A TERCEIRA FORÇA

Fim e início da neutralidade

Robert Kurz

I

Como toda autêntica ruptura de época, também a de 1989 provocou uma profunda desorientação de todos os campos de conflito da humanidade. Os socialistas, de todas as tendências, começaram a vaguear, tal como naquela famosa noticia sobre a procura dos velhinhos que fugiram do asilo e se perderam na cidade. A incrível rapidez histórica do desmoronamento quase fantasmagórico do colossal edifício imperial do socialismo de Estado no leste europeu, acabou chocando até mesmo a esquerda que nunca fora cantora da corte da formação social da economia de caserna. Todas as idéias socialistas acabaram repentinamente no famoso depósito de lixo da história, onde gostariam de ter visto, desde o século passado, o inimigo capitalista. Isso porque, seja através do centro de gravitação econômica da "economia planificada", seja através do postulado de redistribuição do "Estado social", o espectro global do socialismo, mesmo o ocidental e o crítico, estava, de uma forma ou de outra, relacionado afirmativamente aos fundamentos do socialismo de Estado. Portanto, todos os socialistas, quer queiram ou não, estão incluídos na comunidade responsável pela bancarrota do sistema do leste europeu.

Se o neoliberalismo fôra até 1989 um partido e também um adversário, todos tornaram-se agora, de alguma maneira, neoliberais. Todos gostariam, imensamente, de estar entre os vencedores da história, inclusive a manada dos convertidos que fazem parte do passado. Também os tímidos esquerdistas restantes, que escondem agora seu emblema debaixo da lapela, como a trinta anos, asseguram apressadamente que não teriam nenhum problema com a economia de mercado em si (esta foi a "última palavra" até mesmo de Honey Honecker, que foi efetivamente o condutor de um "mercado planejado"). Eles respondem titubeantes como alunos de primeira série do primeiro grau, ainda que com cabelos grisalhos, que já teriam dito aos "experts" da macroeconomia - com peso na consciência - sobre a necessidade da concorrência, da rentabilidade e de um sistema de preço ordenado. Dessa mesma forma, saíram tão facilmente da boca desses ex e ainda esquerdistas os mesmos comentários a respeito da Revolução Verde Mundial de 1972 e também a respeito da produção alternativa de queijo no seio da natureza, de 1982.

A corrente torrencial do neoliberalismo vitorioso arrastou todas as vias intermediárias para a ideológica terra de ninguém. Neutralidade não está mais em questão a partir do momento em que um partido foi varrido do lugar e o vencedor sanguinário olha em volta para ver quem ele ainda pode afastar deste panorama. Tanto no Leste, como no Ocidente, existiam representantes de uma "terceira via". De um lado, os reformadores, permanentemente freados nas economias do Socialismo de Estado, queriam absorver determinados elementos da economia de mercado ocidental sem, no entanto, abandonar totalmente a economia planejada (como por exemplo, através de uma relativa liberdade de decisão das empresas na produção e na formação de preços). Os economistas reformadores de Praga, em torno de Ota Sik que em 1968 foram forçados a emigrar para o Ocidente, tinham cunhado o incômodo conceito de "economia de mercado socialista". Por outro lado, existiam no ocidente, particularmente no nebuloso ambiente intelectual dos sindicatos e da social democracia, idéias de urna "terceira via", desejando integrar elementos socialistas (como por exemplo, um direcionamento estatal nos investimentos) na economia de mercado capitalista, buscando com isso "domá-la" ou até mesmo transformá-la. Com os correspondentes sociológico, político e científico para esse esforço, já vinha se desenvolvendo desde os anos sessenta, com essa preocupação, uma teoria de convergência recíproca e gradual, contando com a adaptação de ambos os sistemas do conflito global. O Ocidente forçaria crescentes intervenções políticas no processo de mercado (na época consideradas idéias keynesianas) e, o leste, por sua vez, absorveria no seu trabalho interno, elementos do individualismo da economia de mercado no seu sistema autoritário de Estado.

Essas idéias honradas, pacíficas e humanitárias tinham um clima de partida entusiástico, mas a mobilidade de pés dormentes. Tais idéias - fracas, mornas, insossas, estéreis e lamentáveis - eram produtos de baixa qualidade e historicamente pouco úteis, típicas das fábricas de idéias social-democratas fundamentadas no trabalho reduzido e nas ameaças de fechamento. Essas eram as idéias da mediocridade teórica moderada conveniente aos partidos do progresso moderado atuando nos limites das respectivas leis, cujos membros e representantes quase não caminhavam, frente a tanta moderação. As diversas "terceiras vias" foram ridicularizadas com o colapso estrondoso do socialismo de estado, na medida em que não se podia mais salvar os lados positivos dessa ruína fumegante sem prejuízo da própria imagem - de um historicamente conciliador lar feliz - agora, para sempre difamada. A trajetória vitoriosa neoliberal acaba com as figuras teóricas magras e desesperadas, colocando-as de lado como idiotas da economia, o que são, de fato.

