político sobre os processos de crise e a consequente escalada do anti-semitismo, também parece estar em perigo a democracia como garante político da normalidade. Agora o slogan é: "A democracia precisa da religião" – este é o título de um livro de Hartmut Rosa (Rosa 2022), que foi "promovido" a bestseller da Spiegel. Baseia-se numa palestra na Recepção Diocesana de Würzburg 2022, foi publicado por uma editora teológica e rapidamente teve várias edições. Também as Igrejas encontram uma ressonância inesperada na sua necessidade de consolidar a democracia no meio das suas crises.
1. A sociedade em modo de crise
A crise da democracia está inserida no modo de crise da sociedade moderna como um todo. Ela decorre da "forma básica desta sociedade", que Rosa descreve com o "conceito de estabilização dinâmica" (Rosa 2022, 28): "Uma sociedade é moderna se só pode estabilizar-se dinamicamente, ou seja, se depende sistemática e estruturalmente do aumento permanente para se reproduzir e manter o status quo institucional" (ibid., 28s). A estabilização através do aumento "tornou-se uma compulsão estrutural" (Rosa 2021, 673). Em linguagem simples: "É preciso simplesmente produzir valor" (Rosa 2022, 34) – e isto como um fim-em-si, sem ter em conta o significado do conteúdo, "apenas para manter o existente" (ibid., 37). Isto não pode ser separado da "aceleração e intensificação da inovação" (Rosa 2021, 673); porque "nós" temos de crescer em concorrência. É importante ser mais rápido do que os concorrentes, especialmente quando os mercados estão saturados. Nesse caso, já não faz sentido crescer, pois o bolo global não pode ser comido. Mais uma razão para que a aceleração se torne um imperativo incontornável: "Se o bolo global [...] não aumentar, temos de ser os mais baratos do mercado – e os mais rápidos. É por isso que a compulsão para aumentar é ainda maior" (Rosa 2022, 39).
Rosa vê nisto a "'jaula de ferro' que Max Weber acreditava poder decifrar por detrás da azáfama e do dinamismo da modernidade". É essencialmente formada "pelos imperativos da tríade crescimento, aceleração e inovação, ou seja, pela compulsão de crescer, de se tornar mais rápido e de ser capaz de mudar" (ibid., 677). O resultado é um "círculo de escalada" dinâmico cujo "rigor férreo" (ibid.) é evidente no facto de que, por muito eficazes e óptimos que "nós" tenhamos sido, "nós" temos de nos tornar mais eficazes e mais óptimos do que óptimos. "Os esforços de hoje não significam um alívio duradouro para amanhã, mas antes um agravamento e uma agudização do problema". Rosa vê isto como "a irracionalidade da lógica moderna de escalada 'às cegas'" (ibid., 678). Aqueles que não querem ou não podem seguir os imperativos que regem a "jaula de ferro" são expulsos da corrida. Existe uma "ameaça de perda de postos de trabalho e de falência de empresas, acompanhada de uma diminuição das receitas do Estado [...] e de um aumento das despesas sociais [...], o que tende a conduzir a crises orçamentais e de endividamento e, em última análise, a uma crise do sistema político" (ibid., 681).
2. A "essência" da crise
Com o agravamento crescente dos problemas em quase todos os domínios da sociedade, a "essência" das crises ainda não foi reconhecida. Falar de uma crise global da modernidade "não é certamente original" (ibid., 707). Deveria ser original definir a crise como "uma crise da relação com o mundo [...] uma crise da forma como a sociedade moderna se relaciona institucional e culturalmente com o mundo, e que esta crise na fase da modernidade tardia abala o modo de reprodução institucionalizado desta formação social até aos seus alicerces" (ibid.). As "tendências de crise" podem assim ser "entendidas como abrangentes crises de ressonância" (ibid., 634).
O conceito de ressonância, emprestado da música, "lança luz" sobre a "essência" do problema da crise. Trata-se de relações com o mundo mudas ou ressonantes. As relações com o mundo mudas caracterizam-se por uma atitude de controlo e dominação. O seu objectivo é alargar o acesso ao mundo para o tornar disponível. Rosa descreve esta estratégia "como uma estratégia de expansão do alcance (sobre o mundo)" (ibid., 694). No seu carácter instrumental, é uma relação reificada e reificadora com o mundo e o terreno fértil para "uma relação social repulsiva", que Rosa resume sob o "conceito de violência" (ibid., 757). Com ela contrasta uma relação com o mundo ressonante (cf. sobre o termo ressonância ibid., 281ss.). A qual se caracteriza por ser tocado e tocar. Ser tocado é ser afectado por algo que toca, move, agarra. Está ligado à emoção como resposta que procura alcançar, mover e, por sua vez, tocar algo ou alguém. Ao contrário das relações mudas com o mundo, caracterizadas pelo controlo e pela dominação, que visam a apropriação do mundo, a relação ressonante com o mundo tem a ver com a auto-eficácia na transformação do mundo, como resposta a um toque que transforma a si próprio e ao mundo.
