A segunda bolha financeira
A bolha financeira imobiliária como adiamento da crise
A queda dos mercados accionistas ocidentais, a derrocada da new economy e a daí decorrente estagnação da conjuntura mundial caracterizam há três anos o quadro do sistema mundial capitalista. Apesar de todos os truques estatísticos, de todas as reduções de trabalho e medidas repressivas, cresce cada vez mais o desemprego em massa também nos países ocidentais. O estado social e os serviços públicos são reduzidos numa ordem de grandeza nunca até agora considerada necessária. Foi exactamente assim que se começou nas regiões presentemente em derrocada do terceiro mundo e da periferia europeia (Jugoslávia). Crescem a histeria ideológica e o masoquismo social. Fazem-se esperar os grandes movimentos de oposição e uma crítica do capitalismo nova e radical. O dique ainda não rompeu, mas apresenta-se com inúmeras fissuras.
A catástrofe capitalista de uma nova crise económica mundial avança aos poucos e em etapas longas, daí que a força da erupção final será tanto mais violenta. A razão tanto para o adiamento como para a esperada violência da ruptura está no muito maior grau de interligação, penetração recíproca e interdepedência económica global em comparação com a grande crise económica mundial do anos vinte (1929-33), ou seja, na relativa perda de importância das economias nacionais face ao mercado mundial, tanto no aspecto do capital financeiro como no da economia real. Daí que a economia mundial no decurso dos anos noventa não só se alimentou crescentemente de uma conjuntura de bolhas financeiras, como também se orientou cada vez mais para o centro Estados Unidos. Neste aspecto também nada se mudou com o fim da new economy e o recuo ou o estouro das bolhas financeiras nos mercados de acções.
A razão para tal não reside apenas em que até agora os mercados de acções caíram menos fortemente nos Estados Unidos do que no resto do mundo. Se a conjuntura dos Estados Unidos ainda não perdeu de todo a capacidade de sucção sobre a economia mundial, apesar de um considerável recuo, isso deve-se principalmente a uma explosão nos preços do imobiliário. Por outras palavras: em primeiro lugar, a bolha accionista foi substituída por uma bolha imobiliária. Na Alemanha, quota-parte da habitação própria é relativamente menor e a conjuntura económica interna da construção civil está estagnada há muito tempo, por isso não pode ocorrer aqui uma bolha imobiliária. No Japão as bolhas accionista e imobiliária esvaziaram-se simultânea e conjuntamente nos anos 80 e estouraram ao mesmo tempo no início dos anos 90; desde então o antigo campeão da economia mundial senta-se sobre a armadilha de uma montanha de créditos de cobrança duvidosa. Nos Estados Unidos, pelo contrário, as bolhas accionista e imobiliária desenvolveram-se separadamente no tempo, de tal modo que a última locomotiva da conjuntura mundial de certo modo obteve artificiosamente um período de graça suplementar antes do seu vencimento.
O que tem a ver também com a estrutura do boom imobiliário. Enquanto a sobrecapacidade no Japão e no Sudeste asiático era constituída sobretudo por edifícios comerciais, torres de escritórios e objectos de prestígio estatais ou semi-estatais, que provocaram o boom imobiliário em paralelo com o boom accionista, a actual ocorrência nos Estados Unidos é condicionada pela concentração na casa própria. A parte da população que lucrou com a conjuntura da bolha accionista financiou não em último lugar vivendas familiares com o crédito concedido sobre os vastos ganhos de cotação no mercado accionista. Os preços ascendentes do imobiliário, a que se chegou com a procura inflaccionada, fizeram do sector um compensador campo de especulação, quando os mercados accionistas se afundaram. Assim, não só houve aniquilação de valores financeiros, mas ocorreu também uma poderosa reestruturação, não em último lugar através dos investidores institucionais (bancos, seguros, etc.). Daí que o boom imobiliário especulativo começou exactamente quando acabou o boom accionista; sobretudo nos Estados Unidos, mas também na Inglaterra. Desde o fim da bolha accionista, os preços do imobiliário subiram cerca de 50% nos Estados Unidos e quase 25% na Inglaterra.
A consequência foi que os proprietários dos imóveis ganharam do mesmo maravilhoso modo no imobiliário o que perderam nas acções; tudo ou pelo menos uma parte. No decurso deste desenvolvimento, as famílias também reestruturaram o seu património. As poupanças que ainda existem fluem já não para os mercados de acções, mas para os fundos e outros papéis do sector imobiliário. Também os privados começam igualmente a participar nesta nova e segunda bolha financeira; não só através da casa própria efectiva, mas também através da aquisição dos respectivos papéis especulativos. E o produto da venda de acções, com ou sem prejuízo, vem cada vez mais para este sector. O resultado é uma dramática alteração na estrutura dos patrimónios: a quota de acções nos patrimónios privados dos Estados Unidos reduziu-se em três anos em 40%, enquanto subiu 30% a quota do sector imobiliário.
Esta alteração terá que ser alimentada também pela maravilhosa vontade de comprar dos consumidores dos Estados Unidos, ainda que agora mais reduzida. Tal como antes se tinha jogado no aumento do valor das acções, que assim se podiam comprar, também agora se faz o mesmo com os títulos imobiliários. Já há algum tempo que os analistas financeiros dos bancos americanos se colocam a assustadora questão de quanto é que isto vai durar. Qualquer dia também a segunda bolha há-de rebentar e só então virá a grande derrocada. O valor realista de um imóvel deve normalmente ser calculado multiplicando a respectiva renda anual pelo factor 20. Por este critério as casas próprias dos americanos estão actualmente extremamente sobrevalorizadas.
Acresce que o grosso dos inflados valores fictícios se concentrou em muito poucos financiadores imobiliários americanos, cujos títulos a maioria dos bancos acumulam grandemente nos seus livros. Perante uma ameaçadora queda dos preços do imobiliário o conjunto do sistema financeiro americano ficaria em plano inclinado, com as inerentes consequências para os de qualquer modo já sinistrados mercados de acções. Porém, logo que os consumidores americanos, que até agora directa ou indirectamente têm conseguido manter ou até subir o seu nível de vida graças às conjunturas das bolhas financeiras (e que serão de facto metade da população), logo que eles sejam trazidos de volta aos seus proveitos salariais "reais" há muito tempo esquecidos, então há-de faltar-lhes também o fôlego para a muito elogiada vontade de comprar. Só então chegará a hora da verdade para a economia americana e daí para a economia mundial, só então o dique se romperá.
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