A MORTE DA POLÍTICA

Submeter-se à política é subalternidade;escolher política é estúpido!

 

Um  cadáver domina Fortaleza, Brasil e o mundo – o cadáver da política! Todos os poderes do planeta uniram-se para a defesa deste domínio:  Bush, Kerry, Blair e Hu Jintao; Fidel, Bin Laden, Sharon e o Papa; religiosos, empresários, banqueiros e latifundiários; Lula, FHC, Tasso e Sarney; Serra, Marta, Dirceu e Inácio; Stédile, Moroni, Luizianne e todos os demais candidatos; partidos, meios de comunicação, CUT e sindicatos; MST, CNBB, UNE e UDR; cientistas políticos, ecologistas, comunistas e socialistas. Todos eles (as) tem um só lema: política, política, política.

Mas, a política está impotente diante da ameaça à vida humana e à natureza. Se você duvida, verifique:

    1. A economia submeteu a vida humana às suas próprias leis. Isto provocou uma catástrofe dos fundamentos naturais da vida. A continuidade da sociedade ficou ameaçada porque sua condição de existência humana está para ser extinta;
    2. A enorme acumulação dos meios de que a sociedade dispõe não torna a vida mais rica, mais bela e mais humana. A cega utilização destes meios materiais não pode ir mais longe sem comprometer a vida humana e a natureza;
    3. A crise atual atinge todos os países centrais capitalistas e vai tornando evidente, nos demais, que a maior parte de sua população já não consegue viver mais dentro de suas formas sociais;
    4. O nosso dia a dia é dominado pelo horror, terror, violência, guerra, narcotráfico, desemprego, etc. A barbárie ronda Fortaleza e demais cidades do Brasil e do mundo. A desesperança e a miséria se alastram. O serviço público virou calamidade. A sociedade mal funciona. A vida começa a se transformar numa vida animalesca.

Nenhum partido ou candidato (a) responde a essas questões decisivas. Para as eleições armam um enorme aparato, mas apenas para a perfumaria política. E o resultado fica sempre equivalente a quase zero.

Conclusão: a crise atual demonstra não só o colapso do sistema capitalista, mas a morte da política.

Com isso, a política ficou reduzida a mero espetáculo, um espetáculo que leva você a obedecê-lo, que coloca você a seu serviço, que o apaixona para servi-lo e que o conduz para a passividade, resignação e mediocridade.  Todos concordam que não fica bem vender um político, como se vende um detergente. Mas vendem e expectadores  continuam  comprando. Por isso, a atuação política virou tarefa de demagogo. Por mais chocados que fiquem os adoradores da deusa política, a política acabou. E não só  em Fortaleza e Ceará, mas no Brasil e no mundo.

Mas, quando e onde começou toda esta história? Quais são suas implicações para a nossa vida e a vida do planeta?

AS SOCIEDADES PRÉ MODERNAS ERAM ACRÍTICAS

As sociedades pré-modernas não existiam em todo o planeta. Não possuíam consciência histórica. Não dispunham da história como uma explicitação de seus processos de evolução e formação socioeconômicas.

Além do mais não estavam em conflito consigo mesmas, ou seja, com sua própria forma. Uma dinastia podia suceder a outra, mas a forma social como tal não era colocada em dúvida. A sociedade, sob tais pressupostos, aparecia sempre como "sociedade em geral" não como forma específica que também poderia ser totalmente diversa.

As sociedades pré-modernas eram capazes de reproduzir-se por períodos incrivelmente longos (no caso do Egito, por séculos) sem ruírem a partir de dentro; seu declínio, pois, era condicionado antes de tudo por causas externas.

As culturas agrárias pré-modernas possuíam uma reflexão que não fazia a "crítica da sociedade". Antes era uma reflexão "imediata sobre Deus", ou sobre o universo, sobre a posição do homem no cosmos, sobre o enigma da morte. Era necessariamente, portanto, uma reflexão religiosa e com conteúdo religioso que permaneceu vinculada à estrutura socioeconômica pressuposta sem crítica.

