Herbert Böttcher

 

Temos de fazer alguma coisa!

 

Fetichismo da acção numa sociedade sem reflexão

 

 

1. Agir e mudar * 2. O agir enquanto luta pela igualdade e pela influência política na forma capitalista * 3. Agir numa "sociedade sem reflexão" * 3.1 Limites do agir na crise do capitalismo * 3.2 Falsa imediatidade numa "sociedade sem reflexão” * 4. A religião numa sociedade sem reflexão * 5. Que fazer?

 

 

1. Agir e mudar

"Da luta por uma sociedade de imigração e pós-crescimento na Europa" foi o lema do Simpósio da Fundação medico 2016 (1). O jornalista e escritor austríaco Robert Misik voltou-se contra o discurso do medo à direita e à esquerda. Enquanto o ressentimento e a agressividade são promovidos pela direita, a impotência é encorajada pela esquerda (2). Ora, o que ajuda contra o medo e a impotência?

"Quem faz uso da primeira virtude do pensamento crítico recupera o poder de acção: procurar o mundo diferente não 'em desviar o olhar do mal existente', mas no meio do 'movimento real' que 'supera o estado actual'", diz-se na medico em referência a Karl Marx (3). E o "movimento real" do século XXI é rapidamente encontrado. Além das "inovações explicitamente políticas", há as "mudanças diárias nas relações interpessoais e nas atitudes éticas e morais que as sustentam" (4). São mencionados exemplos: solidariedade prática com os refugiados, clínicas de solidariedade auto-organizadas, redes de vizinhança (5).

Tudo isto pode muito bem fazer sentido. Apenas a pretensão auto-formulada teria de esclarecer porque é que estas actividades não são apenas medidas de emergência sensatas, mas também superam "o actual estado de coisas". Pois este estado só pode ser superado se for reconhecido, ou seja, se for claro o que deve ser superado. Pois os "movimentos reais" só podem ser aqueles que visam reconhecer o "estado actual" para poder "superá-lo" ou – mais precisamente e menos hegelianamente – para poder ultrapassá-lo.

Os movimentos sociais – desde os movimentos operários tradicionais aos novos movimentos sociais – estão a mover-se muito "em águas turvas". O seu âmbito vai desde a fuga para o concreto até ao geral – dependendo das necessidades. Às vezes são projectos concretos ou actores concretos a quem se dirigem as exigências, às vezes são apelos ético-morais gerais ou visões abstractas que prometem orientações para a acção. A todo o custo, porém, pretende-se evitar a questão de saber o que os fenómenos individuais, desde a fuga de pessoas até à permanente deterioração das condições laborais e sociais que encontramos "nas más condições existentes", têm a ver com a totalidade das condições sociais a serem ultrapassadas. Uma vez que esta questão não deve ser colocada, por medo da impotência política paralisante, pretende-se buscar a salvação numa acção que salte entre projectos, "rogos" a actores económicos e políticos e sermões ético-morais, entre o "concreto" e o "geral". Tal acção tem de permanecer indeterminada no que diz respeito ao "estado a ser superado" – como diz a medico. Sua indeterminação expressa-se em fórmulas vazias de acção, como por exemplo: Temos que fazer alguma coisa – isto é: o principal é fazer algo, seja o que for –, ou desemboca em apelos moralizantes como: Temos de mudar. A mudança é tudo. Deve "tornar-se ADN" – como nos ordena o novo Ministro da Economia da Renânia do Norte-Vestfália, Andreas Pinkwart, do FDP (6).

Duas conexões do problema se tornam aqui claras: por um lado, tanto no marxismo do movimento operário como na figura das reformas sócio-liberais e na vida do dia-a-dia, quando se trata de agir, a socialização da dissociação-valor – ou seja, o "patriarcado produtor de mercadorias" (Roswitha Scholz) (7) – já é sempre assumida sem reflexão como forma social fetichista. Em segundo lugar, com o agravamento da crise do capitalismo, uma nova situação está a emergir. O campo de acção torna-se mais estreito porque encontra os limites estabelecidos pela forma social. Estes não podem ser ultrapassados por um esforço da vontade – de acordo com o lema "querer é poder". É importante reflectir sobre estas duas questões.

 

2. O agir enquanto luta pela igualdade e pela influência política na forma capitalista

O teólogo Ton Veerkamp lamenta a falta de alternativas a que leva o discurso de Fukuyama sobre o fim da história em mercado livre e democracia:

"O novo Evangelho de Fukuyama também foi o fim das grandes narrativas da burguesia ocidental, da narrativa da verdadeira liberté, liberdade, da verdadeira égalité, igualdade, da verdadeira solidariedade, como hoje chamamos a fraternité. Ela foi actualizada na grande narrativa do movimento operário, a narrativa daqueles que levaram a sério a narrativa da burguesia, verdadeira liberdade, verdadeira igualdade, verdadeira solidariedade, não só na igreja, mas também na fábrica." (8)

Aqui a história do movimento operário torna-se a continuação ou a conclusão da história burguesa. Ela completa-se estendendo as suas promessas de liberdade, igualdade e solidariedade a todos. A prometida igualdade também deveria tornar-se uma realidade para aqueles que, especialmente como trabalhadores, foram excluídos das bênçãos da sociedade burguesa. A igualdade não deve ser aplicada apenas politicamente, mas também economicamente, não apenas na política, mas também na fábrica. A igualdade na sociedade burguesa foi o objectivo não só da maioria do movimento operário, mas também da maioria dos movimentos de escravos e de mulheres.

Especialmente no movimento operário, as lutas foram vistas no contexto da contradição entre capital e trabalho. O capital representava o ponto de vista da dominação, o trabalho o ponto de vista da libertação. As relações sociais de poder foram representadas pelo poder do capital sobre os meios de produção e de trabalho e, portanto, sobre os meios indispensáveis à vida humana.