Embora as relações mudas com o mundo se tenham institucionalizado na modernidade tardia no contexto de estratégias de "expansão do alcance (sobre o mundo)", isso não significa que "nada de generalizável possa ser dito para além disso" (ibid., 635). Para introduzir a generalização, Rosa retoma o conceito de "humor e, portanto, também de atmosfera" (ibid., 635, ênfase no original). A atmosfera é atribuída ao espaço, o humor aos sujeitos. Este último pode ser entendido "como o que está no meio ou o que existe no meio. Os humores precedem a separação entre sujeito e objecto ou entre sujeito e mundo e, por isso, englobam os dois pólos da relação com o mundo" (ibid., 636, ênfase no original).
Não é por acaso que a procura de uma origem sã e saneadora da relação com o mundo (1) conduz a Heidegger. Segundo Rosa, ele não entende o humor como uma "unidade humorística do mundo interior e exterior", mas define-o "como um 'existencial fundamental' ou como um 'modo de ser da existência' ontologicamente 'originário'". É um "modo de estar no mundo e, portanto, de se relacionar" (ibid., 637, ênfase no original, aí também as referências a Heidegger). Isto estabelece "a relação" como o "ponto de partida da teoria da ressonância". Ela "precede tanto o sujeito que experimenta e age como o objecto que ele encontra e que é moldado e moldável [...]" (ibid., 671). Na ontologização da relação, em jargão ontologizante: à frente do "estar relacionado" encontra-se a "salvação do(a) (relação com o) mundo". Ela está sempre presente (sendo) em todas as crises e pode ser invocada e acedida como relação salvadora do mundo; pode tornar-se efectiva em processos de transformação de uma relação muda numa relação ressonante com o mundo, da apropriação dispositiva em estratégias instrumentais de alcance crescente para a apropriação do mundo em processos de transformação.
3. Não há ressonância sem alienação (2)
Numa sociedade que é estruturalmente forçada a "tornar o mundo disponível e utilizável como capital na luta da concorrência", os sujeitos estão sob o constrangimento da "expansão do alcance (sobre o mundo)" na "forma de acumulação de capital num sentido abrangente" (ibid., 694s.). Têm de se esforçar por se apropriar da maior quantidade possível de capital económico, cultural e social para si próprios. "Visam tornar o mundo adquirível (capital económico), torná-lo conhecível, controlável e utilizável (capital cultural) e, ao mesmo tempo, alargar o seu próprio alcance global através do acesso aos capitais e às posições dos outros (capital social)" (ibid., 695, ênfase no original). Isto implica a "reificação do próprio eu" (ibid.), que tem de optimizar-se globalmente para ser individualmente competitivo. A reificação e a alienação do mundo e dos sujeitos que nele actuam estão relacionadas entre si. Na "reificação" que emana dos sujeitos, o mundo é "tratado como uma coisa muda", enquanto a alienação indica o modo como o mundo é encontrado" (ibid., 307, ênfase no original).
Rosa formula como tese fundamental do seu livro "a ressonância é o outro da alienação" (ibid., 306, ênfase no original). Os dois termos representam modos de relacionamento bem e mal sucedidos respectivamente. São "teorias basilares de uma teoria da relação com o mundo" (ibid., 246 ss.) e exprimem uma relação de ressonância que assimila o mundo, bem como uma relação que se apropria dele em concorrência. "Concorrência e ressonância" são "duas atitudes para com o mundo incompatíveis" (ibid., 695). A concorrência conduz a uma "atitude de luta e, portanto, a um enfoque reificante que visa colocar as coisas sob controlo, dominá-las e torná-las disponíveis" (ibid.). Obriga a um "fecho dos poros do mundo" (ibid., 696, ênfase no original). Afinal "as duas coisas não são possíveis ao mesmo tempo": "encontrar e derrotar" (ibid., ênfase no original).
Seria um grande engano concluir que a contradição entre ressonância e alienação deve ser ultrapassada. Em vez de ultrapassar a alienação numa sociedade alienada e alienante, Rosa pretende equilibrar alienação e ressonância. Isto parece possível porque elas não estão em estrita oposição uma à outra, mas "numa complexa inter-relação" (ibid., 292). A concepção de ressonância estabelece uma ligação "entre os momentos da mente e do corpo (ou corpo e alma), da emoção e do intelecto, do indivíduo e da sociedade e, finalmente, do espírito e da natureza, que estão estritamente separados na concepção racionalista iluminista do mundo" (ibid., 293). Neste aspecto Rosa segue os passos do Romantismo, que procurou conciliar essas separações contra o racionalismo do Iluminismo (ver também Taylor 2017). A ressonância refere-se a "uma necessidade humana básica e a uma capacidade básica" (ibid., 293) como base das experiências de ressonância. Na sua viagem pela história do mundo, Rosa procura tudo o que parece "teoricamente" utilizável em termos de ressonância. Ele procura fundamentos no primordial até à experiência primordial do embrião no útero, incluindo o oceânico interpretado como uma experiência religiosa e a procura da totalidade curativa (ver também Witte 2017).