Nas sociedades pré-modernas havia, desde épocas distantes, a troca local e do mesmo modo o comércio exterior (especiarias, seda, minérios, armas, etc). Mas nelas nunca se formou a partir daí, abrangendo toda a sociedade, um "sistema produtor de mercadorias" como é o capitalismo. E o trabalho não constituía uma esfera separada. Nem tampouco era encarado como um princípio ontológico da sociedade humana. Ao contrário possuía um significado de inferioridade social e dependência.

UMA FORÇA DESTRUTIVA ABRE CAMINHO PARA O CAPITALISMO

O advento da modernidade alterou completamente essa situação, não através de uma força produtiva, mas, pelo contrário, destrutiva. O que abriu o caminho para a modernização foi a invenção das armas de fogo. Foi através delas, que se destruíram as formas pré-capitalistas de domínio. A cavalaria feudal tornou-se militarmente ridícula. Estava selado o destino dos exércitos mantidos e trajados de armaduras. Mas a arma de fogo não estava nas mãos de uma oposição "de baixo" que fazia frente ao domínio feudal, mas conduziu antes a uma "revolução de cima".

Isto fica evidenciado na medida em que as armas de fogo não podiam mais ser produzidas em pequenas oficinas. Ao contrário, elas exigiam uma indústria de armamentos em grandes fábricas. Indústrias armamentistas, corridas armamentistas e manutenção de exércitos permanentes organizados, divorciados da sociedade civil e ao mesmo tempo com forte crescimento, conduziram necessariamente a uma subversão radical da economia. Aí está a origem da dependência do dinheiro.

A produção de mercadorias e a economia monetária (elementos fundamentais do capitalismo) passaram a existir porque contaram com a economia militar e de armamento. Através delas, as pessoas foram assim forçadas a ganhar dinheiro vendendo sua força de trabalho. Evidentemente, as pessoas não se deixaram levar de livre e espontânea vontade pelas exigências da nova economia armamentista e financeira. Só podiam ser forçadas a isto por meio de uma repressão sangrenta. Eis aqui a origem das "guerras camponesas", no início da modernidade, até as agitações dos "ludistas" (chamados "quebradores de máquinas"), no período da industrialização.

AS SOCIEDADES MODERNAS DERAM ORIGEM A DUAS CRÍTICAS

Esse novo período nasce carregando consigo uma dinâmica sem precedentes. Essa dinâmica, que tem por base a moderna revolução industrial, submete a vida social ao movimento de valorização do dinheiro. Esse movimento se torna insaciável e se reproduz com formas sempre novas, em estágios evolutivos cada vez mais elevados. Para dar resposta a tudo isso, a nova sociedade inaugura seus novos conceitos de revolução, processo, movimento, espaço, tempo, cultura, educação, arte, etc.

A partir daí, o novo pensamento de "crítica social" inventa a história linear e o progresso, o olhar voltado para o futuro e a crítica de cada situação alcançada como mero estágio transitório para uma respectiva situação nova e supostamente superior.

Porém a "crítica social" inaugurada pela modernidade dá origem a duas críticas sociais antagônicas. Uma, que ensaiava a crítica radical das formas básicas desta sociedade. Outra, que criticava a insuficiência e subdesenvolvimento da mesma sociedade. A primeira, que no início permaneceu oculta e durante um bom tempo reprimida, só recentemente foi (re) descoberta e por isso só agora dá os seus primeiros passos. A segunda sobreviveu e se desenvolveu até agora como uma reflexão imanente ao capitalismo e em cuja fundamentação está baseada a teoria da modernização capitalista, ou seja, o socialismo com suas variantes (marxista, socialista, bolchevista, trotsquista, maoísta, etc.) e seus discordantes anarquistas.

As duas teorias se voltam para uma mesma base de estudos que é o capitalismo. Porém, o capitalismo não ingressou na história em estado puro, mas sim através de uma miscelânea de momentos capitalistas, pré-capitalistas, modernos e pré-modernos. Isso ocasionou uma disparidade entre os vários países continentais da Europa que eram subdesenvolvidos em relação à Inglaterra e também nos demais países do mundo que eram ainda mais atrasados do que os subdesenvolvidos europeus. Nessa não simultaneidade interna e externa do capitalismo reside a gênese dessas teorias. Daqui advém suas distintas abordagens, com duas teorias diferentes: uma, a teoria da superação do capitalismo. Outra, a teoria de sua modernização.