Não se deve negar que as lutas de libertação, como lutas pela participação e pela igualdade, facilitaram a vida das pessoas. No entanto, pelo menos desde o fracasso do socialismo, teria sido necessário reflectir autocriticamente que todas as tentativas de emancipação ficam aquém, quando se movem dentro do contexto social fetichista constituído pelo capital e pelo trabalho e, ao mesmo tempo, no quadro da dissociação da área da reprodução. Neste contexto, valor e dissociação já são sempre pressupostos, o valor, na medida em que a sociedade capitalista está orientada para o fim-em-si irracional e abstracto da multiplicação do dinheiro através da produção de mercadorias, ou seja, através da produção de valor e mais-valia, e a dissociação, na medida em que a reprodução com conotação feminina é o pressuposto tácito para a produção de mercadorias.

Não se reconhece que, tal como o capital e o trabalho, o Estado e a política também co-constituem o contexto fetichista da forma capitalista de sociedade. Eles dependem do processo de valorização e só podem ser configurados e controlados dentro do espaço de manobra tornado possível pela criação de valor. Dentro deste quadro, o Estado assume a sua tarefa como "capitalista global ideal" (Friedrich Engels). Tendo em conta a concorrência desconexa das empresas individuais, a sua tarefa é criar um quadro social global para a produção e a reprodução. Só o pode fazer na medida em que o processo de criação de valor lhe forneça os recursos necessários.

Inserido no contexto do fetiche capitalista, está também o sujeito que se julga autónomo e livre. O seu conhecimento autónomo parece ser incondicional, a sua acção parece ser essencialmente controlada pela sua vontade. Mas o seu pensamento e a sua acção sempre estiveram sujeitos aos constrangimentos irreflectidamente pressupostos do contexto da valorização e às bases reprodutivas dele dissociadas. O que lhe parece pensamento e acção livres sempre afirmou o fetiche capitalista como um facto evidente e irreflectido.

Nesta base, o sujeito torna-se o agente do trabalho abstracto. Enquanto nas sociedades pré-modernas as actividades marcadas por um esforço árduo se deviam à necessidade de um "metabolismo com natureza" num baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas, nas sociedades capitalistas modernas, quando as forças produtivas estão mais desenvolvidas, o trabalho está sujeito à compulsão de servir ao fim-em-si capitalista abstracto e irracional de produzir riqueza abstracta, que se expressa quantitativamente em dinheiro e é indiferente ao conteúdo material. O concreto só pode ser tido como portador do abstracto, o valor de uso da mercadoria só como portador do valor de troca, a riqueza com conteúdo material só como portadora da riqueza abstracta.

O trabalho, submetido ao fim-em-si capitalista de aumentar a riqueza abstracta, é parte da constituição de uma dominação abstracta e inconsciente, independente do pensar e do agir dos actores. Marx descreveu-a com o conceito paradoxal do "sujeito automático" (9). O sujeito está ao serviço de um automatismo em que o dinheiro é utilizado como capital para produzir, através do dispêndio de trabalho abstracto, valor e mais-valia que é expressa em termos de mais-dinheiro após a troca das mercadorias. O automatismo precisa de sujeitos que o ponham em movimento e o mantenham em movimento. Neste sentido, o sujeito é "o agente de um contexto sistémico cego, que põe em movimento o 'sujeito automático' através do seu próprio padrão de acção pré-estruturado" (10).

Mas então o sujeito não é autónomo, mas sim integrado no "auto-movimento das categorias reais capitalistas". Estas foram "inconscientemente criadas" pelos seres humanos. E agora tornaram-se "independentes precisamente porque ... os indivíduos realizam a sua vida nessas categorias, já não querem imaginar outra coisa para si e buscam a todo o custo a sua felicidade em corresponderem às exigências produzidas por esta matriz" (11). Seus pensamentos e acções são determinados por esse contexto fetichista inconscientemente criado, autonomizado e não reflectido. Portanto, a acção política também é fetichista. Ela move-se dentro das polaridades de mercado e Estado ou economia e política, prática e teoria, estabelecidas pela forma do fetiche. Deste modo – dependendo da constelação – o Estado social pode ser invocado contra o mercado, o mercado neoliberal pode ser reforçado contra o Estado, a prática pode ser jogada contra a teoria, ou a teoria pode ser posta ao serviço da prática.

Nos movimentos sociais, a acção política torna-se sobretudo uma questão de vontade política ou de interesses a impor contra o poder político-económico. No entanto, o "estado actual" não pode ser "superado" ou ultrapassado pela mudança do equilíbrio de poder dentro da forma capitalista e das polaridades com ela estabelecidas, ou seja, entre capital e trabalho, mercado e Estado, teoria e prática. O capital e o trabalho já são sempre pressupostos como um contexto fetichista e não são postos em discussão, nem tão pouco a dissociação da reprodução e a relação patriarcal de género. As pessoas como seres sociais permanecem subordinadas aos movimentos das mercadorias por elas produzidas e às relações sociais por elas constituídas de um "patriarcado produtor de mercadorias". O seu pensamento, a sua vontade e a sua acção são quebrados pela dominação abstracta, que é constituída pelo valor e pela dissociação.

Como agente do trabalho abstracto, integrado no fetiche do trabalho e do capital, o sujeito não pode ser um "sujeito revolucionário". Através da sua integração no contexto fetichista, o seu pensamento e acção supostamente autónomos são reduzidos ao quadro estabelecido pela forma social. Aqui o sujeito revela-se "uma categoria do próprio capital, ou uma função do 'sujeito automático' do trabalho abstracto e do valor" (12). Então a categoria da práxis ou a precedência da práxis sobre a teoria também se torna problemática. A práxis dos sujeitos é, antes de qualquer reflexão, sempre integrada nas formas fetichistas dominantes que parecem plausíveis ao sujeito da acção:

"Trabalhar, ganhar dinheiro, etc., mas também as relações de género acontecem de certo modo à semelhança da porca selvagem a escavar à procura da bolota ou da aranha a tecer a teia. É por isso que o absurdo de indivíduos que não agem conscientemente em termos sociais, mas de acordo com mecanismos cegos, aparece como o óbvio e já sempre pressuposto. A consciência dos indivíduos, precisamente porque eles estão separados dos mecanismos e das formas fetichistas e seus mecanismos, não se refere ao carácter social das suas acções, mas ao cálculo imanente pré-definido de acordo com os critérios pré-definidos nestas formas imanentes" (13).

