A REVOLUÇÃO DAS BOAS MANEIRAS

Rotulação fraudulenta e fraude de entoação no novo kitsch da consternação e culto do ressentimento da "Krisis" e da "Streifzüge" – Sobre a génese de um conflito relacional exemplar.

Robert Kurz

Resumo:

Observação preliminar - Conflito de conteúdos e Conflito relacional. Um caso para a falta de conceitos burguesa - Coitados de nós patogénicos! O desabrochar do ressentimento anti-teórico no contexto social da própria elaboração teórica - O igualitarismo forçado da horda de irmãos e a ilusão do teórico colectivo - Pequeno aparte sobre os cães de combate - Bodes expiatórios e mulheres de armas – Eu é um outro: "auto-reflexão" instrumental – Édipos à moda bacana – Kitsch de consternação e falsa imediatez – O Biedermeier(1) da precarização – Canibalismo intelectual

Observação preliminar

Correu palavra, no seio das faunas de esquerda, de que o grupo da "Krisis" fora objecto de uma cisão. Tirando proveito de estruturas jurídicas formais, uma determinada camarilha pôs na rua o fundador do projecto e alguns dos que até à data foram as suas autoras e os seus autores principais, ignorou a vontade da maioria da redacção, fez valer deste modo uma pretensão de poder ordinária e usurpou o rótulo da "Krisis". Essa camarilha tem atrevimento que chegue para querer suscitar a aparência de estar a prosseguir o projecto da "Krisis" sem qualquer ruptura. Em boa verdade, o contexto que correspondeu a esse rótulo deixou de existir. Trata-se de um caso cristalino de rotulação fraudulenta. Aquilo que perfazia a substância teórica da "Krisis" é representado, decisivamente em termos de conteúdos, pela nova revista teórica EXIT, sendo levado mais longe que as velhas posições da "Krisis" que, em alguns autores, ainda sob muitos aspectos se mantinham apegadas a um universalismo objectivista e androcêntrico. A "Krisis" residual, pelo contrário, fez com que a dinâmica da elaboração teórica crítica do valor e da dissociação se detivesse no limiar de uma crítica radical do chamado Iluminismo e do sujeito masculino, branco e ocidental (MBO), a fim de enveredar pela via de um superficial populismo de movimento com traços de uma imediatez traiçoeira. Os dois projectos não tardarão a desenvolver-se em sentidos diferentes.

Esta ruptura produziu-se de uma forma surpreendente para muitos, mesmo entre os pertencentes a um círculo mais restrito. Em jeito de autocrítica há que admitir que o conflito, latente já de longa data, não foi posto em evidência a tempo. As dissensões foram sucessivamente varridas para debaixo do tapete a fim de se manter a coesão. Neste âmbito também ficou por clarificar a relação entre diferenças de conteúdo e conflitos relacionais induzidos pela dinâmica de grupo. A mesma camarilha que, com meios sujos, usurpou o rótulo da "Krisis" não obstante representar uma minoria (o que de nada lhe servirá), agora tenta aproveitar esta falta de clarificação para encobrir a sua actuação, ocultar as dissensões e pôr a seu serviço o "poder dos factos" que ela própria criou.

Existe, devido à falta de clarificação do conflito, toda uma série de gente que (verdadeira ou supostamente) "ficou apanhada no meio", que se sente próxima do projecto crítico do valor e da dissociação, que no fundo nem está interessada em entrar nos pormenores das dissensões e que mais gostaria de restabelecer a "Paz" e a cooperação objectiva com base na separação ora estabelecida. Isso, no entanto, não passa de uma ilusão. Pelo seu modo de proceder, essa camarilha não só efectuou uma ruptura irreversível, como também tornou absolutamente impossível qualquer espécie de relação objectiva ou mesmo cooperação. Depois de semelhante acto ninguém passará à ordem do dia objectiva, em nenhum contexto, em parte alguma. Os falsos anjos da Paz tendem a minimizar a ruptura realmente operada, a expulsão e a lógica da desforra que objectivamente se encontra consubstanciada na mesma, a fim de supostamente salvarem a "causa da crítica do valor" em detrimento de um dos lados (o nosso).

Somos chamados a prescindir de renovar a legitimidade ferida, o que afinal apenas é possível pela deslegitimação total da camarilha usurpadora. Tudo teria sido diferente se essa gente, com base em diferenças de conteúdo específicas, tivesse deixado a maioria da redacção e a "Krisis" enquanto rótulo para iniciar um projecto próprio. Nesse caso, sim, poder-se-ia falar em "coexistência pacífica" etc. No entanto, eles impuseram com os piores meios, tanto ilegítimos como até formalmente ilegais, uma pretensão de poder nua e crua contra a maioria da redacção e do círculo de coordenação; não se foram embora, mas atraiçoaram os outros e, por assim dizer, correram com eles à paulada. Quem efabula, apoiado nesta "base", sobre objectividade, cooperação etc., não sabe de que está a falar.

Em especial há quem se mostre desolado com o facto de também terem sido tomadas medidas jurídicas contra a política de poder vil e intriguista da "Krisis" residual ora existente, já que, em sua opinião, entre gente de esquerda tal constitui um comportamento muito grave e "burguês". É realmente ultrajosa a forma como aqui se estabelece a confusão entre a causa e o efeito. Os usurpadores apenas passam a sentir na própria pele a natureza da sua própria actuação. Foram eles quem procurou refúgio no plano formal do direito civil e, ao fazê-lo, cometeu ilegalidades imanentes. Esses indivíduos não nos expulsaram em vão; terão de pagar o preço da sua acção com todas as consequências. Todos os que supostamente "ficaram apanhados no meio" e que querem impor-nos a nós, aos expulsos, que sejamos humildes, aceitemos o abuso, sejamos "conciliantes" e objectivos, outra coisa não são senão cúmplices dos prevaricadores que pretendem transformar em vítimas.

Isto apenas demonstra quão hipócritas são os supostos esforços de mediação. Aqui nada resta a mediar. A exortação no sentido de tolerarmos a actuação dessa camarilha e mostrarmos em termos "objectivos" o que nós próprios ainda poderíamos contribuir para a crítica do valor que é pressuposta como continuando a ser uma causa comum passa totalmente ao lado da causa em questão. Já não existe qualquer assunto comum e, por isso, também não existe qualquer motivo para se falar em objectividade. Antes está na natureza da própria "causa" quebrada que a auto-afirmação de uma crítica do valor e da dissociação prosseguida requeira em todos os aspectos uma delimitação polémica face à "Krisis" residual e aos respectivos amigos. Tal diz respeito tanto às diferenças de conteúdo que sistematicamente foram minimizadas e escamoteadas por essa gente, tendo sido "resolvidas" de um modo puramente administrativo, como à própria forma como o conflito se desenrolou. Neste âmbito há que empreender a tentativa de explicar o que por ora permaneceu por esclarecer. É que os usurpadores não foram capazes de explicarem o seu próprio modo de proceder. Aquilo que oferecem em jeito de explicação não apenas é uma mentira pegada, como igualmente peca por inconsistência.

Também há que caracterizar o entrosamento entre os conflitos relacionais e os de conteúdos. A dificuldade de lidar com semelhante temática requer uma caracterização em dois textos diversos. O texto que se segue centra-se no plano relacional, nas formas de relacionamento e constelações da subjectividade burguesa. Um segundo texto versará a dissensão teórica quanto ao conteúdo no plano conceptual e cognitivo (com os tópicos universalismo androcêntrico e redução da teoria da dissociação, objektivismo, redução da crítica do Iluminismo e do sujeito, minimização objectivista do antisemitismo, apologia do sujeito de circulação e da sua pretensa "objectividade" etc.).

É necessário sujeitarmos a uma análise crítica o desenvolvimento do projecto crítico do valor e da dissociação ao longo de um período de quase década e meia e até à ruptura, e tal requererá uma abordagem algo extensiva. Depois pode chegar o fim, mas esse não será conciliante. O novo projecto EXIT evidentemente não fará a sua ocupação prioritária da "Krisis" residual mas levará a teoria crítica do valor e da dissociação para além da fronteira, perante a qual essa gente se deteve. É, também por isso que os textos respeitantes ao trabalho de análise crítica do conflito não serão publicados na revista teórica mas, sim, na nossa página de Internet. A intenção é estarem acessíveis a todos os interessados, mas sem sobrecarregarem o periódico dirigido a um público mais vasto.

Além disso, os textos não devem ser entendidos como documentos oficiais emanados dos grémios da EXIT (que também ao nível da sua composição ultrapassaram o velho contexto da "Krisis") mas, sim, como tomadas de posição pessoais que são da exclusiva responsabilidade do respectivo autor. Assim sendo, ninguém tem de identificar-se com todas as formulações, embora a sua acutilância corresponda ao estado de alma de muitos que seguiram ao vivo a actuação da dita camarilha. Entende-se por si que, em toda a sinceridade, uma semelhante ruptura não pode ser assimilada sem qualquer emoção, e que esta tem de resultar tanto mais intensa quanto uma pessoa esteve directamente envolvida nos conflitos. A forma linguística do panfleto puro e duro é aqui a única adequada e, de resto, é perfeitamente legítima. Também não hesito em chamar-lhes textos de ajuste de contas, o que poderá causar alguma agitação artificial às tenras almas dos idólatras da objectividade. Mas há contas a fazer. Tal constitui uma exigência da própria causa que os falsos amigos da pacificação apenas não querem enfrentar.

Conflito de conteúdos e conflito relacional. Um caso para a falta de conceitos burguesa

Quem teria pensado que a crítica do valor é sobretudo uma coisa que é declaradamente simpática? Simpáticos colaboradores provenientes do contexto da "Krisis" descobriram um belo dia que a elaboração teórica crítica ocorre invariavelmente no contexto de relações pessoais. Daí resultaram algumas conclusões informais para a perspectiva ulterior. É que o plano relacional gosta de ditar ao plano do conteúdo o que há que pensar. Não há nada a fazer, dentro desta perspectiva, pois é essa a forma como o espírito do tempo costuma de se impor por osmose. E foi por esta ordem de ideias que um determinado grupo de pessoas da antiga revista teórica "Krisis" em torno de Franz Schandl, Norbert Trenkle e Ernst Lohoff se achou a si próprio simpático quanto baste, ao passo que considerou outro, no qual se incluíam sobretudo Robert Kurz e Roswitha Scholz, "aflitivamente" antipático. As relações tornadas negativas entre determinadas pessoas no seio de um grupo informal dedicado à elaboração teórica crítica serviram de pretexto, não só para operarem uma ideologização dos próprios conflitos relacionais, mas também para se arvorarem em juízes em causa própria.

O resultado lógico foi uma espécie de revolução blanquista das boas maneiras. Para tal foi suficiente que a maioria da redacção e dos apoiantes activos fosse afastada, com recurso a uma "torpe intriga" (Katrin Lange) e a dois compinchas da direcção da associação, à maneira de um golpe de estado ou de uma limpeza partidária, a fim de transformar a "Krisis" em uma associação chique e simpática dos pés à cabeça e dedicada ao aprumo do trato mútuo; os golpistas ainda foram secundados por alguns outros apóstolos das boas maneiras do panfleto esquerdista de Viena chamado "Streifzüge".

