A masculinidade é a crise?!

Sobre a história e a relação entre a crise latente e manifesta do sujeito burguês e a sua natureza social (de género)

 

Kim Posster

 

Kim Posster, na sua contribuição "A masculinidade é a crise?! – Sobre a história e a relação entre a crise latente e manifesta do sujeito burguês e a sua natureza social (de género)", aborda aspectos da história da 'masculinidade'. O foco está em que a 'masculinidade' tem de ser produzida sempre de novo no patriarcado produtor de mercadorias, sem que seja capaz de alcançar 'estabilidade' em si: a 'verdadeira masculinidade' não pode simplesmente existir. Ou "ainda não existe realmente", ou "quase já não existe". Sempre em perigo de ser apenas um desvanecimento do passado. Nunca conseguindo evitar o desaparecimento no futuro. Que a masculinidade está em crise é, portanto, um diagnóstico que parece aplicar-se a todo o momento, sendo geralmente apresentado como argumento para recuperar a soberania patriarcal. Mentes mais críticas contrariam isto: 'A masculinidade é a crise!', e apontam para a constituição fundamentalmente precária da masculinidade e para o medo subjacente de fraqueza e decadência. Mas, por mais correcto que seja rejeitar a apologia da mítica natureza eterna do género, que quer mudar tudo para que tudo possa finalmente voltar a ser como sempre foi, é igualmente errado ignorar a história que nela está guardada. Assim, em vez de apenas desfazer desconstrucionistamente o eterno presente do género e o variar em 'diversidade' colorida, como faz também o feminismo queer, a compulsão do género à repetição na sociedade burguesa deve ser materialistamente perseguida através das convulsões históricas. Apenas uma história da mítica eternidade do género, ou seja, uma consideração da história interna da natureza social (de género) pode clarificar a relação entre a crise latente e manifesta do género em geral e da masculinidade em particular. A masculinidade pode ser desenvolvida como uma categoria "primordial" da relação de valor e da sua dissociação de género, que no desdobramento histórico da contradição em processo, isto é, do capital, decai sempre e tem de ser renovada em cada fase histórica. A forma como esta decadência é actualmente julgada pelos homens e a forma bárbara como sobretudo as ideologias nacionalistas e islamistas lutam por uma renovação revelam como a crise se manifesta hoje, após o "fim da história", e sobretudo que potenciais regressivos ela liberta. (Apresentação do texto na exit! nº 19, 2022)

 

1. Introdução * 2. Século XVII/XVIII – Época do iluminismo: desenvolvimento, decadência e preservação do carácter social * 3. Século XIX: Da preservação à salvação, da realização à imposição * 4. Até 1945 A época da barbárie: a vontade total do destino da natureza social * 5. Excurso: Universalismo socialista contra a decadência burguesa? * 6. Segunda metade do século XX Da apropriação colectiva à interiorização individualizada da natureza pós-fascista * 7. O fim da história e depois Sobre a precária actualidade e o futuro do eterno presente * 7.1 Sobre o actual declínio do sujeito masculino * 7.2 Sobre as tentativas de renovação do sujeito masculino * 8. Conclusão * Bibliografia

 

 

1. Introdução

Aqueles que falam da actual crise da masculinidade querem sobretudo uma coisa: reforçar a masculinidade. Desde os masculinistas, passando pelo mainstream burguês, até à extrema-direita, todos estão de acordo: a Europa e a Alemanha perderam a sua masculinidade e condições estáveis necessitam de uma masculinidade estável que teria de ser "finalmente restabelecida" contra a crise e a crítica corrosiva. Este "finalmente restabelecida" obedece a uma lógica temporal peculiar, porque só em casos raríssimos é possível especificar um ponto concreto no tempo a que o "finalmente restabelecida" pretende regressar. Como se verá, também é impossível especificar um período de tempo ao qual se possa regressar concretamente, porque a realização da masculinidade é sempre também a realização da natureza social. E a burguesia não conhece a história disto, porque a sua natureza aparece-lhe sempre como eterna e eternamente ameaçada. Por isso, "finalmente restabelecida" significa regressar no futuro a uma eternidade que supostamente já existiu: Tudo deve tornar-se completamente diferente, para que finalmente volte a ser o que sempre foi

 

Contra esta apologia das ideias sociais de eternidade, mentes mais críticas, como o psicólogo social Rolf Pohl ou a feminista popular Laurie Penny, contrapõem que "a própria masculinidade é a crise" (Penny 2015, Pohl 2015). Rejeitam qualquer nova qualidade de diagnóstico da crise com referência à precariedade fundamental do sujeito masculino. Por um lado isto é correcto e importante, mas ignora o facto de que as ideias de eternidade da natureza social, que sempre ressoam nestas fantasias, têm elas próprias uma história interna, que reconstruirei a seguir.

Assim será reproduzida a relação entre a crise latente e a crise manifesta do sujeito burguês masculino, para concluir com algumas observações e teses sobre a crise actual. Neste contexto, a masculinidade pode ser desenvolvida como uma categoria natural (1) da relação de valor e da dissociação sexual, que, no desenvolvimento histórico da contradição em processo, isto é, do capital, está sempre em decadência, tendo de ser renovada em cada fase histórica. Esta simultaneidade de desenvolvimento e decadência, que tem de ser desenvolvida como uma crise latente, corresponde à dinâmica histórica das categorias fetichistas da relação de valor e dos seus pressupostos de género, porque estas surgem naturalmente, isto é, através das acções dos sujeitos, mas nas suas costas, deparando-se sempre com limites internos.

Podemos falar de uma crise manifesta, não final, quando estes mesmos limites ao desenvolvimento natural aparecem, quando a masculinidade perde ou corre o risco de perder a sua base social, e o sujeito e a sociedade tentam, em pânico, criar deliberada e quase conscientemente a natureza social (2) onde ela já não pode emergir inconsciente e fetichistamente como antes. (3)

No entanto, qualquer solução para a crise que deixe intocada a relação de dissociação-valor não é uma solução, porque a crise latente nunca é completamente eliminada. Em vez disso, o modo de administração da crise manifesta entra na crise latente, que então mantém precariamente a suposta eternidade das relações como uma nova normalidade até ao próximo crash. A estrutura básica destas teses não é particularmente nova, porque as melhores teorias marxistas da crise já afirmam que o valor, como relação de capital, parece eternamente idêntico a si próprio, ao mesmo tempo que mina sempre os seus próprios fundamentos e entra em crise, apenas para depois (tentar) reconstituir-se novamente num patamar superior.

O papel da relação de género e do sujeito tem sido aqui, como tantas vezes, irresponsavelmente negligenciado, mas a reconstrução histórica que se segue pretende remediar essa situação. Para tal, seguirei a compulsão para a repetição do género na sociedade burguesa através das convulsões históricas até aos dias de hoje.

 

2. Século XVII/XVIII – Época do iluminismo: desenvolvimento, decadência e preservação do carácter social

A burguesia revolucionária do iluminismo não conhece a sua própria pré-história. Esqueceu ou recalcou os actos de violência que estabeleceram as bases da dominação burguesa. Nem a acumulação original descrita por Marx está ainda na consciência burguesa, nem a acumulação original da ordem de género burguesa, que Silvia Federici localizou nos processos das bruxas (Federici 2012). Através deste recalcamento surge o auto-entendimento burguês das próprias condições como inevitáveis, como o melhor dos mundos. Nenhuma história ou tradição, nenhum Deus ou espírito natural cria e sustenta a burguesia, mas a burguesia coloca-se a si própria em liberdade autodeterminada, como realização da "natureza humana" através do espírito. Através da sua autonomia e razão individuais, o sujeito burguês experimenta-se a si próprio como parte de um universal que se desenvolve através dele e com ele. Este desenvolvimento da "humanidade universal" através do indivíduo burguês corresponde à aplicação das relações capitalistas e das suas categorias reais fetichistas, imediatamente o dinheiro, mas mediados com ele também naturalmente o direito, o Estado etc.

De um ponto de vista crítico do fetiche, o sujeito burguês não sabe o que está a fazer. No entanto, o que é característico do iluminismo é a certeza de que o seu agir se desenvolverá positivamente e em seu benefício. A burguesia em ascensão é, portanto, optimista em relação à história. Desde a "mão invisível" de Adam Smith até à "astúcia da razão" de Hegel: como que por si mesmo e mesmo contra a sua intenção, o indivíduo burguês desenvolve um universal cada vez melhor que conduz ao "fim da história", isto é, à realização da natureza humana na liberdade e na razão universais.

