A CRISE DO SISTEMA MUNDIAL PRODUTOR DE MERCADORIAS
Guerra civil em vez da "paz eterna"
Apesar do próprio Ocidente reclamar há mais de uma década de seu terço de pobres, apesar de o boom da época pós-guerra fazer há muito tempo parte do passado e apesar de, portanto, a crise ocidental ser tão real quanto a do Sul e do Leste, esta não é reconhecida e levada a sério em toda a sua profundidade porque o consumo de massas, em comparação ao Sul e ao Leste, faz com que até as camadas perdedoras do Ocidente ainda acreditem na incólume normalidade capitalista.
Não obstante, surgem também aqui maus pressentimentos, avisando que o Oeste não pode ficar inatingido pelos colapsos que acontecem nas outras partes do mundo. Esses pressentimentos são acalmados pela esperança de novos milagres de modernização e de uma futura era de prosperidade e crescimento. Não apenas têm que ser iludidos, portanto, os povos do Leste e do Sul e a própria minoria de perdedores, mas também a própria consciência de vencedor.
Mas mesmo que a crise do sistema mundial produtor de mercadorias não continue passando dos limites que já alcançou, o sistema parcial ocidental não poderá sobreviver ao colapso global. É impossível que um elemento particular do sistema mundial moribundo se defenda a longo prazo contra a maioria da população mundial e contra uma crescente minoria interna. Não é infinita a paciência daqueles que "caíram fora".
Já é óbvio que a anulação do conflito de sistemas da era pós-guerra, a despeito de todos os prêmios Nobel da Paz concedidos a diversos chefes dos perdedores e a despeito de toda boa vontade dos intermediários políticos, não trará a "paz eterna" kantiana, mas sim, muito provavelmente, exatamente o contrário. O mundo único, finalmente realizado e reconhecido como tal, mas condenado à forma fetichista, atacada por crises, do sistema produtor de mercadorias, revela-se como visão de terror de uma guerra civil mundial que está por vir, guerra em que já não haverá frentes firmes, mas apenas surtos de violência cega em todos os níveis.
O jogo do mercado mundial, que absorveu e assimilou todas as outras formas, já não permite que os perdedores voltem depois para casa em sossego, mas sim está destruindo sucessivamente para eles toda possibilidade de uma existência digna. Quando esses homens, povos, regiões e Estados perceberem que nunca mais terão alguma chance de vencer e que as futuras derrotas inevitáveis os privarão de qualquer possibilidade de viver, lançarão, mais cedo ou mais tarde, o tabuleiro no chão e dispensarão todas as regras da chamada civilização mundial. Essas regras democráticas da "razão mundial" burguesa e iluminista são em sua essência abstratas e insensíveis, pois seu verdadeiro fundamento é o automovimento do dinheiro, abstrato e privado de sensibilidade, movimento que faz nascer suas leis históricas destrutivas e as executa mecanicamente até o terrível fim.
Mas não parece que as instituições, os poderes e os representantes (ou figuras de proa políticas) desde mundo único pretendem questionar o automatismo do movimento do mercado mundial. Em vez disso querem impor, com a ultima ratio da coação militar, a conservação daquelas regras. Mas já não estão legitimados pelo antigo conflito de sistemas, com o suposto "reino do demônio". Têm que proceder como poder policial internacional contra as revoltas de fome, surtos de desespero, campanhas de vingança e atentados de terror do exército bilionário dos perdedores, mas também, com isso, contra aqueles poderes e figuras nada filantrópicos que na luta global pela distribuição da massa de valor cada vez menor, por vantagens pessoais, fazem o papel de vingadores dos deserdados.
Já a primeira ação desse tipo, por parte de uma polícia planetária autonomeada, com emblema da ONU, contra o ditador iraquiano Saddam Hussein, comemorada hipocritamente como estratégia de pacificação de uma feliz "família dos povos" (termo que, em face dos fatos, nada mais pode expressar que puro sarcasmo), poderia revelar-se, a despeito das vitórias militares, como desastre político. Mas mesmo que esse foco de revolta fosse eliminado a custo de talvez dezenas de milhares de vidas humanas, apenas seria uma vitória de Pirro, porque, não obstante, as revoltas vão aumentar em vez de diminuir. Uma tropa interventora móvel e internacional contra os "perturbadores da paz" (sendo esta também uma expressão hipócrita do dicionário da "razão mundial" burguesa) estaria a longo prazo condenada ao fracasso, simplesmente porque teria de enfrentar focos de revolta e "perturbadores da paz" em demasia. Já do ponto de vista técnico-militar, a longo prazo seria impossível resolver os problemas logísticos, para não falar do custo improdutivo que teria que ser registrado no lado de débito da decrescente acumulação global de valor.
A médio prazo, o fundamentalismo islâmico assumirá o poder em outros tantos países; será impossível manter absolutamente fora de seu alcance bombas atômicas e foguetes, os quais em algum momento ele empregará, seguindo sua ideologia bárbara de suicídio e vingança contra o Ocidente. E muito mais ainda são a América do Sul e o Leste europeu sociedades pós-catastróficas, armadas até os dentes. Mesmo depois de desfazer-se qualquer ideologia alternativa dirigida a determinado fim, poderia acontecer ali, se prosseguir a depauperação e crescer a desesperança, que generais golpistas ou chefes da máfia assumam integral ou parcialmente o poder, metam as mãos em armas intercontinentais e iniciem com elas manobras de chantagem. Poderiam apresentar o argumento tão simples quanto cínico de que os foguetes e as bombas atômicas seriam as únicas coisas que ainda funcionam em seu país. Também a China possui há muito tempo meios de extermínio em massas, que no caso de decadência pós-catastrófica da sociedade chinesa podem chegar às mãos de warlords inescrupulosos (que ali têm uma longa tradição em tempos de declínio da ordem estatal) e ameaçar o Ocidente.