Querer compreender o pano de fundo variado desta ruína humana e intelectual apenas pode significar tematizarmos esse tal plano relacional e os respectivos potenciais de conflito. Todo o conteúdo tem uma forma, e esta, por seu lado, abarca o referido conteúdo. Uma crítica do conteúdo não é possível se a própria forma não se tornar o conteúdo da crítica; e não só a forma de reprodução objectivada da socialização do valor, mas igualmente as formas de trato e de relacionamento pretensamente imantenes que a ela se encontram associadas. A forma do sujeito masculina, branca e ocidental (MBO) é suficientemente pérfida para ser capaz de se mascarar como a sua própria crítica. Por isso é bem possível que uma elaboração teórica crítica, radical no sentido puramente cognitivo, se transforme no seu preciso oposto por fracassar devido ao facto de a constituição dos sujeitos e as formas de relacionamento burguesas devorarem o conteúdo anti-burguês. É disso que a revolução das boas maneiras na "Krisis" e na "Streifzüge" oferece um testemunho de especial mau gosto.

Ora, a representação do que aqui se passou defronta-se com um problema. É que o aparelho conceptual disponível, os padrões interpretativos, os hábitos de recepção e de leitura, opõem-se à real unidade entre o plano do conteúdo e o plano relacional. Tal como os conteúdos são determinados pela forma e a própria forma é um conteúdo sui generis, também as relações sociais e pessoais constituem um conteúdo específico, sendo, por seu lado, determinadas pela forma sob muitos aspectos (se bem que não totalmente); e aqui se incluem as contradições daí resultantes.

Contendas e rupturas motivadas pelo conteúdo nunca acontecem sem contendas e rupturas no plano relacional pessoal, social e institucional. Uma coisa resulta da outra; as diferenças quanto ao conteúdo conduzem a rupturas pessoais, mas também no sentido inverso aversões e idiossincrasias pessoais podem transformar-se em diferenças de conteúdo e, ainda assim, ser mais que um mero disfarce de uma psicodinâmica, ou seja, bem podem manifestar e expressar uma oposição "objectiva". Ao mesmo tempo há que reter que também as aversões etc. nem sempre são de uma índole "puramente" pessoal, encontrando-se antes sempre mediados com momentos de uma generalidade formal social; na socialização do valor, evidentemente sobretudo com relações concorrenciais.

Se já de si seria difícil trazer-se as complexas relações de mediação existentes nesse contexto para um único plano de representação, tal é quase impossibilitado, mesmo como postulado ou tentativa, pela estrita dicotomia sujeito–objecto da consciência moderna, constituída sob a forma do valor. Tal também implica, entre outros, uma rigorosa separação entre os planos do conteúdo e relacional. A forma social geral de todos os conteúdos e relações constitui o pressuposto tácito, de certo modo o "saber implícito", ao passo que de resto ou se vai "ao assunto" ou "ad personam". A isso corresponde uma separação entre a literatura técnica e a "literatura relacional". Na representação de contradições e contendas objectivas, de conteúdo, o plano relacional (pessoal) costuma ser sistematicamente ignorado. As situações e os conflitos relacionais podem apenas ser representados, por exemplo, sob a forma de um romance ou de um estudo casuístico psicológico. Somente em um plano de abstracção elevado, onde já não aparece qualquer indivíduo real, o próprio problema relacional pode converter-se em conteúdo e tornar-se "objectivo" ou "impessoal".

Por isso cheira a algo de indecente e indecoroso que se tematize, na mesma representação, os planos do conteúdo e relacional até descer a tematizar os indivíduos realmente actuantes e aos seus conflitos pessoais. Tal se aplica sobretudo aos contextos da elaboração teórica crítica. Certamente também é legítimo que uma pessoa, a fim de conseguir orientar-se numa contenda teórica, não queira propriamente ser incomodada com informações sobre os horripilantes hábitos sexuais ou alimentares dos implicados. Acontece que, no que diz respeito ao plano relacional ignorado, não se trata tanto de conversas sobre segredos de cozinha ou de alcofa, mas do plano em que o geral e o especial/individual, o social e o pessoal que não se encaixa neste último, se tocam e entrelaçam. No entanto, é precisamente este o plano para o qual não está prevista qualquer possibilidade de representação, no contexto da dicotomia burguesa.

Talvez uma parte fundamental da superação da consciência constituída sob a forma do valor também consista em quebrar a separação entre os planos do conteúdo e relacional, entre a representação objectiva e a análise relacional, sem por isso cair na bisbilhotice. Em todo o caso torna-se evidente que a crítica da forma do valor, teórica e referente ao conteúdo, não pode prescindir da reflexão sobre as situações relacionais (também pessoais) em que esta crítica ocorre. Tal refere-se tanto às formas institucionais como ao problema da forma de mercadoria da teoria crítica no seu modo de mediação social, às relações concorrenciais e entre sexos que a tal se encontram associadas, assim como às secretas criações ideológicas no terreiro da própria crítica ideológica em mediação com os pessoalmente implicados. Exactamente os subtis processos que neste contexto se desenrolam, voltando a submeter a crítica do conteúdo novamente aos ditames da definição formal universal tácita, não deixam de englobar as pessoas actuantes, como indivíduos que assimilam de um modo bem determinado o entrosamento entre os planos do conteúdo e relacional.

A cisão do contexto da "Krisis" é, neste aspecto, exemplar, precisamente porque a iniciativa crítica do valor se aproximou do cerne do sujeito da Modernidade e, assim, também libertou um potencial explosivo no plano relacional pessoal. No entanto, logo que se trate de tematizar este contexto, também já não pode existir qualquer "objectividade" burguesa. À revolução das boas maneiras da "Krisis" que, de um determinado modo profundamente ideológico e auto-apologético, por seu lado tematizou a relação entre os planos do conteúdo e relacional, apenas se pode responder com uma polémica que, juntamente com a hipocrisia deste tipo de tratamento afirmativo, também não poupa os personagens que a tal se prestaram.

A graça desta revolução das boas maneiras consiste precisamente no facto de se operar com uma concepção traiçoeira e irreflectida da "objectividade", a fim de transformar necessidades concorrenciais e de delimitação que, em boa verdade, são muito pessoais em uma invectiva contra a própria generalidade teórica. Se, portanto, no que se segue (mesmo que não exclusivamente) sempre de novo se levante uma polémica "ad hominem", tal é implícito à própria "causa" que neste plano não pode ser objectivada. Tal como a luta pela "produção da verdade" (Foucault) não pode ser dissociada das condições e determinações formais da socialização do valor, também não se trata de um assunto que possa ser resolvido de forma "objectiva" segundo os preceitos da pseudo-objectividade burguesa.

Coitados de nós patogénicos! O desabrochar do ressentimento anti-teórico no contexto social da própria elaboração teórica

Quando o sujeito burguês se apresta a amolar a catana da concorrência, recorda-se invariavelmente de que também ele é apenas o pobre diabo de um sujeito burguês que sofre com a sua subjectividade. E ele aponta, em um gesto introspectivo carregado de significado, o dedo a si próprio: "Que um mundo como este tenha de ser patogénico não é muito difícil de entender como um facto geral, mas já é muito mais difícil lidar com o facto de a patologia tratar de padecimentos de que nós próprios enfermamos, visto que ser-se ‘patológico’ é embaraçoso, ou pior: constitui uma grave fraqueza..." (Lorenz Glatz, Das Kampfhundsyndrom, in: Streifzüge 30, Abril 2004, p. 27). Por isso, sejamos um pouco fracos, e com muito gosto, admitamos encontrarmo-nos num estado patogénico, ou mesmo sermos patológicos.O primeiro a dar parte de fraco ganhou.

Afinal somos todos sujeitos burgueses incorrigíveis, não nos iludamos a esse respeito: "Não em último lugar penso deste modo porque me conheço um pouco a mim próprio e em tudo o que aqui escrevo também eu próprio me encontro atolado como prevaricador e vítima e procuro a libertação" (Lorenz Glatz, ibidem, p. 28). A gritante banalidade desta intelecção que não chega a sê-lo serve, no entanto, o único propósito de transformar os prevaricadores em vítimas; aqui, os prevaricadores relacionais do golpe de limpeza ocorrido na "Krisis", visto que a auto-acusação de Glatz se inscreve neste contexto claramente como um melífluo tratado legitimatório. A "libertação" que se procurou neste contexto foi, na realidade, a libertação dos outros que, na imaginação dos próprios, são menos simpáticas. E como é que uma pessoa, como sujeito prevaricador burguês, converte a auto-acusação apenas aparente na legitimação dos actos que perpetrou? Simplesmente procedendo discretamente a uma pequena modificação, visto que entre nós sujeitos burgueses alguns podem sempre ser rotulados como ainda um pouco mais burgueses e mais subjectivos do que outros, e estes "no fundo" arcam com todas as culpas, de modo que se pode proceder um pouco ou nada contra eles, com todas as boas maneiras.

Cada um adivinhe quem deve ouvir o seu veredicto. É o teórico e a teórica como crític@s radicais do intelecto normal burguês: "Assim o crítico, não obstante todas as suas intelecções do além, permanece subjugado pela sua sujeição no aquém (subjectividade) àquilo que apenas conhece de um modo geral" (Glatz, ibidem). Esta afirmação é um disparate completo. É que, no capitalismo, tão-pouco como em qualquer outra sociedade, não pode haver quem conheça as respectivas condições "apenas de um modo geral". Todos, na sua prática quotidiana, encontram-se enfiados até ao pescoço no mesmo lodo e correspondentemente todos se comportam em muitas situações de um modo menos simpático. O que distingue a teoria crítica que, segundo o seu próprio conceito, tem necessariamente de procurar o geral, do intelecto normal quotidiano é precisamente a reflexão "sobre" esse imundo quotidiano e as condições da sua constituição. Isso não faz d@s teóric@s pessoas melhores, tal como a miséria por si só não cria pessoas melhores. Mas isto não constitui um argumento contra a teoria e a sua generalidade. No entanto é exactamente deste modo que procede o lamento de Glatz sobre os desaforos da generalidade próprios da reflexão teórica que assim adquirem um sabor a indecência: "O analista pode ver o estado de coisas e os contextos e falar sobre os mesmos com acerto – e, ainda assim, deixar obscuro o padrão em si" (Glatz, ibidem, p. 27). O que é isso de "ver contextos" e de "falar sobre os mesmos com acerto", não é coisa alguma, visto que os analistas no seu próprio dia-a-dia não são tão clinicamente simpáticos em permanência como supostamente, no fundo, deveriam ser por força da intelecção. Em todo o caso é assim que opina o moralista superficial a custas alheias.

Este manhoso lamento é tão velho como o horror do intelecto quotidiano perante a teoria, que não tem qualquer "valor nutritivo", porque não oferece outra coisa para o progresso da prática de vida capitalista senão "tornar a ignomínia ainda mais ignominiosa" (Marx), pela sua representação e publicação reflexiva. E os analistas que "falam sobre (o assunto) com acerto", já que eles próprios como indivíduos não dão o exemplo de uma "nova socialidade" que, lá está, também apenas é possível em um contexto social, porque até às suas relações pessoais são afectados pela maquinaria da maldade recíproca, de repente são medidos por uma bitola que compreensivelmente não é aplicada aos normais. Não foi também esse Marx um compadre bastante desagradável no seu trato pessoal, não engravidou a empregada doméstica e insultou copiosamente os palermas bem intencionados? Para que havemos ainda de perder tempo com a teoria "abstracta" do capítulo do fetiche? Assim, por fim, tudo resulta em que a "intelecção do além" não seja entendida como um momento imprescindível da transcendência, mas de um modo pejorativo como mera auto-encenação daqueles que deverão ser tratados com mão pesada devido à sua "sujeição no aquém", já que se atreveram a assinalar o mal "no geral" e a retirar as devidas ilações.