Não falta também, infelizmente, a comprovação prática deste triste fim do histórico beco sem saída no qual foi atirado o humanismo sócio-econômico moderado, e, também, mas em maior grau, o desastrado marxismo-leninismo, evidenciando-lhes suas misérias ideológicas. Os representantes da "terceira via" foram impedidos pela providência cheia de graça, de comprovar uma versão prática da política econômica "light" em ambos os sistemas em conflito, mas em alguns Estados neutros eles tiveram essa oportunidade, encalhando sob bandeira própria. Os comunistas policiais do leste interceptaram esses navegadores amadores na "terceira via", prendendo ou expulsando-os. Os corifeus do mercado ocidental, ao contrário, os ignoravam ou afirmavam, simplesmente, já terem encontrado a "terceira via", como Colombos econômicos, na "economia de mercado ocidental" figurada em Ludwig Erhard, o artífice do milagre econômico alemão dos anos 50. Porém, no espaço neutro cruzavam há muito tempo alguns pequenos navios fantasmas no curso da convergência. A neutralidade estatal e política entre Ocidente e Leste (e na maioria das vezes, orientando-se pelo Ocidente) tão desgastada, gostaria de ser e era, ainda, suficientemente difusa para produzir apenas os contornos frágeis de uma concepção sócio-econômica quase autônoma. Paralelamente à crise e ao subseqüente naufrágio "titanínico" dos blocos do leste fracassaram lastimavelmente também, nos recifes dos mercados mundiais, os modelos neutros dessa imprecisa economia mista.

Nem precisamos falar dos fracassos da economia do Estado finlandês, totalmente desconhecida ou da situação das empresas de propriedade do partido comunista finlandês, cujo comitê central precisou pedir demissão nos gloriosos anos da década de oitenta, porque perdeu o caixa do partido nos mercados internacionais de especulação financeira. Também a imagem esfarrapada da indústria estatal austríaca, dos socialismos alpininos, só poderia dar, no decorrer do tempo, motivos a observações melancólicas. O modelo sueco de um estado do bem-estar social democrata não durou muito mais tempo. Esse modelo que já se encontrava em agonia nos anos oitenta, aqueceu a esquelética fantasia social econômica de diversos vanguardistas poloneses, húngaros, russos, letões e ucranianos. Hoje, perdeu-se definitivamente o brilho sueco. Indústrias, finanças de Estado e os sistemas bancários dos arriados "modelos" lutam pela mera sobrevivência e o bem estar ordenado pelo Estado, cujo caráter burocrático teria arruinado seus benefícios a tempo, está reduzido às pequenas rações emergenciais. Mal se tem coragem para arriscar lembrar a Iugoslávia da "autogestão operária" que há 15 anos fora o lugar da peregrinação (a meca) de muitos peregrinos utópicos-realistas da "terceira via". Esse modelo, ideologicamente o mais presunçoso de todos os modelos neutros, arruinado até o último tostão, desenvolveu-se para um matadouro humano autogestado.

O grito de guerra neoliberal por uma "privatização" e "desregulamentação" mais radical possível dominou também a fala dos fanhosos convergentes indecisos, principalmente nos Estados neutros, que falharam nos objetivos da "terceira via"; ou pelo menos, no que parecia ser, na prática, uma "terceira via" desesperada. Fora da Europa observa-se o mesmo quadro. A retirada da economia planificada em todas linhas pegou em cheio também o bloco livre do Terceiro Mundo. Aí, afundou-se também a economia mista moderada no oceano do fracasso. Da mesma forma como os países em desenvolvimento do orientados pelo socialismo de Estado do Leste europeu (Cuba, Vietnã, Coréia do Norte, Moçambique, Angola até Etiópia), também os pró-ocidentes, como os da América Latina, ainda há poucos anos na feliz e esperançosa condição de "Estados emergentes" e a maioria do bloco livre de qualquer modelo caíram também na arapuca sem saída da divida. Desistiu-se da tentativa de industrialização independente para além do capitalismo e do socialismo de Estado. A Índia comeu da mão do FMI exatamente como o Egito e a Argélia. Encerraram-se as já magras subvenções alimentares e programas sociais para as perigosamente crescentes populações miseráveis. O estreito regato sueco do néctar do bem-estar-social no deserto do desenvolvimento atolado, também secou por ordem dos "experts" neoliberais ocidentais que buscam agora a privatização libertadora das empresas, exatamente como nos países do antigo bloco do leste, suplicando inutilmente por investimentos "imperialistas", os quais são agora chamados "bem-vindos" pelos beija-mãos que antes combatiam a "exploração".

II

Tão completa é a vitória do neoliberalismo, que os liberais autênticos já não se sentem bem, de modo algum, em sua pele. Sua indisposição não se origina somente do fato de que cada um deles tenha sentado no colo uma boa dúzia de pesadíssimos ex-socialistas e de que os mais antigos trovadores da "terceira via" mordiscam afetuosamente suas orelhas e, arrependidos, suplicam ajuda e metem-lhes a mão no bolso. Nessa situação, talvez um pouco desconfortável, os próprios neoliberais (ou no mínimo, alguns deles) enfrentaram a nova situação mundial com menos otimismo do que alguém esperaria de tão grandiosos vencedores. Enquanto a massa dos récem-convertidos ex-socialistas segue prestando homenagens à sua nova crença no mercado mundial com o zelo cego dos pagãos, ignoram e, naturalmente nada disso querem saber, que também o navio vencedor, sobre o qual eles acreditam terem-se salvado, pode porventura afundar, pois já se começa a ver a coisa preta nos círculos dos supostos ganhos.