Ao mesmo tempo, multidões cada vez renovadas e maiores de fugitivos, agora já quase incontroláveis, resultarão das perseguições de minorias e guerras civis que se baseiem na desesperada luta de distribuição nas sociedades pós-catastróficas e que, enquanto na América Latina continuam sem cessar há muito tempo, se iniciaram recentemente no Leste europeu, mais especificamente na União Soviética, com extrema brutalidade. Quase poder-se ia evocar a imagem do Império Romano decadente, com suas fronteiras orientais e setentrionais inundadas pelos invasores bárbaros, para descrever a situação no Rio Grande (fronteira meridional dos EUA) ou nos rios Oder e Danúbio (fronteira oriental da Comunidade Européia), para não falar das regiões de crise na Ásia, no Oriente Próximo e na África.
Logo não haverá nenhuma grande região na Terra que não seja área de fugitivos, com todas as conseqüências daí resultantes. Também a esse respeito deixou de existir há muito tempo a normalidade capitalista. A despeito de todo otimismo profissional referente às perspectivas dos chamados mercados novos, essa tendência à catástrofe até chegou a fazer-se sentir no Ifo, Instituto de Economia de Munique:
É evidente: a luta global de extermínio e distribuição não deixará sobrar em nenhum lugar uma ilha de bem-aventurados, com economia de mercado. Ameaçado por parte de todas as regiões de perdedores, inundado de fugitivos e clandestinos e ao mesmo tempo sobrecarregado por uma minoria crescente de pobres próprios, o Ocidente já não pode manter a frágil normalidade em sua superfície.
Mesmo que a polícia planetária capitalista consiga durante algum tempo reprimir, com meios bárbaros, as reações igualmente bárbaras da maioria perdedora, não poderia fazer nada contra a criminalidade em massa interna, contra o crescente terror sangrento individual (1) e contra ações de sabotagem em grande escala por parte de insatisfeitos técnica e cientificamente qualificados, às quais o sistema intensivamente entrelaçado da reprodução penetrada pelas ciências é propenso como nenhum outro sistema anterior da história. Jamais foi tão verdadeiro quanto hoje o mito antigo do ditador cuja fortaleza parecia inatingível por fora, mas podia ser derrubada sussurrando-se uma única palavra do interior.(2)
Por fim, os setores vencedores do Oeste estão cavando sua própria cova mediante a potência de destruição ecológica do sistema produtor de mercadorias. A exploração abstrata de força de trabalho humana emprega a mesma abstração frente às matérias naturais exploradas nesse processo. O trabalho abstrato como ponto de partida e de chegada da mercadoria moderna, a partir do momento em que se torna princípio geral da reprodução global, está destruindo com velocidade crescente os fundamentos naturais comuns da humanidade. Também essa força destrutiva tornou-se há muito tempo virulenta dentro das sociedades vencedoras no mercado mundial.
Se no setor econômico quase já não podem ser "exportados" e externalizados o desemprego em massa e a destruição de capital repercutem imediatamente no Ocidente na forma de fuga em massa e terror -, isso aplica-se ainda mais à externalização do custo ecológico. O lixo tóxico, cinicamente exportado para os países com falta de divisas, volta por meio dos circuitos ecológicos. A destruição de gigantescos sistemas ecológicos fechados nos Estados devedores empobrecidos ameaça provocar catástrofes climáticas e naturais que atingirão toda a humanidade e das quais nenhum dinheiro do mundo poderá preservar os "ricos". Também no lado ecológico de sua crise, o sistema produtor de mercadorias criou inevitavelmente o mundo único, cujo entrelaçamento ninguém pode negar.
Em todos os aspectos está certo, portanto, o que a mencionada Conferencia de Paris da ONU prognostica, em tom advertente, mas sem assumir qualquer compromisso, quanto à repercussão, nas supostas regiões vencedoras, dos processos de destruição e depauperação no número crescente de países perdedores:
Mas todas as advertências ficam sem resultado enquanto se descreve apenas a situação e seu potencial perigoso e as causas verdadeiras; por exemplo, as "leis" fetichistas do sistema produtor de mercadorias e sua pretensão abstrata e destrutiva de rentabilidade não se tornam assunto de uma discussão radicalmente crítica. Acontece precisamente o contrário: conjura-se essa pretensão, adotando-a como padrão. Também a esquerda desmoralizada cai de joelhos perante esse ídolo canibal, porque seu pensamento não ousa transcender o fetichismo da forma-mercadoria.
Uma coisa já se pode dizer agora: em oposição total à ideologia e expectativa atualmente predominantes, a crise provocará também no Ocidente um novo salto histórico, do pólo monetarista ao estatista. Só que dessa vez não como outro surto de modernização, mas sim como progressiva administração de emergência estatista do sistema global em colapso, como estatismo terrorista da fase final que procura obstinadamente conservar o invólucro vazio das relações mercadoria-dinheiro, mesmo à custa de uma administração violenta da miséria que se transformará em terror, para acabar na autodestruição absoluta.
Também no ocidente nunca foram completamente demolidas as estruturas de economia de guerra da época das guerras mundiais. O estatismo, no papel de um Estado social e militarista endividado, ficou de retaguarda e cedeu o palco ao princípio monetarista da economia de concorrência. Mas no auge da crise, o elemento estatista voltará a se desdobrar em dimensões inimagináveis.