Quando se trata de reconciliar os separados (mente e corpo, etc.), a separação não pode ser simplesmente ultrapassada. A ressonância e a alienação não podem ser contrapostas uma à outra. Pelo contrário, as experiências de ressonância pressupõem a alienação. Elas "só são possíveis com base e contra o pano de fundo de um mundo que é também e até essencialmente (ênfase HB) mudo e estranho para nós". Só no encontro com o estranho, na experiência de alienação, é que "ocorre um processo dialógico de transformação (sempre parcial), que constitui a experiência de ressonância" (ibid., 317). Assim a ressonância não é apenas "o outro da alienação" (ibid., 306, ênfase no original), mas necessita dela para a sua constituição. Não só a ressonância é ontologizada, como também a alienação é ontologizada na "dialéctica da ressonância e da alienação" (ibid., 316ss.). Seria "uma ideia disparatada" afirmar que "as relações mudas e reificadoras do mundo devem ser fundamental ou completamente rejeitadas" (ibid., 733). Criticar tais relações com o mundo significa "apenas que o equilíbrio entre relações com o mundo mudas e ressonantes está fundamentalmente perturbado" ou "mais ainda, que a sua relação se tornou errada" (ibid.). Seja "perturbado" ou "errado", só pode tratar-se de uma espécie de equilíbrio entre alienação e ressonância. Estes "constituem os dois pólos de tensão e as fontes de impulso do nosso ser-no-mundo quotidiano" (ibid., 761, ênfase no original).
Querer assimilar o todo e torná-lo ressonante levaria a "excessos de terror identitário e, pior ainda, ao totalitarismo político" (ibid., 295). Não é por acaso que Rosa se refere, neste contexto, a "um momento irreversível de indisponibilidade" que é "inerente a todas as experiências de ressonância [...]" (ibid.). A ressonância não pode ser fabricada, mas ocorre momentaneamente em diferentes contextos de vida. Não pode ser fixada nem tornada permanente (cf. ibid., 750), sendo por isso incontrolável e imprevisível (cf. ibid., 717). As tentativas de a tornar disponível "tendem a impedi-la" (ibid., 722). A indisponibilidade também permanece no equilíbrio. Fazer o mundo mudo "falar ou mesmo cantar de novo não está ao nosso alcance, mas também não está para lá do nosso poder" (ibid., 762). Com o conceito de "indisponibilidade", Rosa retoma um termo que é utilizado na teologia socialmente afirmativa como objecção geral à mudança social. Numa variante banal sem igual, foi expresso num dito do Cardeal Höffner, antigo professor da doutrina social católica: "Aqueles que sonham com utopias acordarão atrás do arame farpado do colectivo."
4. O mundo precisa de democracia – a democracia precisa da religião
O título "A democracia precisa da religião", que se encontra nas declarações de Rosa sobre a utilidade política da religião, tem a sua razão de ser na importância que Rosa atribui à democracia. Ele considera o compromisso com a democracia como "o credo central da nossa sociedade" (Rosa 2022, 54). É capaz de "mobilizar massas em quase todo o mundo como um conceito de anseio" (Rosa 2021, 372). Ao mesmo tempo parece-lhe "indispensável [...] para que a relação da modernidade com o mundo não se torne – ou permaneça – uma relação muda" (ibid., 380). Isto só é possível através do "primado da política sobre as outras esferas valorativas e funcionais da sociedade" (ibid.). Só assim é possível "evitar uma alienação constitutiva e inultrapassável [...] entre os sujeitos e o mundo social" (ibid.).
A religião está – também no que diz respeito à democracia – no ar social da crise. Já na década de 1990 Böckenförde chamava a atenção para a aporia de que "os objectivos da acção política [...] não podem ser retirados do político em si", mas resultam de "conteúdos" que estão antes do político" (Böckenförde 1995, 4). Perante o terror de motivação religiosa numa "globalização que se afirma através de mercados sem limites", muitos esperavam "um regresso do político [...] como poder de configuração civilizacional mundial" (Habermas 2020, 11), mas ficaram desiludidos, segundo Habermas no seu discurso ao receber o Prémio da Paz do Comércio Livreiro Alemão em 2001. Resta apenas "a pálida esperança de uma astúcia da razão" (ibid., 12). A política, em todo o caso, não parece ser capaz de contrariar sozinha o aumento da violência de cariz religioso e o descarrilamento iminente da secularização. Razão suficiente para voltar a colocar a questão da fé e do conhecimento na ordem do dia, como uma "disputa entre reivindicações de conhecimento e de fé" (ibid., 15). O Estado neutro em termos de visão do mundo não poderia prejulgar esta disputa a favor de um dos lados. Numa disputa aberta, o público secularizado poderia estar disposto a aprender. Roswitha Scholz chamou a atenção para a "'viragem teológica' na filosofia pós-moderna" (Scholz 2006, 166), para a "carga religiosa da concepção de Hardt/Negri" (ibid., 166) ou também para "uma viragem tendencialmente autoritária para o apóstolo Paulo" (ibid., 167), tal como expressa por Badiou e também referida por Agamben (cf. sobre Badiou e Agamben ver Böttcher 2019, 88ss. e 125ss.).
