Dois anos depois. As fachadas de normalidade capitalista e a economia política da reunificação alemã *
Potemkin foi um príncipe. Mas não um daqueles cuja fama se baseia na invenção de um pastel ou de um sorvete que tem o seu nome. O brilho de Grigorij Alexandrovitch Potemkin, favorito e conselheiro da famigerada czarina Catarina II desde 1774, presidente do comitê de guerra russo desde 1784 e mais tarde comandante em-chefe da esquadra do mar Negro, distingue-se de um modo muito peculiar. É que, em primeiro lugar, a tripulação amotinada de um encouraçado batizado com seu nome seria responsável por um episódio destacado na história da Revolução Russa em 28 de junho de 1905, conferindo a seu patrono um renome que lhe deveria ser desconfortável. O segundo motivo de sua fama, contudo, seria ainda mais grave. Conhecido ainda em vida como sonhador, ele daria o que falar com uma invenção duvidosa. Os fantasiosos projetos de colonização de Potemkin encontravam-se ainda numa situação deplorável, quando Catarina II iniciou sua grande viagem pela Criméia, em 1787. Mesmo assim, para impressionar a czarina ele simplesmente mandou construir cenários de povoados: as anedóticas "aldeias de Potemkin" deveriam pintar "um quadro florescente do país".
O caráter um tanto duvidoso da fama de Potemkin, contudo, não apaga o fato de que ele fez época com sua invenção. Sobrevive até hoje como exemplo secreto para modernos ideólogos, ditadores, políticos democratas e, por último mas não menos importante, repartições de estatística. Mesmo que não se tenda a conceber a modernidade como uma grande aldeia de Potemkin, é forçoso reconhecer que a invenção potemkiniana vem sobrevivendo através dos últimos dois séculos da história da modernização como uma espécie de modelo ou esboço para as interpretações oficiais. Ultimamente, as situações potemkinianas parecem estar se multiplicando. Povos inteiros que se beneficiam de um bem-estar numérico e de elevadas médias de renda vivem de fato em situações miseráveis. Os critérios da estatística de desemprego britânica, e também espanhola, foram sendo mudados até que seus resultados pudessem ser apresentados como razoáveis. O mesmo vale para a taxa de inflação do Japão, calculada segundo uma cesta de mercadorias em que até há pouco tempo ainda constavam televisores em branco e preto. Tornou-se conhecida também a previsão do tempo da Romênia, que na época do conducator Ceausescu anunciava temperaturas primaveris enquanto os cidadãos tremiam de frio em suas casas com aquecimento compulsoriamente desligado.
Ao que parece, com a gloriosa reunificação o governo alemão, seus corifeus científicos e seus panegiristas da imprensa estão tentando bater o record mundial potemkiniano, a começar pelos prognósticos otimistas no estilo da previsão do tempo da Romênia. Bastante fiel ao texto da versão original de Potemkin, o primeiro-ministro Kohl anunciaria a citadíssima promessa eleitoral das "paisagens em breve florescentes na Alemanha Oriental". Wolfram Engels, editor do seminário econômico Wirtschaftswoche, profetizava "um milagre econômico que ofuscaria o milagre alemão dos anos 50" (Wirtschaftswoche, n.51, 15.12.89). Mathias Wissmann, porta-voz para política econômica da bancada da coalizão partidária CDU/CSU (União Cristã Democrática e União Cristã Social), vislumbrava por sua obnubilada visão "perspectivas fascinantes: milhares de novos empreendimentos poderiam em pouco tempo criar centenas de milhares de novos empregos" (Handelsblatt, 26.2.90). E, num simpósio do jornal Die Welt, do grupo Springer, com diretores de empresas da então República Federal da Alemanha (RFA), o ministro das Finanças Waigel, anunciava jubiloso: "Acredito que um dia poderemos dizer: valeu a pena investir no futuro da Alemanha. E acredito que em um sistema econômico e monetário comum brevemente haverá transformações dinâmicas na RDA" (Die Welt, 24.2.90).