A administração da própria pobreza interna, a constituição de uma polícia política planetária capitalista, (3) o terror do Estado exercido dentro da sociedade contra as revoltas cegas daqueles que "caíram fora", a burocracia das catástrofes ecológicas (Chernobyl já deu uma demonstração), o controle da fuga em massa e da migração dos povos do Leste e do Sul, a guerra comercial protecionista que está se preparando: tudo isso exige transferências monetárias improdutivas do ponto de vista capitalista, medidas burocráticas em maior escala e o crescimento, em vez da diminuição, das estruturas econômicas estatistas. Um irônico e apreciador do humor negro poderia assim acreditar no triunfo póstumo do socialismo real, o que se deveria precisamente a seu colapso. Mas tão pouco quanto em algum outro momento da história o elemento estatista, como pólo oposto do monetarista, pôde transcender às "necessidades objetivas" do sistema produtor de mercadorias, sendo, ao contrário, forçado a executá-las à sua maneira, tão pouco sairá alguma faísca emancipatória da administração de emergência estatista no "fim da história".
A última corrida deslumbrada do princípio da rentabilidade
Nem o descontentamento latente do terço de pobres na periferia e tampouco a repercussão das crises e colapsos de outras regiões do globo nos centros ocidentais constituirão a última fase do processo de crise mundial. Pois a promessa de uma nova prosperidade futura também passará vergonha nas próprias economias ocidentais, cujas zonas de normalidade começaram a diminuir do mesmo modo. A lógica da crise está avançando da periferia para os centros. Depois dos colapsos do Terceiro Mundo nos anos 80 e do socialismo real no começo dos anos 90, chegou a hora do próprio Ocidente. O princípio da rentabilidade ainda partirá para uma última corrida deslumbrada antes de percorrer, até o fim, seu caminho duplo de "emancipação negativa" e destruição social-ecológica.
Toda empresa que no mercado mundial faz parte dos vencedores apropria-se de determinada quantia da mais-valia global, em forma de dinheiro disponível; participa, portanto, na mais-valia global, e isto para muito além de sua própria produção de valor efetiva. A parte dos vencedores aumenta, portanto, à custa dos perdedores. Se o nível global da produtividade, e com ele o nível correspondente da rentabilidade, é tão alto (e já alcançamos essa fase) que "perder" significa, para cada vez mais unidades empresariais, a exclusão do mercado e, portanto, a destruição de capital, acontece que em cada nova volta do processo de concorrência diminui a massa global da mais-valia disponível, apta para ser apropriada, em relação à massa global do capital monetário aplicado, já que este tem que "crescer" antes de transformar-se na forma-dinheiro.
Se a transferência de valor das regiões dos grandes perdedores, com produtividade fraca, para os centros do mercado mundial deixa de basear-se no efeito dos salários baixos e na "exploração" em massa de força de trabalho humana, baseando-se, ao contrário, na absorção indireta de mais-valia produzida em outros lugares, por parte da produtividade superior e inalcançável, é lógico que essa transferência dos perdedores para os vencedores não pode continuar indefinidamente. Ao contrário, a cada paralisação de recursos numa região de perdedores que cai abaixo do nível exigido de rentabilidade diminui também a margem para outras transferências desse tipo.
Qual será necessariamente o resultado? Se cada vez mais grandes regiões do Sul e do Leste deixam de ser fontes de transferência de valor para os países da OCDE, porque sua produção foi paralisada ou porque já não produzem nenhum valor reconhecido, a luta de distribuição deslocar-se-á para os próprios países da OCDE. Certamente isso não se realiza de forma pura e ideal-típica, mas sim como um movimento global contraditório e em parte retrógrado. Assim, as sociedades pós-catastróficas de perdedores podem transferir durante muito tempo restos de valor barateando seus produtos no mercado mundial, para atenderem com o resultado a suas dívidas. Mas essa fonte vai secando à medida que o definhamento ultrapassa os limites do possível e que avança a desindustrialização.
Para os grupos de empresas ocidentais que dominam o mercado mundial, junto com seus enormes agregados de fornecedores, faz-se sentir esse problema na superfície do mercado, por causa da diminuição, nas sociedades pós-catastróficas, da capacidade aquisitiva produtiva, da perda, em grande parte, da solvência, e do colapso das estruturas estatais de crédito e subvenções. Na prática, isso significa para os vencedores que seu glorioso triunfo na concorrência com as produções locais conduz entre os perdedores a um resultado muito indesejável: os mercados nesses países vão secando, pouco a pouco, também para eles. Com seus "triunfos", destruíram também a capacidade aquisitiva nesses países. Apenas uma minoria decrescente nas sociedades pós-catastróficas ainda pode dar-se ao luxo de comprar os produtos ocidentais, enquanto paralelamente estão desaparecendo de seu mercado também os produtos nacionais.
Esse processo pode ser demorado. Mas já relativamente cedo começa a trazer também para o próprio Ocidente conseqüências que preparam a crise. Já que em cada vez mais países, está diminuindo a capacidade aquisitiva das massas, limitando-se a setores cada vez menores, as produções com maior produtividade têm que esforçar-se correspondentemente para estarem presentes em todos os mercados do mundo, lutando pela participação no mercado. Sua concorrência recíproca tem que intensificar-se consideravelmente, e com isso impõe-se a mesma lógica de perdedores e paralisação também dentro do Ocidente. Esse processo começou quase paralelamente aos primeiros surtos de colapso no Terceiro Mundo, no fim dos anos 70, e já alcançou, ainda que desapercebido por trás do barulho causado pelo rompimento das estruturas do ex-socialismo real, um estado perigoso: "O capitalismo soltou-seda corrente e atacou a si mesmo", conforme descreve com exatidão inimitável o analítico bancário alemão Winfried Hutmann a situação da economia dos Estados Unidos (citado segundo o jornal Die Zeit, 7.12.1990).