Tal como a práxis dos sujeitos, também a teoria produzida sob a primazia de tal práxis permanece integrada no contexto fetichista que se pressupõe sem reflexão. Tal teoria é utilizada ou para justificar as relações pressupostas na prática – por exemplo, na figura da administração de empresas / economia ou da teoria de sistemas – ou para fundamentar uma prática de modernização das relações, que procura a mudança dentro do quadro das formas sociais pressupostas e, portanto, alterando as relações de poder dentro da relação fetichista de capital e trabalho, mercado e Estado, etc. Tal teoria entra ao serviço de um tratamento da contradição prático. Segue os passos da luta pelo reconhecimento nas formas do direito e do Estado e pela auto-afirmação nas formas de trabalho abstracto, valor e dissociação. (14)

 

3. Agir numa "sociedade sem reflexão"

3.1 Limites do agir na crise do capitalismo

À medida que a crise do capitalismo avança, a margem de acção nas formas fetichistas pressupostas torna-se mais estreita. Assim, os actores da acção individual e política esbarram nos limites do seu agir e experimentam a impotência individual e política. A crise do capitalismo toca a capacidade de acção dos sujeitos, na medida em que a sua base é o dispêndio de trabalho "substância do capital". Devido à "contradição em processo" (Karl Marx) associada ao capital, o capital em concorrência é forçado a substituir trabalho por tecnologia. Com as revoluções microelectrónicas, esta contradição lógica também esbarrou historicamente em limites que já não podem ser compensados, uma vez que agora é necessário eliminar mais substância de trabalho do que aquela que poderia ser compensada através da expansão e da redução do preço dos produtos. Deste modo, porém, o capitalismo socava não apenas os seus próprios fundamentos, mas também a capacidade dos sujeitos de agir como agentes do trabalho abstracto.

A ilusão da capacidade de agir é no entanto mantida, na medida em que o dinheiro, fiel à lógica pós-moderna, na qual o mundo é constituído por uma multiplicidade de signos, é também desligado do seu contexto objectivo e declarado um signo. A sua validade é desligada do contexto objectivo da produção de mercadorias, no qual representa um trabalho abstracto e, portanto, um valor e uma mais-valia. É reconhecida como válida com base numa convenção social. Assim, a oferta de dinheiro pode ser aumentada de acordo com as necessidades económicas. Novas possibilidades de acção parecem abrir-se através da disponibilização da oferta de dinheiro – até sonhos alternativos de poder garantir estabilidade e libertar dinheiro para investimento social através de um imposto sobre as transacções. A realidade negativa parece poder ser ignorada e dissolver-se numa intencionalidade totalmente determinadora. Perante tais ilusões, Robert Kurz salientou que "o significado de validade objectiva (no sentido da relação de fetiche autonomizada e reificada)" não deve ser entendido no sentido de "validade subjectiva (no sentido da concepção burguesa de contrato e decreto)" (15). A "validade objectiva" do dinheiro resulta do facto de representar o dispêndio de "trabalho abstracto" e, portanto, valor. O dinheiro fictício só pode prolongar a crise enquanto a ligação com o dispêndio de trabalho abstracto e com a conexa produção de valor e mais-valia não se desfizer.

A medida em que este fio está sujeito a um teste de tracção é demonstrada pela alternância cada vez mais rápida entre as polaridades capitalistas de mercado e Estado, e de economia e política, no curso da crise. Perante o agravamento das crises do financiamento estatal e da valorização económica, o neoliberalismo concentrou-se no fortalecimento do mercado e da economia através da privatização, desregulamentação e cortes sociais. Contra a suposta omnipotência da economia e os crescentes problemas sociais, sindicatos e movimentos sociais apelaram ao Estado e ao seu poder regulador. Uma saída parecia ter sido encontrada na milagrosa multiplicação do capital através da compra e venda de títulos financeiros sem ter de passar pela produção real de mercadorias. Foi criada uma acumulação simulada com o resultado de "dinheiro sem valor" (Robert Kurz), de cuja injecção endovenosa a economia real se tornou dependente, através de circuitos de déficit global. Os limites "naturais" de uma economia simulada apoiada por dinheiro sem valor foram repetidamente mostrados pelo estouro das bolhas. Sobretudo a explosão da bolha imobiliária trouxe o Estado de volta ao palco para resgatar os "bancos sistemicamente importantes" (Angela Merkel). É evidente que chegarão ao fim não só os processos de modernização conduzidos pelo Estado nos países dos dois terços do mundo, com a desintegração dos Estados que já não podem ser financiados, mas também o ping-pong entre mercado e Estado ou economia e política nos países do Norte global.

 

3.2 Falsa imediatidade numa "sociedade sem reflexão”

Perante todas as experiências de crise e catástrofe social, pareceria óbvio reflectir criticamente sobre os limites da socialização capitalista. Em vez disso, denuncia-se o pensamento teórico, que procura reflectir sobre os fenómenos individuais no contexto das relações sociais. No início do novo milénio, Robert Kurz já tinha diagnosticado o caminho para uma "sociedade sem reflexão":

"A real contradição social, que no actual estágio não é mais controlável, deve simplesmente ser banida do pensamento. O fim sombrio do desenvolvimento moderno é absurdamente festejado como transição para um "pragmatismo sem ilusões". Juntamente com a crítica social, é o pensamento reflexivo em geral que chega ao fim." (16)

A contradição ligada ao limite lógico interno, que consiste em necessitar de trabalho para multiplicar o capital, mas ao mesmo tempo ter de substituir o trabalho por tecnologia devido à concorrência que força à eficiência e ao embaratecimento, poderia ser tratada na imanência capitalista desde que houvesse possibilidades de compensar suficientemente o desaparecimento do trabalho. Como o limite lógico agora também esbarra no seu limite histórico e assim se torna actual, a perspectiva de reflectir sobre esses limites e com eles sobre o fim da socialização capitalista seria óbvia. Na medida em que o pensamento se move dentro das formas sociais irreflectidamente pressupostas, além de esbarrar no limite lógico e histórico da valorização do capital, ele também esbarra nos limites da reflexão que lhe é possível. A reflexão também sente a impotência que se estabelece com a objectividade das circunstâncias. Já não há uma prática imanente que possa ser pensada no interesse da mudança. Mas, em vez de fazer desses limites imanentes da acção e da reflexão o objecto da reflexão crítica, a reflexão deixa de funcionar.