Essa contradição ainda persiste. Mas até aqui vinha prevalecendo a reflexão teórica interna das formas capitalistas. Conseqüentemente, a crítica ao capitalismo acabou não se referindo ao todo lógico e histórico desse modo de produção, mas sim sempre apenas a determinados estágios de subdesenvolvimento já percorridos ou a serem superados. Com isso, a vida do capitalismo se prolongou. Como entender isto?

O CAPITALISMO SEM LIMITES

O objetivo da produção moderna é transformar dinheiro em mais dinheiro. Isto só foi possível porque, no capitalismo, o dinheiro é a encarnação do trabalho. O fundamento do sistema é a valorização do dinheiro que surge como uma forma de riqueza constituída pelo dispêndio do trabalho humano direto, tendo por base o tempo de trabalho. Nisto reside o coração do sistema capitalista, a produção do valor, a valorização do dinheiro.
 No entanto,  para obter o lucro, a venda dos bens produzidos deve render mais dinheiro do que o custo  de sua produção. O alcança este objetivo a empresa que faz ofertas mais baratas de mercadorias. Quem decide, face à concorrência, é a produtividade. Para produzir grande quantidade de produtos com pouco dispêndio de trabalho vivo, ou seja, poucos trabalhadores e muitas mercadorias baratas, torna-se indispensável o uso cada vez maior de máquinas. Portanto, a diminuição dos custos exige que menos trabalhadores produzam mais produtos.
 Porém, o sistema se expandiu. E expandiu porque a capacidade de racionalização era, neste momento, menor que a expansão do mercado. Com isso a indústria absorveu antigos ramos de produção artesanal, criou novos setores produtivos, inventou produtos jamais imaginados e infundiu a sede de comprar nos consumidores. O processo de aumento de produtividade, expansão e saturação dos mercados, criação de novas necessidades e nova expansão parecia não  ter limites.

UM EXEMPLO QUASE IMBATÍVEL

Em 1886, o engenheiro alemão Carl Benz construiu o primeiro carro. Em 1900, o engenheiro norte-americano Frederic Taylor criou um sistema que separava  as áreas de trabalhos específicos,  o que resultou  no aumento da produção. Em seguida, o empresário Henry Ford introduziu a esteira rolante, originando um novo método de produção, o fordismo.  Os  resultados foram surpreendentes. De l0 mil carros por ano a indústria fordista pulou para 248 mil carros , em l914. Os novos métodos deflagaram uma nova revolução industrial. O aumento de produtividade criou um número espantoso de novos empregos e barateou uma enorme quantidade de produtos. O capitalismo viveu sua época de ouro e os trabalhadores obtiveram suas maiores conquistas.

O INÍCIO DO LIMITE

 Nos anos 80  aconteceu a terceira revolução industrial com base na microeletrônica. A nova fase de produção levou as indústrias fordistas a atingirem seu nível histórico de saturação. Novos e sofisticados produtos tiveram seus preços barateados.  Computador vai  se transformando em  consumo de massas. Mas, o surto econômico não trouxe o correspondente aumento de empregos. A produção passou a depender menos do tempo de trabalho e do montante de trabalho empregado, e muito mais das sofisticadas máquinas na produção, criadas pela ciência e tecnologia.  Perante o imenso acúmulo de trabalho morto, o trabalho vivo ficou reduzido à mera supervisão e manutenção do sistema mecânico. O  aumento incessante da produtividade do trabalho chegou numa situação em que o valor novo adicionado por unidade de produto é tão insignificante e mesquinho, que a  medição  pelo critério de valor se tornou insustentável. Com isso, nem o trabalho e nem o tempo de trabalho são mais as condições principais da produção. O trabalho começa a deixar de ser a fonte principal de riqueza e o tempo de trabalho deixa de ser a sua medida. Aqui se inicia o extermínio da galinha dos ovos de ouro do capital, o trabalho.