Simultaneamente levanta-se uma escura frente de tempestade, cuja descarga ameaça superar amplamente todas a crises e colapsos conhecidos até então. No leste e hemisfério sul estão desmoronando as economias de mercado, as economias mistas e as de Estado. Estas últimas dirigindo-se ao seu segundo colapso. O fogo de palha da privatização e desregulamentação já está se apagando, demonstrando que as reformas da economia de mercado não deram em nada. O processo de desindustrialização de estruturas não rentáveis não é interrompido através dessas reformas, pelo contrário, é reforçado. A rentabilidade não pode ser produzida, porque ela está ausente. A gata da lógica da reforma morde seu próprio rabo e mostra que o mercado mundial simplesmente não tem emprego para maior parte da humanidade. Com certeza, não apenas no leste ou no hemisfério sul, mas também no próprio ocidente: aqui inicia-se justamente a segunda onda pós-fordista da racionalização e da "lean production" que expulsa novos contingentes, milhões de pessoas, para fora do processo de reprodução capitalista. O desemprego em massa deixa de ser "financiável". Também no ocidente, em todos os lugares perde-se o controle da divida pública e portanto da economia de mercado maravilhosa, começando a reduzir seu potencial cultural civilizatório, desde serviços de saúde até a educação da população. Afinal, porque deveriam os desempregados permanentes das favelas também saber ler e escrever? Com o poder de compra diminuído encolheram-se também os mercados; o ocidente produz a sua própria espiral descendente. Com isso, os inchados mercados financeiros caem na instabilidade porque os processos de formação de juros da superestrutura creditícia tornaram-na precária e no horizonte esboça-se o mais terrível de todos os colapsos: o do próprio ocidente.

Alguns "experts" neoliberais, banqueiros e consultores de investimento ficam meio assustados e meio fascinados com esse cenário apocalíptico produzido por eles mesmos. Enquanto os tolos e crentes (ex) esquerdistas, amigos da economia de mercado, ainda, cheios de elogios, rezam sua ladainha na eterna capacidada de adaptação do capitalismo, os analistas lúcidos já aguardam sob tensão o naufrágio da economia de mercado típica e preparam-se calculando como poderão, até como especuladores da depressão, obter algum lucro. Não é mais necessário, de toda forma, nenhum desmoronamento significativo do sistema de crédito ou do conjunto ocidental para comprovar a crise progressiva do pretenso sistema vencedor. Para o grande e crescente segmento da população esta crise já existe na prática, pois muitos cidadãos do ocidente democrático e da economia de mercado vivem há muito tempo no nível do Terceiro Mundo. Atrás da cintilante fachada da aparente normalidade capitalista, construída na época da especulação nos "oitenta dourados" do reaganismo, desencadeia-se furiosamente a depravação social e estabelece-se a ligação com as regiões em colapso e com os perdedores globais. A pauperização humana nunca foi tão grande no mundo e continua a se produzir diariamente no festejado sistema da economia de mercado.

O neoliberalismo está perante seu Waterloo. Mas, porque parece não existir nenhuma alternativa, sua vitória é continuadamente anunciada, cada vez mais estridente e cada vez menos convincente, apesar de se saber que isso não pode continuar. Entre o terror da economia de caserna e o terror da rentabilidade capitalista ressurge inevitavelmente a ânsia de uma "terceira via", agora na forma terrível da revitalização de um "Estado Popular" do Nacional-Socialismo econômico-racista e anti-semítico. Esta monstruosa repetição, contra toda experiência histórica, mostra que a economia de mercado realmente está no fim e não pode mais sanar seus débitos com meios próprios. Os defuntos ambulantes do passado de assassinatos em massa não podem ser derrotados, como seus originais antecessores, por concepções da racionalidade ocidental e por uma prorrogação das formas de vida ocidental no contexto do sistema de economia de mercado. Esses poderes que retornam, não são capazes, por sua vez, de construir um Estado racista-nacional-econômico reproduzível. Sua neo-barbárie desemboca em formas de um percurso de economia de pilhagem e no colapso da sociabilidade em geral que marcam os fins absolutos do moderno sistema produtor de mercadorias.

Os fantasmas só podem ser afungentados de volta para seus túmulos se for encontrada uma nova e inaudita "terceira via". Isso significa que os conflitos internos da modernidade e de seus pilares dualísticos (bipolaridades) se esgotaram. Capital e trabalho, liberalismo e socialismo, "realismo" e fundamentalismo (religioso, nacional etc) não estimulam mais tomada de posição, uma vez que a barbárie tornou-se sua identidade comum. Pode ascender da história uma terceira força para além da modernidade, que seja capaz de uma auto-superação do ocidente? Pode a razão humana emancipar-se do fetiche do raciocínio abstrato da rentabilidade e também emancipar-se da lógica do sujeito em forma de mercadoria, que acaba na loucura? O problema tem um núcleo sistêmico político-econômico fixo. As terceiras vias dos neutros foram antes de tudo, frágeis e inconsistentes, pois não conduziram a uma supressão básica das categorias dualísticas do mercado e do Estado, mas só a uma emulsão turva e eclética dessas categorias. A ênfase exagerada, condicionada historicamente, no Estado no leste e no mercado no ocidente, não foi criticamente suprimida, mas somente reconciliatoriamente colocada num caminho intermediário que nunca foi dourado; apenas o caminho mais seguro no pântano em vez da "liberdade".