O slogan de Rosa "a democracia precisa da religião" é alimentado pela importância que ele atribui à democracia, bem como pela experiência de que o nível político também está envolvido em processos de alienação. Sob os constrangimentos da "estabilização dinâmica", consome-se também cada vez mais "energia política": "Os políticos têm de nos motivar, desafiar e encorajar constantemente" (Rosa 2022, 41). A dinâmica de crescimento leva sistematicamente as "instituições sociais" a uma "relação agressiva com o mundo" (ibid.), o que se reflecte em conflitos políticos que se desenrolam de forma agressiva e podem explodir em ódio e violência. Isto revela um problema fundamental. De acordo com a "visão liberal-individualista da democracia" dominante (Rosa 2021, 362), a política é o campo onde se jogam os diferentes interesses e onde estes são democraticamente canalizados através do compromisso. A relação com o mundo "aí estabelecida" é "predominantemente muda; trata-se de afirmar e defender os próprios interesses (nas campanhas eleitorais, na formação de coligações, nas disputas políticas e na influência dos lóbis) contra os interesses concorrentes" (ibid., 368, ênfase no original). Sob a pressão do "crescimento dinâmico", esta alienação conduz a uma dupla crise. A tomada de decisões democráticas torna-se cada vez mais complicada e morosa, ao mesmo tempo que as possibilidades de controlo político se tornam cada vez mais questionáveis. O fosso alienante entre a política e os cidadãos alarga-se e descarrega-se no clamor e no activismo dos "cidadãos revoltados". Já não se trata do conteúdo, mas "de ser percepcionado e reconhecido como um sujeito político com voz própria" (ibid., 376). Isto "dificilmente pode ser interpretado de outro modo que não seja como a expressão de uma dupla perda de ressonância" (ibid., 377). As pessoas sentem-se não ouvidas e impotentes, ou seja, sem auto-eficácia. E não se pode chegar ao povo com uma política de ajustamento estrutural e de administração de constrangimentos.
A questão da democracia coloca a questão das relações de poder. A "relação de agressão ao mundo" (Rosa 2022, 41) aponta para uma "relação social repulsiva". Ao mesmo tempo, porém, "o poder e a dominação [...] baseiam-se pelo menos em parte em relações de ressonância, isto é, no consentimento interior dos dominados" (Rosa 2021, 757, ênfase no original). Isto aplica-se pelo menos quando se sentem atingidos pela política e se acomodam a ela. Analogamente ao equilíbrio entre ressonância e alienação, existe um equilíbrio entre dominação e ressonância a nível político. Neste equilíbrio, "a teoria da ressonância [...] tem por objectivo devolver a auto-eficácia aos que não têm poder" (ibid., ênfase no original).
É aqui que a religião entra em jogo. Como a democracia funciona "em modo de agressão" (Rosa 2022, 53), a religião é necessária como recurso de ressonância. Para tornar claro o "valor utilitário" da religião neste contexto, Rosa remete para o rei Salomão, mais precisamente para o seu "lema 'Dá-me um coração que escute'" (ibid.). A voz e os ouvidos devem unir-se para que surja a ressonância. Isto leva a uma realização recíproca e, por conseguinte, a uma transformação recíproca. É precisamente a isto que corresponde "a ideia republicana de democracia" (ibid., 55). A religião e "as igrejas em particular" são necessárias porque "têm" potencial de ressonância (sic!): "através de narrativas, através de ritos e práticas, através de espaços nos quais um coração que escuta pode ser exercitado e talvez também experimentado" (ibid., 55s.).