O IMPASSE DA SOCIEDADE ATUAL

A produção moderna cujo objetivo é originar o lucro está diante de um  impasse.  Reduzir o tempo de trabalho a um mínimo ou continuar com o tempo de trabalho como medida de produção, eis a questão. Pela primeira vez  na história da humanidade, a nova tecnologia economiza mais trabalho de que o necessário para a expansão dos mercados  de novos produtos. A capacidade de racionalização é maior de que a capacidade de expansão. Uma nova fase criadora de empregos deixou de existir. O desemprego se espalha por todas as indústrias, por todo o planeta. A troca de trabalho vivo pelo trabalho objetivado se apresenta como o último desenvolvimento atual da relação do valor, da  produção baseada no valor. Muda o significado de  riqueza, tempo e trabalho.  A barreira histórica do capitalismo se apresenta, o seu limite vislumbrado. Os seres humanos, que foram capazes de construir um maquinário técnico-científico para substituir o trabalho, estão sendo chamados agora para, na maior demonstração de sua capacidade e genialidade, construírem a sociedade da emancipação humana.

O FIM DO TRABALHO É O FIM DA POLÍTICA

A crise do trabalho tem como conseqüência a crise do Estado e, portanto, da política. O Estado moderno constituía uma instância superior que garantia, no quadro da concorrência, os fundamentos jurídicos normais e os pressupostos da valorização dos sistemas produtores de mercadorias. Para garantir isso era indispensável a existência de um aparelho de repressão para a  possibilidade  do material humano insubordinar-se contra os sistemas  capitalista e socialista de Estado. No capitalismo sem limites, o Estado assumiu, de forma crescente, tarefas socioeconômicas como, por exemplo, saúde, educação, rede de transportes e comunicação, infra-estruturas  de todos os tipos que eram indispensáveis ao funcionamento da sociedade do trabalho.

ESTADO NÃO TRANSFORMA TRABALHO EM DINHEIRO

Mas, o Estado não transforma trabalho em dinheiro, ou seja, o Estado não constitui uma unidade de valorização autônoma e por isso precisa retirar dinheiro do processo real de valorização, fruto da produção e contradição entre o capital e o trabalho. Mas, como vai se esgotando o trabalho, esgota-se a valorização. Esgotada a valorização,  esgotam-se também as finanças do Estado. O Estado apresenta-se desnudado e exibe a sua dependência, diante da economia cega e fetichizada da sociedade do trabalho. Na crise da sociedade do trabalho, tanto a propriedade privada  quanto a propriedade estatal ficam obsoletas porque as duas formas de propriedade pressupõem , do  mesmo modo, o processo de valorização.  A propriedade estatal é apenas uma forma derivada da propriedade privada, tanto faz se com ou sem o adjetivo socialista.

OS DESASTRES DO CAPITALISMO

Com o crescente desemprego estrutural  de massas,  esgota-se a renda estatal proveniente dos impostos sobre os rendimentos do trabalho. Com a crise caem fora também as rendas estatais provenientes dos impostos sobre lucros das empresas. Por outro lado, os trustes  transnacionais obrigam os Estados  que concorrem por investimentos a praticarem todo tipo de bandidagem. E aí o neo-liberalismo se destaca pela sua enorme contribuição na medida em que os limites da economia nacional são dinamitados. Regiões mundiais inteiras são cortadas dos fluxos globais de capital e mercadorias.  Numa onda de fusões sem precedentes históricos, os trustes se preparam para a última batalha da economia empresarial.  Estados e nações são desorganizados e implodem. Populações são empurradas para a loucura da concorrência. Na luta pela sobrevivência assaltam-se em guerras étnicas de bandos. Com novas roupagens ressurgem o racismo, homofobia, xenofobia, genocídio, patriarcalismo, nazismo, fascismo, etc. O  "lixo humano" fica  sob a competência da polícia, das seitas religiosas de salvação, da máfia, dos esquadrões da morte. Aumenta enormemente o número de pessoas nas prisões.  Diariamente, crianças e pobres são assassinados.  Três quartos da humanidade afundam-se em estado de miséria e calamidade porque o sistema social de trabalho não precisa mais do seu trabalho e são declarados como lixo social.  O patriarcado não é eliminado, mas fica mais selvagem ainda  diante da crise da sociedade  do trabalho e da política.  O resultado das democracias fordistas  para as mulheres já foi a carga dupla, a dupla jornada de trabalho  com salários diferenciados, subalternidade, discriminação, humilhação e violência sexual. Agora vem a terceira, que além de acentuar a cisão entre o público e o privado, pretende tornar as mulheres responsáveis pela sobrevivência impossível da sociedade atual  que o  mundo masculino, irracionalmente, quer prolongar.