Diante de tamanha fé, também os jornalistas perderam as estribeiras, fossem ou não da corte partidária do CSU: "Trata-se de uma iniciativa evidentemente difícil [...] Contudo não há o menor motivo para se supor que não venha a ser bem-sucedida" (Hermann Rudolph, Sueddeutsche Zeitung, 23.2.90). Os primeiros temores eram sufocados como "desânimo alemão": "As pessoas da RDA temem uma espécie de rolo compressor que possa esmaga-las. Nada seria mais falso do que um tal mau agouro" (Franz Thoma, Sueddeutsche Zeitung, 24.2.90). No primeiro trimestre de 1990, o clima era tão eufórico que até o presidente do Banco de Dresden deixou-se levar por um prognóstico delirante: "Com esse crescimento previsível na RDA, a longo prazo deverá haver até falta de mão-de-obra" (Der Spiegel, n.7, 1990). E, para não voltar atrás na escala do otimismo histórico, Wolfram Engels sentiu-se obrigado a reafirmar o seu bom presságio pré-natalino de 1989 decorridos apenas dois meses: "A conjunção de economia de mercado e união monetária produziria um milagre econômico tal que relegaria à sombra o nosso milagre de 1948" (Wirtschaftswoche, n. 8, 16.2.90). Também a maioria dos teoricamente já um pouco superados corifeus da esquerda, entre chocados e deslumbrados, subordinava-se a essa pressão vaticinadora após o choque da derrocada da RDA. Seria nestes termos que o economista político Kurt Hübner se alinharia sem trauma ao estilo romeno da previsão do tempo dos amigos da economia de mercado: "A plenitude capitalista da presente economia da RDA abriria ao capital da Alemanha Federal um campo de acumulação e desenvolvimento que justificaria expectativas de um segundo milagre econômico" (Konkret, 1.90).
Não importa o que eu disse ontem. O mercado das opiniões, mesmo o do prognóstico apresentado cientificamente, tem vista e fôlego tão curtos quanto a própria economia de mercado. Mas, justamente por isso, é preciso cobrar enfaticamente dos chamados especialistas o caráter desolado de suas afirmações dos anos de 1989 e 1990, tais como se ouviam em uníssono em quase todo o espectro das posições políticas e econômicas. Isso porque o próprio fracasso geral do prognóstico, evidente depois de transcorridos dois anos (e que também não podia ser negado em nenhum dos "balanços intermediários"), não era casual. Pelo contrário, ele confere repentino destaque ao imenso déficit teórico do conjunto da ciência político-econômica e de todos os planos de interpretação ideológica, inclusive o chamado marxismo. A analogia com a miopia da lógica do mercado é não apenas metafórica como substancial, porque a teoria tornou-se totalmente envolvida por categorias subordinadas às formas da mercadoria e, portanto, da socialização mercantil.
Mas o cálculo probabilístico de acertos, tal como poderia funcionar em relação às análises de conjuntura ou teorias de desenvolvimento correntes, perderia sua vitalidade em conseqüência da transformação do quadro histórico global de referencia. Entrementes, o fato de a economia política da reunificação (e, de um modo geral, toda a "transformação" do chamado socialismo planificado em economias de mercado capitalistas) referir-se a uma problemática historicamente sem igual, e portanto desprovida de comparação, tornou-se lugar-comum para cientistas e jornalistas, servindo simultaneamente de argumento para desculpar seus graves equívocos. Menos freqüente, contudo, é o reconhecimento de que desse modo se deveria abandonar todo o instrumental teórico e analítico com que opera a valorosa expertocracia. Mas nem em sonho qualquer dos debatedores políticos ou acadêmicos imaginaria que o próprio modo de colocar o problema daquela "transformação" poderia ser profundamente equivocado, porque a mudança (em grande parte despercebida) do quadro histórico de referencia exige efetivamente uma "transformação" muito mais conseqüente das modernas sociedades produtoras de mercadorias, abrangendo inclusive o próprio capitalismo ocidental. Nesse sentido, a economia política da reunificação alemã pode levantar necessária e exemplarmente problemas que refletem o conjunto do estado de desenvolvimento da economia mundial. Mas por essa via, os esforços teóricos e de previsão, sejam da esquerda ou da direita, moldados nos termos de um quadro de referencia histórico ultrapassado e equivocado, teriam um caráter tão pouco promissor como o teria a discussão de viagens espaciais com base numa visão de mundo ptolomaica.