De fato, a pirâmide do mercado mundial apresenta há muito tempo também setores perdedores, em termos relativos, dentro dos países ocidentais da OCDE, que estão seguindo o mesmo caminho das regiões perdedoras do Sul e do Leste, só que com velocidade relativamente menor, num momento histórico diferente e partindo de um nível mais alto de produtividade. Pode-se comparar esse processo ao espalhamento de um tumor canceroso, através de metástases, por um corpo aparentemente saudável. A princípio, o desemprego exteriormente quase imperceptível, somente registrado pela estatística, e a pobreza de certo número de indivíduos são os fatores pelos quais se expressa a destruição da capacidade aquisitiva mediante um nível de produtividade "demasiadamente alto" para a lógica da mercadoria.
Mas logo a seguir manifesta-se o tumor também externamente, na forma de zonas de pobreza com caráter de guetos, nos centros urbanos. A princípio são, muitas vezes, apenas bairros isolados que estão com o estigma de terem "caído fora" e transformaram-se em focos de revolta potenciais. Essa fase já alcançaram, em extensão maior ou menor, todas as sociedades ocidentais, sem exceção, inclusive os vencedores "absolutos" no mercado mundial, o Japão e a RFA. Mas o processo continua irrefreavelmente. O que marca a próxima fase é que regiões inteiras estão "caindo fora", morrendo em seu papel de regiões industriais porque suas industrias foram derrotadas na concorrência dos mercados mundiais e já não podem levantar o capital monetário para continuar na corrida da produtividade.
Dessa forma estão atingidos pela desindustrialização até o Japão e a RFA, em alguns setores da indústria de mineração e metalúrgica, na construção naval e em algumas indústrias menores. Na RFA, isto conduziu a processos de paralisação e até a crises regionais permanentes (região do rio Ruhr, regiões litorâneas). De forma muito mais grave manifestam-se essas crises regionais no norte da Inglaterra e na periferia meridional da Europa, onde indústrias inteiras são desmanchadas ou, depois de enormes processos de encolhimento, compradas pelos grupos de empresas vencedoras (por exemplo, Seat, o coração da indústria automobilística espanhola, que foi incorporado à Volkswagen). O mesmo aplica-se a grandes regiões dos EUA, as quais, no entanto, em virtude do gigantesco mercado interno, ainda hoje não plenamente integrado no movimento do mercado mundial, conseguem subsistir durante algum tempo, mesmo produzindo abaixo do nível de produtividade internacionalmente válido.
Somente as regiões perdedoras que fazem parte de economias nacionais vencedoras, de resto ainda vigorosas, podem ser sustentadas durante algum tempo, apresentando temporariamente até o aspecto de "curadas". Isto consegue-se promovendo-as a regiões que prestam serviços às zonas vencedoras ainda existentes, passando para o setor terciário, o que, no entanto, é quase sempre apenas parcialmente possível e dificilmente serve para sanear a região em sua totalidade (4) Ou as regiões de perdedores são artificialmente inspiradas e mantidas vivas pelas subvenções do Estado, que se apóia em outras regiões, de vencedores (isto acontece também na Comunidade Européia com toda a agricultura).
Ali onde não existe esse tipo de apoio direto ou indireto ou de saneamento parcial, essas regiões transformaram-se numa grande zona de pobreza, um Terceiro Mundo dentro do Primeiro, que passa por uma carreira pós-catastrófica interna com gigantescas taxas de desemprego, decadência da infra-estrutura etc. Esse estado já foi alcançado em grandes regiões do norte da Inglaterra, bem como nos países mediterrâneos europeus, onde é apenas atenuado pelas massas de turistas vindas do Norte europeu e pela correspondente transferência monetária a partir das regiões vencedoras relativas da Europa. (5)
Até agora, falta no setor do mercado mundial que se constituiu pela OCDE apenas a última fase, a saber, a incapacidade de economias nacionais inteiras de concorrer no mercado mundial, segundo o modelo do Sul e do Leste. Mas a incapacidade crescente de alguns países de subvencionar ou de sanear mediante o setor terciário suas regiões perdedoras internas no mesmo grau em que o fazem o Japão e a RFA, já indica que essa fase não está muito distante.
O sul europeu e todo o mundo anglo-saxão, principalmente os EUA, transformaram-se e,m economias deficitárias em declínio, que apenas podem ser mantidas no nível da OCDE mediante transferência monetária externa. Nessa situação chegou a formar-se, em nível internacional, entre as próprias economias capitalistas ocidentais, um sistema precário de "deslocamento" artificial da crise, cuja dissolução inevitável arrastará por fim também o Ocidente "vitorioso", em conjunto, para dentro do redemoinho pós-catastrófico.