ESTADO É ADMINISTRADOR DE CRISES

O Estado democrático transforma-se, com isso, em mero administrador de crises. A educação vira privilégio para incluídos e enganação para excluídos. A cultura intelectual, artística e teórica é remetida  aos critérios do mercado,   vai padecendo e se desqualificando e destilando o tédio cotidiano. A saúde não é mais financiável. Descaradamente vale a lei da eutanásia social: porque você  é pobre e "supérfluo" não tem direito a nada e tem que morrer bem antes. Desempregados, moradores e meninos de rua, sem-teto, sem-terra, sem nada, doentes, idosos e excluídos são atirados no aterro sanitário social.  O Estado virou um sistema de apartheid que não tem mais nada a oferecer aos seus ex-cidadãos.

IMPOTÊNCIA DA POLÍTICA

 Diante da barreira  histórica do modo de produção de mercadorias, os seus atuais integrantes  e postulantes resolveram cometer suicídio ao lado do capitalismo. Pois, o Estado hoje se converteu num aparelho para a barbárie, terror, loucura, corrupção, assassinato, tráfico, demagogia, violência, escárnio, cinismo, etc., e por isso só pessoas que reúnem aptidão e qualidades para tais atividades podem integrar um tal aparelho e executar sobre o povo e sobre si mesmas, com o avanço da crise, o veredicto do sistema. Qualquer semelhança com a simulação,  característica importante do capitalismo atual em crise, não é mera coincidência. Pois, a terceira revolução industrial mudou a aplicação do capital dinheiro.  Na medida em que ele não pode ser reinvestido de forma rentável na economia real, porque não pode mais absorver mais trabalho, ele se desvia. O seu  caminho  é  o mercado financeiro. 

Esse deslocamento especulativo é prova concreta dos limites do sistema. O  dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é , mesmo no sentido capitalista, um  "bom dinheiro", mas apenas  "ar quente", com o qual a bolha especulativa foi levantada e simula  a solidez do sistema financeiro.  A possibilidade desta bolha estourar avança diariamente e suas conseqüências serão muito mais graves do que a de l929.  Não tem simulação que possa dar jeito nisto.
Este quadro  não pode ser revertido através da política. Pois, política é em sua essência uma ação relacionada ao Estado que tornou-se, na situação atual, completamente sem sentido. Num mundo fundamentalmente mentiroso, a política como portadora da  mentira, tem seu papel relevado para enganar as pessoas. A finalidade da política só pode ser a conquista do aparelho de  estado para dar continuidade à sociedade da política. A política fala  do realismo quando devasta o mundo e ameaça a vida, fala do que é melhor para a cidade e a torna cada vez mais feia e animalesca. Fala em humanismo e deixa a pessoa humana empobrecida e  miserável no meio da riqueza. Evidentemente,   fica impossível, nessas  condições, haver alguma regulação política democrática para a crise do trabalho e da política. O fim do trabalho torna-se o fim da política.

Portanto, a crise atual se apresenta como a crise final do capitalismo, a crise da própria forma-valor e não apenas de seus aspectos secundários. Fazem parte dela: a crise ecológica; a impossibilidade, na época da globalização, para a política e para os Estados nacionais de continuarem a funcionar como instâncias reguladoras; a crise do sujeito constituído pelo valor, particularmente visível na crise da relação entre os sexos e o esgotamento da sociedade do trabalho e de seus fundamentos.

A HORA DA EMANCIPAÇÃO HUMANA.

É inegável que anteriormente não foi possível a formação do sujeito que fosse capaz de eliminar a política e, conseqüentemente, o Estado, o mercado, o dinheiro, a mercadoria e suas  conseqüências. Não foi possível a formação de atores que forjassem a história da emancipação humana. As experiências revolucionárias do século que termina demonstram isto cabalmente. A ausência do sujeito constitui, portanto, a maior tara do capitalismo.