Naturalmente isso não significa que a previsão do tempo nos moldes romenos pode ser sustentada por muito tempo. A certa altura haverá gente enforcada por isso. As perturbações do quadro mundial e o desmoronamento das idealizações, infelizmente, irrompem na realidade de modo violento. Apesar de tudo, o inconcebido surge como fato. Da mesma maneira, também um astronauta ptolomaico perceberia que alguma coisa está errada, mesmo que não pudesse explicar o que não funciona e por que isso acontece. Quando, no segundo trimestre de 1990, contra todas as expectativas, o processo político e econômico de reunificação avançava veloz e inexoravelmente, a expertocracia foi obrigada a refazer os seus cálculos.
Os resultados eram visivelmente desastrosos, em forte contraste com as próprias interpretações cunhadas mais ideológica do que teoricamente. Nessa época, com se sabe, o próprio Bundesbank (Banco Central) alemão discordava abertamente do governo Kohl, opondo-se a uma união econômica e monetária a toque de caixa.
Entre fevereiro de 1990 e o verão de 1991 passaria a ocorrer um processo dramático de divisão impossível usar outro nome entre expertocratas, prognosticadores e jornalistas. Nessa ocasião destacou-se particularmente por sua vacilação político-conformista o "circulo de Kronberg", ilustre associação de corifeus da economia a que pertence também o professor Wolfram Engels, do semanário Wirtschaftswoche. Tendo a princípio apoiado majoritariamente uma união monetária apenas a longo prazo, em consonância com o Bundesbank, essa associação logo inverteria sua posição (provavelmente sob a influencia de Engels): "O circulo de Kronberg reviu agora sua posição e doravante considera perfeitamente sob controle os riscos de uma união monetária" (Handelsblatt, 22.2.90). Os cavalheiros desejavam ser agradavelmente surpreendidos.
A evolução rumo à mudança drástica de opinião e de posição pode ser acompanhada exemplarmente pelas posições de Wolfram Engels. Em maio de 1990 ele continuava a se regalar com róseas antevisões de feitio nostálgico:
Um mês depois viria o derradeiro prognóstico de milagre econômico de Wolfram Engels: "Na transição para a economia de mercado a produtividade crescerá celeremente, e se houver investimentos vigorosos continuará a crescer com rapidez" (Wirtschaftswoche, n.25, 15.6.90). Em seguida pairou um silêncio de nove meses sobre os presságios do profeta.
Por essa época rolava no palco econômico da Alemanha Oriental um processo quase inacreditável de desmoronamento. Tanto a produção industrial como o produto social entravam em queda livre. Mesmo adeptos declarados da economia de mercado não podiam abster-se de registrar a dramaticidade dos números: decorrido apenas um mês após a união econômica e monetária (julho de 1990), a produção do primeiro semestre de 1990, no fim do ano de 1990 correspondia ainda a 49% e no decorrer do ano de 1991 caiu para um terço do nível inicial. Mesmo o produto Interno Bruto, que é menos sensível do que a produção industrial, caiu em 35% (Gerlinde e Hans-Werner Sinn, Kaltstart, Tübingen, 1992, p. 30). Num estudo interno da empresa McKinsey (consultoria empresarial), afirmava-se de modo lapidar: "A situação, que hoje já é extremamente preocupante, deverá agravar-se ainda mais. O tipo e as dimensões dos problemas nos novos estados alemães não são comparáveis às crises estruturais até hoje experimentadas no país e no exterior. Existe o risco de que, com os problemas dos novos estados alemães, a própria República federal como um todo seja impelida a uma espiral regressiva" (McKinsey u. Co. Inc., texto interno, abril de 1991, p.3).