Em última instancia, o Ocidente encontra-se diante do mesmo problema que já rebaixou o Sul e o Leste ao status de grandes perdedores. Quanto mais diminui a capacidade aquisitiva global, real ou produtiva, em virtude da destruição, mediada pela concorrência, de recursos e capital, e quanto mais se intensifica a luta entre os vencedores restantes, tanto mais cedo têm que ficar para trás na corrida da produtividade, também dentro da OCDE, economias nacionais inteiras, caindo abaixo do nível global da rentabilidade entrementes alcançado. As causas podem ser diversas. Assim, a periferia da OCDE, depois de caírem para fora grandes partes do Terceiro Mundo e do ex-socialismo real, passou a ocupar seu lugar. Esses países encontram-se, com toda a sua reprodução, sob uma pressão de custos que já não conseguem enfrentar com os próprios recursos. A intensidade de capital aumenta com tanta velocidade que seus investimentos não podem acompanhar o nível do mercado mundial.
O mesmo efeito dá-se, de forma modificada, na potência mundial capitalista número um, os EUA, e na ex-potencia mundial Grã-Bretanha, arruinada há muito tempo. Ambos os países estão dissipando seus próprios recursos de capital monetário em um consumo improdutivo a nível de potências mundiais, consumo que no fundo já não se podem dar ao luxo de praticar há muito tempo: em armamento, apoio político no exterior, estacionamento de tropas no exterior, intervenções globais de todos os tipos, mas também no exigente consumo interno das camadas da classe média que não dispõe de economias suficientes.
A queda de todos esses países da OCDE a posições inferiores no mercado mundial, seu atraso em relação ao padrão global da produtividade, não apenas conduz ao crescimento de regiões pós-catastróficas internas, como "máculas", mas também torna esses países (bem como antes o Terceiro Mundo) cada vez mais dependentes de uma inspiração artificial monetária na base de capital monetário estrangeiro. Mas o decurso da crise de dívidas assim iniciada é diferente daqueles no Sul e no Leste.
Isso pode ser observado no desenvolvimento do comércio exterior. Dentro da OCDE, os fluxos comerciais internacionais transformaram-se numa só década em ruas de mão única. Sem dúvida, já houve antes o chamado desequilíbrio comercial no mercado mundial (superávit de alguns países e déficit de outros); determinados países, como o Reich Alemão, apresentavam desde o começo do século, durante longos períodos, excedentes de exportação, em virtude de sua localização geográfica e sua estrutura de reprodução específica (predominando a importação de matérias-primas e a exportação de produtos acabados). Mas nunca antes chegou o desequilíbrio à mesma extensão, tanto absoluta quanto relativa, que alcançou no movimento do mercado mundial dos anos 80.
Todo o mundo anglo-saxão e a maior parte da Europa meridional estão importando constantemente e em grande volume mais bens do que podem exportar, acumulando-se dessa maneira um déficit comercial gigantesco. Nessa circunstância expressa-se a perda de produtividade, rentabilidade e capacidade competitiva desses países. Se eles, apesar disso, conservam pelo menos em parte e nas regiões centrais o padrão de vida ocidental e como economias nacionais ainda não ultrapassaram aquele limite além do qual se inicia, para o Estado global, a carreira pós-catastrófica, isto não se deve à sua própria força. Seus enormes déficits comerciais são apenas o pólo "material", ligado à economia de bens, de uma relação cujo lado oposto é representado pelo déficit correspondente da balança de capital. Em grau crescente, os déficits comerciais já não foram financiados a partir das próprias economias, mas sim mediante o afluxo de capital monetário estrangeiro, pelo qual, obviamente, se tem que pagar juros.
Dessa maneira chegaram a constituir-se, dentro de uma década, dois megacircuitos de déficits na OCDE: um europeu e um pacífico. Na Europa ocidental, é a maravilhosa RFA que está inundando seus parceiros da Comunidade Européia com mercadorias, derrotando na concorrência cada vez mais produções nacionais desses países e substituindo artificialmente partes da capacidade aquisitiva assim destruída ao emprestar seus ganhos monetários aos perdedores relativos. O mesmo jogo praticam o Japão e os pequenos países ascendentes do sudeste da Ásia, através da via comercial transpacífica com os EUA e o Canadá. Uma parte considerável dos excedentes obtidos com as exportações reflui, como capital monetário que rende juros, para os países deficitários, mantendo assim indiretamente em funcionamento a própria máquina de exportação. (6)
Em outras palavras: os países superavitários, entrementes praticamente apenas o Japão e a RFA, acompanhados dos "quatro tigres pequenos", estão financiando eles mesmos, há anos e em dimensões inimagináveis, seus sucessos de exportação nos mercados mundiais, emprestando às economias da OCDE que de fato já foram derrotadas na concorrência os recursos necessários para a continuação da inundação com mercadorias importadas. Somente por isso, as economias perdedoras dentro da OCDE ainda não tomaram o rumo das sociedades pós-catastróficas do Sul e do Leste, porém à custa de acumularem verdadeiras montanhas de dívidas impagáveis. A montanha global de dívidas, absoluta e relativamente sem igual, indica claramente que a produtividade alcançada no nível mundial começa a romper o contexto formal do trabalho abstrato e de todo o sistema fetichista da modernidade. Evidentemente, esse contexto apenas pode ser mantido a muito custo, mediante a substituição artificial de valor, e isto apenas dentro do âmbito da OCDE, que, dentro do contexto global, representa uma minoria.
