A REFORMA COMO FARSA

Robert Kurz

Garrafas com depósito – o que era isso? Em muitas casas acumulam-se as mais diversas senhas de depósito, que já são coleccionadas como moedas. Fala-se também de cemitérios de taras nas caves, nas paragens de auto-estrada e nos campos. Há algum tempo houve a notícia de as senhas de depósito serem um bom negócio para o comércio: a deliberada complexidade e não uniformidade das devoluções leva as pessoas a não se preocuparem com as taras recuperáveis, em vez de elaborarem uma espécie de escrituração de taras, para saber que supermercado ou que estação de serviço as aceita.

O caso das taras recuperáveis não é o único que prova que o termo reforma tem que ser substituído por farsa. O teatro do absurdo em volta da anunciada portagem sobre os camiões, sob direcção comum do ministro dos transportes Stolpe e de um obscuro consórcio de nome Toll Collect (=colecta maravilha) tem um certo valor de entretenimento. Verdadeiramente bem só foi concluída a reforma relativa ao comércio de emissões poluentes – porque não entrou em vigor, apesar das grandes despesas. Então a burocracia da União Europeia fez uma "norma imperativa" tão boa que nenhum país a cumpre. Os constrangimentos burocráticos já não são o que eram. Seguiram-se agitadas reuniões de crise e "compromisso" até altas horas da noite, para decidir que realmente nada se decidiu e até que fundamentalmente nada se decidirá. Assim já se pode aparecer perante a imprensa, cujos representantes têm então que comentar, de olhos vermelhos e roendo as unhas, o nada acabado de cozinhar. Para o clima, aliás, isto é indiferente – ele simplesmente "muda" cada vez mais num sentido em tudo mau.

Poder-se-ia dizer que o real economismo capitalista ganha sempre. Se as leis propostas e até acordos não servem à gestão elegantemente globalizada nem às associações empresariais, então serão pronta e alegremente sabotadas, ignoradas e repetidamente desactivadas, sempre culpando a localização, a concorrência e a coerção objectiva. As reformas ditas ecológicas nem chegam a ver a luz do dia.

Apenas é de estranhar que mesmo com as contra-reformas anti-sociais, que com toda a certeza não são sabotadas pela "economia", as coisas não parecem correr diferentemente. A chamada reforma da saúde, há muitos anos um fenómeno de falhanços sucessivos, sufocou na confusão de sobretaxas, regras de excepção e disputas sobre a competência para a cobrança. Os custos burocráticos ameaçam mais uma vez ficar mais caros que as poupanças hostis ao paciente. Por maioria de razão se sucedem os flops na Reforma Hartz e na Agenda 2010. A mal afamada Eu, S.A. (1) desde o início se pareceu com uma piada estúpida e como tal é referida na linguagem popular. Mas ainda ficou mais absurda com as nervosas modificações da administração do trabalho. O instituto federal (Bundes"anstalt"), cujo nome evocou justas associações, chama-se agora agência federal. E quanto mais os desempregados são sujeitos à chicana, acossados sem sentido e "apertados" através da "atenção persecutória" (tal é o jargão interno tornado público dos frustrados funcionários do serviço), tanto mais penosa e insidiosamente são eles referidos como "clientes" na terminologia oficial.

O projecto piloto pensado como exemplar para a pseudo-revolução na administração do trabalho na região do Ruhr foi transformado num caos pelas autoridades locais e teve que ser interrompido. Programas informáticos foram abaixo, houve confusão de dados, perda de autoridade e conflitos administrativos, os colaboradores meteram baixa uns atrás dos outros. Os "clientes" (assim chamados nos relatórios para a imprensa) reagiram "com crescente agressividade".

O próximo grande desastre – a fusão dos serviços de desemprego com o apoio social (Hartz IV) - já está programado. A relação burocrática dos círculos locais das cidades com os centros de emprego da agências federais não há meio de tomar jeito, há uma inflacção de "planos", a comparação de dados não funciona e continua por esclarecer o financiamento. Parece que o padrinho é o mesmo do projecto taras com retorno, da portagem para os camiões ou do comércio de emissões poluentes. Ou será o da Missão a Marte da Agência Espacial Europeia?

As sucessivas catástrofes de reformas e da administração são atribuídas pelos media a "erros artesanais", políticas erradas ou incorrecta nomeação de pessoal. De tempos a tempos até já rola uma ou outra cabeça. Ma já Marx sabia que são as condições que produzem as respectivas personagens. Se somos cada vez mais governados e administrados por evidentes inimputáveis, então a razão é a inimputabilidade das próprias condições. A grande transformação da administração do trabalho há-de falhar, tal como a reforma ecológica ou a transformação do caminho de ferro numa empresa lucrativa através da gestão da Lufthansa.

Até "na economia" se funciona cada vez menos. A política e a administração não se limitaram a adoptar na rectaguarda os conceitos-flops da gestão – A Eu, S.A. e a abusiva e precipitada campanha que continuamente põe tudo de pernas para o ar deixa cada vez mais escombros, mesmo em sentido económico-empresarial. Com tanto mais pânico têm que ser proferidos os apelos à calma.

A organização "economia de mercado" ameaça confundir-se com o projecto de teleférico em "Zorba, o Grego". Já há muito tempo podia ter sido assumido que no fim de contas o capitalismo é incompatível com a civilização, as necessidades sociais e as bases naturais. Agora ele parece tornar-se incompatível com as suas próprias condições de existência. Em consequência, os autores "angulares" (quem diria!) em economia e em política sofrem crescentemente de um defeito comum que eles não podem admitir: a perda da realidade.

  1. Eu, S.A. : Tradução literal de Ich-AG, forma específica de sociedade unipessoal, para os desempregados fazerem de empresários.

Original Reform als Farce em Neues Deutschland, 02.04.2004

http://www.nd-online.de/artikel.asp?AID=51142&IDC=33

Tradução de Ana Moura

http://obeco-online.org/