E, no entanto, vai-se agindo. Afinal, a crise tem de ser "administrada" – entre outras coisas, através de cortes sociais e da activação de empresas e indivíduos. Porém, quanto mais a crise avança, mais claramente se tornam visíveis os limites da possibilidade da sua administração. Isto deixa claro que o jogo acabou – tanto o jogo de multiplicar no casino dinheiro sem valor e as ilusões de "vale tudo" a ele associadas, como o jogo de pingue-pongue entre mercado e Estado, que está a tentar diluir a crise. Com o desaparecimento do trabalho, ambos – mercado e Estado – perdem a sua base. Esta última situação é particularmente evidente nos fenómenos de colapso de Estados e de economias de pilhagem que se espalham nos espaços vazios (17 ). Mas também aqui existe uma "necessidade de acção": é necessária uma intervenção militar para proteger as zonas de acumulação que restam da ameaça de violência vinda das regiões em colapso, bem como dos refugiados. Mesmo o presidente da Comissão Justitia et Pax da Alemanha e bispo de Trier, Stefan Ackermann, não quer negar sua bênção a uma tão "urgente necessidade de acção"."O reforço da cooperação europeia – onde bem sucedida, também militar – é um pré-requisito para a necessária capacidade de acção a longo prazo.” À luz da luta contra o terrorismo, o envolvimento militar da República Federal é facilmente compreensível, informou o Bispo através do gabinete de imprensa episcopal de Trier. (18)

O "pragmatismo sem ilusões" que se vangloria de poder prescindir do lastro irritante da reflexão em forma de pensamento teórico, e ao mesmo tempo denuncia o pensamento crítico como teoria elitista supérflua e desprendida que passa ao lado dos problemas concretos das pessoas, equivale a uma administração da crise que se torna cada vez mais autoritária com o agravamento da crise. No horizonte dos pensamentos fáceis e da linguagem fácil, resta para muitos o caminho mais fácil: em vez do exame crítico das circunstâncias, que parece demasiado teórico, os culpados são concretizados em "falsa imediatidade" (Theodor W. Adorno) – em "os" estrangeiros, "os" refugiados, "os" políticos, "os" banqueiros, etc. A raiva irreflectida dos cidadãos preocupados consegue um objecto sobre o qual pode agir.

A viragem para uma aliviante falsa imediatidade que se manifesta em concretismos não caiu do céu apenas com a intensificação da "viragem à direita" tornada notória nas eleições federais de 2017. Mesmo antes da crise financeira de 2008, os indicadores de falsa imediatidade e concretismo já eram visíveis:

·Em 2005 Franz Müntefering quis reavivar um pouco o petrificado SPD com uma "crítica concretizadora do capitalismo". Ele trouxe a "praga dos gafanhotos" para o centro das atenções. O problema é identificado como sendo o "capital financeiro rapinante". Se ele fosse detido, os problemas estariam resolvidos. O facto de, com a distinção entre o bom capital criador e o mau “capital rapinante' conotado com os judeus, se servir o anti-semitismo estrutural ou mesmo directo não é problema para uma suposta crítica do capitalismo, mas sim uma vantagem: ela pode alcançar aqueles que, perante a crise do trabalho abstracto, têm de circular no mercado como trabalhadores assalariados precários entre relações de trabalho assalariado variáveis, falso auto-emprego e prestações sociais públicas – isto é, em condições em que cada um se torna "pequeno burguês de si mesmo" (19) que, como capital humano individualizado, é receptivo aos concretizadores slogans populistas de direita.

·Isto corresponde à individualização da crise social, em que cada um deve tornar-se um empresário do seu capital humano, sendo obrigado a permanecer competitivo nos processos de auto-optimização permanente e a apresentar-se de tal modo que se destaque através de um design apelativo. A auto-optimização e a auto-apresentação permanecem vazias de conteúdo. A auto-optimização tem a ver com a optimização das competências formais e a auto-encenação tem a ver com dar nas vistas seja como for.

·O indivíduo não é apenas "Eu, S.A.", mas também é suposto ser "Alemanha", como se propagou na campanha realizada em 2005. "Enquanto a Alemanha-S.A. é desmantelada em termos de economia real, ensaia-se, no meio do furacão do capitalismo de crise global, o ressurgimento da comunidade popular alemã como comunidade ideológica de emergência e coerciva.” (20) O "estado de optimismo patriótico", como Jürgen Klinsmann constatou em vista do conto de fadas de verão do mundial de futebol "em casa", com bandeiras alemãs por toda parte, chegou bem a tempo. (21)

Por trás da falsa imediatidade já patente nos exemplos mencionados, existe a necessidade de concretizar situações problemáticas e de as banir num modo de acção fetichista. Não é por acaso que neste conglomerado de recalcamento da crise, que marginaliza o conteúdo e a ponderação reflectida, Pegida, AfD etc. podem crescer e florescer. Eles articulam a necessidade da sociedade de concretizar os culpados por problemas complexos em falsa imediatidade. Culpados que são apresentados em "os" estrangeiros, "os" refugiados, "os" banqueiros, "os" políticos. No entanto, o que pode ser visto nas supostas franjas da sociedade não é um "fenómeno marginal", mas sim a expressão de processos no "centro" da sociedade, que também são evidentes no chamado espectro "de esquerda": na concretização estruturalmente ou mesmo directamente anti-semita da crise do capitalismo no capitalismo de casino, na polarização dos pobres em alemães e estrangeiros no partido "Die Linke". Tais concretizações imediatas abrem possibilidades de acção imediata. Quando os culpados e os responsáveis são identificados, problemas complexos parecem controláveis. Eles podem aparentemente "ser removidos do mundo pela acção imediata. Em vez de compreender que não pode haver soluções na forma da dissociação-valor, tenta-se exorcizar a impotência daí resultante com o fetichismo da ação." (22).