Aqui se apela à simples e ordinária emoção anti-teórica dos adeptos da prática, também no seio do movimento; a profunda e ciclicamente renovada hostilidade à teoria da consciência espontânea e da crítica abusivamente simplificada do capitalismo. Na mesma medida em que a auto-reflexão afirmativa da socialização do valor se degradou em um positivismo que até se prolonga até ao interior de uma "crítica" ora desdentada, a reflexão teórica não só é desacreditada como "a palidez do pensamento", mas também como um espectáculo especialmente imoral. As teóricas e os teóricos são caluniados (precisamente em nome do "pessoal" irreflectido) como gente que "se arroga algo", que se "eleva sobre os outros" e que "se tratam e apregoam a si próprios como excepções ", sendo, portanto, os piores de todos os sujeitos. Quem trabalhar como teóric@ (necessariamente na forma negativa que o conceito do trabalho implica, como conceito de actividade genuinamente capitalista), esse, segundo o raciocínio de espuma à boca da emoção contra a "arrogante" teoria, "ocupa o seu lugar no além – e analisa a sociedade de preferência como se não fizesse parte da mesma... Quem pensar organizar a sua vida nesse lugar como se ele fosse real segue um pensamento erróneo, é para-noico" (Lorenz Glatz, ibidem, p. 27).

O que aqui deita a língua de fora não é outra coisa senão a incontida raiva dos normais contra os desaforos da generalidade teórica respeitantes à sua própria miséria pessoal; no entanto trata-se de uma raiva embrulhada em algodão oleoso, laboriosamente contida, que se dota de uma aparência especialmente hipócrita da meta-crítica, não almejando outra coisa senão a retirada do desaforo, uma vez que em boa verdade o que está em causa é o esforço por "organizar a sua vida" no seio da "sujeição do aquém". Neste sentido, a teoria é desde sempre "louca" e de facto "alheada da vida", precisamente porque dá uma expressão reflexiva à profunda estranheza desta "vida".

Acontece que a teoria crítica radical na verdade nunca constitui um "além" (etico-moral, normativo), tal como apenas acontece realmente em toda a teoria burguesa da "razão prática" (Kant), mas, pelo contrário, é sempre justamente o sofrimento com a "sujeição no aquém", o próprio e o alheio, e a com–paixão com a miséria de outros, cuja reflexão, contudo, desemboca necessariamente, e para já, em um "além do pensamento" (Glatz, ibidem), de onde a teoria depois tem de esforçar-se por mediar-se de volta à prática social – e, mais concretamente, de modo algum na mera responsabilidade individual d@s teóric@s, @s quais depois os normais irreflectidos podem acusar, com um sorriso torto, de inconsequência, mas como é sabido em um processo historico-social, em que têm de participar muitos momentos de mediação diversos, assim como os respectivos protagonistas.

A recriminação de que @s teóric@s queiram "organizar a sua vida" num além feito de abstracções, porque a sua vida individual simplesmente conduz inevitavelmente a exercerem nesta esfera uma "prática teórica" secundária com o mesmo afinco e "profissionalismo" com que um sapateiro se aplica na sua oficina, implica uma apologia "da vida" para além da teoria, o que é, por seu lado, uma abstracção mal parida que, de resto, tradicionalmente costuma vir associada às ideologias de direita. A raiva ao teórico aprisionado "na sua ficção" (Glatz, ibidem) é a mesma raiva à "abstracção" que caracterizou as correntes anti-intelectuais do século XX. A verborreia de um senhor Glatz, aparentemente "crítico do valor", totalmente irreflectido precisamente a este respeito, apela a esta emoção negativa que apenas necessita de um pequeno empurrão para ir parar do teórico "alheado da vida", e mesmo supostamente "hostil em relação à vida", ao " intelectual desenraizado". Por muito que o senhor Glatz se revolte, ele esforçou aqui um padrão de pensamento que no seu âmago é de direita: o estereótipo do intelectual do asfalto que, com a sua pretensão conceptual abstracta, se arroga mais que ninguém face "à vida" e que apregoa a crítica emancipatória enquanto ele próprio é o mais sinistro de todos os personagens sinistros.

Talvez surpreenda à primeira vista que a raiva antiteórica e anti-intelectual se afirme, de um modo que nem sequer é muito discreto, num contexto da elaboração teórica crítica. No entanto, esta irrupção da hostilidade aos teóricos no próprio contexto da elaboração teórica, aqui sob o pretexto de uma tematização da "auto-reflexão" na realidade totalmente descontextualizada (o contexto real de todo o raciocínio com o conflito é totalmente eclipsado), certamente não é nada de novo; e não o é nem no plano das relações sociais, nem no plano do conteúdo.

A prática teórica não pode manter-se isolada como conteúdo puro. Como uma prática sui generis ela necessita de representação, de organização, de mediação etc. Um contexto teórico necessita, portanto, também de pessoas que, embora compreendam a necessidade e a importância da teoria, não sejam ou não queiram ser elas próprias em primeira linha teóricos no sentido mais restrito, tomando antes conta de determinadas tarefas, desde o tratamento editorial, a administração financeira, a actividade editorial, a técnica etc. até à distribuição e à organização de eventos. Para além disso, a prática teórica a bem dizer não se encontra hermeticamente delimitada. Uma pessoa não tem de ser um teórico profissional para, uma vez por outra, poder escrever um artigo teórico. Tal como acontece em muitas outras áreas, pessoas diferentes apresentam uma maior ou menor intensidade de ocupação teórica; existe uma literatura mais inovadora e outra mais secundária, recapitulativa, há transições fluidas para o jornalismo etc.

Tudo isto não é nada problemático enquanto os implicados se comportem de uma forma mutuamente solidária, em prol de uma causa comum, enquanto forem cientes das suas limitações individuais e capazes de contribuírem com a sua quota-parte respectiva sem problemas de auto-estima e sentimentos concorrenciais. Apenas num clima desta natureza podem ocorrer também desenvolvimentos individuais, afinal ninguém sabe a priori que ele ou ela agora está a "tornar-se teóric@" ou de outro modo produz textos de uma forma profissional, mas trata-se de processos de história de vida que se desenrolam no longo prazo.

No entanto, a relação torna-se contraproducente e mesmo destrutiva quando começa a instalar-se o ressentimento, ou seja, uma desvalorização hostil d@s teóric@s que resulta de uma problemática do valor próprio negativamente assimilada de outros intervenientes. Como em um contexto da elaboração teórica crítica está na natureza da coisa que a "produção teórica" ocupe o centro das atenções, pode surgir um complexo de inferioridade face aos produtores e produtoras mais activ@s que se converte em ressentimento. É precisamente esta a forma como a subjectividade burguesa começa a manifestar-se negativamente em semelhante contexto, voltando-se paradoxalmente contra a sua própria causa nos indivíduos.

No contexto da "Krisis", os sintomas desta reviravolta já vinham a acumular-se havia algum tempo, tendo também deixado rastos escritos. Assim lia-se em um papel do conflito com o projecto "Karoshi" (um magazine já há muito desaparecido, criado por gente saída da "Krisis"), de colorido pós-moderno, da pena de um dos protagonistas, sem quaisquer rodeios: "Há e houve, no entanto, também alguns, entre os quais a minha pessoa, que... sempre também sofreram com o facto de eles próprios não serem autores. Este facto perpetuou um certo sentimento de inferioridade e teve por consequência consideráveis sentimentos de impotência... Permanentemente acompanhava-nos o sentimento de não podermos contribuir com o nosso saber e as nossas experiências, porque não éramos capazes de o apresentar tão extensamente e por escrito " (Andreas Baumgart, Vorwärts damit alles beim alten bleibt? [Para a frente para que tudo permaneça na mesma?], documento interno da "Krisis", 1997).

Aqui já não temos que ver com a espontaneidade e a curiosidade da recepção teórica, já não com uma experimentação das próprias possibilidades em semelhante contexto sem olhar às "charts" e sem avidez de reputação, para se ver onde se pode chegar e o que uma pessoa talvez possa contribuir como indivíduo; antes aqui já se faz ouvir a lúgubre voz do ressentimento, que não se importa com o desenvolvimento próprio, mas que engloba a autoria de outros no olhar encarniçado da mónada do valor próprio. É este ressentimento o que, uma vez que se tenha criado, tem de envenenar o contexto da elaboração teórica, mesmo que inicialmente possa afigurar-se marginal. No entanto, mal este flagelo do ressentimento penetra no próprio processo da elaboração teórica, ou seja, também toma conta deste ou daquele produtor teórico, o conteúdo teórico emancipatório converte-se, no plano do "geral", ele próprio no reflexo contra o desaforo da generalidade: De um modo paradoxal, a própria teoria torna-se hostil à teoria e aos intelectuais. De facto isso é possível, pois tal como o ressentimento pessoal pode ser ideologizado, a própria emoção anti-teórica da consciência dos normalizados se presta à teorização. Na história moderna das ideologias, sempre foram intelectuais quem deu expressão à hostilidade face à teoria e aos intelectuais.

Pelos vistos na história da "Krisis" tinha sido alcançado esse ponto de viragem e, mais concretamente, foi-o definitivamente com o avolumar do ressentimento no círculo mais restrito dos próprios produtores teóricos, nomeadamente por uma desintegração das relações segundo o modelo da emoção burguesa comum contra a "existência intelectual", mediada por sentimentos concorrenciais e precisamente aqueles problemas de auto-estima que mais acima se denunciaram. Para o senhor Glatz, por exemplo, a (profissional) "arte de formular" (Lorenz Glatz, ibidem, p. 28) já a priori adquire o sabor e expõe-se à suspeição da maldade subjectiva específica no âmbito da "bellum omnium contra omnes" [guerra de todos contra todos] (ibidem); não há nada a fazer, que não se trata de uma arte que possa ser útil à crítica radical, mas supostamente apenas de uma espécie de arrogância daqueles que devido ao seu domínio se acham o máximo.

E eis que voltámos novamente à suposta "arrogância" d@s teóric@s; mas agora a pessoa-alvo é delimitada com maior precisão, uma vez que o pregador laico do ressentimento sabe onde pode encontrar o maior teórico e patife jornalístico: "Quando uma pessoa se vende bem com isso nos mercados (quer assim se chamem ou apenas assim funcionem), a tentação de ... se bloquear o acesso ao auto-conhecimento é tanto maior" (Glatz, ibidem). Não são, portanto, @s escribas teóric@s de um modo geral que enquanto pecadores contra a normalidade "da vida" devem ser afogados em verborreia, mas trata-se do sacana-mor que alegadamente "se vende bem nos mercados". E esse tem um nome, mesmo que não seja referido expressamente. É que no contexto do debate e jornalismo crítico do valor que até à data conhecemos à "Krisis" e à "Streifzüge" apenas existe um, sobre quem circulam boatos de "se vender bem nos mercados", e esse chama-se Robert Kurz. É precisamente este o alvo da subtil agitação do senhor Glatz, cujo tratado se insere no contexto (não identificado como tal) de uma determinada contenda interna, em cujo âmbito ele toma partido de um modo sinuoso e sibilante, sendo logo ele quem usa o falacioso tom de voz do pregador geral da cautela e da contenção.