A reivindicada "terceira via" atual, não pode ser mais uma via intermediária. Ela precisa apontar para uma sociedade para além do mercado e do Estado, isto é, para a supressão do moderno sistema produtor de mercadorias. Até agora todo conceito do moderno, inclusive do socialismo, move-se confessadamente ou inconfessadamente no contexto de uma auto-valorização do dinheiro que, em suas últimas consequências não está podendo ser corrigida na base do dinheiro. O Estado moderno é apenas a generalidade abstrata de seus cidadãos "ganhadores de dinheiro" e, todas as instituições do Estado da reprodução social também precisam ser "financiáveis", quer dizer, o Estado permanece dependente do processo de mercado e portanto de sua estrutura fetichista básica que determina o fluxo de todos os recursos materiais essenciais. Este sistema fechou-se hoje num beco sem saída e, torna-se incapaz de reproduzir-se globalmente. Portanto, é necessário que os recursos, respectivamente de sua produção e distribuição, sejam desassociados da lógica do dinheiro. A sociedade moderna com todos seus potenciais grandiosos, precisa se "desmonetarizar", sob pena de sua derrocada. Provavelmente passo a passo e, através de um processo tão longo quanto difícil, que tem menos perspectiva de sucesso, quanto mais tarde e de má vontade seja iniciado.

O ponto central da "desmonetarização" só pode ser a superação da lógica empresarial, porque a existência moderna do dinheiro nada mais é que a construção de uma rede de "empresas" abstratas, cega em relação ao seu conteúdo sensível. cuja atuação não se organiza no patamar de sua conexão sensório-material, apenas leva, através da força produtiva progressiva e da potência tecnológica, à devastação social e ecológica. O "ganho" empresarial abstrato, na forma do dinheiro, tornou-se antiprodutivo e precisa ser superado como critério de êxito, porque não compensa mais os conseqüentes custos socias globais, promovendo o desequilíbrio. Somente novas instituições formadas em redes não monetárias poderiam chegar ao tão falado balanço social e ecológico geral. Com isso, cairia também o fetichismo do "emprego", porque a reprodução individual numa sociedade baseada em uma rede desmonetarizada, não poderá mais ser dependendente do gasto da força de trabalho abstrato em processos de desgaste micro-econômico, também abstratos. Tal revolução não teria relação alguma com o planejamento estatal centralizado ou com as categorias da sociedade de mercadoria, mas integraria tanto elementos de auto abastecimento e autogestão comunal, como da organização internacional de fluxos de recursos sob a forma de não-mercadorias, superando o antigo sistema econômico nacional.

Uma concepção político-econômica alimentada por tais reflexões, que implica numa redefinição fundamental da relação entre a economia empresarial, a macroeconomia e a economia mundial, seria menos utópica que a esperança ilusionista e irracional em uma nova época de prosperidade do sistema de mercado que desmorona em todas suas variantes. O neoliberalismo e o novo nacional-socialismo operam sua obstinação complementar através de conceitos político-econômicos básicos e por isso ganham uma plausibilidade e coesão aparentes, mesmo quando o conjunto das idéias conceituais fica, nos casos individuais, freqüentemente em último plano. Também uma terceira força, caso ela surja, não poderá prescindir de uma concepção básica. Ela precisa de uma neutralidade não mais passiva, mas ativa, que não se deixe levar nem para o neoliberalismo, com suas devastadoras conseqüências, nem para os princípios de um nacional-socialismo (independente de sua denominação democrática), ou seja, ela precisa representar um outro futuro.

Só nessa relação ideal e conceitual torna-se possível também a "terceira frente" nas áreas política e cultural, cujas pretensas posições de conflitos estão, hoje também, sem saída, possuindo um poder de mobilização e participação tão diminuto como o antagonismo no nível das concepções fundamentais da política social. A integração européia torna-se um caso de teste para a consciência do problema. Sua execução no contexto oficial neoliberal causaria uni enorme surto de crises, porque eliminaria as fronteiras e inevitavelmente aumentaria a concentração de capital e em muitos setores (industria de fornecimento, bancos, segurança e outras prestações de serviço) deverá induzir as pequenas empresas, de pouco capital, para a morte em massa e, a conseqüência será uma desertificação de regiões inteiras através da Europa, que não poderão mais alimentar as panelas de redistribuição da Comunidade Européia, caracterizando, portanto, uma repetição dos processos de desintegração econômico-social nos Estados nacionais individuais, mas agora em nível continental.