Este desenvolvimento natural da "natureza humana" está directamente relacionado com a realização da masculinidade burguesa. O sujeito burguês realiza assim a natureza "humana" que lhe foi dada – e no iluminismo isto significa sempre também natureza social. Ele apodera-se de si próprio e das condições que criou através da sua vontade. A mulher, por outro lado, partilha a natureza humana iluminista, ou seja, a socialidade cega que ainda não foi traduzida em acção, mas é-lhe negada a vontade que lhe permitiria apoderar-se dessa natureza. Permanece assim no lugar mítico de origem da subjectividade e da liberdade, que nenhuma filosofia iluminista foi capaz de indicar, mas apenas é evocada na poesia, na arte e no mito. "As mulheres não são excluídas da sociedade, mas estão tão dentro dela que não constituem um indivíduo dela emancipado" (cf. Korecky 2011, 2014, 45s.).

O iluminismo atribui uma história progressiva e um carácter individual ao sujeito burguês masculino e à sua natureza de facto social, enquanto as mulheres têm apenas um carácter de género eternamente sempre igual como natureza social por princípio. Elas não são apenas "O Segundo Sexo", mas o sexo em geral. A natureza social aparece, assim, sempre dupla e dividida em géneros, como uma segunda natureza androcêntrica, a qual se desdobra com e na relação de valor como uma "terceira natureza" mitologizada feminina (Korecky 2020, 95). Esta constelação peculiar de uma natureza social dividida, na qual os sexos têm, no entanto, uma posição fundamentalmente diferente, pode ser reconhecida, por exemplo, na estética iluminista de Wilhelm von Humboldt, que enfatizou que a verdadeira beleza humana transcende a diferença de género, apenas para proclamar que o masculino é o desenvolvimento verdadeiramente perfeito desta beleza humana em geral (cf. Mosse 1996, 96).

Semelhantemente argumentou Immanuel Kant de forma consequentemente inconsequente na sua classificação das mulheres como "cidadãos passivos". Segundo Kant, ninguém deve excluir as mulheres dos direitos por princípio. Além disso, um cidadão é, por definição, autodeterminado e, portanto, activo, razão pela qual o conceito de cidadão passivo é uma contradição nos termos. No entanto, é "de algum modo" necessário (Kant 1917, 314 [2017, 180]). A definição de "cidadão passivo" é, portanto, completamente ilógica e, no entanto, "de algum modo necessária", uma explicação absolutamente ridícula para um filósofo tão fiel aos princípios como Kant. (4) A ideologia do "cidadão passivo" de Kant, no entanto, corresponde realmente ao modus da sociedade burguesa, que sempre dissociou as mulheres e a feminilidade por princípio, sem ser capaz de afirmar um princípio lógico de identidade sob o qual esta dissociação aconteceu e acontece. Uma vez que a relação de género se constitui como pressuposto e contrapartida dialéctica das categorias reais da relação de valor, não se apresenta como uma estrutura objectiva que possa ser derivada conceptual e logicamente. Não pode ser desenvolvida positivamente como mais uma forma social entre muitas, mas tem de ser analisada e compreendida precisamente como "forma da ausência de forma" (Scholz 2000, 21).

Nesta constelação, não é suposto a mulher apoderar-se da sua natureza social, mas apenas preservá-la; não é suposto usá-la, mas apenas professá-la. O género representa, assim, o pressuposto inapreensível e invisível das relações burguesas, de que a mulher é guardiã e símbolo. O sujeito burguês reconcilia-se com os seus pressupostos negados na ligação harmoniosa com a mulher no seio da família nuclear burguesa, que institui e continua a eternidade da natureza social nos filhos. O amor à mulher e à criança, à "pequena pátria", como lhe chamou o filósofo iluminista Rousseau, é assim idêntico ao amor à "grande pátria", à qual se junta: o Estado-nação, que garante e sintetiza as relações burguesas (Rousseau 1963, 730). (5) Neste sentido, a reprodução ideológica e a perpetuação das relações coincidem com a divisão do trabalho em função do género. Com efeito, a reprodução do povo do Estado e da força de trabalho, que se realiza através das actividades de cuidados que as mulheres desempenham, tem lugar sobretudo em esferas e formas sociais que tão pouco podem aparecer no valor, no trabalho e no direito. Também aqui a dissociação sexual parece não ter história e, por princípio, parece não obedecer a qualquer princípio nomeável.

O sujeito burguês vive no seio desta instituição em situação diferente destes pressupostos. Nunca lhe pertencem completamente porque o sujeito, enquanto "natureza disciplinada" (Trumann 2006, 76), sempre teve de controlar, ultrapassar e, portanto, também perder algo para poder utilizar a segunda natureza da relação de valor. Por sua vez, acredita que pode (re)encontrar esse algo perdido na terceira natureza baseada em princípios. Enquanto natureza social efectiva, o sujeito burguês também vive num paradoxo porque, embora seja suposto derivar da mesma eternidade mística da natureza social, tem, por assim dizer, de reivindicar um lugar para si próprio na história real. O presente da sua natureza social não é, portanto, eterno, mas precário: a masculinidade simplesmente não pode ser. Ou "ainda não existe realmente" ou "quase já não existe". O triunfo e a decadência andam sempre de mãos dadas na história da natureza burguesa. O nome clássico deste decair, que os radicais de direita actuais também temem mais do que outros, é "decadência". (6) Esta "decadência", que pretendo caracterizar como uma crise latente, já era temida por pensadores iluministas como Rousseau, que também insinuava a sua componente sexual: "Digo, pois, que se passa com os costumes de um povo o mesmo que com a honra de um homem, que é um tesouro a preservar, mas que, uma vez perdido, não pode ser recuperado" (Rousseau 1989, 173ss.).

Como acompanhante da Revolução Francesa, Rousseau viu imediatamente as condições e, não por acaso, a masculinidade em perigo de decadência através do seu próprio desenvolvimento "natural". A decadência só poderia ser contrariada através da consciência da natureza e isso significa, para Rousseau, a capacidade de agir em si. "Visto desta forma, o famoso 'regresso à natureza' atribuído a Rousseau não seria uma transfiguração de um estado pré-civilizacional, mas uma evocação da capacidade de acção humana" (Korecky 2016, 299). A crise latente é assim simultaneamente a causa da decadência e o ímpeto para a ultrapassar. Assim, enquanto a história concreta e masculina da burguesia está sempre a progredir, a sua natureza interior tem de ir sendo preservada e eternamente recomeçada.

 

3. Século XIX: Da preservação à salvação, da realização à imposição

Esta aparente harmonia do desenvolvimento das relações burguesas e da sua constelação de "homem e mulher" (Dölling 1991) foi depois historicamente ultrapassada muito rapidamente. No decurso do século XIX, durante a transição da época liberal para a época imperialista, registaram-se repetidas crises, tendo a chamada crise dos fundadores de 1870 tornado mais claramente perceptíveis os limites do desenvolvimento capitalista.

O poder e a liberdade do sujeito burguês diminuem face ao poder cada vez maior do capital que se concentra e do Estado. As contradições dentro do sujeito burguês chegam assim ao auge. Pois aquilo que antes garantia a capacidade de acção e a realização do sujeito burguês nas suas costas e o impulsionava inconscientemente, em primeiro lugar o Estado e o capital, confronta-o agora cada vez mais como um estranho e condena-o a ser uma impotente peça na engrenagem. Também aqui os homens experimentam, pela primeira vez, uma clara não-identidade com a sua existência burguesa, o que permite que a masculinidade apareça como um objecto independente, ao lado da humanidade universal da burguesia. De repente, a masculinidade já não tem de se realizar apenas com as condições burguesas, mas também contra elas. Na crise manifesta, a natureza social já não pode aparecer como algo natural e, por isso, já não pode ser apenas preservada: É preciso agora salvá-la. Não pode continuar a desenvolver-se nas costas dos sujeitos, como se fosse uma mão invisível. Tem de ser trazida ao mundo deliberadamente, se necessário pela força.

