Richard Aabromeit

 

JEREMY RIFKIN:

 

A SOCIEDADE DO CUSTO MARGINAL ZERO

Recensão do seu último livro

 

 

 

Quase lá! Assim se poderia intitular, com um piscar de olhos, uma crítica ao último livro de Jeremy Rifkin (Die Null Grenzkosten Gesellschaft. Das Internet der Dinge, kollaboratives Gemeingut und der Rückzug des Kapitalismus; Frankfurt am Main 2014; 525 p.; 27,00 €) [A sociedade de custo marginal zero. A Internet das coisas, a comunidade de bens comuns e o eclipse do capitalismo, Lisboa, Bertrand, 2016, 599 pp.]. "Um dos mais populares teóricos sociais do nosso tempo" e "um dos mais proeminentes pensadores sociais" (como se diz no texto de badana do livro), bem como um dos mais importantes conselheiros de muitos dos actuais políticos (incluindo Bill Clinton, Angela Merkel e Jean-Claude Juncker) escreveu um novo livro que se destaca claramente do mainstream da actual análise social. Até deixa a suspeita de que Rifkin gostaria de ser contado entre os teóricos/as do grupo de críticos/as do valor – isto, claro, dito com ironia e bastante exagero, mas, em todo o caso, ele escreve no seu presente livro : "O que socava o sistema capitalista é o sucesso espectacular dos pressupostos fundamentais que o determinaram. É a contradição imanente nessa força motriz no coração do capitalismo, que primeiro o fez subir a alturas vertiginosas e agora o leva à morte" (p. 10s.) [13]. Isso quase poderia ter sido formulado por um/uma autor/a da EXIT!, ainda que não atribuindo um coração ao capitalismo. Por essa razão, penso eu, Rifkin é um pensador ou crítico mais importante da situação social de hoje do que muitos/as tagarelas que se julgam de esquerda. Para os espíritos críticos e interessados, diga-se desde já: o livro é mais que merecedor de ser lido! Mas, muito a sério: no conjunto, Rifkin não tem mesmo nada a ver com a crítica da dissociação-valor, só que ele vê o capitalismo muito mais criticamente do que muitos/as pensadores/as burgueses/as e também do marxismo tradicional; infelizmente, isso não muda o facto de que ele, ainda assim, o imagina não só a existir por um certo tempo mais, mas também muito vivo. Aqui estão alguns comentários críticos sobre o seu último trabalho.

 

Mensagens-chave de Jeremy Rifkin

Isso geralmente é bastante simples de formular; mas, como sabem quase todos/as os/as cientistas burgueses/as, não é tão fácil no detalhe! Em princípio, Rifkin vê a pele do capitalismo já hoje a desaparecer. Mas: ele espera muito que o seu capitalismo, tão incrivelmente ambivalente, possa durar bastante tempo, ao lado do que ele chama "sociedade de custo marginal zero", alguns anos, talvez até algumas décadas. "A luta entre colaborativistas 'prossumidores' e capitalistas investidores, embora ainda num estádio inicial, é a batalha económica decisiva da primeira metade do século XXI" (p. 254) [298]. Talvez essa metáfora se destine a comemorar a Batalha das Nações, perto de Leipzig, onde, em 1813, também foi derrotado um anacronismo; só que o capitalismo não se envolverá em nenhuma batalha final! Em vez disso, ou será abolido por uma sociedade que tomou consciência de si mesma e das condições por si criadas, ou desaparecerá num caos incontrolável e bárbaro. Este último há muito que já começou, sem que nunca nem em lado nenhum se chegasse a qualquer preparação conscientemente planeada da batalha. Os opositores do capitalismo invocados por Rifkin, isto é, a comunidade da Internet da "sociedade de custo marginal zero", ou dos "bens comuns colaborativos", podem, de facto, desenvolver por vezes potenciais ideias alternativas de natureza económica; mas, de Robert Owen (1) a Irmi Seidl (2) e Harald Welzer (3), nunca apreenderam radicalmente em termos conceptuais o absurdo do capitalismo, ficaram limitados no espaço e no tempo, e ainda não passaram dos modelos tipo poço de desejos; o que também não deveria ter escapado a Rifkin.