A "renacionalização" iniciada por receio de tais conseqüências, freando o processo de integração européia (veja os referendos e plebicistos na Dinamarca e na França) não soluciona o problema, porque a concorrência global, sobretudo com o Japão, o sudeste asiático e os EUA, continua a exercer uma pressão que força a colocação da integração na ordem do dia. Ao mesmo tempo a renacionalização é a água realimentando o moinho do racismo e do novo nacional-socialismo que se estende epidemicamente à sotavento da depravação social. Os gestos de apaziguamento das classes políticas, que prometeram descompromissadamente aos seus cidadãos mais democracia européia ou autonomia regional, correspondem à emissão generosa de cheque sem fundo. O mercado liberado será, na sua dimensão européia, mais do que nunca indiferente aos direitos regionais ou locais. Cada passo da integração neoliberal provocará dois passos da reação nacional-socialista. A Europa só se salvará se a terceira força. em nome da integração européia e em nome das fronteiras abertas, manifestar a palavra e se recursos essenciais forem separados da lógica do dinheiro. Somente desse modo a autogestão regional no contexto da Europa unificada poderá significar alguma coisa a mais do que barulho e fumaça.

III

Depois do fim do antigo conflito do sistema Leste/Ocidente, torna-se mais clara a necessidade de uma terceira frente nas guerras e nos conflitos civis da nova desordem mundial. Nessas guerras não existe mais o lado "bom". O conceito de luta de libertação se tornou puro escárnio, porque o processo do mercado mundial passou por cima de qualquer perspectiva nacional de desenvolvimento e entregou regiões inteiras do mundo à barbárie. Isso ficou claro já na guerra do golfo, na qual o beco sem saída deprimente de uma tomada de posição direta nesse novo conflito, levou a esquerda decadente mais urna vez a se dividir. De um lado ridicularizou-se profundamente o velho anti-imperialismo, porque se tornou realmente impossível formular urna relação positiva de "luta de libertação" para o regime de Sadam. Os assassinos gazes tóxicos do Iraque, apresentados claramente na forma anti-semítica contra Israel, aterrorizou a população civil, provocando a necessidade de sanções internacionais e de intervenção militar.

Mas os novos "beligerantes" (ex) esquerdistas, que se desesperavam perante um carniceiro como Sadam Hussein, acusavam não somente o "bom" anti-imperialismo, como também o movimento pacifista, de cumplicidade objetiva com um regime de assassinos. Baseando-se analogamente na constelação da segunda guerra mundial, chegaram à falsa conclusão de um apoio incondicional à intervenção dos EUA em nome da ONU. Esse apoio não foi justificado somente por uma "política real", mas também pela militância ideológica (por exemplo, nas acusações de Cora Stephan). Com a aceitação, por princípio, da economia de mercado, a lógica do dinheiro deveria ser completada pelo juramento na democracia ocidental, pela compreensão ocidental da política e pelo way of life ocidental. Ocultou-se que a justificativa para a intervenção ocidental não foi nem a carnificina do regime de Sadam Hussein aos curdos nem a agressão contra a população civil israelita, mas a reconstrução do indescritível principado do Kuweit, cuja monstruosidade social, de forma alguma ficava atrás daquela do regime iraquiano. Ocultou-se também que Sadam não representava, diferentemente de Hitler, nenhum poder independente, mas era originalmente, uma criatura do nobre ocidente democrático. Até o sistema de armas foi fornecido pelas mesmas potências que depois precisaram preparar a intervenção militar contra sua rebelde e monstruosa criatura ou participar do co-financiamento (como no caso da Alemanha). Ocultou-se finalmente, que foi através da lógica global da imposição da economia de mercado ocidental que se produziu a constelação de crises e colapsos nas sociedades em modernização, principalmente do sul e leste.

A participação belicista caracterizou-se pelo som falso e hipócrita das claques. Sua denúncia do movimento pacifista transformou-se no belicismo cego dos aguadeiros do poder: perigosamente próximo à ladainha conformista dos jornalistas nos sistemas totalitários incriminadores. O movimento pacifista, embora não simpatizasse com o regime de Sadam e só assumisse uma terceira posição de maneira formal, esvaneceu-se forçosamente sob a abstração árida da moral pacifista por falta de substância material. Ele não poderia se tornar uma terceira força coerente, tendo rapidamente se anulado.

Repete-se esta constelação nas opiniões sobre a guerra civil iugoslava e as atrocidades praticadas por todas as facções participantes. Muito mais que na guerra do Golfo, fica evidente no caso da lugoslávia que a intervenção do mercado mundial sem sujeito, arruinou sua economia nacional. À guerra, precederam os colapsos de setores industriais inteiros, uma divida externa gigantesca, hiperinflação. miserabilização social e abandono da infra-estrutura social. Só nesse ambiente de uma economia em colapso e nessa decepção com o fracasso da "terceira via" titoísta, alastraram-se o nacionalismo e o separatismo. O recurso a ideologia do ódio do passado não era algo que as pessoas tivessem "no sangue", mas resultado do colapso do processo de modernização. Nessa mesma medida, quando as pessoas sentirem na pele que a economia de mercado ocidental não poderá integrá-­los, o nacionalismo étnico e a guerra civil avançarão por toda a Europa Oriental.