Será que uma pessoa tem de se justificar face a esta torpe arruaça que se esforça por agradar ao preconceito dos palermas pseudocríticos? Teremos de chamar a atenção para o facto deste "êxito de mercado" apenas poder ser muito relativo, visto que a teoria não se vende em tiragens de bestseller, porque ninguém pode enriquecer com ela e @s autor@s, no mundo comercial da literatura, de qualquer modo são quem se lixa? Terá uma pessoa de explicar que, aos sessenta anos e após quarenta anos passados na esquerda radical pode contar com uma reforma abaixo do nível do rendimento mínimo garantido, contrariamente, por exemplo, à pensão de funcionário público de Glatz, professor de latim em Viena, e esta perspectiva de penúria não se pode alterar por uma existência como "jornalista livre (de direitos)"? Há algo de miserável em que o mero facto de os livros de um jornalista crítico do valor também poderem ser encontrados em livrarias comuns se transforme no pretexto para hostis insinuações de que há por aí alguém que "se vende bem nos mercados ".

Que a crítica radical, que hoje já apenas pode ser uma crítica do valor ou uma crítica da dissociação, tenha, ela própria, de assumir na sua representação a forma da mercadoria e integrar a circulação burguesa, é um paradoxo e um problema com necessidade de um aprofundamento crítico. No entanto não é este um problema que possa ser resolvido por um moralismo superficial e populista contra o "êxito de mercado". Não é o (suposto) êxito ou insucesso que pode ser o objecto da crítica mas, sim, a própria forma, em cujo interior ambos se verificam, e de onde uma pessoa não pode libertar-se com um salto na base duma decisão subjectiva. Também a impressão caseira de edições de autor em princípio não pode deixar de assumir a forma burguesa; e o facto de apenas se poder publicar a um nível amadoresco e dotado da mínima divulgação possível não é por si só "emancipatório". De qualquer modo a invectiva no contexto da "Krisis" contra a pessoa não grata Robert Kurz não consubstancia uma reflexão sobre a forma de mercadoria da teoria crítica e os constrangimentos, paradoxos, perigos etc. que a tal empreendimento se encontram associados, mas apenas a mobilização do ressentimento puro e simples contra "aquele que se encontra sob as luzes da ribalta" (mesmo que estas apenas se acendam para um público muito limitado).

A invectiva de Glatz nas páginas da "Streifzüge" contra o suposto "homem do êxito de mercado" publicístico é totalmente destituída de conteúdo; o seu objectivo não é uma reflexão crítica dos textos publicados (por exemplo a medida em que apenas teriam conseguido uma circulação mais ampla ao preço da sua corrupção), mas unicamente a mobilização de sentimentos de inveja: "O êxito torna-se o desespero sorridente de quem ainda está na corrida" (Glatz, ibidem, p. 27). Aqui já se torna evidente um princípio fundamental de todo o procedimento: Pensamentos e conceitos gerais da crítica emancipatória, por exemplo os dirigidos contra os destrutivos critérios de sucesso da socialização do valor, são transplantados para o contexto das situações internas de contextos da elaboração teórica crítica e ali são instrumentalizados para caluniar e denegrir pessoas de primeira linha da própria crítica do valor; uma instrumentalização devida inteiramente a motivos absolutamente anti-emancipatórios da concorrência e da luta relacional de gente com uma auto-estima diminuída que, em boa verdade perseguem elas próprias a cenoura do "êxito" e, ao fazê-lo, tratam aos pontapés a sua própria causa original (ou, no caso de Glatz, solicitamente secundam os que assim se comportam).

Este enviesado posicionamento das motivações fez-se sentir no contexto da "Krisis", ao longo dos anos noventa, não apenas em alguns não-autores ou autores ocasionais abalados por sentimentos de inferioridade, mas igualmente naqueles de entre os autores regulares que não se sentiram estimulados pelo avanço teórico e pelo "levantar voo" publicístico da figura proeminente Robert Kurz, mas relegados à "segunda fileira". Em paralelo com a primeira publicação de um livro crítico do valor acessível a um público mais alargado (Robert Kurz, Der Kollaps der Modernisierung [O Colapso da Modernização], 1991) também começaram a revelar-se naqueles que, na comunicação social burguesa, por vezes foram referidos como "colaboradores" da "figura orientadora", os primeiros traços de uma alcateia de lobos feita de homens devotos à ambição e à concorrência; tendência essa que iria reforçar-se cada vez mais para, por fim, destruir o contexto solidário e distorcer o conteúdo emancipatório da crítica do valor.

O igualitarismo forçado da horda de irmãos e a ilusão do teórico colectivo

No decurso dos anos noventa o descontentamento maledicente e latente daqueles elementos do contexto da "Krisis" que, eles próprios, bem quiseram e se esforçaram por converter o conteúdo da crítica do valor no seu capital humano no mercado das opiniões, mas que nesse esforço se sentiram marginalizados e "subvalorizados", afirmou-se em numerosos panfletos internos de maledicência, agitação e vómitos, dos quais apenas uma ínfima parte chegou aos nossos dias (quem haveria de guardar coisas dessas; quem é que se lembraria de ainda poder vir a necessitar de semelhantes recordações de má memória como documentos para a sua própria justificação). Os homens concorrenciais abalados na sua auto-estima, que já começavam a degradar o conteúdo cognitivo da crítica do valor no meio do seu conflito relacional, já há muito que tinham antecipado o objectivo de Glatz, que consiste no ressentimento. As crescentes invectivas contra a figura pública Robert Kurz transformada em objecto interno do ódio dirigiam-se tanto contra a quebra de um postulado igualitarismo de grupo por aquele que "levantou voo" como, associado a isso, almejavam a definição pejorativa da existência profissional intelectual (inalcançável para a maioria) para além do pequeno mundo da "Krisis".

O colectivismo de grupo como causa de atritos era, no seu essencial, proveniente de um entendimento trazido por arrastamento dos tempos dos grupos políticos, seitas e esboços de partidos de esquerda. A subordinação comum ao colectivo político já de si alienado como uma igualdade compulsiva, que sempre apenas reflectiu o programa secreto de toda a política moderna como modo de imposição da socialização do valor, nomeadamente a subordinação à generalidade abstracta da forma, constituiu-se nos programas de fim de linha de esquerda das comunidades forçadas políticas em formato de miniatura como última reedição da constituição burguesa. Sob as formas extremas da história da imposição do século XX o mote tinha sido: Tu não és nada, a tua classe é tudo (marxistas de partido); Tu não és nada, o teu povo é tudo (nazis); o partido tem sempre razão (transversal aos partidos). E afinal também é conhecida a velha história do conflito dos sociais-democratas entre a teoria de Marx (formulada de forma individual) e as necessidades imanentes capitalistas do aparelho partidário, ironicamente formulada precisamente por Friedrich Engels que, no fundo, constitui o primeiro "teórico de partido" no sentido abusivamente simplificante.

A razão de partido como fim-em-si, que ainda hoje se faz sentir nos partidos populares superficializados à moda positivista, reflectindo o fim-em-si irracional da valorização do valor, dirigiu-se desde o início contra a autonomia e o "levantar voo" da reflexão teórica e tentando cerceá-la, subentendo-se desde sempre um raciocínio como o citado de Glatz contra a "abstracção", "hostilidade face à vida" etc. da teoria.

O falso igualitarismo que é parte integrante desta constelação não é o de uma "associação de indivíduos livres" consciente de si mesma, mas não passa de uma expressão da individualidade abstracta, cujo reverso consiste na generalidade compulsiva da forma da vontade burguesa. É a igualdade que nasce da sujeição comum, em que todos por igual são meros funcionários da sua própria sociabilidade exteriorizada e objectualizada, que lhes é imposta na forma política. Este falso igualitarismo dos "soldados partidários", que é forçosamente inerente a toda a política activa como uma esfera funcional da socialização do valor, reproduz-se num contexto de elaboração teórica que originalmente tinha nascido de forma natural segundo a matriz do modo de organização político de uma forma igualmente natural, por assim dizer como falso igualitarismo de "soldados teóricos". Era neste sentido que por exemplo o autor da "Krisis" Ernst Lohoff, para se demarcar de Robert Kurz, gostava de se designar como "jogador de equipa"; tal constituía uma chamada de atenção clara para a colectividade masculina forçada no seio da forma quasi-política. Evidentemente esta formulação constitui uma agudização polémica que, no entanto, vai ao âmago da questão.

Esta leitura também não é alterada pelo facto de que, no contexto da "Krisis", o conceito do político já tinha sido submetido a uma crítica fundamental no plano cognitivo do conteúdo e a forma do partido político tinha sido repudiada, e mesmo as repercussões da forma política tinham sido problematizadas como uma espécie de caricatura a preto e branco. Ainda assim, o igualitarismo negativo do grupo político permaneceu activo de forma subcutânea, nas referências identificativas e emocionais, assim como nas situações grupo- ou psicodinâmicas. De resto realmente assim é, que um contexto radical autónomo da elaboração teórica crítica sob muitos aspectos ainda tem de se comportar de uma forma quasi-política, por exemplo no sentido de uma "política teórica" ou de um comportamento estratégico com relação às faunas de esquerda, às correntes oposicionistas sociais etc. Esta referência, porém, não deve ser confundida com a elaboração teórica propriamente dita, que obedece a leis completamente diferentes e se verifica em um Modus diverso. No entanto é precisamente esta confusão que ocorre quando se trata de vincular a prática teórica enquanto tal ao falso igualitarismo de uma colectividade de grupo.

Mesmo que não tenha sido admitido: No grupo original de Nuremberga da "Krisis" transparecia crescentemente no descontentamento latente daqueles que se sentiam marginalizados, o padrão de no fundo invocarem contra o produtor teórico e publicista que "levantou voo" o igualitarismo negativo do colectivo do grupo, mesmo que tal atitude apenas servisse para encobrir sentimentos concorrenciais ordinários. O dito igualitarismo também é negativo no sentido de em última análise conduzir a que se cerceie e limite a "demasiada" produtividade do escritor que cresceu para além do estreito âmbito do grupo, obrigando-o a regressar à reduzida escala da discussão colectiva limitada e vagarosa e ao passo acertado da "tropa" que pretende ditar a velocidade a cada um dos elementos que a compõem.

Em termos de política teórica poder-se-ia identificar aqui a ilusão do "teórico colectivo"; este não passa de uma ilusão porque assim a elaboração teórica enquanto tal é enquadrada à força no modus político, com o que é negado o seu modus próprio. O resultado só pode ser contraproducente. Em termos de psicologia social ou grupo e psicodinâmicos poder-se-ia falar de uma espécie de "horda de irmãos" que se reúne de um modo igualitarista forçado contra o"pai" ou "irmão mais velho" que "levantou voo", se elevou acima do colectivo bonsai, sendo imoralmente produtivo e jogando noutra liga no que diz respeito ao público, a fim de o fazer regressar à força ao seio do colectivo forçado ou eliminá-lo.

A horda de irmãos do falso igualitarismo no contexto da "Krisis" ocasionalmente também referiu os seus motivos sem grandes rodeios: "No início dos anos noventa, a quotidiana prática crítica do valor, para já, apenas se tinha alterado de uma forma essencial para (Robert Kurz). Ele quase que se tinha desdobrado, dedicando-se ao mesmo tempo à publicística e a actuações ao vivo segundo o princípio da inquirição e que, nos termos educados de Morbus Noricus, foram malentendidas como mediação de um para um 'da posição crítica do valor', para além do que ele escrevia os seus artigos para a 'Krisis' ... O facto da 'Krisis' constituir um empreendimento familiar não impediu ... a metamorfose da actividade crítica do valor em um empreendimento comercial e a dissolução do contexto nuclear em um conjunto de autores a escrevinhar cada um para o seu lado ... O empreendimento familiar com os seus atávicos sistemas de tabu e uma tolerância para a loucura individual (!) que vai até ao limiar da indolência oferece o espaço necessário para cada um tratar dos seus assuntos quotidianos sem ser incomodado podendo, ainda assim, participar de um certo calor de ninho" (Ernst Lohoff, Kairos, documento interno da "Krisis", Maio 2000).