As suas descobertas sobre o processo de encolhimento do capitalismo são ainda mais acutilantes: "Imaginemos um cenário em que a coerência de funcionamento do sistema capitalista supera todas as expectativas e o processo concorrencial gera uma «produtividade extrema», conduzindo ao que os economistas denominam de «condições óptimas de bem-estar geral» – em que a intensa concorrência obriga à introdução de tecnologia cada vez mais eficiente, aumentando a produtividade até ao ponto ideal em que cada unidade adicional introduzida para venda se aproxima do custo marginal de 'quase zero'. Por outras palavras, o custo real de produção de cada unidade adicional – sem considerar os custos fixos – passaria a ser zero, tornando o produto praticamente gratuito. Se esta situação se verificasse, o lucro, combustível que alimenta o capitalismo, esgotar-se-ia." (p.13) [15]. E ele ainda enfatiza: "Muita da velha guarda da cena comercial não consegue imaginar como é que a vida económica pode continuar a prosperar num mundo em que a maioria dos bens e serviços é praticamente oferecida, o lucro está moribundo, a propriedade significa muito pouco e o mercado é supérfluo. Que fazer?" (p. 15) [18]. Sim, exactamente: Que fazer? E, já quase contaminado pelo ponto de vista marxista, refere Oskar Lange (4) que "em 1936, no auge da Grande Depressão", levantou a questão de saber "se em algum momento do desenvolvimento técnico, o próprio sucesso do sistema se tornaria um entrave ao seu avanço" (p. 16) [19]. E se "um empresário introduz inovações tecnológicas que lhe permitem reduzir os preços dos bens e serviços, ganha uma vantagem temporária sobre os seus concorrentes que permanecem presos a meios de produção mais antiquados, o que resulta na desvalorização dos investimentos mais antigos em que estes estão envolvidos” (ibid.). Recorrendo a John Maynard Keynes, Rifkin diz então mesmo que, por isso, há a ameaça de "desemprego tecnológico" (p 18) [ 21].

Isso já parece mesmo quase marxista. Mas, precisamente neste contexto, em que a "contradição em processo" (Marx) desempenha um papel crucial na análise, Rifkin omite a menção de Marx. Talvez ele não tenha coragem, ou simplesmente não o entendeu. Por precaução, ele cita Marx muito raramente, de qualquer maneira. E mais um mas: Na página 24 [28], após dezasseis magras páginas de texto, Rifkin deixa a descrição dos riscos da problemática fundamental do capitalismo e vira-se para o verdadeiro tema do seu livro, a sociedade do custo marginal zero, que constitutivamente tem a ver com a Internet, especialmente a Internet das coisas.

 

A Internet das coisas

"A Internet das Coisas permitirá ligar tudo e toda a gente numa rede global integrada. Pessoas, máquinas, recursos naturais, linhas de produção, redes logísticas, hábitos de consumo, fluxos de reciclagem e praticamente todos os outros aspectos da vida económica e social estarão ligados através de sensores e de software à plataforma da Internet das Coisas." (p. 25) [29]. Esta existência on-line abrangente dos seres humanos deve então iniciar ou desenvolver a sociedade do custo marginal zero, em conexão com "Energias Renováveis, produção em impressoras 3D, bem como "ensino superior online" (p. 14) [16]. Isso levará então à "ascensão da comunidade dos bens comuns colaborativos" (p. 32s.) [36], deverá trazer a tísica ao capitalismo ainda alegremente dominante e, por sua vez, tornar-se "modelo dominante de organização da vida económica".(ibid.). Assim teríamos estabelecido o cenário para o curto e médio prazo: o capitalismo começou a diminuir devido às suas contradições internas – os ganhos de produtividade resultam em perdas de lucro e em mercadorias com custos marginais (quase) zero – o capitalismo começou a sua decadência, mas já estão a erguer-se os concorrentes bens comuns que, com a Internet das coisas, a impressora 3-D, as energias alternativas e alguns outros produtos milagrosos, encaram de frente o capitalismo. Não houve já uma "concorrência de sistemas" de 1917 a 1991 e como acabou ela também?