Não é por acaso que a existencialização e a ontologização também se fundem aqui. "No fundo da minha existência" não está "uma contraparte hostil", mas uma "relação de resposta", nomeadamente a experiência transmitida pela Bíblia: "'Chamei-te pelo teu nome, tu és meu'. Se isto não é um apelo sonoro" (ibid., 72). Está ligada a uma promessa: "Há alguém que se referiu a ti, que te chamou, que te ouve, mesmo que não esteja disponível no aqui e agora" (ibid., 72). "Chamei-te pelo teu nome, tu és meu" é uma citação do profeta Isaías (43,1). Dirige-se à parte do povo de Israel que foi deportada para a Babilónia e sujeita ao domínio estrangeiro babilónico. É-lhes recordado que Deus "chamou o seu povo pelo nome" na libertação do Egipto e prometeu que lhe permaneceria fiel. Isto também se aplica face à dominação da Babilónia. Não pode ser a "última palavra", se se aplica o que foi prometido com a libertação do Egipto. A confiança nisto eleva Israel e não lhe permite resignar-se às condições babilónicas e adaptar-se a elas. Rosa não está interessado neste contexto. O que lhe interessa é uma existencialização intemporal que dificilmente se distingue do kitsch esotérico, combinada com a ontologização de "uma relação com o outro abrangente" como a "essência da minha existência", como uma "relação de ressonância" (ibid., 73), "como uma forma alternativa [...] de ser-no-mundo" (ibid., 27).
Mesmo que a promessa de ressonância da religião seja supostamente "indisponível", aplica-se o seguinte: "A democracia precisa da religião" e as igrejas "dispõem" dela. Elas oferecem à democracia recursos úteis de ressonância. Com a sua ajuda, a democracia não se reduz à negociação de reivindicações e interesses, "mas significa um processo contínuo de sensibilização à diversidade de vozes no sentido de perspectivas, modos de existência e relações com o mundo" (Rosa 2021, 368). Pode tornar-se um "instrumento para transformar as instituições públicas, os pressupostos formativos e o mundo da vida partilhado", abrindo "oportunidades para a experiência de uma verdadeira auto-eficácia colectiva" e abrindo assim o caminho para uma "mudança de paradigma da lógica do aumento para a sensibilidade da ressonância" (ibid., 761). Para além de toda a conversa sobre "indisponibilidade", a religião é necessária. "Se a sociedade perder isso, [...] então está arruinada para sempre" (ibid., 74, ênfase no original).
5. A religião na concepção de ressonância de Rosa
A concepção de ressonância de Rosa liga-se à experiência de um anseio que está ligado a uma promessa de salvação (ver também Witte 2017): "Os momentos de intensa experiência de ressonância [...] são preenchidos por um forte momento de anseio: eles abrigam a promessa de uma forma diferente de relação com o mundo – num certo sentido, talvez se possa dizer: uma promessa de salvação" (Rosa 2021, 317, ênfase no original). O anseio e a promessa de salvação que ele encerra não podem ser encontrados fora do mundo. Assim Rosa relaciona ressonância e alienação e utiliza o conceito de ressonância para tentar "apreender o outro da alienação e da reificação" (ibid., 739, ênfase no original). Com a dialéctica da ressonância e da alienação, Rosa acredita ter encontrado "um conceito positivo" que pode oferecer à "teoria crítica" e que "lhe permite ir além da crítica e embarcar na busca de uma melhor forma de existência" (ibid. 740). Acusa a "teoria crítica" de assumir "que a relação sujeito-mundo pode ser completamente reificada" (ibid., 624, ênfase no original). Pretende remediar esta situação com as certezas de uma ressonância ontologizada.
Para o que a religião se torna prestável. Rosa situa-a ao nível das esferas de ressonância e dos eixos de ressonância correspondentes (cf. ibid., 329ss.). Ele reflecte sobre a institucionalização das esferas de ressonância na sociedade moderna e pergunta que eixos de ressonância os sujeitos estabelecem dentro delas e – uma vez que a ressonância está essencialmente ligada à alienação – que experiências de alienação e perturbações de alienação encontram no processo (cf. ibid., 339). Para além dos eixos de ressonância horizontais, ou seja, interpessoais, na família e na amizade, na política e na democracia, dos eixos de ressonância diagonais, nas relações de objecto, nos domínios do trabalho, da escola, do desporto e do consumo, existem também eixos de ressonância verticais. Estes incluem os domínios da natureza, da arte, da história e da religião. "Os eixos de ressonância verticais caracterizam-se pelo facto de abrirem aos sujeitos a experiência de uma ligação constitutiva com um poder que afecta e engloba a sua existência como um todo" (ibid., 500).
A religião estabelece uma relação com um 'algo' que está lá: "Algo está lá, algo está presente" (ibid., 435, ênfase no original). É vivido como um poder indisponível. No entanto, não permanece em silêncio, mas responde. O "algo" torna-se Deus sem mais demoras como "a ideia de um mundo que responde" (ibid., ênfase no original). À religião – agora novamente em geral – são atribuídas "categorias de amor e significado" (ibid.) e a promessa de salvação nelas contida "de que a forma primordial e básica da existência é uma relação de ressonância e não de alienação" (ibid.).