Essas correlações não podem mais ser explicitadas pelo ocidente e devem ser reprimidas porque levariam diretamente ao sagrado núcleo do sistema da forma de socialização ocidental, a partir do qual o mundo todo foi incorporado e desarrumado. A forma do ocidente, a moderna economia de mercadoria e democracia, deve ser precisamente a solução e o objetivo, e por isso não pode ser apresentada como a própria causadora do problema. Para a guerra da lugoslávia não existe mais movimento pacifista, o que poderia representar, também, somente o indício de uma terceira força. Tomar partido, como na guerra do Golfo, tornou-se, com certeza, muito precário. Se alguns esquerdistas, dispersos em difusas lembranças de uma época há muito tempo ultrapassada, calcularam que se podia tirar alguma coisa de positivo do nacional-socialismo de um Milosevic, então manifestam nessa atitude somente confusão e desamparo. A justificativa desta posição "pró-Sérvia", como oposição a um pretenso imperialismo "alemão" se repetindo na antiga lugoslávia, está filiada a uma batalha de fantasmas que é conduzida pelos nostálgicos, veteranos e outros mutilados ideológicos do passado em mesas de bar e em revistas de veteranos. Esta posição não é apenas socialmente sem sentido, mas também fica deslocada no percurso real da guerra.

A grande maioria dos (ex-)esquerdistas se apressa em reproduzir a atitude dos belicistas na guerra do Golfo e se orienta na posição anti-Sérvia do ocidente, mesmo que esta não seja tão clara por divergências de interesses e de relacionamentos históricos como aquela contra o fraque na guerra do Golfo. Em todo caso, os sérvios foram estigmatizados pelo ocidente como opressores, havendo então sanções econômicas contra o regime de Milosevic, e os mini-estados originais separatistas foram reconhecidos apressadamente, e isto devia estar evidente, significava jogar óleo em sua chama. Sistematicamente enfatizam-se os horrores dos sérvios e amenizam-se aqueles dos muçulmanos e croatas. Alguns dos ex- esquerdistas que se tornaram fanáticos pró-ocidentais ignoram que na Croácia pode se formar o novo fascismo de Ustascha e também ignoram que os mercenários da direita radical de toda a Europa assolam, ali, em bando, de assassinos. O objetivo do Estado nacional étnico está sendo aclamado com toda seriedade, não só na antiga lugoslávia, mas em toda a Europa oriental, como a "Vontade Popular Democrática", sendo negociado também, como contexto potencial de referência para a "democratização", enquanto pode ser na realidade só e unicamente um sistema de cobertura para a perseguição. O colapso da antiga lugoslávia sob a lógica do mercado mundial ocidental é tampouco um tema como o fato facilmente reconhecido que nenhum dos novos Estados "étnicos" possui capacidade de reprodução econômica duradoura e, que eles apenas podem "viver" no eterno prosseguimento sem perspectiva da espiral da violência.

Como na guerra do Golfo, a impossibilidade de assumir racionalmente uma posição, remete para a urgente necessidade do surgimento de uma terceira força. O ponto social de partida pode ser a rejeição moral e abstrata de ambos os partidos em conflito e seus objetivos, como demonstrou o movimento pacifista da guerra do golfo. Nesta moral abstrata, que recusa a parcialidade nas constelações da modernidade em colapso por reconhecer o caráter bárbaro e ilegítimo de ambos os lados, poderia estar o germe de uma critica emancipatória de todo o sistema de matrizes sociais e, com isso, da própria forma ocidental. Todavia, esse germe estará ameaçado de secar enquanto permanecer na posição de uma negação política e social vazia de ações bárbaras ("violações dos direitos humanos"). A incorruptibilidade e a neutralidade ativa, com a qual por exemplo, uma organização como a Anistia Internacional do Terror, denuncia, analisa e intervém no terror, na tortura e na perseguição de qualquer pessoa sobre qualquer razão de Estado em casos singulares e concretos em oposição às frentes ideológicas e políticas, merece reconhecimento e poderia ser um ponto de partida. Mas uma organização de ajuda burguesa, que limita-se a aspectos puramente "humanitários", deixando os problemas da reprodução social fora de suas considerações e intervenções, não pode alcançar naturalmente os complexos causais da barbárie progressiva.

A terceira força precisa superar a limitação ético-moral e humanitária em direção a uma concepção político-social autonôma além dos limites imanentes. Essa nova posição de transformação social, ultrapassando a categoria da modernidade produtora de mercadorias e seu sistema, não poderia ser meramente abstrata e pragmática, colocando-se racionalmente ao lado da realidade negativa, mas precisaria desenvolver competência de intervenção prática e política. A isso pertence também um relacionamento critico em relação a organizações internacionais como a ONU e a CEE. A esquerda sempre teve receio do contato nesse nível e se limitou à denúncia das instituições supranacionais como ferramentas do imperialismo, desistindo de desenvolver uma "política" própria nesse contexto, mesmo que isso não fosse menos "revolucionário" que, por exemplo, as reivindicações ao Estado capitalista (que também não significa aceitá-lo na sua mera existência). A esquerda demonstra, dessa maneira, não sua moral revolucionária, mas sua limitação nacional-estatal e nacional-econômica, como também atuou o socialismo do movimento operário que, nesse sentido, em todas as suas variantes, foi um nacional-socialismo de esquerda.