 

A história alegadamente secreta do capitalismo

Depois de Rifkin, numa espécie de prólogo (p. 9-46) [11-54], ter descrito brevemente os galos e galinhas de combate com as respectivas armas, para a batalha já em curso e que em breve se agudizará pela supremacia na organização económica, ele dedica-se na Parte 1 à história do capitalismo. Eu acho que essas 55 [64] páginas são muito agradáveis de ler e fornecem um relato factualmente rico da evolução do capitalismo, desde os seus pressupostos históricos até ao presente. Ao fazê-lo, Rifkin também fornece material que, embora em princípio disponível publicamente, não é ou apenas marginalmente é usado e discutido pelo mainstream da ciência económica, histórica, social e política. Apenas um exemplo: ninguém deve sobrestimar o papel dos moinhos de água na constituição do capitalismo – nem Rifkin o faz; no entanto, é muito importante saber que, "no final do século XI existiam mais de 5.600 moinhos de água em funcionamento em 34 condados de Inglaterra; ... O impacto económico foi dramático. Um moinho de água tradicional gerava dois a três cavalos de potência durante cerca de metade do tempo em que o moinho funcionava. O moinho de água podia substituir o trabalho de dez a vinte pessoas." (p. 55) [64]. Rifkin, com essa informação – e ele oferece muitas outras – contribui para que as tentativas de explicação demasiado unidimensionais da história puramente empírica (como: acumulação original [Karl Marx], armas de fogo [Karl Georg Zinn], revolução monetária eclesiástica [Christoph Türcke], etc.) possam ser relacionadas com o surgimento do capitalismo. O que Rifkin não consegue fazer, no entanto, é abandonar o nível dos factos tecnológicos, baseados em dados e sensivelmente perceptíveis, e conceituar o surgimento do capitalismo. Perante frases como: "O capitalismo, como o entendemos hoje, não emergiu antes do final do século XVIII com a introdução da energia a vapor" (p. 63), as suas análises bastante mais profundas expressas no início do livro surgem mais como postiças e não como parte de uma tentativa de ir além do plano ideológico. Talvez se possa descrever a visão de Rifkin com uma citação de Robert Kurz: "O carácter de fim em si do capitalismo, isto é, a irracionalidade do sistema social condicionado pelo capital, não é tido em consideração" (Robert Kurz, Das Weltkapital [O capital mundial], Berlim 2005: 45).

 

 

A sociedade de custo marginal próximo de zero e a ascensão dos bens comuns colaborativos

Rifkin continua insistentemente nas partes 2 e 3 a reunir, visualizar e apresentar dados e factos, conhecidos quase por todos, mas de que poucos têm consciência, já apresentados com grande diligência na primeira parte do seu livro. A parte 2 trata dos enormes avanços na produtividade, na eficiência e na educação em várias áreas, do enorme aumento da eficiência energética nas últimas décadas, da Internet das Coisas mais uma vez, ou seja, a total ligação em rede de pessoas, máquinas e mesmo materiais, e da energia renovável praticamente sem custos, bem como do já mencionado "ensino superior online" (MOOCs: Massive Open Online Courses). O nosso autor não se esquiva nem a pressupostos bastante especulativos. Depois de apresentar brevemente a pesquisa que descreveu como um "novo método revolucionário de armazenamento de enormes quantidades de dados incorporando-os em DNA sintético", ele exclama: "Este método inovador torna possível o armazenamento praticamente ilimitado de informação. "(p.130) [152] Rifkin vê todos estes dados e factos extremamente interessantes (incluindo algumas fantasias mais ou menos divertidas) como parte de um desenvolvimento social que leva a mercadorias praticamente já sem custo marginal na sua produção e distribuição.