A carácter social narcisista encontra expressão reforçada nos agressivos processos de negação e recalcamento da crise, nos quais a falsa imediatidade da acção é combinada com a abolição da reflexão substantiva. Ele surge no contexto da crise do capitalismo, que tem de ser processada por indivíduos pressionados para a forma de sujeito. Juntamente com o trabalho e a família, desmoronam-se os fundamentos da subjectividade burguesa . O sujeito do trabalho fica sem trabalho e a família como local de reprodução perde a sua base. Isto abala as possibilidades de sublimar a subjectividade burguesa associada ao trabalho e à sua promessa de sucesso e prosperidade. Perante promessas vazias, o adiamento da pulsão faz tão pouco sentido quanto um compromisso vinculativo com um objecto. As necessidades clamam por satisfação imediata através de um peito materno sempre novo, problemas clamam por uma solução imediata através da concretização de culpados e estratégias de acção correspondentemente imediatas. A referência ao mundo exterior dos objectos é fundamentalmente perturbada. Assim, o carácter social narcisista está sob a compulsão de assimilar objectos, ou de os repelir ou destruir como ameaçadores. (23) Nesta matriz, as questões de conteúdo só são significativas se forem "percebidas e processadas em relação directa com o próprio eu" (24) ou se puderem desencadear preocupação e puderem ser tratadas como questões pessoais. Caso contrário, elas são negadas ou agressivamente recusadas como ofensivas exigências excessivas ou ameaças.

Isto ajuda a entender por que as pessoas reagem tão alergicamente, ignorando-as ou recusando-as agressivamente, a análises extenuantes e complexas que são experimentadas como impotentes e também bloqueiam uma saída para a falsa imediatidade do concretismo e do fetichismo da acção. Elas não podem suportar a distância reflexiva nem a falta de uma estratégia imediata de acção.

Quanto mais a crise avança, mais as pessoas que se tornam irreflectidas parecem fundir-se com o mundo como ele é, num anti-intelectualismo autoritário e agressivo. Os indivíduos transformados em sujeitos ameaçam tornar-se um com a sua valorização ou com a sua exclusão em estado de desvalorização.

A reflexão, como capacidade de se colocar ao lado de si mesmo para olhar para si mesmo e para as circunstâncias "de fora", por assim dizer, parece tornar-se mais difícil. A percepção de que ser um sujeito supostamente autoconsciente é ser apenas um apêndice ou material de um processo de valorização e dos momentos de dissociação que o acompanham é dolorosa porque é decepcionante, ou seja, provoca desilusão. Além disso, não há alternativa que possa ser implementada imediatamente. A reflexão teórica que permanece na imanência da socialização capitalista atinge o limite porque não pode mais esperar por uma nova etapa num processo de desenvolvimento. Ela ganhava a sua dinâmica na crítica a um estado alcançado como etapa de transição para um futuro melhor, para uma etapa seguinte da escala do desenvolvimento no contexto de um movimento de progresso perpétuo. Mas tal progresso estava ligado à metafísica do dinheiro, que se multiplica infinitamente num processo supostamente infinito de autovalorização do capital.

Parece tornar-se cada vez mais difícil pensar para além da imediatidade de fenómenos ou experiências individuais. Perante o aumento também dos fardos individuais – não em último lugar devido às limitações inconclusivas da auto-optimização e ao perigo omnipresente de fracasso, apesar de todos os esforços – procuram-se e oferecem-se alívios imediatos, ou seja, não-reflexivos. Isto implica a activação da orientação racista, sexista, anti-semita e anticigana, que é possível a qualquer momento, e o seu serviço por uma administração da crise, que está sob pressão para agir, mas permanece integrada na forma social. A administração da crise também se está a tornar cada vez mais incapaz de agir – e nada pode ser feito quando se pretende que os problemas possam ser resolvidos emancipatoriamente. Assim, a incapacidade de acção das administrações da crise, que aumenta com a crise, ameaça transformar-se em orientações autoritárias e, onde as bases económicas também são retiradas aos aparelhos de segurança militar e policial, no asselvajamento de uma luta pela vida que se trava na "guerra de todos contra todos".

Bloqueadas estão também as opções de acção dos movimentos sociais fechadas na imanência capitalista. Em vez de reflectir criticamente sobre a sua própria impotência no contexto formal da imanência capitalista e avançar para uma crítica radical do capitalismo, ou seja, que vá as raízes, o seu objectivo mais alto parece ser participar na administração da crise, ou pretender criar alternativas sem ter de passar pelo purgatório de uma crítica radical da sociedade capitalista (25). Assim, facetas isoladas são arrancadas do todo das relações, na ilusão de poder criar uma alternativa num nicho. É o que acontece com dinheiro regional, anéis de troca e lojas gratuitas, renda básica a um nível miserável, economia solidária e do bem comum, que não tocam na forma da socialização capitalista. Na área da igreja, a Cáritas e a pastoral refugiam-se em orientações "para o mundo da vida", que encontram a sua expressão no conceito da chamada "abordagem sócio-espacial". Pelo menos nos 'pequeninos' ambientes do mundo imediato da vida, procura-se o sucesso numa práxis que admite, sem o dizer, que já não pode alcançar o nível das macro-estruturas sociais. A práxis torna-se a configuração de pequenos mundos da vida na imediatidade do próprio espaço social e reduzida ao quadro que as condições de crise ainda permitem. Assim podem ser criados parques infantis, instalações degradadas podem ser reparadas, espaços verdes podem ser mantidos, etc. Aos que estão em actividade é dada a impressão de terem influência e de serem praticamente eficazes. As possibilidades de se poder fazer "algo" continuam limitadas ao espaço imediato e ao quadro que a situação de crise permite. Em última análise, por trás da abordagem sócio-espacial, muitas vezes euforicamente proclamada, admite-se que, com a prática pastoral e a Cáritas, não se pode configurar socialmente mais do que o pequeno mundo das áreas alimentares. É a expressão da adaptação a relações que estão imunizadas a qualquer reflexão crítica. Tal reflexão também poderia voltar-se para a própria prática e torná-la reconhecível como aquilo que é: como uma fuga para a "pseudo-actividade" ou para o concretismo da falsa imediatidade, e como evasão à exigência de reflexão crítica e da necessária ultrapassagem das condições destrutivas. Insistir na prática torna-se aqui – longe de ser uma "instância de objecção contra a reflexão auto-satisfeita" – "o pretexto para que os executores estrangulem como vão o pensamento crítico do qual carecia a práxis transformadora." (26). A importância humanitária do enfrentamento solidário da crise e da melhoria da qualidade das condições de vida imediatas não deve ser subestimada, contra o asselvajamento barbarizante na luta de todos contra todos. Mas, sem uma reflexão sobre o contexto do todo social, daí não sairá nenhuma alternativa à barbarização inerente à socialização capitalista.