Rosa remete para William James (1842-1910) e Friedrich Schleiermacher (1788-1834) para o facto de que "a atitude perante a religião tem a ver, em última análise, com a experiência fundamental da relação com o mundo em geral" (ibid., 436). James insere-se na tradição do pragmatismo, que remonta essencialmente a Sanders Peirce (1839-1914), em que o conhecimento está ligado ao facto de se provar na prática. James (1997) também associa a pretensão de verdade das tradições religiosas ao seu significado para as necessidades práticas da vida. Schleiermacher (1969) procura libertar a religião ou a teologia das suas ligações à filosofia idealista da consciência e da estreiteza do sistema doutrinal eclesiástico congelado em fórmulas. Contra o racionalismo do Iluminismo, a experiência e o sentimento ganham espaço. Por muito que James e Schleiermacher difiram, são interessantes para Rosa no seu recurso à experiência e ao sentimento. Eles tornam-se recursos para "a experiência básica da relação com o mundo em geral" (ibid.). Especialmente nas pegadas de Schleiermacher, "a experiência religiosa actual" pode ser entendida como um "encontro dinâmico singular entre o sujeito e o 'universo'" (ibid., 437) e uma relação romanticamente ressonante com o universo pode ser posicionada contra uma relação racionalista muda. O recurso romântico ao sentimento e à experiência afirmado por Rosa liga-se a tradições que se cristalizaram no contexto do Contra-Iluminismo como contrapolo do Iluminismo. Contra o racionalismo do Iluminismo, a religião é refundada no sentimento e na experiência. Em contraste com a relação racionalmente dispositiva e muda com o mundo, Rosa quer abrir a religião como um recurso universal de experiência ressonante com o mundo e no seu significado para a democracia. Não reflecte sobre o facto de os fundamentos românticos da religião no sentimento e na experiência terem estado e estarem ligados a irracionalismos de todos os tipos: ao esoterismo e à teosofia, à astrologia e a conceitos hierárquicos de ordem ancorados em cosmologias. Esta é também uma ligação às variantes autoritárias da religião fundamentalista, como as que se encontram sob diversas formas no islamismo, mas também nas igrejas cristãs.
6. "Um mundo melhor é possível"
É assim que Rosa faz eco do "credo da ATTAC" na conclusão do seu livro (ibid., 762). Um mundo bom deve tornar-se um mundo melhor. A religião serve de estímulo de ressonância positiva para isso. Ele quer entender a sua "teoria crítica das relações com o mundo" como uma teoria decididamente positiva. Rosa, de resto bastante contemplativo e ponderado, rejeita a suspeita de uma "proibição do pessimismo" (cf. Witte 2017) (cf. Rosa 2017, 312). Como prova do seu "ser crítico", refere o "conceito de aumento dinâmico" e a "compulsão de escalar para o aumento" que lhe está associada e que constitui o "núcleo estrutural da formação social" (ibid.). Coloca-o mesmo no contexto da acumulação de capital. Os imperativos de aumento permanecem em vigor enquanto "a acção económica seguir exclusivamente o movimento de aumento expresso na fórmula D-M-D', isto é, a acção económica é posta em movimento apenas na perspetiva do lucro, do ganho ou do retorno, e a acumulação de capital continua a ser o sujeito efectivo das relações económicas mundiais" (Rosa 2021, 725s). Os pequenos aditamentos "exclusivamente" e "apenas" tornam claro aquilo de que Rosa está a falar. Uma teoria orientada positivamente não permite a negação do capitalismo. Tem de haver um "pouco" de capitalismo – à semelhança da alienação como base da ressonância – mas não "exclusivamente" e "apenas".
O conceito de capitalismo de Rosa permanece preso ao nível das empresas individuais orientadas para o lucro. Não aborda o contexto da forma capitalista estabelecido pela lei do valor (D-M-D') e pela reprodução dissociada e inferiorizada. Por conseguinte, não pode conceber um irracional fim-em-si da acumulação subjacente à "jaula de ferro", nem o seu limite lógico e histórico. Só pode entender a crise como crise que aparece empiricamente e não como uma crise imanente ao capitalismo que já não pode ser ultrapassada. Também não reconhece que a democracia é parte constitutiva desta formação e não pode ser simplesmente transformada num contrapolo salvador da dinâmica do aumento – nem mesmo com a religião. A questão da dominação não é ligada à forma que constitui o capitalismo, mas à "formação de eixos de ressonância". Eles são "permeados e perpassados por relações de dominação e efeitos de poder" (Rosa 2017, 322). Rosa teme que a negação supostamente abstracta do capitalismo prive "os sujeitos de qualquer esperança e de qualquer ponto de partida para a mudança" e, portanto, de "qualquer experiência prática de auto-eficácia" (ibid., 327). Argumenta de acordo com o lema: o que não deve ser, não pode ser. Ao fazê-lo, nega absurdamente o conhecimento que torna pensável a ruptura com a "jaula de ferro" do aumento em escalada, ou com a constituição da "dominação abstracta" e do seu "sujeito automático", e também a torna viável sob constelações apropriadas. As ilusões da transformação imanente permanecem. E assim a velha ideia "de um rendimento básico garantido e incondicional" (Rosa 2021, 729, ênfase no original) deve servir de exemplo da transformação para uma sociedade pós-crescimento, acompanhada por uma "ética de uma vida boa, porque ressonante" (Kirchhoff 2017, 196) de base religiosa. O fervor mudo e repulsivo de Rosa visa atingir aqueles que se recusam a aceitar o seu "pensamento positivo". Isto inclui todos os que localizam o problema do capitalismo "numa lei abstracta do valor (ou lei da dissociação-valor)" (Rosa 2017, 326). O que quer que Rosa possa ter fantasiado do alto do cavalo da ignorância académica e do "ouvir dizer" permanece oculto. Basta para a suspeita uma negação da negação que põe em perigo o anseio de realização positiva da promessa de salvação na ressonância.