Isto pode ser visto concretamente, por exemplo, na explosão de literatura, filosofia e instruções práticas sobre como ser um "homem de verdade" no século XIX (cf. Mosse 1996, 57-79). No decurso da crescente concorrência entre Estados no mercado mundial, os militares tornaram-se, o mais tardar em meados do século, a instância decisiva de orientação cultural e educacional (cf. Grimm 2006). Aqui, a masculinidade já não é uma natureza humana que só precisa de ser desenvolvida e realizada na educação; a partir de agora, os sujeitos devem ser treinados para a masculinidade com endurecimento, dor e disciplina, desenvolvendo a sua "vontade de masculinidade" (ibid., 66). (7) No centro de tudo isto está o Estado-nação, já constituído no iluminismo como guardião da dominação burguesa e da sua natureza social (cf. Korecky 2012a). No século XIX já não bastava ao Estado fornecer as condições de enquadramento para a dominação burguesa, ele era cada vez mais chamado a actuar como um soberano autoritário e interveniente. Isto significa que o Estado deve realizar activamente não apenas a "sua natureza", ou seja, a nação, mas também outros elementos de natureza social. Antes de mais, o "espírito do povo" da sua nação, mas naturalmente também o género.

Neste contexto o século XIX conheceu também uma nova vaga de misoginia. Com efeito, a necessidade de definir um género masculino autónomo, que só surgiu com a crise manifesta, exigiu a demarcação nítida das mulheres, que até então representavam o sexo em geral: o ódio às mulheres, já latente no iluminismo, tornou-se manifesto, pelo que a concessão duvidosa da sua igualdade "de princípio" foi também cada vez mais abandonada: Wilhelm von Humboldt, por exemplo, reviu a sua própria doutrina de uma estética comum do género humano, que o homem verdadeiramente encarnaria, para uma estética estritamente dividida dos respectivos sexos individuais (Mosse 1996, 75).

Esta mudança em quase lado nenhum pode ser observada tão bem como em Fichte, que provocou estragos pouco depois do iluminista Kant, e como verdadeiro idealista alemão se antecipou aos seus contemporâneos em termos de pensamento autoritário. Na sua "Teoria da Moral", Fichte já não escreve sobre as mulheres como "cidadãos passivos" com uma natureza social por princípio dividida. Em vez disso, afirma: "O homem toma inteiramente o seu lugar; ela é completamente aniquilada para o Estado pelo seu casamento, de acordo com a sua própria vontade necessária, que o Estado garantiu" (Fichte 1991, 320). O que chama a atenção aqui é a peculiar construção passiva de Fichte, segundo a qual a mulher supostamente se deixa aniquilar como pessoa e assim realiza a sua vontade, na medida em que confessa a sua falta de vontade sob a dominação masculina. Aqui, portanto, está suspensa mesmo a noção de preservação e entrega, que segundo o iluminismo a própria mulher deve fazer para que a sua natureza social se torne própria. Na realidade, porém, o Estado, enquanto soberano, é chamado a aniquilar a mulher como pessoa independente, a privá-la de todos os direitos e a colocá-la inteiramente sob o poder do homem. O que acontecia no iluminismo sem qualquer princípio reconhecível, mas ainda assim por princípio, é já aqui indicado como algo que tem de ser feito de forma activa, quase consciente e violenta.

Esta pretensão de dominação deliberada do Estado sobre a natureza social está relacionada com os processos de crise manifestos do capital, que exigem uma transformação das formas sociais fetichistas. Por exemplo, o problema manifesto da reprodução da força de trabalho e da estabilidade dos preços só surge após o crash da época dos fundadores, por volta de 1873, que o Estado quer controlar e pretende dominar através de mais intervenção estatal e mais política social.

Aqui foi feita uma tentativa de dominar a crise manifesta da segunda natureza social, que é inerente ao seu próprio desenvolvimento natural, transformando o crescimento natural cego em leis naturais conscientemente utilizáveis. Esta mudança do crescimento natural para as leis naturais é melhor ilustrada pela ciência burguesa, que tentou cada vez mais produzir a terceira natureza, isto é, os pressupostos anteriormente mitologizados das categorias fetichistas, como objectos reconhecíveis e, portanto, controláveis.

O género e, consequentemente, a feminilidade, que no iluminismo eram entendidos sobretudo como substância espiritual, cuja arte podia ser melhor representada na estética e na poesia, deviam tornar-se agora completamente disponíveis para a mente masculina e a sua lógica da identidade. O ser feminino, que simboliza e é suposto garantir uma natureza social por princípio, já não era apenas cantado e adorado, mas igualmente medido e exposto. Nas ciências iluministas, como a fisiognomia, isto já acontecia, mas a mente e o corpo continuavam numa relação recíproca de validade, uma vez que "tanto a natureza física como a moral [formam] um todo, ambas criam uma unidade e estão sujeitas às mesmas leis" (Andrzejewski 2010, 7). (8) O biologismo tecnicista do século XIX deixou para trás estas partes idealistas especulativas. Já não encontrava a origem e a preservação da natureza humana, bem como a essência da mulher, no espírito e na moral, mas no útero e no óvulo: "O género, que no século XVIII era atribuído ao carácter, transformou-se na descarga do ovário" (Korecky 2020, 100).

 

No entanto a compreensão da dissociação sexual, ou seja, da forma da ausência de forma e do seu conteúdo em termos de lógica da identidade tem de acabar por falhar sempre, razão pela qual o século XIX é também o do nascimento da mais antiga piada na história masculina da ciência: investigar em pormenor a natureza das mulheres, para lamentar no final que ninguém consegue realmente compreender as mulheres e que algo nelas permanece sempre misterioso apesar de tudo (cf. Scheich 1993, 259). (9)

Ambos os processos, a ilusão masculina de demarcação e a objectificação da natureza social, culminaram no início do século XX em obras como "Über den physiologischen Schwachsinn des Weibes" (Sobre a debilidade fisiológica da mulher) de Paul Möbius, de 1900, ou a dissertação do escritor alemão Max Funke com o título muito franco "Sind Weiber Menschen?" (Serão as mulheres seres humanos?) (1910). Nela Funke argumentava, em termos de biologia evolutiva, que as mulheres encarnariam o "elo perdido" entre os humanos e os macacos. Aqui, as mulheres já não partilham, por princípio, a natureza do sujeito burguês, mas aparecem completa e objectivamente como o seu Outro.

Uma vez que a dissociação aparece agora como uma separação objectiva, a relação do sujeito masculino com a mulher, enquanto guardiã e símbolo da capacidade de acção masculina e dos seus pressupostos, também se torna frágil. Consequentemente, no final do século XIX, já não era a família, com a sua complementar reconciliação dos sexos, que era invocada como célula embrionária do Estado e da sociedade, mas a aliança masculina. Ou seja, o que o sujeito burguês do iluminismo encontrava naturalmente na mulher, procurava agora, assustado e confuso como homem, nos outros homens e, portanto, na própria masculinidade, através da "glorificação de uma comunidade masculina terna e geradora de feminilidade" e do "sonho da simbiose da masculinidade e da feminilidade no homem" (Kühne 2006, 74ss.). No entanto, uma vez que o desejo glorificante de fusão em relação à feminilidade também envolve sempre, ao mesmo tempo, desprezo e necessidade de demarcação, foram precisamente as estruturas e ideologias de associação masculina mais puras que tiveram de suportar imediatamente a questão do seu homoerotismo constitutivo (cf. Winter 2013, 3s.). Não por acaso, o "homossexual" surge precisamente neste contexto temporal como espécie, como lhe chamou Foucault, como uma versão independente da natureza de género na variante da "anormalidade" masculina (Foucault 1983, 58).

 

4. Até 1945 – A época da barbárie: a vontade total do destino da natureza social

A natureza social, que era apenas para ser realizada e preservada no iluminismo e que já tinha de ser salva no século XIX, parece condenada no início do século XX. Em vez da razão e da liberdade universais do "Fim da História" de Hegel, a burguesia vive aquilo a que Karl Kraus, olhando para a Primeira Guerra Mundial, chamará "Os Últimos Dias da Humanidade" (Kraus 1919).