Agora, pela primeira vez, também Wolfram Engels reconhecia a "saída equivocada": Das esperanças quase nada sobrou. As empresas não tinham nem o tempo para desenvolver produtos competitivos, nem os meios para mobilizar reservas de produtividade. O resultado é um desastre. Quase não existem mais empresas industriais com capacidade de sobreviver por conta própria. É verdade que há toda uma série de sinais de esperança nos novos Estados. Realmente, a Alemanha ainda não está perdida" (Wirtschaftswoche, n. 10, 1.3.91). Então, em maio de 1991, o presidente do Bundesbank, Poehl, demitiu-se aparentemente motivado pela situação real e também pela sua própria impotência diante dela. Sua demissão suscitou os piores boatos. Entrementes, o professor Engels havia mudado em definitivo para o acampamento da posição aberta da fração de Cassandra, que rapidamente começava a se formar entre a expertocracia: "Nos próximos anos a industrial nos novos Estados da federação em grande parte falirá" (Wirtschaftswoche, n. 23, 31.5.91). Dois meses depois Engels já sabia que "o resultado não é abaixo do esperado nem ruim. É simplesmente catastrófico. Na antiga RDA, apenas um terço dos produtos industriais de 1989 continua a ser produzido. Mesmo que a partir do ano que vem a produção venha a crescer 10% ao ano, somente no ano de 2003 seria alcançado o nível de 1989, e só por volta de 2020 se atingiria o nível atual da antiga República federal" (Wirtschaftswoche, n.31, 26.7.91).
O desenvolvimento real poria por terra até mesmo essa previsão profundamente pessimista, embora de fato não devesse haver nada que pudesse ser mais grave do que o referido pelo atributo "catastrófico". Até mesmo o grupo reformista de esquerda Memorandum ainda afirmava em seu Memorandum 92: "No segundo semestre de 1991 o retrocesso da produção industrial no Leste parou", para acrescentar apreensivamente: "Contudo, não é certo que com isso se tenha chegado ao fundo do poço" (Memorandum 92, p.18). De fato: segundo cálculos de agosto de 1992 do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (Deutschen Institut für Wirtschaftsforschung DIW), depois de diminuir para um terço em 1990, o Produto Interno Bruto da Alemanha Oriental continuou caindo durante todo o ano de 1991 em relação ao ano anterior: menos 42, 1% no primeiro trimestre, menos 44, 7% no segundo, menos 24, 7% no terceiro e ainda menos 17, 0% no quarto trimestre. A previsão de crescimento para 1992, que, depois de tocar o fundo, deveria renovar a esperança em um rápido "mas desta vez definitivo" desenvolvimento da Alemanha oriental, ainda segundo as estimativas do outono de 1991 das cinco mais importantes instituições de pesquisa econômica, era de plenos 12%; no inverno era de 10%, na primavera de 1992 caia para 5%, no verão baixava, conforme o DIW, para 2,5%, ridículos em relação à expectativa inicial. Entrementes, mesmo as estimativas dos obrigatórios otimistas institucionais eram mais baixas do que as já pessimistas previsões de Wolfram Engels. Segundo comunicado do Ministério da fazenda da Alemanha, a produção industrial continuava caindo nos primeiros meses de 1992: "Numa escala bimestral, o resultado na área produtiva reduziu-se em 19% (Handelsblatt, 21.5.92). Após uma alta de 10, 5% em março de 1992, atribuída contudo a "influencias sazonais", já em abril a produção industrial regredia em 5,5%.