Enquanto, após a recessão de 2007-2009, havia cerca de menos quatro milhões de trabalhadores nos EUA  do que antes, em 2012, “a economia dos EUA já havia ... recuperado totalmente, com um produto bruto de 13,6 biliões de dólares (base de 2005). Foi mesmo 2,2 por cento – ou 290 mil milhões de dólares – superior ao de 2007, pouco antes da recessão" (p. 181) [214]. "A discrepância entre o PIB em crescimento e a diminuição do emprego está tornar-se tão pronunciada que é difícil continuar a ignorá-la" (p. 190) [225]. A sua visão fá-lo reflectir e ele apresenta a ideia de que devemos estar "perante uma mudança épica na natureza do trabalho", como é evidenciado pelo facto de que a "substituição do trabalho assalariado em massa e do trabalho assalariado qualificado por tecnologias inteligentes... está a começar a perturbar o funcionamento do sistema capitalista" (p. 194s.) [230s.]. Esta óbvia contradição, que Rifkin vê com mais clareza do que muitos dos seus colegas, não o motiva de modo nenhum a pensar de forma crítica, mas sim a transmitir uma mensagem positiva e esperançosa. Assim, embora o capitalismo tenha criado condições que o descartarão a médio prazo, os leitores do seu livro não precisam de se preocupar demais, pois a solução, ou a salvação, a acreditar em Jeremy Rifkin, já está em marcha: a sociedade de custo marginal (próximo de) zero, aliás, os bens comuns colaborativos!

É exactamente nisso que Rifkin se concentra na parte 3 do livro. Na continuação da sua persistente suposição de que o capitalismo deve perecer, mas que isso poderá ser gerido e não deixará de prosseguir de acordo com suas próprias regras, não pode surpreender ninguém que ele considere que cooperativas ou associações de todos os tipos ("commons") são os candidatos apropriados à substituição a longo prazo do capitalismo. Ele já vê que, nos EUA, essas cooperativas "operam em praticamente todos os sectores económicos – produção agrícola e alimentar, retalho, cuidados de saúde, seguros, crédito, energia, produção e distribuição de electricidade e telecomunicações" (p. 312) [367]. O que ele não consegue ver é que todos esses bens comuns não conseguiram libertar-se da relação de dissociação-valor, estão à mercê dela. Ou seja, o que é central para todas as alternativas económicas de Rifkin é a participação na valorização do valor, numa variedade subvencionada ou patrocinada pelo Estado ou por particulares. Não quero negar que uma ou outra "economia common" possa sobreviver sob as condições capitalistas da valorização do valor, bem como uma ou outra abordagem para a melhoria e reparação das implicações permanentes do capitalismo; mas isso também se aplica a organizações não-alternativas, tais como, por exemplo, os think tanks estratégicos das grandes empresas (5), os círculos de planeamento dos bancos centrais, ou mesmo os discretos clubes de debate político – o próprio Rifkin é o fundador e presidente de uma dessas associações (a “Foundation on Economic Trends”, Washington, DC) – para já não falar das velhas cooperativas de consumo e de crédito.

 

Economia de acesso e partilha

Rifkin também gosta de usar uma ideia antiga, por ele divulgada no seu livro de 2000, The age of acess [A era do acesso, Lisboa, Presença, 2001]. Na nova era do capitalismo cultural, o que conta é o acesso, a disponibilidade; a propriedade torna-se cada vez mais sem sentido para a ordem da vida social", diz na página 183 da edição alemã. Na parte 4 do seu livro actual, ele revisita esse tema. Mas, como tem bastante capacidade para aprender ou desenvolver, ele já não inclui essa transição dos sujeitos, da fixação na propriedade para o paradigma do acesso, na descrição de um "novo capitalismo", mas coloca-a agora em concorrência com o capitalismo. Concretamente, ele ficou encantado com a nova "sharing economy", que ele afirma como um exemplo, sem fazer uso de demasiados conhecimentos supérfluos de economia empresarial: "A partilha do carro liberta os membros do custo da compra de um veículo e dos custos de manutenção, seguros, impostos, etc." (p. 333) [392]. Mesmo que um grupo de pessoas a compartilhar carros pudesse deixar de pagar pelos custos mencionados, ainda assim seria de perguntar onde estaria a alternativa ao capitalismo em tal modelo, além do truque mágico do desaparecimento de custos; no entanto, se o truque se espalhasse, então acabaria com o capitalismo, mas depois.