O espírito do sujeito masculino burguês e a sua razão aparecem nele quebrados. O espírito é, ele próprio, apenas um objecto das relações e da sua natureza eterna, que está agora directamente ameaçada pela decadência. O sexismo (e o racismo) relativamente soberanos do sujeito burguês do iluminismo repercutem-se assim cada vez mais no próprio sujeito (cf. Hentges 1999). Como resultado, o sujeito burguês adquire subitamente não só um género, mas também uma raça, e ambos parecem ameaçados por princípio (Monday 2013). O dissociado, que no iluminismo ainda podia ser "externalizado" de forma relativamente estável para os objectos do racismo e do sexismo, aflige agora o próprio ser humano homem "universal". A decadência temida por pensadores iluministas como Rousseau aparece aqui como uma degeneração ameaçadora que já não afecta apenas a alma, mas também o corpo da substância humana.

A saída para esta miséria procurada pelas relações burguesas foi a intensificação radical destes momentos e a identificação e aprovação activa de todos os seus princípios. O fascismo, enquanto revolta conformista, revelou-se o tipo ideal de ideologia burguesa anti-burguesa. Afirma as "leis naturais" fetichistas do patriarcado capitalista, ao mesmo tempo que despreza todas as etapas mediadoras e contradições. Uma constelação básica que o nacional-socialismo alemão realizou de forma tão bárbara quanto consequente. O sujeito burguês, que se sente completamente impotente, experimenta-se aí novamente poderoso no sacrifício pelo colectivo, em última análise o Estado autoritário. Este último, juntamente com o seu povo enquanto corpo de povo, deveria manter a disposição total sobre as formas fetichistas (dinheiro, Estado etc.) e a sua natureza social (género, "raça" etc.), "purificá-las" interiormente e impô-las radicalmente no exterior. O mito da natureza social não foi criticamente reconhecido ou rejeitado, mas ilusoriamente afirmado e deslocado para o centro.

 

Este fortalecimento sem precedentes do Estado corresponde, por sua vez, ao modo de lidar com a crise capitalista, em que as categorias naturais têm de ser subitamente asseguradas ou organizadas de forma deliberada. A actividade do Estado, que já no século XIX assumia uma escala cada vez maior (cf. Kurz 1999, 227ss.), conduziu no século XX, sobretudo sob a forma do keynesianismo, ao chamado capitalismo intervencionista de Estado, ao Estado autoritário, ao "mundo administrado". Aquilo que um liberal como Adam Smith ainda queria deixar à "mão invisível" e que, por isso, instava o Estado a fazer apenas de "guarda-nocturno" para assegurar as condições desse desenvolvimento cego, é agora organizado brutalmente pelo Estado, se necessário. As teorias do Keynesianismo e do Ordoliberalismo, que emergiram neste período, afirmam este poder de disposição do Estado autoritário já nas suas premissas teóricas, e não têm outro objectivo senão dar-lhe os instrumentos teóricos para assegurar ou organizar as categorias básicas do sistema capitalista, uma vez que a chamada espontaneidade do mercado não estava obviamente em posição de o fazer. O keynesianismo preocupa-se com a oferta, a procura e a capacidade de exploração do trabalho, por exemplo, através da construção de grandes projectos de infra-estruturas, ao passo que o ordoliberalismo é suposto organizar o mercado, ou seja, a "ordem espontânea" (Hayek), deliberadamente e sob ameaça de punição (cf. Monday 2010).

Nesta constelação, os indivíduos, em unidade com o Estado autoritário, exteriorizavam o medo da decadência perante a degeneração, como um desejo activo de luta apocalíptica pela sobrevivência nua e crua e da vontade de destruir tudo o que é "degenerado". No racismo e na eutanásia, persegue-se a natureza "inferior", enquanto no caso dos homosexuais se exorciza a natureza "desviante" (e, portanto, a parte decadente da masculinidade), que foi particularmente exposta pelo anterior modo de lidar com a crise. O que tem de ser explicitamente destruído é aquilo que é suposto minar ou perverter todas as categorias naturais das relações burguesas. O anticiganismo personifica-o sobretudo nos Sinti e Roma, que foram por isso também sistematicamente exterminados (cf. Scholz 2007). O mesmo acontece no anti-semitismo com "o judeu", só que este também é suposto ser globalmente organizado e quase omnipotente: representa a falsificação maliciosa de todas as categorias naturais das relações burguesas; desde o dinheiro e o trabalho ao Estado e, claro, ao género. Aqui, "o judeu" representa a masculinidade feminizada, que é temida e desprezada, mas que no anti-semitismo pode aparecer como livre de constrangimentos sociais e omnipotente.

 

O momento de revolta conformista na constituição da masculinidade, que se encontrava em crise latente desde meados do século XIX e se manifestou de forma inédita com a crise económica mundial, foi aqui levado ao auge da forma mais terrível. O homem já não desenvolvia o ser humano como género humano através da sua razão individual, mas conduzia a luta existencial apocalíptica pela eternidade da sua "raça" em unidade com o "seu" Estado e o "seu" capital. A mulher não deficiente, "de raça pura", volta a encontrar um lugar complementar nesta constituição bárbara do "corpo de povo", porque a "comunidade do clã" (cf. Winter 2013) conseguiu de novo abolir a aliança masculina no seu seio. Ela é agora, mais uma vez, a guardiã da natureza social, concebida não apenas idealmente, mas também de modo inteiramente orgânico. Como mãe, ela é absorvida já não apenas pela vontade do homem através da soberania do Estado, mas pela do líder, que, como grande homem, encarna a unidade do sujeito, da comunidade do povo e do Estado autoritário: O género surge assim plenamente como objectivo ao lado da identidade burguesa: como um constituinte da comunidade do povo. Os papéis dos sexos continuam a ser radicalmente diferentes, mas a sua posição em relação à natureza social está, no entanto, alinhada: Ambos realizam agora a sua vontade através do puro reconhecimento da sua "natureza" e da submissão ao Estado. A rendição irracional à natureza social e à fatídica luta de morte que esta impõe ao ser é, assim, suposta constituir o discernimento das condições para a realização da masculinidade e a preservação da natureza da sociedade. Vontade e reconhecimento, realização e preservação estão assim alinhadas na sua própria base, tornando-se tendencialmente idênticas.

 

5. Excurso: Universalismo socialista contra a decadência burguesa?

Sem pretender equiparar a tradição socialista e as suas reais tentativas de libertação com o nacional-socialismo, é possível estabelecer algumas analogias históricas e ideológicas nos contextos aqui analisados. Assim, na Segunda Internacional e no "marxismo depois de Marx" do final do século XIX, surgiu uma tendência positivista cada vez mais forte, que rejeitava cada vez mais a crítica de Marx à forma e ao fetiche em favor de um economismo e de um entendimento da história objectivistas. Teóricos influentes como Hilferding, Kautsky e Lenine acabaram por ver no capitalismo intervencionista de Estado do início do século XX os instrumentos e fundamentos do socialismo já criados, que apenas precisavam de ser tomados (cf. Stapelfeldt 2013, 27-32).

 

À luz das considerações anteriores, era portanto coerente que uma grande parte destas correntes se insurgisse também contra a "decadência" burguesa, com a diferença de que esta devia ser contrariada por um novo universalismo, desta vez socialista. O facto de também este ser androcêntrico pode ser visto, por exemplo, nas convulsões revolucionárias na Rússia, em que as forças revolucionárias eram sempre retratadas como masculinas e masculinizadas, enquanto as forças conservadoras e contra-revolucionárias eram sempre retratadas como femininas e efeminadas. "De facto, apesar da persistência de relações de poder patriarcais, este 'comunismo' não era uma sociedade dos homens, [mas] uma sociedade revolucionária da masculinização" (Adamczak 2017).

Por fim, o estalinismo totalmente contra-revolucionário, que afirmava sem rodeios que não queria abolir a lei do valor nem a sua dominação, mas organizá-la de forma autoritariamente tecnológica, desenvolveu uma tendência cada vez mais forte para perseguir os desvios desta "natureza humana socialista". "O sonho depressa se transformou em pesadelo. Já na década de 1930, o aborto foi novamente proibido, a homossexualidade criminalizada e a família nuclear reconstruida como o ideal do Estado" (Adamczak 2017). No entanto, em vez de reconhecer a semelhança destes "processos de purificação" da natureza social do socialismo real com os do fascismo, eles foram transfigurados precisamente como virtude antifascista, como mostra esta citação do poeta estatal soviético Máximo Gorki de 1934: "Enquanto nos países do fascismo a homossexualidade, que corrompe a juventude, actua impunemente, no país onde o proletariado conquistou corajosa e virilmente o poder do Estado, é declarada um crime social e severamente punida. [...] Chegou-se mesmo a cunhar o ditado sarcástico: Esmague-se a homossexualidade e o fascismo desaparece" (citado em Adamczak 2018, 120, bem como em Ostertag 2004).