Neste ritmo do "progresso do leste", que até agora foi apenas uma extrema regressão, hoje as crianças nascidas na Alemanha oriental teriam alcançado novamente o nível sócio-econômico da RDA de Honecker quando atingissem a idade de avós. Uma coisa é preciso reconhecer em relação à economia de mercado: ela de fato superou todas as expectativas. Por outro lado, esse resultado pode ser atribuído aos próprios representantes da ideologia de mercado: "O rigor da depressão da Alemanha Oriental não tem similar na história econômica recente. Nem a crise econômica mundial de 1928 a 1933 teve conseqüências comparáveis. Naquela época a recessão se estendeu por um período mais longo, mas ainda assim as perdas da produção foram menores. Na Alemanha a produção industrial caiu em 40% e o produto social em 24%; os valores correspondentes para os EUA eram de 35% e 30%"(Sinn, op.cit.).
O desastre sem paralelo fez com que a disposição profética da previsão do tempo nos moldes da Romênia ficasse mais silenciosa, mas sem calar inteiramente. Durante todo o ano de 1991 e o primeiro semestre de 1992, revigorava-se a crença no "fim do fundo do poço" e Dieter Vogel, porta-voz do governo Kohl, destacava com freqüência que nos novos Estados havia um "indiscutível progresso". No verão de 1991 o Instituto de Economia Mundial de Kiel previa com satisfação "um animado crescimento da economia mundial", que também não aconteceu. As estimativas moderadamente otimista da primavera de 1991 haviam irritado a jovem Cassandra Wolfram Engels: "Talvez os institutos sobretudo de recursos públicos tenham sido pressionados. Ao menos foi publicada no Handelsblatt uma carta do secretário de estado Schlecht em que se solicita otimismo aos institutos" (Wirtschaftswoche, n. 18, 26.4.91). Provavelmente só um homem como Engels pode se dar ao luxo de tal declaração, que em seu teor explosivo lembra os escândalos de dopping nos esportes. Mas, embora involuntariamente, também para a expertocracia de esquerda a advertência de Engels era uma bofetada. A maneira pela qual esses apóstolos da seriedade científica de um modo geral não apenas brilham pelo conformismo mas também procedem à procura da verdade diretamente conforme aos interesses dos clientes, tornou-se clara no verão de 1992 graças ao escandaloso parecer do Ifo Institut de Munique. O ministro da Fazenda, Möllermann, havia encomendado ao Ifo Institut de Munique um parecer técnico relativo ao problema da promoção estatal da produção alemã e européia de chips na disputa concorrencial com o Japão, cujo resultado correspondeu inteiramente à sua expectativa: ou seja, não havia necessidade da interferência de uma política industrial específica. Munido desse parecer técnico, Möllermann pretendia obstruir a posição contrária do ministério da Ciência, Riesenhuber. Este também brandiu agilmente sobre a mesa do gabinete um parecer científico, cujo resultado correspondia inteiramente às suas próprias expectativas: ou seja, havia uma dependência tecnológica em relação ao Japão e a capacidade competitiva alemã precisava ser assegurada por intervenções de política industrial e mediante subvenções. Fonte: muito a contra gosto, o mesmo Ifo Institut, cujo diretor engrossou ainda mais o caldo ao assegurar a Riesenhuber que o parecer técnico elaborado para ele era o único "verdadeiro", enquanto outro membro da diretoria assegurava que o parecer correto era o destinado a Möllemann.
São heróis da ciência econômica como esses que anunciam o crescimento de benefícios governamentais para o Leste alemão, a Alemanha, a Europa e o mundo. O Ifo Institut comprovou que sua imaginação profética permanece intacta apesar das duras desilusões quando, no verão de 1992, não apenas detectou novamente (e contraindo os fatos por ele mesmo pesquisado) "indícios de uma recuperação" como acreditou precisar registrar uma mudança das expectativas futuras da Alemanha Oriental" em grande parte positivamente" (cf. Nürenberger Nachrichten, 20.3.92). Nesse ínterim, o otimismo científico profissional financiado pelo Estado encontra-se com seus membros destroncados, embora ainda cambaleie sobre os próprios pés.