 

4. A religião numa sociedade sem reflexão

Analogamente a uma sociedade sem reflexão, desenvolve-se uma religião sem reflexão. Já nos anos 90, Johann Baptist Metz tinha trazido um redespertado entusiasmo pela religião com a fórmula "Religião, sim – Deus, não" (27). Com isso ele descreveu uma tendência em que a religião é muito requisitada como exaltação espiritual e alívio da stressada vida quotidiana, mas o discurso sobre Deus entra em crise ou evapora-se. Hoje René Buchholz fala de um "Falso regresso da religião" (28). A falsidade aqui é o fundamentalismo ligado ao interesse religioso.

Em textos originais religiosos como a Bíblia ou o Alcorão procuram-se certezas cuja segurança não pode ser posta em causa pela reflexão crítica sobre o contexto histórico dos textos. Os textos sagrados originais são tão privados da reflexão crítica da história como da questão de saber se e como as suas afirmações podem ser justificadas. Eles são válidos intemporalmente e sem justificação – então como agora.

Enquanto depois dos anos 60 os movimentos religiosos se tinham entendido no horizonte da 'Teologia Política' de crítica social, ou da 'Teologia da Libertação' surgida na América Latina, "hoje a regressão religiosa mundial tornou-se o detonador da barbarização. Isto aplica-se a todas as religiões sem excepção, tanto ao fundamentalismo católico da “Opus Dei” como às seitas protestantes, ao islamismo, aos messiânico-teocráticos ultras judeus, ao movimento hindu de extrema-direita, aos budistas racistas do Sri Lanka, etc." (29) No retrospectivo olhar transfigurante de uma situação original incólume eles ganham a sua aura e "aparecem como uma saída para a situação precária e ao mesmo tempo como uma parte ameaçada da própria identidade considerada imutável" (30).

Além disso, surge uma variante mais leve, mas não menos fundamentalista, da religião. É oferecida como espiritualidade nos mercados esotéricos, mas também pelas igrejas que, como igrejas empresariais, querem permanecer competitivas, apesar da diminuição da procura de Deus. As ofertas buscam o sucesso ligando-se directamente às sensibilidades dos indivíduos: à busca do aumento da felicidade através da vivência intensiva e da experiência espiritual, ao alívio dos stressados através do bem-estar, ao sentido e à proximidade para aqueles que falharam na competição ou estão atormentados pelo medo do declínio social. Na imediatidade com que as necessidades individuais são abordadas, o contexto social não é superado, mas tornado invisível. As exigências irracionais que as pessoas têm de suportar, bem como o absurdo de uma sociedade que se submeteu à compulsão irracional de multiplicar o dinheiro, estão de facto omnipresentes, mas não devem ser nem se quer que sejam compreendidas.

Para que as ofertas espirituais no mercado sejam bem sucedidas, este contexto social e com ele a realidade têm de ser escondidos. Elas têm de ser ricas em vivência e experiência, e ao mesmo tempo vazias de conteúdo e livres de reflexão. Seu fundamentalismo baseia-se no facto de que o mundo como ele é, e a fusão dos indivíduos com ele, sempre foi pressuposto sem fundamento, autoritariamente e com hostilidade à reflexão. Elas reflectem o que Theodor W. Adorno tinha descrito em seus estudos sobre o carácter autoritário: "A superioridade do existente ... sobre o indivíduo e suas intenções" deve "ser reconhecida" como realismo e implica "classificar-se como um apêndice da máquina social" (31). Com o pressuposto autoritário do mundo tal como ele é, exclui-se qualquer ideia de que o mundo também poderia ser diferente. Ele está encerrado numa imanência fechada, exagerada por uma espiritualidade desprovida de conteúdo, que renuncia a qualquer pensamento capaz de ultrapassar o seu objecto num nível que o transcenda.

 

5. Que fazer?

Se não se quiser que os processos de crise levem à barbarização, é necessário nada menos que "superar o estado actual". O "poder da acção" não pode ser obtido sem o reconhecimento e a negação do que constitui este estado como um contexto da forma social, ou seja, o valor e a dissociação e os níveis de produção ideológica, bem como o nível cultural-simbólico e o nível psicossocial, que são mediados por eles, mas também ligados a uma dinâmica própria. Em vista deste contexto, a proclamação de um primado da práxis também é enganosa, pressuposta a práxis, assim como o sujeito seu portador, já como o "estado a ser superado".

Perante as pressões de imediatidade, é necessária uma reflexão que possa ganhar distância do estado de uma sociedade fechada na forma de socialização capitalista. Isto pressupõe uma ruptura epistemológica, isto é, em termos de teoria do conhecimento, com a forma e com o seu característico pensamento nas polaridades de capital e trabalho, de mercado e Estado, mas também nas de sujeito e objecto, de teoria e práxis. Em vez de se instrumentalizar o conhecimento teórico pela e para a prática, seria importante entender a reflexão teórica como um momento independente da emancipação social. Como um mero instrumento da prática, ela tem de permanecer dentro dos limites estabelecidos pela forma das relações capitalistas. Nesta prisão ela torna-se – como na Idade Média uma vez a filosofia foi entendida como ancilla theologiae (serva da teologia) – "a gata borralheira de premissas políticas e formas sociais de vida a-científicas e pré-científicas que ela tinha de servir como serva da legitimação" (32).