Esta horrível tradição da teoria e do movimento socialista pode ser encontrada ainda hoje, exposta em todas as "teorias da contradição secundária" e levada ao extremo por grupos como a "resistência juvenil" maoista, para a qual o sexismo, a homofobia e o anti-semitismo são constitutivos (Friedensdemowatch 2018).

 

6. Segunda metade do século XX – Da apropriação colectiva à interiorização individualizada da natureza pós-fascista (10)

Os anos do pós-guerra foram encenados como grande restauração de uma normalidade burguesa ideal-típica que nunca existiu na realidade. A dominação excessiva do Estado autoritário, que tinha de fazer toda a sociedade, foi transformada numa rotina sem graça após a Segunda Guerra Mundial, sobre as bases aí criadas e alargada ao mercado mundial.

A auto-imagem de relações que se tinham libertado das "seduções" dissolutas do nazismo e que estavam agora de volta aos seus sentidos sóbrios afirmava-se sobretudo em ideias restritivas de decência e moralidade. Contra este estado de coisas, começou uma revolta anti-autoritária, que se inscreveu na consciência histórica com 1968, o seu ano historicamente mais marcante. Significativamente, esta revolta virou-se abertamente contra a natureza social que o fascismo tinha invocado, desencadeado e controlado a um nível sem precedentes. O Estado autoritário impôs às pessoas a pergunta: "O que é que tu és?". Em oposição fundamental à geração dos seus pais, que respondia a esta pergunta de forma apaixonada e submissa, os de 68 tentaram, em vez disso, levantar a questão: "O que é que queremos ser?

 

Os grupos marcados como espécie no decurso do século XIX organizaram-se neste percurso com e contra a luta de classes marxista, que, como indicado no excurso, sempre foi uma aliada contraditória. O reconhecimento da própria natureza social foi aqui criticamente motivado e pretendia ser posicionado precisamente contra o reconhecido aparelhamento pelas condições. Desde o movimento dos deficientes, passando pelo movimento gay, até ao movimento das mulheres, aquilo que antes tinha sido autoritariamente objectivado, heterodeterminado e dirigido, devia ser emancipatoriamente apropriado.

Nada exprime melhor este contexto do que o movimento das mulheres "O meu ventre pertence-me". Mas, também de forma ideal-típica, " O meu ventre pertence-me" também mostra que os actos de rejeição e apropriação tinham de partir, por assim dizer, das condições prévias de natureza social que tinham sido criadas até então: A afirmação implícita de que a feminilidade é determinada pela capacidade de procriação biologicamente objectificada era feita, só que esta já não era para "pertencer" ao Estado autoritário, mas às próprias mulheres (Trumann 2002, 57-77). Teóricas radicais da época, como Shulamith Firestone, queriam ultrapassar completamente a maternidade como um fardo para as mulheres, mas também permaneceram dentro de puras "questões de disposição": para ela, a natureza feminina deve ser destruída através do domínio da tecnologia e da desumanização da reprodução da espécie (cf. Meyer 2018).

 

Enquanto as revoltas dos anos 60 e 70 ainda se caracterizavam pela ambivalência relativamente ao potencial emancipatório da "própria natureza", esta referência tornou-se cada vez mais afirmativa nos anos 80. Tal mudança pode ser vista de forma mais clara na prática feminista da experiência pessoal, que começou por ter potencial emancipatório, mas que, cada vez mais e em alguns locais, degenerou exclusivamente numa prática de "exploração" e "descoberta" da própria natureza feminina, à qual era atribuído na sua forma "verdadeira" potencial emancipatório por princípio. (11)

O conceito de experiência (pessoal) pôde assim ser cada vez mais esvaziado politicamente e passar para a terapêutica individualizada que viria a prevalecer historicamente. O facto de, nesta altura, ter havido pela primeira vez na história um movimento masculino análogo ao movimento feminino, em que os homens lidavam explícita e voluntariamente com a sua própria masculinidade, e não o faziam de forma implícita ou mediada através de temas "universais" como o Estado, o trabalho, a guerra etc. (cf. Kraditzke 2014), que concretizaram a crise manifesta do fascismo, aponta para o alinhamento dos sexos na sua posição em relação à natureza social, sendo que agora os homens também tinham um género que se impunha completamente e ao qual tinham de se declarar voluntariamente.

Ao contrário do fascismo, que impunha este estado de coisas universalmente, agora, no entanto, a própria natureza social não era reconhecida na afirmação, mas sim na demarcação do controlo directo do Estado e do capital, através da expressão da vontade de se apropriar dela. O objectivo era agora ostensivamente crítico: o papel de género exigido não devia ser cumprido de forma submissa, mas o próprio género devia ser esculpido, num abandono crítico da norma.

No caso das mulheres, é claro, isto coincide com a dupla socialização, que foi plenamente combatida nos anos 70 e em parte imediatamente integrada, o que também significa sempre uma dupla legitimação, porque as mulheres são supostas ser "mulheres de verdade", mas em nenhum caso demasiado femininas, para ainda serem capazes de se manterem firmes no trabalho, por exemplo. (cf. Becker-Schmidt 2003). Mas também para os homens e, portanto, para o sujeito burguês em geral, algo semelhante pode ser afirmado numa escala muito menor: os homens não podiam ser "simplesmente homens" há muito tempo, porque desde as crises do século XIX também tinham o seu próprio género, para o qual tinham de viver na diferença. Na segunda metade do século XX, porém, parece que deixaram de poder ser "simplesmente homens".

 

Assim, os pressupostos negados do próprio estatuto de sujeito já não eram procurados apenas nas mulheres, como no iluminismo, ou noutros homens e na masculinidade em si, como na associação masculina de finais do século XIX, mas também no eu. Este eu de apropriação era ainda colectivo no início do pós-guerra, mas com a transição do fordismo para o pós-fordismo transformou-se cada vez mais num eu puramente individualizado. A terapeutização do conceito de experiência pessoal mostra assim concretamente como o género e o carácter, que ainda estavam separados no iluminismo, foram agora soldados um ao outro. O carácter activo e autodeterminado do ser humano burguês já não é uma ultrapassagem do género passivamente sem história, mas o género é, pelo menos tendencialmente, também uma parte evidente da personalidade nos homens, que naturalmente tem de ser realizada.

Embora esta individualização e o ideal de realização pessoal "contra" as condições tenham sido parcialmente impulsionados pela esquerda como vanguarda, o seu triunfo histórico tem mais a ver com a transformação das condições sociais gerais. Não é por acaso que os anos 80 foram também a altura em que o fordismo tecnocrático estatal foi finalmente substituído pelo pós-fordismo flexibilizado nos países industrializados. Isto significou uma nova relação dos sujeitos individuais com as formas fetichistas, sobretudo o Estado: Neste novo Estado, o indivíduo já não está em contradição com o universal, mas é totalmente socializado como um átomo social (Stapelfeldt 2013, 60). Isto significa que o Estado apenas se retira supostamente da vida das pessoas, mas apela a elas mais do que nunca como administradoras pessoalmente responsáveis do seu próprio capital humano, punindo-as imediatamente com autoridade assim que esta autogestão deixa de acontecer no seu sentido. Ao longo das convulsões históricas, os pressupostos mitologizados da segunda natureza da sociedade tornaram-se eles próprios um "recurso" reificado do eu e do seu capital humano. Já não apenas cada uma, mas também cada um têm agora a tarefa de confessar (de forma crítico-reflexiva) a sua natureza de princípio e, por assim dizer, de a explorar, moldar e utilizar voluntariamente para se realizarem socialmente no pior sentido. O "O que és tu?" do Estado autoritário foi interiorizado no constante "Quem sou eu?

 

No final da década de 1980 a União Soviética acabou por entrar em colapso. O filósofo norte-americano Francis Fukuyama proclamou que o "fim da história" de Hegel tinha assim sido atingido (Fukuyama 1992). Qualquer oposição séria às condições burguesas em decadência, incluindo a União Soviética, por mais dogmática e inadequada que fosse, tinha chegado ao fim. As célebres frases de Margaret Thatcher tornaram-se o espírito da época: "A sociedade não existe, apenas homens, mulheres e famílias individuais" e "There is no alternative".