Não será necessário decifrarmos o texto e o subtexto deste ataque; toda a gente sabe que "cada um" não representa outra pessoa senão o tal Robert Kurz que "levantou voo", cuja publicística imperdoavelmente deixou de se limitar à própria tasca, o que não é vivenciado como uma mediação para o exterior, mas como uma "ruptura da associação de irmandade" (Petra Haarmann), como "empreendimento comercial" no sentido pejorativo do ressentimento dos que ficaram para trás. A publicística e a produção teórica do foragido, que transvaza a própria loja, até se apresenta como "loucura individual", uma vez que destrói a ilusão do teórico colectivo.

A imaginação positiva do igualitarismo forçado da horda de irmãos acarreta necessariamente uma definição pejorativa da existência publicística; cospe-se veneno contra aquele que aparentemente de facto "consegue viver" da produção de textos, mesmo que seja à justa. O que na realidade é o próprio sonho que, no entanto, teima em não se cumprir, serve para fazer o processo àquele que "levantou voo" e o qual ora se pode recriminar de ter abandonado a horta da pequena existência de grupo, tendo "... adquirido uma certa posição de mercado" (Peter Klein, i.e. Bernd Suffert, carta ao grupo da "Krisis" de Nuremberga, Julho 2000). Perversamente alguém estaria a "ganhar dinheiro com a crítica do dinheiro" (Peter Klein, documento interno para o grupo da "Krisis" de Nuremberga, 2000). A contradição da existência determinada pelo capitalismo, que não tem solução imediata nem mesmo para teóric@s crític@s, transforma-se na apologia do intelectual de tempos livres que tem de fazer da necessidade uma virtude. É melhor que morra à fome quem ainda por cima queria ganhar o pão que come com a "arrogância da teoria", a ver se nenhuma exigência se eleva acima do nível amador.

Como alguém não quer ou não pode fazer da teoria e da publicística a sua principal prática de vida, pretende-se que tal também não seja lícito a outros, fazendo-se contrastar a teoria enquanto tal com a "prática de vida" da "actividade oposicionista": "Embora a confrontação com a crítica do valor tenha ... contribuído de uma forma decisiva para a desacreditação da prática corrente da esquerda, até à data ela não conseguiu franquear qualquer outra perspectiva em termos de prática de vida da actividade oposicionista – isto é, se ignorarmos o estranho desaforo da mutação num teórico a tempo inteiro" (Norbert Trenkle/Ernst Lohoff, Was heißt da Krisis-Kontext? [O que quer dizer contexto da Krisis?, in: Krisis 24, Bad Honnef 2001, p. 152). O facto de nem todos os receptores de teoria terem de se tornar teóricos eles próprios, de existir um contexto de mediação complexo entre a elaboração teórica autónoma e os movimentos sociais, e de a existência como "teórico a tempo inteiro", tal como qualquer existência profissional "a tempo inteiro" nos termos da reprodução sob a forma do valor, ter os seus momentos atrofiantes e compulsivos – estes factos não são problematizados de uma forma reflexiva, mas são instrumentalizados para se dar largas ao ressentimento: Como alguém se limitou a imaginar-se a si próprio, de um modo compulsivo, ambicioso e concorrente em elevadíssimo grau, no papel do teórico-mor, sem no entanto ter condições para se converter em um "teórico a tempo inteiro", a existência deste como "estranho desaforo" tem de ser, não reflectida no âmbito da sua problemática real, mas denegrida como uma espécie de crime contra a "prática de vida".

O carácter condenável de semelhante existência é, portanto, o de Robert Kurz na sua "existência como 'escritor profissional' e 'revolucionário profissional'..." (Peter Klein, carta aberta ao grupo de coordenação da "Krisis", 9.3.2004), cuja "publicística inflacionária" (ibidem) quase que sufocaria a "Krisis". A ilusão do teórico colectivo é agarrada custe o que custar na desvalorização furibunda do "intelectual profissional", cuja prática teórica, que transvaza a estreiteza da pachorrenta comunidade de discussão semanal, é denunciada com a afirmação de que aqui "alguns trabalhadores mediáticos e letrados particulares vão fazendo passar as suas histórias, mesmo que estas evidentemente tenham, por seu lado, a discussão geral como pano de fundo" (Ernst Lohoff, Kairos, ibidem).

Aqui fala a raposa que não chega às uvas e que, por isso, critica a sua acidez. Mas este pepino em molho de vinagre da frustração não se contém de chamar a atenção, com tanto ódio como possessividade, para o suposto facto da enorme produção de textos da "loucura individual" não ter "como pano de fundo" outra coisa senão a "a discussão geral" da horda de irmãos; ou seja: no fundo, tudo aquilo é nosso, no fundo nós, através da comunidade da horda, somos os "verdadeiros" teóricos, e o escritor profissional que levantou voo limitou-se a transformá-lo no seu "negócio" de "letrado particular". Para além do facto de aqui estar a falar o sentimento concorrencial, ele próprio destroçado pela ambição, também estamos perante uma minimização absoluta das fontes da inovação e da produção teórica, que em toda a regra costuma nascer antes de uma pesquisa persistente e do estudo de montanhas de materiais do que de pachorrentos círculos de discussão e sessões de grupo. A discussão costuma ser o segundo passo e geralmente se reporta a resultados que, por seu lado, não podem emanar de forma directa de uma discussão.

Mas também sob este aspecto o raciocínio dos pensadores em part-time não pode senão inverter os factos e declarar a própria limitação "verdade dos factos". O pálido "intelectual profissional" não só peca contra a bucólica "prática de vida" por fazer da própria teoria uma prática que preenche o horizonte da sua vida; afinal esse, segundo a rabulística auto-apologética da horda de irmãos, como escriba profissional que supostamente "crê ter de dançar em todas as bodas" (Peter Klein, carta de 11./12.2. 2004, publicado no grupo de coordenação da "Krisis"), nem sequer "aguenta... que a clarificação requer tempo " e que os "estudos e debates não (podem ser evitados)" (Peter Klein, ibidem). No fundo, o "escritor profissional" que participa em debates sociais será apenas "político", ao passo que os outros seriam donos da profundidade verdadeira: "Isto apesar de a minha abordagem um pouco mais minuciosa poder ser um correctivo útil para os nossos 'políticos' que, no calor da batalha, se deixam levar a esta ou aquela definição e formulação prematura" (Peter Klein, carta a Petra Haarmann de 25./26.1.2003). De tudo isto resulta, portanto, que o escritor profissional, no fundo, apenas pode ser um teórico muito duvidoso, uma vez que se encontra à mercê dos mercados e das lutas quotidianas, ao passo que os amadores involuntários se encaram como os verdadeiros teóricos de importância fundamental já apenas pelo facto de não permitirem que a teoria a tempo inteiro lhes estrague a sua "prática de vida" e de eles não "ganharem dinheiro" com os seus altos voos intelectuais. Assim quase que parece de uma "nobreza" especial ter-se uma relação para com a elaboração teórica de conceitos como talvez a tenha um farmacêutico de aldeia com a paleontologia como passatempo predilecto, ao passo que se pode torcer o nariz ao intelectual profissional que assim não passa de um nada nobre artesão. É que os reis da Filosofia hoje já não se encontram senão sentados na oficina mental de tempos livres.

É um misto de emoções anti-teóricas e de uma filosofia de vida hostil aos intelectuais de trazer por casa por um lado e de uma pretensão teórica desmedida, ela própria a cantar de galo com a sua suposta importância, mas impossível de cumprir, por outro, que aqui nasceu do cocktail de sentimentos concorrenciais, complexos de auto-estima e ambições frustradas da horda de irmãos da "Krisis". A vénia diante do senso comum de uma "prática de vida" atrofiada, enquanto ao mesmo tempo todos se asseguram mutuamente de um imaginário acervo de teoria de alto gabarito, tem de ser atraente para um meio de agitadores e heróis de taberna de esquerda que mais gostam de se sentir chamados para voos mais altos e que sempre tiveram vontade de cuspir na sopa do "VIP" Robert Kurz. Que alegria que agora a sua "própria gente" se atira a ele evidenciando exactamente os mesmos ressentimentos que os próprios já há muito que trazem no peito.

Mal a insurreição da horda de irmãos da "Krisis" contra o "escritor profissional" se tornou pública nos ambientes chungosos da esquerda alemã, não só pôde contar com a benevolência de todos os marxistas tradicionais, belicistas de esquerda e outros inimigos da teoria crítica do valor a quem a pessoa não grata Robert Kurz alguma vez tinha pisado os pés em termos publicísticos, mas consegiu igualmente acordar todas as fúrias de um pretenso igualitarismo de esquerda, que faz passar o pivete do colectivo por emancipação e que traz à sua frente a desconfiança carregada de ressentimentos contra a existência intelectual independente como a custódia de um comunitarismo atrofiado: "... aqui, em Robert Kurz, a reputação burguesa parece repercutir-se um pouco ou nada na sua mentalidade. Talvez o capital cultural acumulado da sua prolongada dedicação à escrita tenha produzido um pequeno proprietário particular que agora se debate pelas suas terras" (Willi Hajek, e-mail à lista Wak do opentheory, 11.4.2004).

Quem aqui diz de sua justiça, o pequeno proprietário particular de um marxismo assucatado e ferrugento que nem sequer tem cabimento na cinzenta literatura dos veteranos, pensa poder finalmente denunciar impunemente a "prolongada dedicação à escrita" de quem já não se limita a vender o seu peixe apenas nos pátios traseiros da fauna da velha esquerda, como "capital acumulado" de um "pequeno proprietário particular". Por esta ordem de ideias, agora toda a corja de génios frustrados da esquerda pode participar na caçada ao intelectual profissional. Deve ser precisamente isto que os tão voluntariosos como improfícuos auto-empresários falhados da sua própria incapacidade teórica devem ter entendido desde sempre por "emancipação social".

Pequeno aparte sobre os cães de combate

Os instintos mais baixos da subjectividade burguesa que tinham sido despertados pelas frustrações da horda de irmãos da "Krisis" tiveram de conduzir a uma reacção de rejeição social e, por fim, igualmente organizativa contra o organizador de "voltas extra" publicísticas que cada vez mais era ressentido como um corpo estranho. E sem que o objectivo do ressentimento organizado tivesse sido designado expressamente, em termos implícitos havia muito que era evidente: Há que privar o letrado particular e escritor profissional do "calor de ninho" da comunidade do grupo de que até à data ele ainda tem ilicitamente "participado". A insurreição da horda de irmãos contra a "figura orientadora" que imperdoavelmente se tinha elevado acima da situação relacional reduzida cedo se anunciou. O objectivo apenas podia ser a proscrição social do renegado que levantou voo para se retirar da comunidade da horda; a "limpeza" daquele que prevaricou contra o falso igualitarismo dos irmãos.