Não é apenas por causa da ênfase irreal de Rifkin, em retratar o "acesso" e a "economia da partilha" como concorrência arrasadora do capitalismo, que esta parte 4 do livro é claramente a mais irritante. Além disso, também não são convincentes as suas indicações sobre a aproximação de "cuidados de saúde orientados para o doente" (p. 352) [415], justamente na América, ou "o fim da publicidade" (p. 362) [427], ou mesmo os chamados empréstimos peer-to-peer e o "crowdfunding". As actividades e intervenientes nesses casos estão invariavelmente interessados em sucesso económico, e não dão indícios de que tenham intenção de entrar em concorrência sistémica com o capitalismo. No final desta parte, a coisa torna-se ainda mais curiosa: Rifkin transmite de modo completamente acrítico a opinião do "guru da administração" nascido em Viena em 1909, Peter Ferdinand Drucker, um "pensador original e independente" (segundo wikipedia.org), de acordo com cuja argumentação "os problemas crónicos de pobreza, educação, degradação ambiental e uma série de outras dificuldades sociais seriam enfrentados com maior sucesso se se soltassem as rédeas criativas do empreendedorismo" (pág. 386) [455]. Esta passagem encontra-se abundantemente sob o título "Empreendedorismo Social" (p. 384s.) [453s.]. E em vez de problematizar ou criticar, Rifkim imagina: "Estas novas abordagens são tão radicalmente diferentes do paradigma económico actual... que é difícil imaginar como poderiam ser totalmente absorvidas no regime actual" (pág. 394) [465]. Neste ponto, talvez Rifkin mostre o seu verdadeiro rosto – ou os seus simpatizantes discretamente esperariam e diriam que é uma pena, que ele sabe melhor!

 

Da abundância

Na secção final, parte 5 do livro, Rifkin retorna um pouco ao imponente nível das partes 1 a 3, mas, infelizmente, fica parado a meio caminho. Nas primeiras páginas desta parte, ele examina a pegada ecológica da humanidade e aponta a fome de mil milhões de pessoas, os hábitos de desperdício de muitos americanos e a destruição ambiental dos últimos anos. Mas ele mais culpa por esses escândalos os chamados "materialistas" (p. 401s.) [475] do que lhe ocorre a ideia de procurar razões menos simples ou não puramente éticas. E nos por ele chamados millennials, os membros da geração do milénio, ou seja, aqueles que nasceram entre 1980 e 2000 e às vezes são chamados de "Geração Y", Rifkin imediatamente vê o grupo de pessoas que se afastam ou libertam desse materialismo. De acordo com Rifkin, tais millennials constituem essencialmente a sociedade de custo marginal zero, promissora e crente no futuro, que gradualmente irá viver na abundância, devido ao preço supostamente tendendo para zero dos bens e serviços (ver acima). Paradoxalmente, no entanto, a abundância é o meio apropriado para a destruição ambiental devida ao consumo excessivo poder ser efetivamente contrabalançada: "É a escassez que gera o sobreconsumo, e não a abundância. Num mundo em que todos têm as suas necessidades materiais satisfeitas, o receio da privação desaparece. A insaciável necessidade de acumular e consumir perde muita da sua razão e ser. O mesmo se aplica à necessidade de tirar aos outros tanto quanto possível" (pág. 413) [488]. Francamente, concordo com ele nesta declaração porque, na minha opinião, é psicologicamente inteiramente correcta; apenas: o estado de abundância postulado, a escassez ultrapassada para todas as pessoas, ou pelo menos para uma maioria esmagadora, é, como se sabe, sistematicamente impossível dentro do capitalismo, e foi verificado empiricamente ausente por mais de duzentos anos. A "sociedade de custo marginal zero", como tentativa de solução, representa apenas uma utopia da parte de Rifkin, porque se baseia em fundamentos por ele incompreendidos. Haverá certamente alguns sucessos menores, designadamente das várias tentativas da economia de partilha, como o autor também aponta em vários lugares com material estatístico. No entanto, o sucesso retumbante continua excluído, porque o capitalismo não virá à luta. Pelo contrário, o capitalismo incorporará de forma fragmentária todas as chamadas alternativas, desde que possa fazer isso. Se falta ou pára a sua capacidade, então simplesmente não há capitalismo, com todas as suas possibilidades para os bem sucedidos (e inconvenientes para os menos bem sucedidos). E se uma geração que imagina que pode viver quase de graça dentro desse capitalismo de repente tiver de constatar que isso não mais pode ser feito, porque a base, a valorização do valor, juntamente com o dissociado, caiu a pique, ou simplesmente desapareceu, então haverá comportamentos imprevisíveis e não mais controláveis desses enganados, defraudados e equivocados. Se tudo isto fosse do conhecimento de Rifkin, ou lhe chegasse aos ouvidos, o seu livro, em princípio, seria uma verdadeira decepção. Mas suspeito que o seu superego se terá assegurado de que ele não possa pensar consequentemente, até ao fim, as suas abordagens inteiramente credíveis, porque podem ser demasiado terríveis, embaraçosas e assustadoras. Certamente por isso, ele às vezes parou mesmo de continuar a pensar, consequente e imperturbavelmente, deixando, portanto, de fixar por escrito pensamentos mais avançados.