"É do interesse da própria práxis que a teoria reconquiste a sua autonomia", diz a "Dialéctica Negativa" de Adorno (33). O pano de fundo desta afirmação é a percepção de que, na necessária unidade de teoria e práxis, a teoria foi derrotada e tornou-se "uma peça da política", "para fora da qual ela gostaria de conduzir; ela está entregue ao poder" (34). Uma práxis diferente só é possível se a reflexão teórica puder emergir da sua sujeição funcional a uma práxis já determinada pelas circunstâncias e ganhar o seu próprio peso. Mas então a tensão entre teoria e práxis tem de ser aguentada, contra as tentativas de conciliar a tensão entre teoria e práxis, incluindo a reflexão crítica como 'práxis teórica' sob o conceito de práxis. É necessário recusar "toda e qualquer ‘fusão’ da reflexão crítica com a ‘contrapráxis’ pré-estabelecida do tratamento da contradição imanente, ou até porventura com a metafísica do quotidiano". "Para poder romper essa constituição fetichista, tanto a ‘práxis teórica’ como a ‘contrapráxis’ imanente têm de passar, cada uma delas no seu campo respectivo, por um processo de transformação, até que ambos os lados vão além de si mesmos e possam fundir-se apenas no resultado. Portanto, a célebre ‘unidade entre teoria e práxis’ não pode ser já um pressuposto, mas apenas telos imanente da crítica categorial; ela coincide com a transcendência real, ou então não existirá” (35) Tal transcendência é do interesse da emancipação social. Ela abre possibilidades para conhecer e negar os limites estabelecidos pela socialização capitalista. Sem esse conhecimento, "a práxis que sempre quer transformar não poderia ser transformada" (36)

Mesmo a partir de uma teoria como elemento independente da práxis emancipatória, nenhuma maneira ideal de ultrapassar o capitalismo pode ser derivada e implementada como modelo. A teoria não pode substituir a práxis emancipatória. Somente num movimento social que negativamente ultrapasse os limites estabelecidos pela forma capitalista parecem possíveis vias para ultrapassar o capitalismo. Neste sentido, seria importante insistir e lutar por exigências que não podem ser satisfeitas no capitalismo. Isto inclui a luta pela satisfação das necessidades básicas, assim como a luta contra os baixos salários e condições precárias de trabalho e pelos "serviços públicos", em suma, por tudo o que é possível, tendo em vista a riqueza material e o nível das forças produtivas, mas falta, devido à compulsão de que a riqueza material no capitalismo só pode ser representada e ter significado como riqueza abstracta. Neste sentido, "outro mundo" será possível, mas apenas numa ruptura com a forma capitalista de riqueza abstracta. Este será o pré-requisito para uma orientação para as necessidades da vida das pessoas e para a produção dos bens para isso necessários. As exigências correspondentes terão, portanto, de saber e deixar claro que não são de modo nenhum erguidas a partir de uma situação fora da forma do valor e da dissociação, mas que anunciam a reivindicação da sua ultrapassagem. Esta reivindicação, no entanto, já seria desmentida se, no interesse da mediação e da capacidade de mobilização, os limites da forma capitalista da sociedade que têm de ser ultrapassados não pudessem mais ser abordados: Pois "nenhuma teoria tem o direito de, em nome de uma modéstia agitadora, se colocar de modo estúpido contra o estado de conhecimento objectivamente alcançado. Ela precisa reflecti-lo e levá-lo adiante. A unidade entre teoria e práxis não foi pensada como concessão à fraqueza do pensamento que é um produto disforme da sociedade repressiva." (37).

 

 

(1) Ver Thomas Seibert, Stiftungssymposium: Vom Kampf um eine Einwanderungs- und Postwachstumsgesellschaft [Simpósio da Fundação: Da luta por uma sociedade de imigração e pós-crescimento], in: medico international, rundschreiben 2/16, 41-43.

(2) Ver Ibid., 41.

(3) Ibid.

(4) Ibid.

(5) Ver Ibid.

(6) Kölner Stadt-Anzeiger de 10.11.2017.

(7) Ver Roswitha Scholz, Das Geschlecht des Kapitalismus. Feministische Theorien und postmoderne Metamorphosen des Kapitals, Bad Honnef 2. Aufl. 2011. Trad. port. parcial: O sexo do capitalismo. Teorias feministas e a metamorfose pós-moderna do capital, online: http://www.obeco-online.org/livro_sexo_capitalismo.htm

(8) Ton Veerkamp, Die Welt anders. Politische Geschichte der Großen Erzählung [O mundo está diferente. História política da grande narrativa], Berlin 2012, 423.

(9) Ver Karl Marx, Das Kapital, Erster Band, Berlin 1984, 168s.

(10) Robert Kurz, Die Substanz des Kapitals, Teil II, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 2, 2005, 162-235, 210. Trad. port. parcial: A substância do capital, Segunda parte. Online: http://www.obeco-online.org/rkurz226.htm

(11) Ibid., 209s. Ibidem.

(12) Robert Kurz, Marxsche Theorie, Krise und Überwindung des Kapitalismus. Fragen und Antworten zur historischen Situation radikaler Gesellschaftskritik, in: ders., Der Tod des Kapitalismus. Marxsche Theorie, Krise und Überwindung des Kapitalismus, 19-34, 26. Trad. port. da entrevista: A teoria de Marx, a crise e a abolição do capitalismo. Perguntas e respostas sobre a situação histórica da crítica social radical, online: http://www.obeco-online.org/rkurz363.htm

(13) Robert Kurz, Die antideutsche Ideologie. Vom Antifaschismus zum Krisenimperialismus: Kritik des neuesten linksdeutschen Sektenwesens in seinen theoretischen Propheten [A ideologia anti-alemã. Do antifascismo ao imperialismo de crise: crítica da novíssima essência sectária alemã de esquerda nos seus profetas teóricos], Münster 2003, 233.