7. Religião "para uma revolução afirmativa"
A "revolução afirmativa" de Rosa (Rosa 2017, 311) tem como objectivo uma revolução no contexto da forma afirmado. Por isso ele precisa de uma religião afirmativa como base intemporal de ressonância. No entanto a religião não pode ser levada a sério sem uma "nota do tempo". Ela está inserida nos contextos históricos em que as tradições religiosas têm o seu lugar – tanto em termos das suas origens, como da sua transmissão e do seu significado no presente. Rosa extrai um "geral" desses contextos, que é então sempre válido, flutuando acima dos tempos, e que pode ser aproveitado como uma fonte intemporal de ressonância em qualquer altura, se necessário. Não se interroga sobre o contexto da oração de Salomão "Dá-me um coração que escute" (1 Reis 3,9), que Rosa cita da Bíblia. Ignora o facto de a oração se referir à Torá como uma directiva para o caminho de libertação de Israel. O conteúdo crítico da dominação é recalcado pelo que é supostamente intemporal. Lida com uma "nota do tempo", a oração citada não é simplesmente um apelo intemporal à ressonância. Pelo contrário, exprime um cepticismo em relação à realeza. Se um rei foi imposto contra a memória da libertação de Israel, ele deveria, pelo menos, respeitar as instruções da Torá e as limitações ao poder real nela prescritas (por exemplo, restrições às suas riquezas, carros e cavalos, proibição de reconduzir o povo ao Egipto, ou seja, de criar em Israel condições semelhantes às do Egipto, cf. Dt 17,14-20). Além disso, a Lei dos Reis sublinha que o rei foi imposto à vontade do povo e contra a "vontade de Deus", que tinha por objectivo a libertação. O factor decisivo aqui não é – como se pode interpretar a partir do nosso contexto contemporâneo – as relações formais de vontade, mas o conteúdo das tradições de libertação, nas quais a ultrapassagem das relações de poder é narrada e reflectida nos contextos correspondentes. É ainda mais importante recordá-lo no tempo de Salomão, pois a disponibilidade de Salomão para escutar não foi tão longe que ele se tivesse abstido de obrigar os israelitas como parte do povo libertado ao trabalho forçado, e ao fazê-lo encontrou-se – em sentido figurado – no caminho de regresso ao Egipto, proibido pela Torá (para o contexto geral, ver Moenikes 2007, 76ss.).
É surpreendente o facto de Rosa não distinguir entre Deus e religião. É precisamente nesta distinção que concordam as abordagens teológicas socialmente críticas, como a "teologia política" de J. B. Metz (cf. 2017) e a teologia da libertação (cf. Richard 1995, entre outros) (para objecções críticas, cf. Böttcher 2015). Deste modo distanciam-se da "intemporalidade" das teologias metafísicas orientadas para um ser supremo ou essência suprema de qualquer tipo ou para concepções idealistas transcendentais que pedem um significado universal da história. Porque recebem o discurso de Deus, que está ligado às tradições bíblicas e portanto ao tempo, no seu conteúdo sensível ao sofrimento e crítico da dominação, e o reflectem como uma objecção às condições dominantes, não são simplesmente compatíveis com a "religião como tal" que, enquanto destilado "intemporal" obtido através da abstracção dos contextos históricos, funciona normalmente como uma compensação afirmativa da miséria dominante – hoje sob uma capa esotérico-terapêutica ou ressonante.