 

7. O fim da história e depois – Sobre a precária actualidade e o futuro do eterno presente

Assim somos hoje confrontados com um sujeito que "já não fica de pernas para o ar, mas que, depois de se recusar a ficar de pé, anuncia o programa de espancar o crânio para afastar a dor de cabeça, e depois assume essa actividade por conta própria como uma actividade prazerosa" (Korecky 2012b).

 

O feminismo queer, que se impôs nos anos 90 e se assume como uma crítica explícita a qualquer referência positiva à "natureza feminina", começou precisamente neste ponto. Judith Butler, a teórica mais importante, reconstruiu de forma bastante crítica a actual eternidade do género após o fim da história nas suas principais obras: para ela o "eu" é uma forma vazia condenada a "citar" o discurso social para poder ser um "eu": "O ‘eu’ e a sua ‘posição’ são simplesmente assegurados por serem repetidamente assumidos, sendo que a assunção não é um acto ou acontecimento isolado, mas antes uma práxis repetível" (Butler 1991, 149). Assim, os indivíduos fazem-se a si próprios e ao seu género, mas não são sujeitos no processo. No esquematismo normativo de Butler, o género já não conhece uma história, mas apresenta-se como um presente eternamente recorrente, reempossado. O destino dos indivíduos de terem de se apoderar de si próprios, apesar de não "pertencerem" a si próprios, acaba por ser afirmado por Butler como uma necessidade inevitável, porque ela só fala de subversão com base na contingência das normas, mas já não fala de as ultrapassar: "A arbitrariedade inerente à contingência é designada por um nome diferente no vocabulário da teoria crítica: Violência, compulsão ao género. A matriz isolada e bidimensional da teoria de Butler actua, assim, como uma ressurreição do poder da biologia, que Butler acabara de criticar até ao fundo, na forma social de relacionamento: a liberdade absoluta de desenhar o próprio eu e a submissão absoluta às formas em que isso acontece coincidem" (Korecky 2015, 88).

O feminismo queer dos movimentos adopta precisamente esta vertente afirmativa da obra de Butler, ignorando os elementos de reconstrução crítica e a chamada de atenção para as ambivalências que ela também faz. (12) Exige que todas as pessoas, independentemente do género e da orientação sexual, tenham a liberdade de se assumirem a si próprias e de serem socialmente reconhecidas como tais. Isto não é uma "traição ao iluminismo" ou uma tolice semelhante, como se gosta de acusar o feminismo queer, mas simplesmente a exigência político-identitária de igualdade burguesa – apenas no estado actual da sua "história natural" interna (cf. Trumann 2016).

A este respeito, não é por acaso que o conceito central do actual feminismo mainstream é o da diversidade. Pois ele só quer variações diferenciadas do sempre-igual, em vez de formular criticamente o anseio pelo completamente diferente. É literalmente sem alternativa. O conceito de diversidade e a sua reificação, que pode ser observada especialmente no conceito de "Diversity Management", com o qual todos, desde o grande capital até às forças armadas, se comprometeram, pelo menos retoricamente, também mostra, em particular, a simultaneidade da dramatização e da desdramatização da natureza social nos dias de hoje: já não parece ser tão importante o que se é exactamente, o principal é sê-lo de corpo e alma e assim contribuir produtivamente (cf. Sigusch 2010, 100).

É precisamente esta contribuição produtiva que se torna objectivamente impossível na crise, o que subjectivamente significa que qualquer esforço do sujeito, por maior que seja, é aparentemente insuficiente para se realizar a si próprio e à natureza social. Por outras palavras, a crise latente do sujeito, que hoje se manifesta nas convulsões sociais no facto de ele ter de representar directamente e realizar por actividade própria a natureza social por si e em si, torna-se cada vez mais um ilusório rodar no vazio do sujeito em si mesmo na crise manifesta. Aqui acontece que a confissão da própria natureza é mais fortemente exigida e desejada precisamente onde esta natureza já não pode ser realizada. O exemplo no trabalho são, por exemplo, os chamados regimes de workfare na Alemanha, a prática dos centros de emprego ao abrigo das infames leis Hartz. O seu assédio activador vai muito para além de objectivos instrumentais, como a intimidação e a redução dos custos salariais, porque por vezes visa garantir com medidas draconianas que os indivíduos provem ser sujeitos laborais de princípio, precisamente por já não poderem ser objectivamente sujeitos laborais de facto. Com efeito, o capital perdeu em grande medida a capacidade de os absorver enquanto tais (cf. Rentschler 2004).

Este rodar no vazio dos sujeitos é também evidente ao nível do género, onde cada momento de desdramatização é acompanhado por uma dramatização ainda mais obstinada. Tanto as avançadas próteses tecnológicas da reprodução humana (cf. Meyer 2018) como a crescente visibilidade das pessoas transgénero nada fizeram para abalar o mito da mãe. Em vez disso, parecem apenas, mais do que nunca, levar a professar a própria "feminilidade" como substância espiritual e depois a encarná-la novamente.

Aqui se vê que em cada crise os "fantasmas do passado" regressam, porque a sua base social nunca foi realmente ultrapassada. Para o sujeito burguês e, por meio deste, para os homens, esta nova fase de dramatização significa, acima de tudo, uma humilhação ainda mais profunda. Com efeito, há muito que o sujeito deixou de ser capaz de um desenvolvimento quase natural da sua natureza "humana", em suposta harmonia com os seus pressupostos. Em vez disso, o sujeito é atirado de volta contra si próprio pelo Estado, pelo capital e, agora, por si próprio, o que duplica a sua escravidão sado-masoquista às relações burguesas e, por conseguinte, à masculinidade, aprofundando-a cada vez mais. O lidar com a crise masculino oscila hoje, mais do que nunca, entre a decadência e a renovação da natureza social, que retoma e remodela as tentativas anteriores (sobretudo a procura masculina da própria masculinidade).

 

7.1 Sobre o actual declínio do sujeito masculino

O actual declínio do sujeito masculino e do conexo trabalho por amor do trabalho pode ser exemplarmente observado na ascensão da cultura do fitness e do bodybuilding. É claro que aqui também se trata de manter a mercadoria força de trabalho que é o próprio corpo, mas ao mesmo tempo produz-se aqui uma natureza de género por princípio sobre e no eu, que vai muito além dos contextos instrumentais. Por exemplo, um em cada seis homens dopam-se com esteróides anabolizantes em algum momento da vida, o que pode ter consequências múltiplas e por vezes graves para a saúde. (13)

Devido ao rodar no vazio na crise, os sujeitos aqui só podem falhar. Trabalhar o eu e a sua natureza nunca é suficiente, razão pela qual não admira que o número de homens com problemas de imagem corporal e distúrbios alimentares tenha aumentado significativamente – mesmo que a extensão ainda não seja realmente comparável à das mulheres (Swiss Medical Forum 2019). Aqui se torna sobretudo evidente um aspecto adicional de reificação da natureza social. Com efeito, no século XX não só o género feminino foi reificado na forma de mercadoria, mas também o género e a sexualidade masculinos – embora não na mesma medida. A masculinidade, que outrora era a "natureza" evidente do sujeito, já nem sequer se apresenta como um objecto para si. Em vez disso, tornou-se também um objecto geralmente disponível para outrem, que parece consumível como tal.

Mas ser um objecto para outrem é fundamentalmente contraditório com a masculinidade. Por isso a saída do sujeito masculino até aqui foi sempre a identificação com a instância objectificadora. Em relação ao capital e sobretudo ao Estado-nação, isto pode ainda ser possível, apesar de toda a precariedade, mas perante as mulheres está excluído por princípio. A constituição heterossexual e patriarcal, na qual as mulheres devem funcionar como "espelhos lisonjeadores" passivos (Bourdieu 1997, 203), é assim profundamente perturbada e, por assim dizer, intensificada mais uma vez: mais do que nunca, as mulheres tornam-se por princípio fonte constante da vergonha da masculinidade. A própria capacidade das mulheres de avaliarem os homens enquanto homens e de escolherem entre eles evidencia a humilhação da masculinidade enquanto objecto para outrem. Aqui os homens experimentam muito directamente que agora também têm de produzir eles próprios a sua própria natureza de género, afirmá-la e reificá-la em competição directa, mas que, no entanto, ela nunca lhes pertence. O sacrifício forçado do "eu" nunca possuído, que é considerado normal para as mulheres no patriarcado e lhes é exigido, torna-se uma queixa insuportável para os homens, o que os leva a procurar alguém para culpar. O facto de ser directamente o sujeito, ou seja, os próprios homens, que têm de objectivar o género em si próprios é recalcado e o seu próprio sofrimento com o género é projectivamente censurado às mulheres (cf. Posster 2020).