Nessa situação, os processos internacionais de endividamento entre a OCDE e as sociedades pós-catastróficas, por um lado, e dentro da OCDE, por outro, apresentam aspectos invertidos, porém entrelaçados. A dívida externa do Sul e do Leste partiu de um estoque de capital nacional "subdesenvolvido", que se pretendia aumentar por meio de investimentos, com o apoio do capital monetário ocidental. O fracasso dessa tentativa conduziu rapidamente ao colapso da dignidade de crédito estes países, que passaram a esvair-se lentamente no atendimento de suas dívidas, até acabarem como casos sociais mundiais no clube horroroso dos pobres. Quando chega esse momento, logo depois de eles terem perdido pela desindustrialização grande parte de sua capacidade de exportação, apenas podem aceitar outras importações na forma de doações caritativas. Os excedentes de exportação encontram-se, portanto, enquanto a transferência indireta de valor ainda apresenta sinais de capacidade de funcionamento, nas mãos dos devedores, sendo transportados para os credores pelo atendimento cada vez mais reduzido às dívidas.
Exatamente contrária é a situação dentro da OCDE e em seus circuitos de déficit. Aqui, o estoque de capital dos perdedores possui um fundamento histórico maior e mais firme. Por isso, é gasto num espaço de tempo mais longo, e a transferência de valor indireta que resulta dessa situação permite protelar a crise de dívidas e prolongar a dignidade do crédito. Isso conduz a uma relação inversa entre credores e devedores: dentro da OCDE são os credores aqueles que acumulam excedentes de exportação, fluindo estes para os devedores, que durante muito mais tempo do que os países do Sul e do Leste podem financiar o atendimento a suas dívidas por meio de novas dívidas nos mercados de crédito internacionais e protelar assim seu colapso.
A ligação entre as duas formas opostas de déficit consiste no fluxo de grande parte dos excedentes de exportação do Sul e do Leste, ambos moribundos, e também dos excedentes do Japão e da RFA, para os grandes países deficitários da OCDE, à frente dos quais se encontram os EUA.
Isto é, os ganhos de exportação dos poucos vencedores da OCDE não apenas mantêm em funcionamento os circuitos de déficit ocidentais, mas também, indiretamente, o atendimento do Sul e do Leste a suas dívidas; com o dinheiro emprestado pelo Japão e pela RFA, os EUA e a Europa ocidental não apenas pagam suas importações excessivas do Japão e da RFA, mas também aquelas do Brasil, da Polônia e dos demais países da "desindustrialização endividada". Com créditos japoneses e alemães, mediados pelos mercados financeiros internacionais, financia-se, portanto, diretamente, o endividamento dos estados deficitários ocidentais e indiretamente o atendimento às dívidas dos países endividados do Sul e do Leste.
O absurdo dessas relações no mercado mundial, no fim do século XX, é tão óbvio que o esforço de ignora-lo completamente pode ser considerado uma atitude grandiosa e quase admirável. Até agora, o fato de essa constelação não apresentar saída alguma não foi assunto para ninguém, e nem sequer foi percebido. Ao contrário, todos os "especialistas", instituições nacionais e internacionais e governos estão se sobrepujando mutuamente com promessas, prognósticos e esperanças que de mês em mês tornam-se cada vez mais fantásticos. Como se toda a humanidade tivesse tomado alucinógenos, continua-se desprezando os fatos e proclamando como "vencedor" o sistema de mercado ocidental, que já não tem cura, sendo apenas a última parte do sistema global que sofrerá seu colapso, apesar de este "vencedor" já estar com os lábios roxos e prestes a cambalear para fora do ringue global da concorrência. Parece que precisa chegar a terceira e última crise de dívidas, a das próprias economias deficitárias ocidentais, que arrastará para dentro do abismo também os últimos supostos vencedores, o Japão e a RFA, e provocará uma crise econômica mundial de extensão nunca vista.
Se fossem apenas os ganhos de exportação japoneses e alemães que financiassem a montanha global de dívidas, esta teria desabado há muito tempo. Mas a inspiração artificial do mercado mundial, que substancialmente já se encontra em estado de coma, alimenta-se desde os meados dos anos 80 também de outra fonte: a saber, da superestrutura especulativa internacional, que brotou da superestrutura de crédito já precária e constitui um fenômeno ainda mais fantástico.
Quanto mais Estados, regiões, unidades empresarias e indivíduos assumem o status de perdedores, tanto mais capacidade aquisitiva produtiva internacional é destruída. O conjunto dessa capacidade aquisitiva desaparecida não pode jamais ser substituída e revitalizada artificialmente, por meio de créditos. Por um lado, vão se expandindo o crédito e o endividamento e, por outro, vai diminuindo o potencial global de capacidade aquisitiva. Esses dois movimentos opostos sobrepõem-se um ao outro de tal forma que de cada ciclo de realização de mais-valia, por parte dos vencedores, sobra um resto cada vez maior que não pode ser aplicado produtivamente nem emprestado diretamente como capital monetário que rende juros. Paralelamente às estruturas globais de déficit passou a desenvolver-se, portanto, desde os anos 70, um aparente excedente de capital monetário que está desesperadamente à procura de alguma aplicação lucrativa; a princípio, a concorrência entre os que emprestavam era grande e os créditos eram concedidos a condições "baratas", sem que a superestrutura de crédito internacional pudesse absorver completamente a mais-valia acumulada, realizada na forma de dinheiro.
Conseqüentemente aconteceu naquela época não apenas que os vencedores, ainda um pouco numerosos, concediam prontamente créditos aos perdedores, estabelecendo assim os fundamentos da subseqüente crise de dívidas do Sul e do Leste, mas também que uma parte desse capital monetário fluía para outro setor, o mais recente e mais perigoso do sistema de mercado ocidental, a saber, a especulação. Paralelamente ao processo de endividamento mediante fluxos comerciais internacionais desenvolveu-se, portanto, nos anos 80, uma especulação global com imóveis e ações, historicamente também sem igual, com o centro primário no Japão e centros secundários nos EUA e na Grã-Bretanha. Partindo dali, a onda de especulação passou a inundar, com intensidade maior ou menor, todo o mundo ocidental.