No entanto ainda passariam alguns anos até chegar a hora da verdade. Em primeiro lugar, "Kairos" (oportunidade favorável), na Primavera de 2002, dizia em última análise que havia, para já, de denunciar o intelectual profissional por ter tornado irrespirável a comunidade do grupo "Krisis" de Nuremberga. O facto de que, no mesmo acto, terem de ser abandonados também outros membros do grupo, foi aceite sem pestanejar: um sinal de que o igualitarismo e a aparente comunidade em boa verdade se referia exclusivamente a um grupo de irmãos reduzido e ambicioso que até hoje se imagina como sendo o "verdadeiro âmago" do todo, tratando todos os outros como peões ou como concorrentes; tal constitui um abandono completo da pretensão emancipatória no plano relacional, o que igualmente desmente o conteúdo crítico do valor.

A denúncia do contexto local do grupo de Nuremberga por parte deste pequeno bando que actua cada vez mais de forma mafiosa (ainda que a verdadeira mafia tenha um código de honra mais exigente) foi apenas o ensaio do verdadeiro golpe. Dois anos mais tarde, finalmente, pôde aproveitar-se a "oportunidade de ouro" de concluir o processo de afastamento e de expulsão a fim de definitivamente se livrar da mais odiada antiga "figura orientadora" (um conceito que, a bem ver, não é lá muito católico e que ainda terá de ser tematizado). Mais uma vez aceitou-se conscientemente o afastamento simultâneo da maioria dos elementos de apoio da redacção e do grupo de coordenação que até à data eram activos num plano supra-regional. "A Krisis somos nós", esta arrogante palavra de ordem que acompanhou o afastamento da maioria da redacção por uma espécie de golpe de estado revela todo o cinismo da usurpatória falsa comunidade de irmãos, o qual, no entanto, tem por base uma ampla perda do sentido de realidade.

As reacções da rejeição e dissociação organizada evidentemente não podiam ser justificadas aberta e honestamente com esses motivos reles que transpareciam de todos os poros dos documentos, e-mails etc. internos. O sujeito concorrencial burguês tem de se esconder a todo o tempo por detrás da máscara de uma falsa objectividade. Assim os irmãos intriguistas, ao prepararem o seu golpe absurdo, viram-se constrangidos a dotarem os seus motivos de uma fachada objectiva e inventarem um contexto causal pseudo-objectivo, com que se pretendia justificar oficialmente a limpeza do intelectual profissional.

A máscara desta objectivização viria a ser o postulado da própria chamada objectividade; e para esse fim a história da elaboração teórica da "Krisis" e das rupturas consumadas anteriormente no seu âmbito teve de ser reinterpretada: "Provavelmente ... a oferta de uma comunidade de identificação vinculativamente não vinculativa e portadora de uma missão face à história universal terá sido o único método pelo qual nessas condições concretas toda a bodega podia ser mantida junta. No entanto a este modo de proceder também se encontravam associadas consideráveis perdas por fricção. Tal evidentemente se aplica, para já, ao estranho modo como eram resolvidos os conflitos. Na mesma medida em que o ingroup progredia ao trabalhar para encontrar uma saída do marxismo clássico, ele afastava-se do sistema de referência original em que se tinham movido tanto os simpatizantes como o grupo teórico. No entanto, sob o signo do reducionismo aplicado ao conteúdo, as tensões daí resultantes não eram percepcionadas como o que eram, nomeadamente conflitos entre um dinâmico grupo de teóricos e um campo de receptores que segue outro ritmo; o facto de gente inofensiva continuar a defender as opiniões inofensivas que, havia um ou dois anos, também tinha defendido no nosso âmbito, tornou-se o pretexto para os elevar ao estatuto de ideólogos inimigos e os contemplar com um tratamento especial a condizer. Nos pobres seres que não nos quiseram acompanhar na libertação do marxismo do movimento operário foi executada a luta de distanciação histórica em termos mundiais de toda uma época, e todos os implicados, quando deram por si, viram-se metidos no meio de clássicas lutas entre duas linhas." (Ernst Lohoff, Kairos, ibidem).

A referência a um "reducionismo aplicado ao conteúdo" que não teria prestado a atenção devida às situações relacionais é, neste contexto, perfeitamente despropositada e serve unicamente para ser instrumentalizada para uma luta relacional num plano totalmente distinto, nomeadamente contra o intelectual profissional, ao qual havia que imputar qualquer crime a todo o custo. É para isso que agora devem servir os conflitos de desmame anteriores. Evidentemente é um facto que o caminho da elaboração teórica crítica do valor de certo modo se encontra pavimentado com cadáveres; é que, para se poder manter de todo esta abordagem contra as correntes predominantes da esquerda, não foram poucas as vezes que foi necessário proceder com alguma dureza. Até aos meados dos anos noventa sucederam-se, no interior do contexto da "Krisis" em gestação, várias ondas de conflitos violentos com diversos representantes de posições do marxismo tradicional ou do marxismo do movimento operário (não em último lugar no contexto da crítica radical do trabalho), em 1996/97 se desmamou o projecto "Karoshi", de contornos pós-modernos, e após o 11 de Setembro sucedeu, como dificilmente poderia deixar de ser, um conflito igualmente violento com os (poucos) simpatizantes do belicismo anti-alemão no grupo de coordenação da "Krisis".

Ora, é bastante absurda a ideia de que conflitos com posições teóricas, sobretudo "a luta de distanciação histórica em termos mundiais de toda uma época" (a do marxismo do movimento operário) devessem, por assim dizer, ser resolvidos unicamente com a época enquanto tal ou com as suas defuntas elaborações teóricas, e não igualmente com determinadas pessoas que, em termos identitários, continuam agarradas às mesmas de unhas e dentes. Pelo contrário, estes conflitos tiveram de ser conduzidos igualmente com determinadas pessoas, e tiveram de sê-lo necessariamente com paixão e ira; por um lado a fim de o novo conseguir afirmar-se, por outro, para defender o interiorizado antigo. Em especial nas lutas de separação de águas com o marxismo do movimento operário, conduzidas com representantes dessa espécie de carne e osso, a posterior horda de irmãos da "Krisis" (tal como aconteceu no conflito "Karoshi") tinha ela própria andado a cascar forte e feio. Anos mais tarde diziam ter descoberto de forma repentina que os anteriores adversários na realidade não teriam passado de "gente inofensiva com opiniões inofensivas" que teria sido alvo de um "tratamento" em tudo errado.

No entanto, e contrariamente ao que se poderia pensar, esta estranha intelecção tardia não é alardeada a título de autocrítica, mas é uma hipocrisia pura e dura com a finalidade de se "contar uma história", ou seja para, na acepção de Foucault, se dedicar à "produção de verdade", conferindo-se ao ressentimento contra o que "levantou voo" as honras de um conflito objectivo, em cujo seio o papel dos "bons" se encontra reservado para si e para os seus.

Foi, portanto, neste sentido que a horda de irmãos da "Krisis" adoptou uma história, retorcendo em seguida os factos dos conflitos anteriores de forma a se adequarem à mesma, e por fim apresentou tudo isso a um tribunal, de cuja presidência, já agora, também tratou de se encarregar. E esta história vai aproximadamente assim: Todos os conflitos dos últimos 15 anos no contexto da "Krisis" e na respectiva pré-história, tanto com os marxistas tradicionais como com os pós-modernos e os simpatizantes do belicismo anti-alemão, correram mal e ofenderam "gente inofensiva com opiniões inofensivas", e fizeram-no invariavelmente por uma única razão, nomeadamente porque havia quem "desnecessariamente" empolasse todos esses conflitos agudizando-os de uma forma polémica. Esse personagem evidentemente não teria sido outro senão Robert Kurz. A invectiva contra o intelectual profissional que levantou voo objectiva-se, portanto, e seguindo à risca o conceito burguês de objectividade, em uma invectiva contra o mau do polémico profissional que simplesmente teima em não ser simpático. Dito isto já nos encontramos a caminho da revolução das boas maneiras da "Krisis", cujo lema geral é que gente simpática não canta cantigas ruins.

A revolução das boas maneiras é, portanto, uma revolução dos bacanos militantemente simpáticos, como os quais os homens concorrenciais da horda de irmãos da "Krisis" se travestiram para serem em elevadíssimo grau portadores de uma simpatia crítica do valor entre eles e para com o resto do mundo. Tal apenas pode ser conseguido mediante uma delimitação colectiva relativamente à incarnação de tudo que é antipático, nomeadamente face à pessoa de Robert Kurz, que tem de ser transformada no porco relacional a todos os níveis para finalmente fornecer o motivo pseudo-objectivo para o saneamento e a reconstituição da falsa igualdade de grupo que já há muito tempo que tinha tomado a forma do desejo e, finalmente, da vontade.

A reinterpretação dos conflitos anteriores foi apenas o primeiro passo para se fazer da pessoa não grata do intelectual profissional uma espécie de monstro universal que governaria a "Krisis" com mão pesada, não admitindo qualquer contradição. Estas acusações, bem cultivadas ao longo dos anos e sempre de novo colportadas desde o interior do próprio contexto da "Krisis" por parte da horda de irmãos, começaram a convergir com os ataques vindos do exterior, da parte dos marxistas tradicionais, dos anti-alemães etc. que insultavam Robert Kurz de "estalinista" e meio nazi que desde sempre se teria "enganado no tom" etc. (qual será o "tom" que se deva aplicar aos partidários "de esquerda" das guerras imperiais de ordenamento mundial?). A pseudo-objectivação dos ataques interiores e a intensificação das invectivas vindas do exterior fundiram-se numa única denúncia política, cujo adensamento deveria por fim possibilitar o golpe real do saneamento. Neste âmbito, a tentativa do visado de trazer a convergência das acusações internas e externas à ordem de trabalhos da redacção da "Krisis" foi interpretada como prova da justeza dessas acusações para, por fim, se aproveitar para estender o golpe também à maioria da redacção.

A própria horda de irmãos de modo algum podia deixar de acreditar na história contada da sua "produção de verdade" para deixar de ser acessível a qualquer argumento em contrário vindo de terceiros. Assim, porém, tornou-se refém do seu próprio padrão legitimativo e viu-se forçada a desencadear uma inflação das boas maneiras prosseguida até enjoar, tal como um técnico de marketing que mesmo em casa já não consegue sair do papel que representa. A escalada das denúncias contra Robert Kurz transformou-se na escalada da ladainha das boas maneiras a fim de transformar a crítica do valor em uma espécie de espectáculo pimba da pachorra e da benevolência mútua. Havia que renegar de uma forma geral o "tom veemente" para se identificar de um modo igualmente geral com a velha palavra de ordem da imprensa de Springer: "Sejam simpáticos uns para com os outros".

Esta referência identificativa é tão destituída de conteúdo como o ressentimento que na realidade se encontra na sua base, dirigido contra o "êxito de mercado" daquele que "levantou voo". Ao serem descontextualizadas as acusações referentes ao trato no seio de determinadas contendas e ao serem dissociadas do seu contexto concreto e da real constelação do respectivo conflito, a (sem dúvida aceitável) crítica concreta do comportamento em determinadas situações foi substituída por uma exigência abstracta e geral de moderação em termos gerais a fim de fazer da veemência um mal geral, independentemente do contexto, e para generalizar da mesma forma a "crítica" da praxe dirigida contra a pessoa não grata visada.

Com base nesse postulado pôde, em seguida, ser construído, tomando como exemplo a pessoa do "ordinário" Robert Kurz, uma tipologia geral do mal na forma de relacionamento, para o que a suada pastoral do senhor Glatz teve, uma vez mais, oportunidade de fornecer os tópicos. Quem não só escreve demais, como ainda formula com acuidade e veemência, cometendo assim o mais grave de todos os crimes contra a pachorra burguesa, não se poupando nomeadamente à polémica, tem de ser denunciado publicamente: "a intelecção, a ciência, não desdenha formular-se no dia-a-dia banal como vitória na luta contra ignorantes e gente limitada que tem de ser livrada ao ridículo merecido " (Lorenz Glatz, ibidem, p. 28). E isso é grave, infringindo contra o amor católico do próximo, contra os costumes de mesa e o mandamento geral da educação, mesmo que se imiscua um ladrar pouco específico em prol das boas maneiras vindo da burguesia culta alemã e austríaca; acontece que em França e outros países o panfleto não deixa de ser um género literário há muito reconhecido.