Em sentido contrário, os (ex-) esquerdistas enviezados, realistas e ocidentais fanáticos relacionam-se de fato com as instituições supranacionais e suas atividades práticas e políticas, isto é, não mais na mera denúncia abstrata, mas numa relação amplamente afirmada, porque está no fundo ligada à capitulação incondicional á economia de mercado e à concordância "camaleônica’ com a lógica dos interesses capitalistas. Uma terceira força teria que desenvolver suas próprias posições, reivindicações, estratégias e táticas, no contexto de uma política interna mundial. A velha forma de neutralidade como não intervenção nos chamados "assuntos internos", envergonha-se da internacionalização real dos processos de vidas sociais e protege somente as barbáries dentro dos Estados. Não é por nada que foi essa a bandeira levantada particularmente pelos monstruosos regimes, como no lraque, ou por dinossauros como a República Popular da China. Trata-se, ao contrário, de ver de modo próprio a intervenção para seus objetivos, concepções e procedimentos. Se uma terceira força, ao expor as conexões dissimuladas ou reprimidas na forma de tabu, desenvolver posições em todos os conflitos internalizando uma concepção político-social e econômica, poderá se tornar um movimento mundial à frente da modernidade.

A formação de uma terceira força similar é também a única esperança e perspectiva para as pessoas nas perdedoras economias de colapso e nas regiões do mundo barbarizadas pelo conflito. Tanto no Oriente Próximo, como na Iugoslávia e em outras áreas em crise é urgente o surgimento de uma terceira força. questionando ativamente os nacionalismos bárbaros e sem perspectivas dos partidos bélicos, que vá às bases dessas causas histórico-socias e das correlações do mercado mundial e que estabeleça programas próprios de curto prazo. Somente a ligação de uma terceira força no ocidente em crise e nas sociedades em crise do leste e do sul pode constituir um novo internacionalismo que se torna herdeiro do internacionalismo abstrato da antiga esquerda modernizadora e que não se baseie mais nas afirmações recíprocas de categorias e num sistema econômico nacional de produtos e mercadorias. Este internacionalismo será concreto e "não ideológico", isto é, apresenta a relação direta e de ajudas mútuas das pessoas (de determinadas regiões, cidades, bairros) não mais como mediação abstrata através das instituições da sociedade de mercadorias (partidos, governos, burocracia etc). A necessidade da imediaticidade da ação (por exemplo, a ajuda aos refugiados e vítimas de guerra) não deve substituir a elaboração de uma concepção político- social.

IV

A paralisação no final da modernização se reproduz também na forma de expressão da cultura social e política. Repressão dura, modas de comportamentos autoritários (machismo), estruturas hierárquicas e burocratismo estatista existem na história do sistema produtor de mercadorias no mundo todo. Essas formas cruas e "violentas" da cultura, caracterizadas também, em sua essência, no movimento dos trabalhadores ocidentais (evidente, ainda hoje, na estrutura dos sindicatos e da social-democracia) e no sistema socialista de Estado do leste, comprovam que ambos pertencem a história burguesa da modernização.

Aos momentos de autoritarismo e de burocracia estatistas se opôs a ideologia básica da "liberdade do individuo" que se dirige tanto contra o conservadorismo autoritário da direita como também contra o socialismo autoritário de esquerda. Essa ideologia liberal não posssui com certeza nada de "feminino" (no sentido dos aspectos histórico-sociais da mulher que não podem ser deduzidos biologicamente) nem de solidário, sensível e humanístico como pólo oposto ao estatismo machista, hierárquico e autoritário. O liberalismo representa, ao contrário, por assim dizer, o "em si" do indivíduo total abstrato (e ao mesmo tempo, o seu núcleo "masculino"), a lógica da objetividade em forma de mercadoria, contra os diversos Estados autoritários e as formas históricas de imposição dessa mesma lógica. No entanto, os adversários não estavam em condições de se entenderem como algo idêntico em relação à forma de expressão e de movimento.

No final da modernidade produtora de mercadoria aparece a luz no núcleo do processo histórico: a mônada abstrata e livre "vence", até onde for possível, no surto da individualização, no pós-guerra e principalmente nos anos 70 e 80. Também os fanáticos neoliberais do mercado não têm nada de paternalistas ou de autoritários. Os "Chicago-boys’ da escola de Milton Friedman são na sua maioria democratas esclarecidos que defendem a liberdade de expressão, liberdade de mercado, da arte, da imprensa e são contra as trangressões ditatoriais dos direitos humanos. Liberdade e democracia do sujeito da mercadoria vivenciam sua marcha triunfal global, principalmente depois da derrocada do socialismo autoritário de Estado, sem notar que isso é ao mesmo tempo seu cortejo fúnebre, pois o retrocesso relativo da sociedade de Estado, das ditaduras militares de direita, das guerrilhas terroristas de esquerda e dos regimes de desenvolvimento são só o curto momento histórico antes da queda na barbárie que, em muitas regiões do mundo, já começou. O "Waterloo" do neoliberalisnio não é só econômico mas também cultural.

Longe de produzir o bem estar geral e o convívio próspero sem repressão autoritária, o mercado novamente (desalgemado) e no seu nível mais alto de desenvolvimento destrói os últimos traços da sociabilidade humana. O individuo abstrato começa a embrutecer-se moralmente, também aqueles que não foram descartados como "inúteis" pela economia do dinheiro. Já a emancipação relativa e limitada da mulher nos espaços no mercado e no Estado, até então dominados pelo homem, dissolve o "pressuposto oculto" da sociedade de mercadoria, isto é, a destinação sob a forma de mercadoria da mulher. A forma de emancipação da mulher em forma de mercadoria, faz desaparecer do mundo os últimos espaços de carinho. Com isso fica visível que a capacidade reprodutora da sociedade de mercadoria está ligada a uma existência restrita da mulher. Ela sempre teve de ocupar a posição de amortecer os lados da vida humana que não eram capturados pelo mercado (do mercado doméstico até o "amor"). A mônada autovalorizadora geral e total é impossível de ser vivida pelo homem. Sexualidade e erotismo não estão sendo "liberados’ mas definitivamente transformados em mercadorias ou em formas sucedâneas psíquicas de mercadoria. Crianças postas em massa nesse mundo transformam-se em seres monstruosos psiquicamente abandonados e imprevisíveis.