Sobretudo no Japão, carreirista número um no mercado mundial, ganhos já não reinvestíveis, procedentes dos excedentes de exportação e do refluxo de juros, serviam em grande escala para a compra de imóveis por parte das empresas fornecedoras do mercado mundial, demasiadamente bem-sucedidas. A conseqüência foi uma explosão dos preços imobiliários que excedeu todos os casos comparáveis da história. Hoje em dia, uma área de estacionamento em Tóquio tem o mesmo preço de uma região extensa na Califórnia. Naturalmente, esses preços, que a procura excessiva fez subir a essa altura, já não têm nada a ver com o valor real desses prédios ou terrenos, no que se refere à localização ou à forma de aproveitamento, como fábricas, escritórios ou apartamentos alugados. Mas a especulação alimenta a especulação, e assim tornou-se a compra de imóveis cada vez mais lucrativa em virtude do aumento contínuo dos preços, causando a elevação do nível de preços nos proprietários a ilusão de um valor cada vez mais alto.
Dos imóveis, a especulação alastrou-se aos mercados de ações. A cotação das ações foi forçada a alturas incríveis, em parte com ganhos procedentes do boom desvairado dos imóveis. Dentro de poucos anos, o rendimento real (reduzido praticamente a zero no Japão), na forma de dividendos, perdeu quase toda importância frente ao preço e, com isso, ao valor aparente e astronômico das ações, que ultrapassava de longe seu valor nominal. Sobre empresas como a Nissan fez-se o comentário irônico de que estas teriam passado a pagar a partir da caixa para despesas postais seus investimentos produtivos, que subiram consideravelmente. E logo nos EUA e na Grã-Bretanha, alimentados pelo capital especulativo japonês, que "poderosamente" atravessou as fronteiras, até arderem em chamas altas e fortes. (7)
O boom absurdo, puramente fictício, do capital especulativo, (8) sobreposto aos circuitos de déficit nacionais e internacionais, fez nascer, até o fim dos anos 80, a ilusão de que a solvência do ocidente fosse praticamente inesgotável, os processos de endividamento pudessem ser administrados sem grande esforço. Uma parte cada vez maior tanto dos créditos quanto do atendimento a estes alimentava-se direta ou indiretamente da superestrutura especulativa global. Dessa maneira, os excedentes de exportação originalmente reais dos setores vencedores assumiriam cada vez mais o caráter de complexos puramente fictícios, tornando-se eles próprios componentes da superestrutura especulativa.
Mas o processo básico da destruição global de capacidade aquisitiva, causada pela produtividade "demasiadamente alta" do sistema mundial, penetrado pelas ciências, não se deixa enganar dessa maneira. Por fim, terá que se fazer sentir o desaparecimento da capacidade aquisitiva, derrotada na concorrência e o dos mercados reais correspondentes, acabando com os mercados fictícios, abalofados pela especulação. Ao rasgar o último fio finíssimo que liga a acumulação real à superestrutura de crédito, terá que desabar também o complexo especulativo, porque ficará pesada demais a gigantesca cauda de cometa de juros que entrementes se prendeu à reprodução global, esse peso forçando o mundo produtor de mercadorias a descer para seus próprios fundamentos reais.
Chegará o dia em que os empréstimos a juros alcançarão seus limites. De repente, a aparente abundância, apenas temporária, de capital monetário transformar-se-á em escassez. Acaba-se o jogo dívida e do atendimento a esta. Nesse momento, o crash manifestar-se-á com toda força, e isso na forma de uma reação em cadeia. Quanto mais dívidas se tornarem impagáveis, o que então também será o caso nos países da OCDE, tanto mais será preciso recorrer à venda de ações e imóveis para garantir o pagamento, e tanto maior será a velocidade com que a especulação entrará em colapso. Em parte, isto já aconteceu nos mercados imobiliários dos EUA e da Grã-Bretanha, desde os anos de 1988 e 1989. Nos EUA, o mercado da absorção especulativa de empresas é considerado morto, deixando a herança de um endividamento excessivo de ramos inteiros. Durante o ano de 1990, o mercado de ações japonês sofreu uma queda de 50%.
Mas o colapso definitivo da especulação global causará também a ruína do sistema internacional de crédito. A bancarrota gigantesca do sistema de poupança americano (savings and loan association) e a crise que está amadurecendo no sistema de bancos comerciais dos EUA e do Japão estão anunciando um grandioso fogo de artifício em que entrarão em colapso os mercados financeiros internacionais e ao qual não poderão escapar nem os países da OCDE que até agora são vencedores. A crise de dívidas dos EUA, da Grã-Bretanha, do Canadá, da Austrália e da Europa meridional (a Grécia praticamente já faliu e, ao que parece, a Itália logo seguirá) conduzirá então inevitavelmente também à crise dos credores, o Japão e a RFA, que segundo seus cálculos deveriam ter-se tornados ricos.