 

Em nenhum outro lugar esta ligação e as suas consequências bárbaras podem ser observadas de forma tão ideal-típica como nos chamados "incels". Os "celibatários involuntários", uma comunidade em linha de homens jovens, isolados e maioritariamente brancos, confirmam-se mutuamente na sua desesperança de nunca poderem ser "reais", o que para os incels significa homens sexualmente bem sucedidos. De acordo com os incels, nenhum Estado, nenhum dinheiro e nenhuma quantidade de trabalho, nem mesmo o trabalho sobre o eu, pode mudar nada neste estado de coisas (cf. Kracher 2019a/b). A confiança nas formas sociais e na sua usabilidade de direito natural pelo sujeito é completamente negada entre os incels e denunciada como um engano cínico. Por detrás do véu da mediação social vêem uma realidade que continua a ser a natureza biologisticamente objectivada, que já não é devotamente preservada pelas mulheres, mas activa e maldosamente avaliada e abusada.

De acordo com a sua auto-imagem, os incels só podem perder, porque a sua natureza está completamente degenerada: as mulheres desprezam-nos porque os seus pulsos são demasiado pequenos, o seu corpo é ínfimo ou o seu queixo é demasiado redondo. A saída mais frequentemente propagandeada pelos incels é, portanto, o suicídio alargado, de preferência precedido de um amoque em que se mata explicitamente o maior número possível de mulheres. Aqui são particularmente conhecidos os casos da América do Norte, (14) mas o amoque em Winnenden, na RFA, também pode ser incluído neste padrão.

Os homens "certos", chamados "chads" na ideologia incel, por outro lado, comportam-se em relação às mulheres como deve ser patriarcalmente: sexualmente disponíveis e submissos. Na projecção sobre a vida feliz dos "chads", a ideologia incel ainda contém, portanto, a crença numa natureza masculina verdadeira na falsa, mas ela virou-se completamente desde o seu surgimento na modernidade. O cidadão como "homem comum" ainda se apercebia disso como que incidentalmente, naquilo a que se chama "autodeterminação" sob o capital. O cidadão enquanto homem teve sempre de correr mais atrás dela, procurando realizar a masculinidade não só de facto, mas também em princípio, como uma imagem reificada no seu próprio corpo. Mas o homem como "chad" é agora apenas o resultado do destino e dos genes.

Assim, mesmo na sua rejeição do imperativo da auto-realização, os incels continuam a acreditar que pode haver vencedores na competição, só que isso aparece directamente ao nível da natureza social por princípio, purificada de qualquer forma social que a tivesse mediado. A sua aliança masculina tem também no centro o desejo de masculinidade per se, mas os seus membros não são reforçados na sua masculinidade por isso, mas antes confirmados cada vez mais na sua inferioridade e humilhação.

A este respeito, os "incels" são, pelo menos nestes aspectos, a mais pura masculinidade de crise do lado da sua decadência. O quão manifesta é a crise aqui pode ser visto no facto de os incels, em muitos casos, não considerarem explicitamente concebível qualquer renovação ou mudança na sua situação, e a sua resposta, o terror colectivamente discutido mas executado de modo completamente isolado contra as mulheres, não poder trazer qualquer grande transformação social (cf. Kracher 2019b). Em vez disso, apenas a queda absoluta, à qual o homem está condenado de qualquer modo, deve ser acelerada, enquanto, ao mesmo tempo, o homem se vinga das perpetradoras, as mulheres.

 

7.2 Sobre as tentativas de renovação do sujeito masculino

Nas actuais tentativas de renovação, as respostas regressivas à crise parecem hoje, à primeira vista, ser as respostas da passada crise económica mundial do século XX. Na Alemanha, Björn Höcke, por exemplo, defende um autêntico nacional-socialismo tal como foi levado a cabo em 1933, incluindo o culto do Führer e referências directas a Hitler e Goebbels (cf. Kemper 2018).

Os dois "fornecedores" de ideologias de renovação mais bem sucedidos a nível mundial, o islamismo e a direita populista, também parecem confirmar esta direcção de ataque da análise: Ambos prometem uma renovação da natureza social através de uma apocalíptica luta de morte permanente. Como revolta autoritária, querem ultrapassar a decadência da sociedade burguesa, realizar a masculinidade "finalmente de novo" e restaurar uma harmoniosa complementaridade dos sexos. Ambos estão unidos no seu ódio aos homossexuais e às mulheres desobedientes, bem como na prossecução de um anti-semitismo eliminatório, porque a degeneração da natureza social continua a dever ser exorcizada nos "judeus". Com Volker Weiß, o islamismo e a direita populista também podem ser descritos aqui como irmãos de armas que, especialmente nos círculos ideologicamente mais firmes, se reconhecem uns aos outros em vez de se odiarem (cf. Weiß 2017).

 

Um olhar fora do contexto alemão e da sua história de particular fetichismo estatal revela, no entanto, que as actuais ideologias de renovação não permaneceram tão idênticas a si próprias como gostam de afirmar com um sentido de tradição. Uma análise mais atenta revela, também aqui, um regresso modulado da aliança masculina. Com efeito, não é apenas entre os grupos islamistas que se encontra um cepticismo ou mesmo uma rejeição dum Estado-nação firme a favor duma forma de dominação de bandos masculinos. O guru da masculinidade dos nacionalistas brancos, Jack Donovan, por exemplo, propaga que o "caminho dos homens" só seria restaurado através de bandos masculinos em áreas "onde o Estado perdeu o seu poder e credibilidade" (Donovan 2016, 178). Em contraste com o bando masculino do início do século, o bando masculino de Donovan não é precisamente a preservação e reconciliação da masculinidade com as formas e instituições sociais. Também já não é a célula embrionária do Estado, mas o fim dele. No entanto, Donovan mantém o anseio fascista pelo apocalipse, porque "prosperidade, segurança e globalismo" são a base do "caminho das mulheres", segundo Donovan, e são precisamente estes que têm de ser enfraquecidos ou mesmo destruídos por uma fase deliberadamente induzida de "violência e caos e tirania" (ibid., 182).

O positivo utópico, que se desenvolveu naturalmente com a masculinidade no iluminismo, aparece na crise da natureza social como corrupção feminina, que tem de ser mergulhada no abismo juntamente com as formas sociais degeneradas, antes de estas poderem continuar a decair. O cerne das fantasias fascistas de renovação é aqui superado, mas a fantasia masculina de soberania nele contida sofreu, no entanto, uma transformação notável. O ódio à mediação pelas próprias formas, exposto desde o século XX, volta a emergir abertamente, mas o seu domínio soberano por pura força de vontade é agora também denunciado.

A lei e a ordem não se realizam através do triunfo da vontade, e a masculinidade não se realiza através da absorção na dominação social. É exactamente o contrário: para Donovan, a sociedade resulta puramente da realização pessoal da masculinidade por princípio por parte de cada homem. A sua desejada ordem hierárquica de homens entre si, abaixo da qual se encontram todas as mulheres, surge meramente como um efeito da luta da natureza de género masculina contra a natureza de género masculina.

No entanto, não parece haver uma contradição manifesta entre esta actual atomização da ilusão masculina de soberania e as ideologias neonazis e neofascistas. Donovan é fortemente acolhido no movimento identitário, tendo o seu livro sido publicado em alemão pela Antaios-Verlag de Götz Kubitschek (cf. Glösel 2016). O odiador do Estado Donovan é, portanto, bastante popular entre os apoiantes do Estado autoritário. A sua fantasia de uma dominação pós-apocalíptica de bandos masculinos substitui provavelmente aqui o conceito liberal do estado de natureza da sociedade, a partir do qual a sociedade pode então ser criada novamente num acto de vontade. A fase de caos e tirania de Donovan poderia aqui representar em termos reais o período entre a actual decadência e a próxima renovação fascista. Conceitos elaborados como o "aceleracionismo", mas também o constante murmúrio sobre uma guerra civil iminente, mostram que as forças fascistas não só esperam uma tal fase de declínio como renovação, mas também trabalham activamente para a alcançar (Lauer, Jakobson 2020). A cena em crescimento dos "preparadores", principalmente homens que se preparam para condições sem Estado, nem dinheiro, nem lei nem água canalizada, consiste, portanto, não só em excêntricos isolados que, no seu prazer do medo, mal podem esperar para ser um lobo solitário para outras pessoas, mas também em radicais de direita organizados, que querem preparar a sua tomada de poder no caos e na queda (cf. Kracher 2018).