A causa disso reside, em última análise, fora do desenvolvimento econômico propriamente real. Pois as conseqüências sociais da catástrofe econômica, já ocorrida e essencialmente irreparável, não adquiriram até agora nitidez em todos os seus desdobramentos na realidade efetiva da vida. De acordo com critérios da economia de mercado, o desastre econômico da Alemanha Oriental decorrente da reunificação teria que trazer consigo diretamente a catástrofe das massas sociais nas dimensões da crise mundial de 1929 e 1933. Estatisticamente isso pode ser documentado como ocorrência factual: "O índice efetivo de desemprego cresceu de praticamente zero no começo do ano de 1990 para 7,2% em julho e 1990 e 25% no início de 1991. Na passagem de 1991 para 1992, o índice efetivo de desemprego atingiu o valor de 30%" (Sinn, op.cit.). Até meados de 1992 esse quadro sofreu novo agravamento, na esteira da progressiva destruição da produção. A cota efetiva de desemprego da Alemanha Oriental no verão de 1992 deveria ser de 50%.
Apesar disso, segundo os registros oficiais o índice de desemprego para julho de 1992 seria de meros 14,6% (junho: 13,8%). Como isso é possível? O índice "efetivo" não coincide com o índice de fato, encontrado porque o governo Kohl, premido pelas dificuldades, transfere a tentativa de bater o recorde mundial, no estilo potemkiniano, do âmbito das meras profecias para a realidade monetária. Em outras palavras: uma taxa de desemprego historicamente sem paralelo precisa ser acobertada e disfarçada por enormes subvenções. No tom otimista de Wolfram Engels:
Apesar dessas circunstancias de extremo acobertamento, o índice oficial de desemprego da Alemanha Oriental ainda é um dos mais altos da Europa. Mesmo mantendo-se essas gigantescas medidas de subvenção, este índice seria maior caso não fosse submetido, ainda por cima, a truques de maquilagem estatística; assim, não é o número original de empregados na RDA que é tomado como base da medida, mas um número já bastante menor, de um período posterior à união econômica monetária. Em termos absolutos, o número oficial de desempregados do conjunto da Alemanha desde o verão de 1992 é mais de 3 milhões, um encargo bastante pesado para a economia conjunta. No terceiro trimestre de 1992 havia oficialmente na Alemanha oriental 386.200 pessoas em procedimento oficial de procura de emprego, 292.200 em trabalho temporário (o que é basicamente uma transição para a perda do emprego em empresas cujo destino, de modo geral, será a liquidação) e 499.200 em cursos estatais de aperfeiçoamento e reciclagem (fonte: relatório mensal do Deutsche Bandensbank de novembro de 1992). Cerca de 700 mil foram demitidos em situação pré-aposentadoria e outro meio milhão fica circulando entre o Leste e o Ocidente. Outras centenas de milhões encontram-se em empreendimentos de emprego subvencionado e em empresas da Treuhand, ** cujo destino ainda não foi decidido, mas que dois anos após a "partida" ruma à economia de mercado também não tem chances de sobrevivência autônoma.