As relações tradicionais de gêneros e a cultura a elas relacionadas não podem ser eliminadas no terreno do sistema de mercado. Foi uma grande ilusão da nova esquerda, regressa à economia de mercado e à democracia ocidental, que sua revolta de 1968 levasse a um final feliz nas instituições ocidentais, purificando-as democraticamente, anti-autoritaríamente e feministicamente. A abordagem de 1968, limitada e permanecendo na sociedade de mercadoria, ajudou apenas o desatamento e a crise da subjetividade da forma de mercadoria, acelerando-os até os limites da barbárie que começa a brilhar. Tanto a (ex)esquerda como o neoliberalismo autêntico, encontram-se despreparados perante o choque cultural da recaída racista, anti-semítica, nacionalista etc, que os atinge. Os passos da critica, (também cultural), amplamente abandonados pela esquerda no vazio da existência da liberalidade em forma de mercado, estão sendo ocupados pela extrema direita. Reviver os velhos padrões sexuais e representações coercitivas e autoritárias é uma reação ao fato de que a mônada da autovalorização não representa uma existência sustentável. Não é com certeza um "roll back", que se esboça, mas o violento autoritarismo ‘‘masculino" que reaparece na forma selvagem. Também os novos incendiários da morte não podem mais marchar em forma ou se alinharem.

Isto não é com certeza nenhum consolo. A sociedade de mercadoria em decadência não pode mais ser ‘‘comprimida’" no ‘‘espartilho’’ geral de um Estado ditatorial orgânico, mas nos seus poros prolifera (como um tumor) os pústulas da violência racista, de terror de rua, da fúria sexual, da histeria anti-feminista e do deboche do homem. Isto é somente o desprezo inconsciente e desesperado da massa de excluídos sociais, que se expressam em tais formas. Com isso se explicita o abandono cultural dos sujeitos de mercadoria. Não existe uma cultura própria capitalista porque a abstração real da mercadoria e do dinheiro em si são totalmente privadas de conteúdo. A aparência da cultura só poderia ser mantida na tensão entre o sistema de mercado e, a cultura do cotidiano – pré e não mercadoria – que se dá num processo de ascenção, na sociedade de mercadoria. O último nível de desatamento do sujeito de mercadoria deixa qualquer forma de cultura para trás, porque ela não produz qualquer critério ou sensibilidade de conteúdo ou qualidade.

Culturalmente, a terceira força se torna uma necessidade de sobrevivência, porque o conflito entre o liberalismo e autoritarismo no fundamento da moderna sociedade de mercadoria se esgotou. A luta do gênero não pode mais ser solucionada se não se criam novas formas de cultura de convívio que resistam à exigências inumanas e desumanizadoras da lógica da mercadoria. Todas as reivindicações por um novo modo de vida e trabalho, as idéias alternativas, a crítica do consumo e das necessidades, as novas formas de educar e morar, além do capitalismo e socialismo de Estado, dos anos 70 e começo dos 80, não estão de forma alguma ultrapassadas. A terceira força, na sua limitação e até mesmo na ridícula reforma de vida e na sua mesquinha forma de aparência, não levam a nada. O seu fracasso na "primeira tentativa", não a desmentiu definitivamente, porém exige um novo contexto para um nível de reflexão mais elevado. Novos movimentos sociais, por esgotamento ideológico e político do movimento pela paz, o movimento verdade e parte do feminismo se engajaram apressadamente na "vitória" da sociedade de mercado ocidental ou aceitaram resignadamente. O estado de suas relações não permite que seu desenvolvimento chegue a um fim.

A nenhum dos lados do conflito, imanente à modernidade produtora de mercadorias, pode ser atribuído uma função emancipatória. Tampouco, a caridade do trabalho voluntário entre as frentes da barbárie, pode ser a consequência, nem sequer a frágil concepção de "não-interferência" ou da coluna humanitária da reparação, mas a libertação do pensar e do atuar político, social, econômico e cultural das decisões, de uma falsa forma de socialização inesgotável e ininterrupta. Tertium datur.

Publicado em Caderno Prudentino de Geografia, no. 18, Julho de 1996. Presidente Prudente: AGB, 1996.

Tradução Claudinei Lourenço. Revisão: Jayro Gonçalves Melo.

Original alemão Die dritte Kraft publicado em "SINN UND FORM - Beiträge zur Literatur
Herausgegeben von der Akademie der Künste" 2/93 (Março de 1993)
http://www.sinn-und-form.de/index.html

Versão italiana La terza forza em http://materialiresistenti.clarence.com/archive/008652.html , Abril de 2003

http://www.exit-online.org/

http://obeco-online.org/