No entanto, a teoria que fundamentava a luta dos que tencionavam  acabar com  o capitalismo, não dimensionou a compreensão  da crítica radical de que os trabalhadores foram criados pelo valor e pela política que os sustentava. Por isso, foram transformados em comparsas da política e do capital e não dirigentes das suas próprias vidas, vividas e projetadas. Afinal, toda criatura tem dificuldade para  superar o seu criador, de substituir o amor da servidão pelo desejo da liberdade.  A crítica radical, hoje, elimina esta grave insuficiência teórica. A nossa compreensão atual portanto, comprova que a história não é por natureza um processo sem sujeito. Nossa arma é a crítica radical  do valor enquanto crítica radical da sociedade, que restabelece a identidade, no pensamento e na ação, entre forma de existir e forma de pensar  o até aqui impensável.

"SUJEITO AUTOMÁTICO", GESTAÇÃO E SUPERAÇÃO DO SUJEITO

A crise da sociedade atual é resultado de uma longa história patriarcal e cristã – ocidental da socialização pelo valor. O homem branco e ocidental contribuiu decisivamente para este objetivo. Mas agora essa sociedade apresenta um tipo de crise que põe em cheque sua identidade sexual. A superação da socialização pelo valor exige também a superação da sua identidade masculina. Em razão disso, toda tentativa de estender o véu da neutralidade sexual sobre a crise do valor está condenada ao fracasso.

Pela primeira vez na história da humanidade a problemática global da sociedade em crise encontra sua expressão na questão feminina. Superar o patriarcado, hoje, é superar a forma fetichista da mercadoria. Pois aqui reside o fundamento da cisão patriarcal e a convocação para uma construção histórica para além do fetichismo da mercadoria e de suas atribuições sexuais.

A origem deste homem branco e ocidental vem da economia política das armas de fogo dos primórdios da modernidade e do potencial destrutivo destas; mas sua constituição e forma de reflexão teórica consciente apenas pode ser encontrada no iluminismo. Por causa disso a crítica radical do valor e da dissociação, a crítica do sujeito e a crítica do iluminismo constituem um todo indivisível. Afinal, a construção histórica do iluminismo concorreu para a constituição da forma do sujeito moderno, capitalista, masculino e permeada pela ideologia do valor e da lógica da dissociação – um sujeito destrutivo.

A forma do sujeito não é outra coisa senão esse modus geral da relação do valor moderno e capitalista, a forma geral de pensar e agir da socialização do valor. Trata-se aqui, por um lado, dessa forma que se apresenta aos indivíduos como totalidade fetichista do "sujeito automático" (Marx) objetivado. Mas esta forma também é simultaneamente a dos portadores (as) das ações individuais e institucionais; e, enquanto tal, ela constitui, num sentido mais restrito, a forma do sujeito ou a "forma sujeito".

A sociedade do valor e da dissociação representa em si um programa de tábua rasa. Ela constitui a negação brutal de todo o mundo sensível e social. Emancipação, portanto, significa a negação da negação do mundo contida na própria forma sujeito. A subjetividade negativa contra o próprio sujeito deve ser entendida como uma superação transformadora do sujeito. Uma definição claramente negativa e transformadora da formação do sujeito contra o sujeito. Sujeito, mas apenas para abolir o sujeito. Portanto, um contra-sujeito ronda o mundo – o sujeito da desfetichização!

A CRÍTICA NA HISTÓRIA E SUA PRÁXIS

O pensamento pré-moderno acrítico só era possível sob a condição de que a sociedade repousasse estaticamente sobre si mesma e o pensamento reflexivo se reportasse, não ao vazio, mas a uma ordem divina. Não há mais volta a esta situação.

O pensamento moderno, tendo por base a filosofia iluminista burguesa e a teoria econômica a ela vinculada e praticada, realizou uma grande façanha, ao vender o contexto da forma social capitalista, antes totalmente inexistente, como uma lei natural da convivência humana. Este êxito contou com uma destacada contribuição da crítica imanente ao capitalismo. Enquanto o capitalismo tinha horizontes pela frente ficou fácil projetar para toda a história da humanidade a necessidade das relações sociais capitalistas. Mas agora a crise mundial atual escancara os limites do sistema. E a teoria imanente ao capitalismo esvai-se junto com ele. Daqui só pode vir uma razão, a razão que quer desesperadamente justificar a administração da crise.

O pensamento pós-moderno constitui a crítica social fragmentada no estado terminal do sistema e se coloca contra toda teoria que examina o conjunto da sociedade. Trata-se de uma reflexão teórica que cada vez mais se fragmenta porque a dinâmica social a ela subjacente extinguiu-se. As gerações pós-modernas, portanto, já não compreendem os conceitos de reflexão. Elas são o que são e mais nada. São perfeitamente idênticas a seus atos banais, quanto mais absurdos forem estes atos.