Os povoados potemkinianos junto aos rios Elba e Oder são alimentados a partir de um grande número de diferentes fontes de financiamento e subvenção, desde os portadores de seguro-desemprego, passando pelo Departamento Federal do Trabalho (Bundesanstalt für Arbeit BA) até a tomada de crédito da Treuhand e doações dos Estados e municípios da Alemanha do Leste. Em última instancia, todos os custos dessas subvenções recaem sobre o Estado alemão, que de algum modo e em alguma parte é obrigado a provê-los. Em termos capitalistas ou, mais estritamente, da economia de mercado, trata-se de custos majoritariamente "improdutivos". Em 1991 as transferências oficiais de recursos eram de cerca de 132 bilhões de marcos, em 1992 de no mínimo 170 bilhões de marcos, e a partir de 1993 deverão oscilar em torno de 200 bilhões de marcos. De acordo com comunicado do BA, a totalidade das transferências de recursos públicos da Alemanha oriental deveria somar, já em 1991/1992, 400 bilhões de marcos. Dois terços disso migram sem retorno para o consumo subvencionado, com adequação de rendimentos ou acréscimo de salário. Durante os dois primeiros anos da economia de reunificação, a República Federal da Alemanha pôde se dar ao luxo de um desperdício tão gigantesco (do ponto de vista da economia de mercado) unicamente por ser uma economia vitoriosa de primeira classe no mercado mundial. Mas os lucros reunidos no mercado mundial não duram para sempre, e até agora não há em parte alguma sinal de arrancada do motor da economia da Alemanha oriental. Conforme dados de agosto de 1992 do Instituto da economia Alemã (Institut der deutschen Wirtshaft IW), a crise estrutural e de adaptação da Alemanha oriental "perdura"; segundo o comunicado, notavelmente realista, "ainda não se registram sinais para um crescimento auto-sustentável".
Dito muito claramente: Kohl-Potemkin consome em velocidade alucinante as gorduras da abundancia alemã ocidental. Trata-se apenas de uma questão de tempo para que esse fato se imponha à realidade manifesta, aproximando certamente o índice anunciado do desemprego em massa da Alemanha como um todo dos números efetivamente reais. Quando isso ocorrer talvez a Alemanha reunificada se torne o primeiro dos grandes Estados industrializados do Ocidente a reproduzir a situação sócio-econômica de 1932, com 5 a 7 milhões de desempregados. No comentário lapidar de nosso fiador professoral, Wolfram Engels, "Cassadra tinha razão" (Wirtschaftswoche, n. 32, 31.7.92). A esta altura, essa seria naturalmente uma auto-referencia.
Graças à sua palatina economia vodu, em meados de 1992 Potemkin-Kohl deixava de ser o festejado premier da reunificação para se tornar o terror justamente dos empresários e das associações patronais, que se apercebem estarrecidos do destino da viagem. Em um único dia de julho de 1992, as três associações patronais líderes (DIHT, ZDH e BGA) atacavam o governo em termos bastante agressivos. Hans Peter Stihl, presidente do DIHT, produtor de moto-serras e notório destruidor da floresta tropical, declarava em linguagem de botequim que o governo"deveria parar com o lero-lero" (Der Spiegel, 33/92). É claro que isso não significa que tenham se desfeito as bases ideológicas comuns dos defensores da economia de mercado. E mesmo a divisão ocorrida em face do desastre na expertocracia não consegue arranhar as posições de princípio monetaristas, pela economia de oferta e pelo mercado radical. A esse respeito, eles continuam falando a mesma linguagem.
Isso ficou bem claro na primavera de 1991, quando o jornalista de economia Rainer Hübner arriscava na revista Capital a opinião de que os conselhos dos neoliberais haviam-se revelado desastrosos e que a política orientada para a oferta tinha encontrado o seu Waterloo. Logo entraria em cena o professor Engels, justamente em plena mutação a Cassandra-mor:
Esquecimento do parecer favorável à união econômica e monetária? Esquecimento da habilidade oportunista do círculo de Kronberg e de sua confluência com os rumos potemkinianos de Kohl? Não deixa de ser engraçado acompanhar os desentendimentos da expertocracia á procura de justificativas, sobretudo quando assim se torna pública uma outra parte da roupa suja. É bem verdade que Wolfram Engels tem um álibi no romance policial da economia alemã, ainda que bastante surrado. Porque, se ele advertiu para alguma coisa nos dois últimos anos, tal como o Bundesbank, as associações empresariais e demais suspeitos no caso da reunificação econômica, foi para a equiparação gradual entre os salários da Alemanha Oriental e os da Alemanha Ocidental. A conversão das poupanças e do dinheiro à vista, no dia combinado da união monetária, já fora um "erro político". Já em agosto de 1990, Engels advogava "um imediato congelamento de salários para contratos salariais" (Wirtschaftswoche, 31.8.90).