O cavaleiro e salvador dos ignorantes e tapados também sabe delinear uma metáfora conveniente para a incarnação do mal no mercado da reles escrita profissional: "Para uma semelhante existência, o modo mais conformista do Eu se constituir é sob a forma do sujeito concorrencial com qualidade de cão de combate" (Glatz, ibidem, p. 27). Der cão de combate obviamente tem um nome, que mais uma vez é o mesmo de sempre, e o conceito fornecido por Glatz é recebido com gratidão pelos homens concorrenciais da horda de irmãos mutados em bacanos: "Tencionamos rejeitar clara e inequivocamente as formas burguesas do sujeito, sobretudo as dotadas de uma mentalidade de cão de combate" (Distensão e divisão na Krisis, declaração da nova redacção, 7. 4.2004). O facto de os autointitulados veterinários da subjectividade burguesa poderem entender como tal o golpe de misericórdia publicístico e organizacional desferido em Robert Kurz a fim de libertar o intelectual profissional do seu sofrimento com a existência de cão de combate nesse ponto já apenas podia ser entendido como um contributo à "salvação das almas" (Glatz, ibidem, p. 28).

As metáforas por vezes pecam por serem bastante inadequadas. Como é sabido, o sujeito burguês atravessou toda uma história de constituição e adestramento que Norbert Elias entendeu malentender como "processo civilizatório". E esta suposta afirmação da civilização teve precisamente a forma de o mundo burguês "rejeitar claramente a mentalidade de cão de combate"; no entanto, tal não se passaria minimamente no sentido de uma associação solidária de indivíduos livres mas, antes pelo contrário, como objectivação e escamoteamento da própria agressividade num tanto pior sistema universal de concorrência, em que a "bellum omnium contra omnes" [guerra de todos contra todos] ainda apenas se tornou real e totalitária – domesticada unicamente segundo os parâmetros funcionalistas do "sujeito automático" que tem por base. O cidadão tem de saber ser mau como as cobras precisamente com recurso a uma cortesia traiçoeira e a uma objectividade agressiva. Lá está que não são estas as qualidades do cão de combate, que não é capaz de se fingir objectivo, nem de apresentar a pior das vontades de ferir e destruir no simpático tom da boa educação. Se o compararmos com o formalmente cortês sujeito concorrencial, que mobiliza o seu instinto assassino através das próprias regras do jogo, o sincero cão de combate quase que representa um animal de estimação do jardim zoológico das festinhas.

E de facto a revolução das boas maneiras da "Krisis" não se desenrolou à laia de um ataque aberto de cão de combate mas, sim, sob a forma de uma refinada cabala de mesa de cervejaria – a qual, de resto, não fora preparada por disputas abertas, mas por intrigas e manipulações de bastidores em que os respectivos arquitectos começaram a construir uma imagem de vítimas; o maior talento do autor Ernst Lohoff, por exemplo, já desde há anos a esta parte consistia em saber-se retratar à mesa da cervejaria como uma pobre vítima de Robert Kurz. Um verdadeiro bode expiatório. É assim que funciona a simpática intriga em que se objectiva a "produção de verdade". E foi de modo idêntico que decorreu o acto do saneamento propriamente dito, nomeadamente recorrendo a uma instrumentalização do plano jurídico formal. Como a horda de irmãos, determinada a desferir o golpe decisivo, sabia que não iria encontrar ouvidos nem maioria junto dos apoiantes activos da redacção e do grupo de coordenação da "Krisis", ela aproveitou-se da relação não clarificada entre os grémios factuais, puramente informais, e a fachada formal da associação de apoio à "Krisis" para repentinamente poder, com a colaboração de dois dos três dirigentes da associação (meros cargos honorários sem qualquer relação com a elaboração teórica e a actividade editorial) arvorar-se em detentora do poder formal face á maioria da redacção.

Tal pôde ser conseguido unicamente através da relação local de mesa de cervejaria com esses "detentores de cargos" que ambos já há muito que se encontravam enredados nas teias da aversão pessoal ao intelectual profissional, tendo os seus motivos de queixa relativamente à falta de "objectividade" do escritor profissional: "Pois não quero negar que já há muito tempo cheguei a uma posição de distanciamento face ao teu tom (nos teus artigos e livros) que se me afigura tão excessivo e arrogante como as condições que deplora" (Peter Millian, dirigente da associação de apoio à "Krisis", e-mail endereçado a Robert Kurz de 19.2.2004). Quem aqui fala é o equilíbrio em pessoa, e um pouco também a "sensibilidade popular sadia", e aí qualquer dia havia que tomar medidas. O que poderia ter sido mais óbvio que conceder à iniciativa de saneamento da horda de irmãos uma bênção clemente e a autorização inesperada da direcção? E evidentemente não pode deixar de ser secundado pelo vienense pregador da corte das boas maneiras dos bacanos, o qual, por seu lado, considerou chegada a altura de passar à acção depois de um ou outro dos irmãos se lhe ter apresentado como vítima do sanguinolento cão de combate Robert Kurz: "Também quem se limita a aplaudir ou a sofrer, faz que não repara, banaliza, sente e exerce alguma cumplicidade, se empenha no apaziguamento ou fecha os olhos de uma das mil outras formas..., não deixa de participar nos abusos cometidos..." (Glatz, ibidem, p. 28). E lá está, alguma vez haveria que acabar de vez com os "abusos" do polemizador profissional pintados em cores garridas pela horda de irmãos; haveria que pôr fim ao "apaziguamento", à "banalização", e substituí-los pela "determinação" (Franz Schandl) de sanear a pessoa não grata e de o coro dos irmãos com as vozes melífluas tomar as rédeas do poder.

A confirmação deste procedimento por uma assembleia geral da associação de apoio à "Krisis" só podia ser uma farsa; não apenas por uma mera fracção do corpo associativo, reunida à pressa com base em critérios de compadrio e de uma provinciana lealdade de camarilha, ter sido chamada a participar na "decisão", mas igualmente devido ao carácter ilegítimo de semelhante procedimento em geral, onde meros receptores passivos (pouco mais que apoiantes-subscritores da revista teórica) deviam encenar um "tribunal popular" para decidir sobre o saneamento de determinados produtores de teoria e a sua privação da respectiva base editorial; e alguns pelos vistos se sentiram lisonjeados por poderem tomar parte neste jogo de poder e, de um modo especial, por verem aquele que "levantou voo" à mercê das suas más graças. Mesmo assim a acção ainda teria fracassado pelos votos da maioria dos associados presentes, se a horda de irmãos que tinha organizado esse espectáculo à moda de um sermão de Sexta-feira Santa não tivesse invocado de repente uma quantidade apreciável de "procurações" de associados ausentes; tal constitui um procedimento perfeitamente ilegítimo perante o direito associativo que por razões óbvias não tinha sido revelado antecipadamente – mas se alguém, em nome da revolução das boas maneiras, já tem de esforçar o plano jurídico formal, ainda assim não pode andar com o código debaixo do braço.

Com os meios de modo algum teóricos da intriga e da "votação democrática", ainda por cima falseada, a horda de irmãos assim se constituiu como detentora do poder puramente formal e exterior sobre o contexto da elaboração teórica crítica do valor, a fim de tomar de assalto o rótulo da "Krisis" e desapossar do mesmo o teórico profissional, juntamente com todos os outros (a maioria dos apoiantes activos) que não quiseram vergar-se a esta pretensão de poder. E tudo isto sem qualquer laivo de mentalidade de cão de combate, sempre pé ante pé como Deus manda e sempre a querer apenas o melhor para todos, mas lamentavelmente sem poder actuar de outra forma.

Apenas no momento do próprio golpe houve necessidade de se retirar a máscara por alguns instantes quando, no início de toda a acção, os senhores Schandl e Trenkle decretaram à estupefacta maioria da redacção, que tinha vindo preparada para uma disputa, mas não para uma acção musculada ao estilo de um tribunal popular, com invocação expressa do teórico do direito nazi Carl Schmitt, que no contexto da "Krisis" existia um "estado de excepção" que carecia de resolução; para tal, Robert Kurz e Roswitha Scholz tinham de abandonar imediatamente a redacção e o grupo de coordenação, e essa questão não poderia ser sujeita a votação porque de qualquer modo a redacção tinha acabado de ser declarada inimputável por força de uma decisão da direcção. Comentário de um observador independente: "A piada na invocação do decisionismo de Carl Schmitt parece-me residir no facto de a «decisão» segundo Schmitt ser uma do género que não podemos tornar plausível nem a nós próprios, nem aos outros. Até aí a referência está certa " (Martin Massip, e-mail endereçado a Robert Kurz, 30.4.2004).

A esta demonstração de força, infelizmente inevitável, no entanto logo voltou a suceder a simpatia burguesa simpática e sorridente. Os membros restantes da redacção, levados ao engano de uma forma grosseira, foram exortados a continuarem a colaborar em termos "objectivos", como se nada se tivesse passado; e para levar a simpatia ao cúmulo, logo deixaram transparecer que após o saneamento a comunhão dos críticos do valor finalmente poderia arrancar a todo o vapor e, a lágrima de crocodilo no canto do olho, que a hora era da atenção mais estrita ao conteúdo: "O facto de nos termos visto obrigados a resolver a disputa pela via democrática formal de uma assembleia geral custa a digerir a um contexto como o nosso e não deu prazer a nenhum de nós... No entanto tentaremos no futuro cooperar em termos de conteúdos com a nova revista que Robert Kurz se prepara a publicar" (Distensão e divisão na Krisis, declaração da nova redacção da Krisis, 7.4.2004). Bem, isso é mesmo simpático e engraçadinho constituindo a "distensão" mais doce desde os tempos dos Nibelungos. A gente só vos aldrabou um pouco e, pois bem, pôs-vos um pouco ou nada na rua, mas essa é afinal a melhor base para invocarmos, a tresandar de responsabilidade, a "cooperação". Como mastim, uma pessoa lamentavelmente não tem mãozinhas para juntar em prece de objectividade, conseguindo apenas imaginar a nuca da sua simpatia como candidata a mordedura fatal. Pois animais há-os de géneros diversos.

Depois de a horda de irmãos da "Krisis" ter feito desaparecer os seus motivos sob o manto da "produção de verdade", também se viu em condições para formular a razão da putativa "disputa" ao estilo de um local de recolhimento e encontro espiritual. Infelizmente foi assim, o que se há de fazer, "que sempre de novo se confrontaram ideias difíceis de conciliar, quanto à cultura da discussão interior e exterior" (Distensão e divisão na Krisis, ibidem, mantivemos a pontuação amadoresca do original). "Cultura da discussão" é aquilo que temos quando nada mais nos resta a dizer, no entanto com toda a simpatia e rejeitando qualquer mentalidade de cão de combate. Foi de uma forma quase que abnegada que trabalharam na reversão universal da escalada: "Antes de mais, Ernst Lohoff e Norbert Trenkle criticaram o estilo frequentemente exageradamente polémico de Robert Kurz..." (Reversão da escalada etc., ibidem). A Cruz Azul da cultura da discussão em plena acção. Afinal a moderação é a virtude cardinal burguesa. Nada deve ser "ser polémico em excesso", muuito menos a crítica da filosofia iluminista burguesa e da forma do sujeito masculina, branca e ocidental. Afinal tudo isto não passa de opiniões inofensivas de gente inofensiva. Ao estilo "polémico em excesso de Robert Kurz" já apenas pode ser oposto o simpático embrutecimento. É esta estratégia de embrutecimento que se faz passar por alternativa à estratégia da agudização e é promovida a "combate cultural" dos simpáticos contra os não-simpáticos no seio da "Krisis": "O conflito na «Krisis» denota sobretudo o carácter de um Clash of Cultures... O Clash of Cultures conduzirá ... a uma separação e a um desentrosamento das culturas" (Ernst Lohoff, Clash of Cultures, Documento apresentado à assembleia geral da associação de apoio à "Krisis", 28.3.2004).