O pensamento da crítica radical entende a teoria como crítica categorial ao capitalismo, como crítica à irracionalidade do moderno sistema de produção de mercadorias, ou seja, ela repudia as classificações ontológicas básicas do capitalismo (trabalho, valor, mercadoria, dinheiro, mercado, Estado, política, democracia etc.). Ela examina o modo de produção capitalista fundamentalmente em suas formas político-econômicas elementares, que abrangem todos os grupos, classes e camadas sociais que formam o sistema coletivo de referência dos conflitos sociais intercapitalistas.

Agora poderemos adentrar no labirinto atual guiando-nos com o fio de Ariadne da crítica radical para superar de vez este sistema de horror e construirmos a nossa emancipação do capitalismo. Por isso venceremos as forças da barbárie, do terror e da loucura, pois só elas são capazes de executar sobre si mesmas, no decorrer da crise, o veredicto do colapso do capitalismo.

O colapso da modernização mundial e brasileiro deixa claro que é impossível viver nesta sociedade sem uma transformação emancipatória. O Brasil pode vir a ser o país do futuro se caminhar para além do sistema produtor de mercadorias. Para isto basta começarmos já a nossa emancipação do capitalismo. A crítica radical encara, portanto, o obstáculo que tem de ultrapassar.

PARA UMA PRÁXIS EMANCIPATÓRIA

Para atingimos este objetivo basta aproveitarmos esta única e admirável conjunção histórica que passou a existir na trajetória da humanidade. Trata-se de uma conjunção que, de um lado, faz com que a crise atual apresente os limites do sistema capitalista num momento em que uma transformação social profunda pode ser realizada. Do outro lado, passamos a contar com uma formulação teórica que dá conta desta transformação emancipatória.

Portanto, não deveríamos perder esta rara oportunidade histórica. Afinal, a cega utilização dos meios materiais existentes levou a sociedade a um funcionamento absurdo, e, no entanto, nos possibilitou os meios materiais para uma organização superior do mundo que alcançe a emancipação humana.

Com ela, deixaremos de viver sob o império da barbárie, do terror e da ameaça de aniquilamento total da humanidade. Os acontecimentos de 11 de setembro e seus desdobramentos são exemplares neste sentido. Tais acontecimentos representam a guerra em nome da religião secularizada do valor e para manutenção enlouquecida da imposição do valor e de seus valores, cujo resultado é a destruição da sociedade em geral.
Analisando as experiências passadas e a nossa própria experiência, (afinal não foram poucas as lutas que fizemos) percebemos  que a práxis emancipatória está em gestação. Uma gestação da revolta  que exige uma prática coerente e que recuse a encontrar  um lugar confortável na alienação geral, na busca de migalhas num mundo degradante.   Uma prática que enfrente a crise da política, demonstrando  que a sociedade que aí está ameaça a destruição do planeta, e portanto, ameaça a todos nós, onde ficam cada vez mais afetados o solo,  a água, a atmosfera e os alimentos que se tornam transgênicos. Uma prática que adote formas de luta cuja compreensão, organização e atuação sejam  baseadas na democracia  direta,   na ação direta das pessoas, para que possamos nos forjar enquanto visão, teórica e prática, da totalidade. Uma prática que não seja apenas de luta  pela  distribuição no interior do sistema, mas iniciativas que visem a superação do capitalismo, do estado e mercado e  da política. Uma prática que questione  tudo,  as nossas relações e os objetivos da transformação da sociedade e da natureza. Uma prática de que nossa recusa da política afirme a práxis transformadora para construir a felicidade humana, abolindo no nosso meio tudo o que tende a reproduzir os produtos alienados da política.   Uma prática que seja uma declaração de guerra à irracionalidade reinante.
É compreensível que os poderes da nossa cidade e país nos considere loucos porque queremos pôr fim à pré-história da humanidade.  Mas, nada temos a perder senão a catástrofe para a qual eles nos conduzem.  Temos a ganhar a Terra da emancipação humana.

Instituto Filosofia da Práxis (Novembro de 2004)

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