Aparentemente, portanto, o erro já foi detectado: os aumentos salariais na Alemanha oriental deveriam ter permanecido abaixo do incremento de produtividade, transformando assim o Leste alemão em um campo superatrativo e tornando deveras possível o milagre econômico. Os culpados são os sindicatos da Alemanha oriental com suas exigências de equiparação e principalmente o governo federal, porque não impôs uma política dura de congelamento salarial. Uma explicação semelhante às do manual de Milton Friedman. Seria impossível à comovente Cassandra ilusionista revelar com mais clareza seu pé de bode. Porque, enquanto os conservadores oficialistas (que estão muito mais á vontade com seus devaneios de política imperial do que com a realidade econômica) continuam pregando a ladainha do "otimismo automático" nas páginas dos jornais Die Welt e FAZ (Frankfurter Allgemeine Zeitung), a fração de Cassandra dos modernizadores e empresários Wirtschaftswoche, tira conclusões aterrorizantes de sua compreensão do desastre real. Não vamos sequer mencionar o claro rompimento da autonomia tarifária, com conseqüências imprevisíveis para a estabilidade do sistema político. Mas Wolfram Engels nem parece perceber que a própria união monetária, por ele mesmo propalada, torna absurdas suas fantasias de congelamento salarial para a Alemanha do Leste. Porque a mudança para marcos alemães infelizmente também alterou todos os custos, não só para o "consumo produtivo" das empresas mas também para o consumo individual dos assalariados. Da passagem do bonde ao aluguem, das tarifas da energia (luz, aquecimento) eté os gêneros alimentícios, os preços tinham necessariamente que passar gradualmente para o nível ocidental. Um âmbito monetário unificado só permite diferenciações relativamente reduzidas para os preços e rendas. Caso contrário, implodiria rapidamente. A não ser que o senhor Engels esteja seriamente pensando em obrigar os alemães do Leste a vegetar durante os próximos vinte anos da Alemanha Ocidental. Nesse caso, no máximo em um ano ele teria aquele "plebiscito com os pés" (que pretende evitar a todo custo), uma reunificação aos milhões nos antigos Estados da República Federal e provavelmente bandos armados por toda parte e guerra civil. Tamanha estupidez não deveria ser atribuída nem mesmo a um professor de economia. A opção de subvencionar os custos salariais das empresas, que às vezes se sugere, não mudaria em nada a situação vigente, implicando apenas uma alteração formal nominal dos custos improdutivos do Estado.
Se Cassandra é um ideólogo neoliberal do mercado, então a compreensão parcial da catástrofe não serve para grande coisa. A compreensão correta consiste unicamente em reconhecer que não há saída para essa catástrofe no plano do sistema de mercado. Provavelmente a união econômica e monetária era inevitável segundo a lógica da sociedade de mercado (de que a RDA e o socialismo estatal constituem meros desvios). Porem a igualmente lógica ausência de saída da catástrofe econômica daí resultante leva á necessidade de um rompimento com o próprio sistema produtor de mercadorias, o que estaria além da compreensão dos professores de economia. Não deixa de ser uma ironia da história que essa situação ocorra com tal rapidez justamente na República Federal da Alemanha.
* Primeiro capítulo de O retorno de Potemkin, 1993.
** Literalmente, "administradora de bens". Trata-se de holding das empresas estatais e da propriedade pública da ex-RDA, encarregada de sua privatização. (N.T.).