No fundo, o mecanismo de dívidas dentro da OCDE é idêntico àquele do Terceiro Mundo e do ex-socialismo real. Obedece à mesma lógica; por toda parte tenta-se protelar a crise mediante dinheiro de crédito artificialmente criado, que na verdade não tem substância alguma, na esperança de que possa pagar de novo o motor da acumulação real. Em virtude de seu estoque de capital menos firme e do grau mais baixo da penetração das ciências, isto é, em virtude de sua incapacidade de acompanhar a corrida da produtividade, os países do Sul e do Leste podiam integrar-se em grau apenas reduzido na circulação internacional de mercadorias e dinheiro. Por isso, apenas podiam formar capital fictício dentro dos limites de seu crédito nacional interno, de modo que o inevitável endividamento externo tinha que conduzir com rapidez muito maior ao crash das dívidas e ao colapso. Dentro da OCDE, ao contrário, a existência do capital fictício podia ser prolongada graças à internacionalização deste e ao crescimento de uma fantástica superestrutura especulativa, protelando-se assim a crise.
Mas a causa da crise é a mesma para todas as partes do sistema mundial produtor de mercadorias: a diminuição histórica da substância de "trabalho abstrato", em conseqüência da alta produtividade ("força produtiva ciência") alcançada pela mediação da concorrência. No entanto, o sistema produtor de mercadorias está vinculado à sua finalidade inerente tautológica e depende do crescimento interminável, em escala mundial, dessa substância de "trabalho". A crise do subsistema ocidental, que provavelmente acontecerá nos anos 90, revelará impiedosamente essa constelação histórica dos fatos. Tanto faz, nesse caso, o que ocasionará ou diretamente provocará essa crise, cujo início será o colapso financeiro global. Afinal é bastante amplo o espectro das ficções sociais, econômicas e políticas e dos fatores de risco acumulados. Atualmente têm as melhores chances as condições caóticas no Oriente Próximo e o surto de colapso iminente da União Soviética, com seus riscos de golpe e guerra civil.
No entanto, o colapso do Ocidente, da última ilha de normalidade aparente, não repetirá simplesmente as crises e os colapsos do Sul e do Leste, por mais cruéis que estes sejam. Pois a normalidade artificialmente prolongada dentro da OCDE lançou seu reflexo também sobre as sociedades pós-catastróficas até agora existentes, e isto não apenas ideologicamente, na forma de esperanças irracionais de prosperidade e ambições ligadas à troca de modelo, mas também na forma real de infusões monetárias e "conservas de sangue", as quais, apesar da separação forçada da circulação global do dinheiro, tinham conservado nessas sociedades um resto cada vez mais fraco de vida e de normalidade da existência burguesa.
Assim, por exemplo, apesar do colapso dos sistemas monetários nacionais internos, podia ser mantida nas sociedades pós-catastróficas, sob enormes fricções, a forma das relações de mercadoria e dinheiro, assumindo o dólar ou o marco alemão a função monetária interna que fora destruída. Como instancias mediadoras serviam em parte as produções insulares, cada vez mais raras, para o mercado mundial, das quais dependiam direta ou indiretamente segmentos inteiros da população, até os engraxates e limpadores de pára-brisas nos cruzamentos, para não falar da prostituição em massa. A essa categoria pertencem também as transferências de divisas feitas por trabalhadores estrangeiros ocupados nos centros do mercado mundial que ainda têm capacidade de funcionamento, imigrantes regulares que chegaram ali para trabalhar desde os anos 60 e 70. Mas essas instâncias evaporar-se-ão completamente no caso de uma nova crise, que também abrangerá o Ocidente. Os processos de desindustrialização já começaram a ameaçar essas funções de mediação. Os fluxos de imigrantes trabalhadores estão se transformando em movimentos que escapam a qualquer regulamentação, como, por exemplo, a fuga em massa de trabalhadores estrangeiros asiáticos da região do Golfo Pérsico. Com isso, vão secando também os fluxos de transferência de divisas.
Como última instancia "civilizatória" do dinheiro, a máfia de drogas e do mercado negro está exercendo essas funções de mediação. Muitas regiões em colapso somente recebem dinheiro por meio do crime organizado, conservando-se assim pelo menos uma sombra de "ordem" nas relações de mercadoria e dinheiro. (9) No entanto, também a máfia chegará ao fim de sua sabedoria quando se dissolverem no fogo da crise global as últimas formas de dinheiro "aparentemente" real, desfazendo-se o valor dos dólares ou dos marcos alemães do mesmo modo que o dos rublos ou das pesetas. Os meros substitutos em espécie do dinheiro, que existem nas formas de troca primitivas, não podem manter o complexo da socialização em seu nível civilizatório atual; na medida em que podem ser observados em regiões de crise ou no mercado mundial (por exemplo, na forma do negócio de compensação), pressupõe um sistema mundial monetário ou de crédito que ainda apresenta condições razoáveis de funcionamento.
Por mais estranho e inacreditável que possa parecer aos apóstolos ocidentais da normalidade capitalista (já menos inacreditável talvez à maioria da população das sociedades pós-catastróficas): é muito provável que o mundo burguês do dinheiro total e da mercadoria moderna, cuja lógica constituiu com dinâmica crescente a chamada Era Moderna, entrará já antes de terminar o século XX numa era das trevas, do caos e da decadência das estruturas sociais, tal como jamais existiu na história do mundo. O caráter singular desse desastre da modernização, que somente por último atingirá seu causador, o ocidente, consiste, por um lado, em uma dimensão social mundial, e por outro, na enorme dinâmica desse sistema. Ninguém pode prever a duração desta maior época da crise histórica, nem as formas que percorrerá. Mas com toda certeza não haverá nenhum retorno às formas atualmente familiares do sistema produtor de mercadorias, que incluem a subjetividade moderna em todos os níveis de sua existência.
Notas:
In. O Colapso da Modernização - 1991