(14) Ver Robert Kurz, Grau ist des Lebens goldner Baum und grün die Theorie, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 4, Bad Honnef 2007, 15-106, bes, 43fs. Trad. port.: Cinzenta é a árvore dourada da vida e verde é a teoria, online: http://www.obeco-online.org/rkurz288.htm

(15) Robert Kurz, Geld ohne Wert. Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie, Berlin 2012, 231. Trad. port.: Dinheiro sem valor, Antígona, Lisboa, 2014, p. 208.

(16) Robert Kurz, Das Ende der Theorie. Auf dem Weg zur reflexionslosen Gesellschaft, in: ders., Weltkrise und Ignoranz, a.a.O., 60-67. 66. Trad. port.: O fim da teoria. A caminho da sociedade sem reflexão, online: http://www.obeco-online.org/rkurz53.htm

(17) Ver entre outros o texto de Tomasz Konicz nesta publicação: https://www.oekumenisches-netz.de/wp-content/uploads/2019/03/Festschrift-Die-Frage-nach-dem-Ganzen-25-Jahre-Netz-Webversion-full.pds.

(18) Bistum Trier – Pressedienst Koblenz de 11.12.2015.

(19) Ver Robert Kurz, Die Heuschreckenplage, in: Neues Deutschland de 20.5.2005. Trad. port.: A praga de gafanhotos, online: http://www.obeco-online.org/rkurz210.htm

(20) Robert Kurz, Du bist billig, Deutschland, in: Neues Deutschland de 30.9. 2005. Trad. port.: Estás barata, Alemanha, online: http://www.obeco-online.org/rkurz212.htm

(21) Ver Robert Kurz, Wirtschafts- und Fussballpatriotismus, in: Neues Deutschland de 30.6.2006. Trad. port.: Patriotismo da economia e patriotismo do futebol, online: http://www.obeco-online.org/rkurz233.htm

(22) Leni Wissen, Die sozialpsychologische Matrix des bürgerlichen Subjekts in der Krise. Eine Lesart der freud'schen Psychoanalyse aus wert-abspaltungskritischer Sicht, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 14, 29-49, 31, também: https://exit-online.org/textanz1.php?tabelle=autoren&index=22&posnr=561. Trad. port.: A matriz psicossocial do sujeito burguês na crise. Uma leitura da psicanálise de Freud do ponto de vista da crítica da dissociação-valor, online: http://www.obeco-online.org/leni_wissen.htm

(23) Ver Ibid.

(24) Ibid.

(25) Ver o texto Dominic Kloos sobre econmia do bem comum: https://exit-online.org/textanz1.php?tabelle=autoren&index=8&posnr=591. Trad. port. online: http://www.obeco-online.org/dominic_kloos.pdf

(26) Theodor W. Adorno, Negative Dialektik, in: Gesammelte Schriften, hg. von Rolf Tiedemann, Band 6, Frankfurt am Main 2003, 15. Trad. port.: Dialetica negativa, Zahar, Rio de Janeiro, 2009, p. 7

(27) Johann Baptist Metz, Religion, ja – Gott, nein [Religião, sim – Deus, não], in: ders., Tiemo Rainer Peters, Gottespassion. Zur Ordensexistenz heute, Freiburg 1991; ders, Gotteskrise. Versuche zur geistigen Situation der Zeit, in: Diagnosen zur Zeit, Düsseldorf 1994, 76-92.

(28) René Buchholz, Falsche Wiederkehr der Religion. Zur Konjunktur des Fundamentalismus [O falso regresso da religião. Sobre o boom do fundamentalismo], Würzburg 2017.

(29) Robert Kurz, Weltordnungskrieg. Das Ende des Imperialismus im Zeitalter der Globalisierung, Bad Honnef 2003, 435. Trad. port.: A guerra de ordenamento mundial. O Fim da Soberania e as Metamorfoses do Imperialismo na Era da Globalização, online: http://www.obeco-online.org/a_guerra_de_ordenamento_mundial_robert_kurz.pdf , p. 293/4.

(30) René Buchholz, a.a.O., 148.

(31) Theodor W. Adorno, citado em Buchholz, a.a.O,, 141.

(32) Claus Peter Ortlieb, Ein Vorwort zur Erinnerung an Robert Kurz (1943-2012), in: Robert Kurz, Der Tod des Kapitalismus. Marxsche Theorie, Krise und Überwindung des Kapitalismus, Hamburg 2013, 6-17, 11. Trad. port.: Em memória de Robert Kurz (1943-2012), online: http://www.obeco-online.org/claus_ortlieb13.htm

(33) Theodor W. Adorno, Negative Dialektik, Frankfurt 1966, 146s. Dialetica negativa, Zahar, Rio de Janeiro, 2009, p. 125.

(34) Ibid., 146. Ibid., p. 125.

(35) Robert Kurz, Grau ist des Lebens goldner Baum, a.a.O., 102s. Trad. port.: Cinzenta é a árvore dourada da vida e verde é a teoria, online: http://www.obeco-online.org/rkurz288.htm

(36) Theodor W. Adorno, Negative Dialektik, a.a.O., 147. Dialética negativa, ob. cit. , p. 125.

(37) Ibid., 206. Ibid., p. 176.

 

 

Original Wir müssen doch etwas tun! Handlungsfetischismus in einer reflexionslosen Gesellschaft. Publicado originalmente em: Ökumenisches Netz Rhein-Mosel-Saar (Hrsg): Die Frage nach dem Ganzen – Zum gesellschaftskritischen Weg des Ökumenischen Netzes anlässlich seines 25jährigen Bestehens, Koblenz 2018, 357-380. Publicado em https://www.exit-online.org ligeiramente reduzido e com pequenas alterações. Tradução de Boaventura Antunes.

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