Um corte maior: Anulação das dívidas
Repreende-se com frequência a crítica radical do sistema moderno de produção de mercadorias por ser esotérica, utópica, não praticável e não susceptível de mediação.E os pragmáticos da ordem existente, a quem a água subiu até ao queixo, ainda perguntam indignadamente: Então, qual é a alternativa? Porém é escusada toda a irritação contra a impertinência da crítica de sistema, quando o marégrafo de crise continua a subir irresistivelmente. Pois não é possível superar um estado de reprodução social, que se tem tornado completamente insustentável, com um "afeiçoamento criativo" a não ser, que esta expressão popular dos Realos (Sector "realista" dos verdes alemães - NT) se refira agora ao próprio perecimento.
Isto no entanto não quer dizer que a antiga dialéctica de reforma e revolução, de crítica de princípio e exigências diárias limitadas, tenha chegado a perder o interesse; mesmo sendo ela já não tão barata como nos tempos do movimento histórico de acumulação, quando a palavra socialismo significava pouco mais do que capitalismo de Estado, e assim uma variante do sistema de produção de mercadorias. O objectivo tem de ser definido de novo, para além da produção de mercadorias e do trabalho abstracto, para além do mercado e do Estado. Também aí tem de haver caminhos para o novo objectivo, formas transitórias e exigências parciais imanentes, susceptíveis de se tornarem próprias de um movimento social. Pois uma exigência parcial é sempre uma exigência, e não um "afeiçoamento" à suposta obrigação objectiva, porque já não se poderia exigir mais nada, a não ser co-administrar criativamente a própria decadência. Para de todo poder fazer apenas a mais pequena exigência imanente, é necessário pôr em questão, teórica e programaticamente, todo o sistema, desde o princípio.
Uma alternativa imanente para a actual co-administração política da escassez financeira pública e privada, seria a luta consequente pela anulação das dívidas de todos os insolventes. O grande corte do perdão das dívidas, por a carga já não ser suportável, já se verificou algumas vezes na história. O legislador ateniense Solon libertou no ano 594 a.C. os camponeses áticos da servidão das dívidas. Hoje isto diz respeito aos Estados do Terceiro Mundo, às autarquias e aos orçamentos particulares sobre-endividados de todos os países. Não se pode ir aos bolsos dos que já estão despidos. Todas as reestruturações de dívidas, prorrogações e reescriturações já são apenas poeira para os olhos. O limite absoluto está alcançado, quando em países como a Argentina a vida pública e social entra em colapso, quando comunas alemãs encerram as bibliotecas e piscinas ou as tornam impagáveis, quando em milhões de casas o telefone, o gás e a luz são desligados, ou quando as pessoas até perdem as suas casas.
Obviamente o problema é devido ao sistema. A acumulação real capitalista há muito que encontrou os seus limites internos com a terceira revolução industrial. Por falta de investimentos reais rentáveis, o capital monetário entra na superstrutura financeira e cria bolhas especulativas. Ao mesmo tempo e pela mesma razão os rendimentos reais caiem fora; Estados, autarquias e orçamentos privados são obrigados a endividar-se em montantes nunca antes atingidos.
Enquanto as bolhas financeiras estalam espontaneamente, as dívidas não pagas chegam a ser o objecto da luta de interesses. Os representantes político-económicos do novo capitalismo de crise, as instituições financeiras e as administrações de bens de capital monetário não podem senão insistir nas exigências, que se têm tornado há muito irreais. Mas, para a substância do dinheiro escritural ser mantida a todo o custo, a reprodução social desmorona-se até ficar uma ruína. E a política está antes de tudo ao lado dos credores, assumindo-se como o seu guarda de cassetete, se bem que o volume de dívidas já é de todo o modo um registo de ar e vento, tal como os valores de bolsa especulativos. A exigência para o grande corte está de certa maneira no ar.
Obviamente que a anulação das dívidas impagáveis seria um grande corte na reprodução do capital, de todo o modo já obsoleta. Os credores deveriam amortizar as suas exigências, não só aos poucos, mas in toto. Eles seriam expropriados dos seus títulos de propriedade capital-monetários, de facto já apenas formais. Isto significaria a ruína de muitos bancos, fundos, grandes proprietários de fortunas em dinheiro. Os ideólogos do capitalismo de crise lamentam daí que um grande corte atingiria especialmente as reservas dos trabalhadores assalariados. Isto, porém, seria facilmente evitável, se o Estado e os fundos de garantia assumissem a garantia dos depósitos que não ultrapassassem um certo volume, correspondente às economias dos empregados comuns. Tudo o que o excedesse, teria de ser amortizado.
O grande corte da anulação das dívidas não deve ser interpretado como solução definitiva e superação do capitalismo. Apenas uma crítica abreviada confunde o capital financeiro com a relação de capital em si. Marx denominou isto como "preconceito popular". A lógica da crise é assim virada ao contrário: O capitalismo de bolhas financeiras e de dívidas aparece não como consequência do limite interno da acumulação real, mas ao contrário, como causador da crise, realizado por de cobiça malévola. O anti-semitismo com a personificação de um capital judeu imaginário "rapinante" já não está longe.
O pensamento emancipador deve demarcar-se de forma aguda de interpretações economicamente vulgar-keynesianas, ideologicamente irracionais e muitas vezes étnico-neonazis. Pressupondo isto e sabendo, que se trata apenas de uma exigência parcial para a defesa imediata contra a destruição da reprodução social, pode a exigência da anulação de todas as dívidas impagáveis, não só do Terceiro Mundo, tornar-se um motivo importante do novo movimento social mundial.
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