A teologia como discurso de Deus, pelo contrário, implica uma forma de pensamento que atinge "o todo" – não porém em abstracções intemporais, mas mediada pelos contextos da história, tanto no que diz respeito ao passado como ao presente. Hoje em dia tem de referir-se às relações dominantes como uma "totalidade concreta" ou, em termos de crítica da religião, como condições fetichistas e negar a sua constituição. No contexto destas relações os indivíduos não ficam de fora – como Rosa (2017, 326) imputa à "lei da dissociação-valor". Pelo contrário, essas relações reproduzem-se nos indivíduos sem que eles sejam absorvidos por elas. Esta diferença abre possibilidades de ultrapassar as relações e torna desnecessárias as excursões ao ontológico. A condição da verdade do conhecimento não é nem a prova da utilidade ou do significado nem a capacidade abstracta de se ligar ao sentimento e à experiência, mas sim o reconhecimento daquilo que as pessoas têm de sofrer e que vise ultrapassar o sofrimento que pode ser abolido. Não se alimenta de uma capacidade de ressonância intemporal como uma "constante antropológica", mas de uma reflexão crítica sobre o sofrimento das condições que os indivíduos experimentam somática e psicologicamente. Onde dói, a sociedade torna-se tangível e reconhecível.
O facto de Rosa ignorar estas abordagens deve-se provavelmente ao seu pensamento positivo. Para a "teologia política", o extermínio dos judeus, tal como aconteceu em Auschwitz como um fim-em-si, retira da cabeça da teologia qualquer referência a certezas ontologicamente fundadas – incluindo a certeza de Deus – bem como a concepções idealistas transcendentais de um sentido universal da história. Tudo isso nos torna apáticos em relação ao que as pessoas sofrem na história e é acompanhado pela afirmação de relações que deveriam ser negadas. Uma teologia "negativa", que também explicita a memória de Deus sem fundamentos positivos em certezas de salvação e que também se afirma na sociedade negativamente, ou seja, como crítica e como objecção às relações dominantes, não é compatível com Rosa. É precisamente por isso que é compatível com a objecção à concepção de ressonância de Rosa e ao seu recurso à religião.
8. "Revolução afirmativa" e "cristianismo revolucionário"
Os equilíbrios também são procurados na teologia – "equilíbrios do cristão" (Bucher 2019, 150ss.), como aquele entre "agora e ainda não" (ibid., 152). Este equilíbrio aproxima-se do discurso de Rosa sobre a "indisponibilidade". Ele quer proteger o "agora" das circunstâncias de um acesso supostamente totalitário e orientado para o futuro. O resultado final é que o dito do "indisponível" protege a constituição capitalista "disponível" para ser ultrapassada. Embora Bucher critique "a administração do mundo orientada para o lucro", ele quer um "cristianismo no capitalismo" e evita a crítica do contexto social da forma como o diabo evita a água benta. Outros adoptam a ideia de que a política deve ser refundada com base na "premissa de que todo o pensamento discursivo se sente compelido a recorrer ao impensável" (van Reijen 1992/93, 110). Este impensável é um vazio irrepresentável que é pressuposto para a acção política. Em Engel (2016, 40s., 46) torna-se a legitimação da democracia. A religião não entra em jogo aqui como um aumento exagerado do poder político, mas como o governador de um lugar vazio. Manemann (2004, 184) vê nisso "a permanência do teológico político na sociedade moderna". O vazio do processo de valorização que está a impulsionar a crise deve ser travado pela ontologização de um vazio como governador dessa democracia que fortalece o autoritário até ao estado de excepção no aprofundamento da crise. Deste modo, sobretudo os refugiados, mas cada vez mais também outros supérfluos para a valorização da sua força de trabalho, são excluídos do direito e, ao mesmo tempo, incluídos nele (Kurz 2021, 337 ss.). No seu texto "A democracia continua a devorar os seus filhos – hoje ainda mais" (Scholz 2019), Roswitha Scholz deixou claro que a democracia autoritária repressiva e a democracia liberal são duas manifestações da mesma democracia. Independentemente de tudo isto, salvar a democracia faz parte do apelo de Manemann a um "cristianismo revolucionário" (Manemann 2021, 87ss.) – análogo à "revolução afirmativa" de Rosa. O rótulo "revolução" parece obviamente adequado quando o objectivo é criar a aparência do "revolucionário", mas contentar-se com transformações ilusórias sob a aparência do "revolucionário", sem sequer tomar em consideração as formas da constituição capitalista, e muito menos querer rebentá-las.
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Notas
(1) Na sua contribuição "Entfremdung heute" (Alienação hoje) nesta exit!, Roswitha Scholz esclarece que Rosa, seguindo Heidegger, entende o mundo como "aquilo que já é dado a cada consciência como anterior" (Rosa 2021, 66).
(2) Informações mais detalhadas sobre o problema da alienação podem ser encontradas no artigo de Roswitha Scholz. Este artigo aborda principalmente os aspectos que são relevantes para a questão do uso da religião por Rosa.
Original “Die kriselnde ‘Demokratie braucht Religion’. Zu Hartmut Rosas religiös aufgeladenem Resonanzkonzept” in: revista exit! nº 21, Abril de 2024, pag. 120-136. Tradução de Boaventura Antunes (09/2025)