 

Conclusão

Rifkin resume muito condensadamente as suas reflexões sobre o estado actual do capitalismo e o seu futuro num posfácio que ele chama "Uma nota pessoal" (p. 443) [523]. Diz ele aí: "Apesar de o espírito empreendedor do mercado estar a aproximar a economia de custos marginais zero e de bens e serviços gratuitos, fá-lo inserido numa infraestrutura viabilizada pelo conteúdo criativo do Estado, da economia social na comunidade dos bens comuns e do mercado. As contribuições dos intervenientes nestes três sectores sugerem que o novo paradigma económico irá continuar igualmente a ser um empreendimento híbrido do Estado, do mercado e da comunidade dos bens comuns, muito embora se preveja que, em meados do século, a comunidade dos bens comuns constitua a linha definidora de quase toda a vida económica da sociedade." (p. 450s.) [532]. Provavelmente haverá problemas no futuro também, mas todos terão de algum modo solução – se entendi a intenção da Rifkin correctamente. Neste posfácio, no entanto, ele também admite que tem "sentimentos contraditórios a respeito da queda da era capitalista" (p. 443) [523]. Ainda assim, ele espera com fervor: "Não se trata propriamente de acordarmos um dia e a velha ordem económica ter sido erradicada e substituída por um novo regime" (pág. 451) [532]. Só posso responder: Bem, caro Jeremy Rifkin, isso pode não acontecer assim; no entanto, teremos finalmente de reconhecer em que situação nós – toda a humanidade – nos encontramos actualmente. O problema será se conseguiremos ter sucesso na constituição de uma sociedade socialmente consciente, uma sociedade correspondendo ao bem-estar da humanidade, ou se deixaremos de poder viver em qualquer ordem verdadeira, entrando num caos completamente inconsciente e bárbaro; você, obviamente, não se apercebe de que a maioria da humanidade actual, justamente também na América, já está a caminho dessa mesma barbárie. Possa você, pelo menos, acabar por acordar!

 

 

 

 

(1) Robert Owen (1771-1858): empresário inglês e socialista utópico que é considerado o fundador do sistema cooperativo. Uma boa visão geral das suas teorias em: Das Soziale System. Ausgewählte Schriften [O Sistema Social. Escritos seleccionados]; Leipzig 1988.

(2) Irmi Seidl (1962-): economista suíço que, juntamente com Angelika Zahrnt, publicou uma visão geral das preocupações do movimento pós-crescimento: Postwachstumsgesellschaft. Konzepte für die Zukunft [Sociedade pós-crescimento. Conceitos para o futuro]; Marburg 2010.

(3) Harald Welzer (1958-): sociólogo alemão, que junto com Klaus Wiegandt também publicou uma panorâmica dos críticos do crescimento: Wege aus der Wachstumsgesellschaft [Caminhos para fora da sociedade do crescimento]; Frankfurt am Main 2013.

(4) Oskar Lange (1904-1965): economista polaco; uma visão geral da sua obra pode ser obtida em: Ökonomisch-theoretische Schriften [Escritos de teoria económica]; Frankfurt am Main / Colónia 1977.

(5) Por exemplo, quase todos as empresas alemãs do índice DAX possuem departamentos que lidam exclusivamente com os impactos ambientais das suas fábricas e o modo como esses impactos poderão ser reduzidos.

 

 

 

Original Jeremy Rifkin: Die Null Grenzkosten Gesellschaft. Eine Rezension seines neuesten Buche. Publicado na revista EXIT! nº 14, Maio de 2017, p. 321-330. Tradução de Boaventura Antunes

http://obeco-online.org/

http://www.exit-online.org/