 

8. Conclusão

Quer a queda seja entendida como ansiada oportunidade para renovar a masculinidade, como no caso de Donovan, quer apareça apenas como terrível destino ao qual o homem está condenado de qualquer modo, como no caso dos Incels: o que têm em comum é que as mulheres já não podem aparecer como devotadas preservadoras da natureza social, mas apenas como criminosas corruptoras que teriam primeiro de ser transformadas novamente num objecto completamente subjugado pela dominação masculina, antes que qualquer complementaridade orgânica ou entendida de outro modo se torne novamente concebível. Esta mistura projectiva de desejo e ódio à feminilidade torna-se ainda mais paranóica e totalitária através da constelação que hoje em dia move o sexismo e o antifeminismo ainda mais para a vizinhança do anti-semitismo (cf. Stögner 2014 e FGBW e.V. 2019).

As fantasias masculinas de soberania após o "fim da história" aparecem assim atomizadas e privadas do seu fundamento. Isto conduz, por um lado, a um niilismo mortal de decadência e, por outro, a um totalitarismo ainda mais paranóico de renovação. O facto de ambas as vertentes poderem, em princípio, ser conciliadas entre si foi historicamente provado pelo nacional-socialismo. Isso não se repetirá da mesma maneira, o que não é motivo para nos tranquilizarmos. Porque as tentativas, por si só, já significam a mais profunda barbárie, e não se pode prever claramente do que o sujeito masculino em crise ainda será capaz no seu declínio. Para as forças emancipatórias é, portanto, mais importante do que nunca, no futuro, opor-se às tentativas ilusórias da revolta conformista do sujeito masculino burguês e, ao mesmo tempo, apontar e trabalhar para a eliminação da base real da crise.

Para isso, não é possível simplesmente recuar para trás das convulsões históricas. Isto significa que uma crítica feminista do género não pode evitar partir da sua duplicação no sujeito. O quão patéticos e reaccionários acabam por ser aqueles que já não criticam o sujeito burguês, mas apenas o querem salvar, é amplamente demonstrado por autoritários liberais e (ex-)esquerdistas, tais como os anti-alemães de cunho bahamista. (15) “Para enfrentar produtivamente a crise, teria de se constituir uma ‘esquerda feminista’ consciente do ‘mecanismo da dissociação’ no conjunto da sociedade, tanto no plano subjectivo-pessoal como no plano objectivo-social. Um feminismo neste sentido não pode permitir-se continuar a limitar-se apenas às mulheres e ao movimento das mulheres" (Scholz 1992, 49). A actual natureza do género tem, portanto, de ser assumida também no e através do sujeito, sem sucumbir à tendência de aqui afirmar esta "natureza" ou mesmo de querer perpetuá-la. Os homens são particularmente susceptíveis de serem criticados neste ponto, porque normalmente ou negam "o seu género" em abstracto e deixam-no desaparecer num universalismo androcêntrico, ou trabalham em identidades alternativas, como a "masculinidade crítica" que se está a tornar popular nos círculos da esquerda dos movimentos e que supostamente os reconcilia com o seu género.

É preciso contrapor que a identificação apocalíptica com a natureza social do sujeito não pode ser contrariada com uma versão múltipla, positiva ou feminista do sujeito, mas apenas com a sua crítica fundamental. A única solução para a crise continua a ser, portanto, a abolição colectiva da sua base, ou seja, do patriarcado capitalista e da sua natureza social.

 

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Notas

(1) Por "natural" entende-se apenas a reprodução inconsciente e fetichista da relação de dissociação-valor nas costas das pessoas. Esta é, de facto, espontânea, na medida em que a consciência fetichista das condições surge "naturalmente" para o sujeito na sua prática. Marx: "[...] a forma retorcida em que a inversão real se exprime encontra-se naturalmente reproduzida nas ideias dos agentes deste modo de produção" (Marx 1993, 445, ênfase KP).

(2) É claro que "consciente" aqui não significa uma consciência crítica (do fetiche). A consciência fetichista, no entanto, dirige-se deliberadamente e com interesse no conhecimento para realidades que antes lhe pareciam evidentes por serem naturais.

(3) Ver também Monday, Justin: Money makes the mind go round. Spekulationen zur Frage, welche Form der Erkenntnis in der gegenwärtigen Krise zerfällt [O dinheiro faz girar a mente. Especulações sobre a questão de saber qual a forma de conhecimento que se desintegra na actual crise], comunicação no seminário anual exit! 2012, https://archive.org/details/ZurKriseDesGeldes/3/JustIn_Monday-Spekulationen_zur_Frage_welche_Form_der_Erkenntnis_zerfaellt-1.mp3.

(4) Sobre o sexismo de Kant, cf. Späth 2011.

(5) Cf. também Korecky 2012.

(6) "O Islão não é meu inimigo. O meu inimigo é algo completamente diferente e esse é o nosso maior inimigo. O maior inimigo, caros amigos, o nosso maior inimigo é a nossa decadência", Björn Höcke em Erfurt 18.5.2016 https://www.youtube.com/watch?v=MRmftBet-1I.

(7) "Os iluministas viam-se a si próprios como mediadores, de certo modo tradutores da natureza: as suas concepções de educação eram essas traduções. O conceito hegemónico de masculinidade do final do século XIX já não é uma 'tradução da natureza em pedagogia', mas um instrumento de poder" (Schmale 2003, 198).

(8) Para as primeiras abordagens mecanicistas e biologistas do século XVIII, cf. Honegger 1991.

(9) Resumindo, ainda que um pouco mais tarde, Freud: "Em todos os tempos as pessoas se confundiram com o enigma da feminilidade [...] não se espera isso das mulheres entre si, elas são elas próprias esse enigma" (Freud 1933).

(10) Embora me concentre no regime nacional-socialista e na sua tradição até aqui e a partir daqui, é possível afirmar, em linhas gerais, uma universalidade limitada dos fenómenos e das dinâmicas para, pelo menos, todas as nações industriais. Os EUA, por exemplo, nunca foram um Estado popular fascista, mas desenvolveram um regime intervencionista estatal na primeira metade do século XX, que também interveio na natureza social (de género) dos indivíduos de uma forma autoritária e com motivações raciais-eugénicas, por exemplo, através da esterilização forçada em massa (cf. Schievelbusch 2005 e Davis 1981, 202-221).

(11) Boa descrição, mas crítica reaccionária em Kolk 1994.

(12) Isto não quer dizer que o feminismo queer seja apenas uma ideologia pós-fordista em sentido estrito: "A motivação subjectiva do entusiasmo de Butler não era a aprovação dos Madonna Studies ou [do] neoliberalismo, mas a revolta, um não à natureza – ao mesmo tempo que aceitava o convite para entender esta natureza como já deixada para trás" (Korecky 2020, 106).

(13) Chegam mesmo a danificar o centro simbólico do corpo masculino normativo: O uso de esteróides anabolizantes pode levar à disfunção eréctil e, eventualmente, à impotência, cf. também Posster 2020.

(14) O caso mais famoso é a série de assassinatos de Elliot Rodger, que matou seis pessoas e feriu 14 no campus da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, em 2014. Também em 2020, mulheres foram atacadas por um suposto "terrorista incel" com um facão, tendo uma delas morrido.

(15) O estado desastroso deste milieu e a adequada crítica a ele foram documentados neste evento: Intervenções Feministas (2019): Sobre a ligação entre a crítica unilateral da ideologia e a regressão anti-feminista http://audioarchiv.blogsport.de/2019/02/22/muetterimagines-mueckenstiche-und-die-selbstverschuldete-unmuendigkeit-der-frau/.

 

 

Original “Männlichkeit ist die Krise?! Zu Geschichte und Verhältnis von latenter und manifester Krise des bürgerlichen Subjekts und seiner gesellschaftlichen (Geschlechts-)Natur in revista exit! nº 19, 2022, p. 82-111. Tradução de Boaventura Antunes

 

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