Como se fazem as coisas bem feitas, Franz Schandl no-lo desvenda na revista não polémica em excesso de Viena "Streifzüge": "Queremos ser as duas coisas, afáveis na forma e incontornáveis no conteúdo. Uma pessoa não deve poder passar sem nós, mas também nos deve achar fáceis de digerir" (Franz Schandl, Incontornável, in: Streifzüge 30/Abril 2004). A digestibilidade geral é o critério d@s nutricionistas e do jornal de farmácia, e não da crítica radical. Da forma do sujeito não existe nenhuma saída cómoda e indolor com qualidade de aconchego ao preço da chuva para toda a gente que tenha uma módica quantia de boa vontade. Se a crítica do valor e da dissociação não tem efeitos inquietantes e provocadores ela não é o que diz ser. A ideia de que a ruptura ontológica deva ser pacífica e de digestão fácil é tão árida como os superficiais jogos de palavras de um Franz Schandl, que falhou uma carreira de publicitário tão medíocre quanto moderado da classe média da província austríaca.

O nivelamento da produção teórica à bitola igualitária à força da horda de irmãos corresponde ao nivelamento da "atitude", da forma da linguagem e do modo de proceder ao gosto das regras de comportamento burguesas da falsa moderação e contenção, isto é, ao código das boas maneiras do sujeito jurídico e de circulação. Requisito principal: "descontracção"; nomeadamente a pseudo-descontracção daqueles que têm de fingir. Deste perfil de requisitos adoptado contra o "cão de combate" e polemizador profissional da esfera de circulação capitalista resulta sem qualquer esforço adicional uma tendência para reduzir a crítica do valor e da dissociação a algo que a consciência mediana talvez ainda consiga suportar mesmo à justa, sem ter de abandonar o seu estado de agregação mediano. Uma moderação da forma sempre também se faz acompanhar de uma moderação do conteúdo. O debate em torno da forma mobilizado contra o polemizador profissional com base em ressentimentos e sentimentos concorrenciais já contém o germe da apologia da forma do sujeito, cuja crítica apenas é mantida de uma forma superficial. Quer-se resolver o pequeno problema da ruptura com toda a história anterior em simpatia, de modo que a crítica mais radical se apresente com o sorriso de vendedor próprio de qualquer empresário de triciclo.

A esta consciência da "cultura da discussão" burguesa e circulativa aplica-se o primeiro mandamento da inocuidade universal. Para o interior: contradições no seio do próprio contexto crítico do valor e da dissociação, relações concorrenciais e bloqueios identitários do sujeito estruturalmente masculino, o apego a momentos da ontologia e metafísica burguesa etc. têm de ser "tratados" por uma questão de princípio como "opiniões inofensivas de gente inofensiva". E para o exterior: A sociedade global capitalista em pleno desmoronamento tem igualmente de ser encarada, desde já, por princípio como uma única multidão feita de "gente inofensiva com opiniões inofensivas". Afinal a subjectividade burguesa não pode deixar de ter alguma ponta por onde se lhe pegue. É também por tudo isso que pouco mais resta à crítica do valor e da dissociação reduzida em termos formais senão transformar-se ela própria em uma "opinião inofensiva de gente inofensiva". Os membros da horda de irmãos da "Krisis", depurada de escritores profissionais e polemizadores profissionais e dedicada a uma "crítica do valor light", de facto não só mal conseguem andar de tanta gravidade como também de tamanha inocuidade e moderação. Pelo menos no que diz respeito ao teor da crítica; nas relações internas, a maldade subreptícia e travestida de uma face apenas aparentemente humana pode dar largas objectivas às suas duvidosas qualidades. Os últimos moicanos da horda de irmãos do contexto da "Krisis" vêem-se agora constrangidos a apresentar-se como uma espécie de "organização paz de alma". Face a tanta merda burguesa de bom comportamento e boas maneiras juntas não nos resta senão assumirmos publicamente a nossa inumanidade.

Bodes expiatórios e mulheres de armas

A horda de irmãos evidentemente também é desde sempre uma horda de homens. Tal como a pretensa igualdade na realidade rimava com exclusividade também face aos outros membros masculinos não pertencente ao círculo dos irmãos conjurados, muito mais assim era face às poucas mulheres que se tinham atrevido a penetrarem no próprio âmago da redacção do contexto da "Krisis".

Trata-se aqui de um plano que, em primeira análise, não se explica pelas relações específicas de um determinado grupo com determinadas pessoas, mas que remete para um estado geral no âmbito da socialização do valor. As estruturas próprias de associações masculinas existentes em todas as áreas da vida pública burguesa não são nada que dê nas vistas de um modo especial ou seja sentido como insólito; elas fazem parte do surdo constrangimento da situação vigente, tal como a concorrência universal. Ou melhor: A concorrência encontra aqui um determinado limite específico do sexo; de certo modo existe um sindicato universal dos homens que nem sequer necessita de um modo de organização e que nem sequer precisa de se manifestar no plano consciente para ser eficaz. Como é do conhecimento geral, nos media, na gestão empresarial, na política e na ciência académica as mulheres em toda a regra têm de "render" o dobro dos homens para lograrem metade do reconhecimento. E isto também se aplica a contextos esquerdistas de elaboração teórica. Das feministas dos anos 70 chegou a nós a sentença de que as mulheres mais facilmente entram para a tropa do que para um grupo teórico. Lá está que o que se passa não é que as mulheres, "naturalmente" ou por motivos puramente pessoais, se interessem menos pelo conceptual "além do pensamento", mas que elas esbarram com sucessivas barreiras, visíveis e invisíveis.

No fundo, semelhantes constatações há muito que constituem lugares comuns. Tanto mais conspícuo se torna que a horda de irmãos da "Krisis" quase que histericamente negue qualquer existência de situações próprias de associações masculinas no próprio contexto e queira denunciar a constatação, afinal já há muito conhecida, de estruturas que actuam de uma forma geral como uma pura e simples "teoria da conspiração". A "associação masculina alucinada" (Franz Schandl, e-mail endereçado à redacção da "Krisis", 19.2.2004) não passaria de um fantasma, e quase seria um escândalo que Robert Kurz, tal como uma ou outra mulher no contexto da "Krisis" "balbucie repentinamente sobre «estruturas próprias de associações masculinas»" (Peter Millian, dirigente da associação de apoio à "Krisis" num e-mail endereçado a Robert Kurz, 3.3.2004). "De repente" os homens esquecem por interesse próprio o que quer dizer o conceito de estrutura; com a chamada de atenção de não possuírem o cartão de sócio de qualquer associação masculina, os senhores pensam já estar safos. E, para além do mais, os falsos bacanos da nova "cultura da discussão" são de qualquer forma as melhores mulheres.

Este ridículo escamoteamento da relação entre os sexos burguesa no contexto da "Krisis" é, no entanto, sistemático e insere-se no contexto do carácter androcêntrico da elaboração teórica tanto no plano relacional como no plano do conteúdo. Não constitui acaso nenhum que as três mulheres que, primeiro a nível local e depois num âmbito supra-regional, a determinada altura tinham chegado a integrar a redacção da "Krisis" (Roswitha Scholz, Brigitte Hausinger e Petra Haarmann), com a eclosão do conflito tenham sem excepção tomado partido contra a hipócrita tropa de irmãos em torno de Schandl, Trenkle e Lohoff. Devido aos anos de experiência real acumulada com as "boas maneiras" desses senhores, tiveram todos os motivos para assim procederam. Brigitte Hausinger tinha sido alvo de uma autêntica tentativa de achincalhamento visando o seu afastamento do antigo grupo "Krisis" de Nuremberga porque tinha suscitado o desagrado do senhor Lohoff; depois de ser admitida na redacção, Petra Haarmann viu a sua competência sistematicamente cerceada e boicotada por Norbert Trenkle.

No entanto, quem foi obrigada a acumular a experiência com os actuais pseudo-bacanos foi Roswitha Scholz, a autora da teoria da dissociação, que já desde os anos oitenta se vira a braços com a estrutura própria das associações masculinas do que na altura eram os primeiros esboços do contexto de elaboração teórica crítico do valor. No meio teórico de um objectivismo hermético, as sua tentativas de chamar a atenção aos níveis subjectivo e psíquico eram em grande medida desqualificadas como "palermices femininas"; devido ao facto de não se apresentar minimamente como um mero apêndice de um homem, ela era olhada de lado e encarada como uma espécie de arruaceira, e até de vez em quando tinha de ouvir de um dos posteriores dirigentes do golpe que de algum modo não era uma mulher a cem por cento por querer negar-se as alegrias da maternidade, tendo-lhe sido prognosticado, a esse respeito, um pânico iminente induzido pelo relógio biológico etc. Evidentemente os seus textos também eram sujeitos a um exame professoral especialmente rigoroso quanto a erros e criticabilidades, ao passo que, por exemplo, os melhores rascunhos de casa de banho repletos de erros de pontuação do eterno talento de associação masculina e génio incompreendido Ernst Lohoff passavam o crivo como "fragmentos", já quase com honras de forma literária. Afinal ao longo dos anos são aos milhares as farpas assumidas e encobertas, as indirectas e os abusos grosseiros em que se manifesta a surda estrutura própria das associações masculinas para, em seguida, poderem ser identificados como "alucinações" pelos simpáticos e bem-parecidos.

No entanto, esta estrutura foi profundamente abalada pela criação do teorema da dissociação e pela sua conflituosa implementação no processo de elaboração teórica da "Krisis" a partir de 1991/92. Deste modo, em termos de conteúdo, não apenas a teoria da relação moderna entre os sexos foi elevada ao nível de abstracção da crítica do valor e foi subtraído o fundamento a uma mera tematização no âmbito da lógica de subsunção e derivativa da assimetria entre os sexos. Antes também se tornou evidente que o acervo conceptual teórico corrente no seu todo, mesmo ainda na sua formulação crítica do valor, provém de um universalismo androcêntrico, implicando o recurso sistemático a mecanismos de ofuscação. Este momento crítico da cognição e dos conceitos da teoria da dissociação ainda nem sequer foi explorado em todas as suas ramificações; no entanto já foi suficiente para tornar definitivamente obsoleta a "abordagem" da elaboração de conceitos androcêntrica e para baralhar a aparentemente tão ordenada sistemática da teoria do indivíduo abstracto que constitui um ponto no Universo. De semelhantes transtornos, a ordeira consciência identitária colectiva dos candidatos a reis da Filosofia pouco ou nada gostava, ainda que pouco depois lhe deixasse de ser "lícito" admiti-lo.

Era inevitável que esta ruptura no plano do conteúdo também exacerbasse o conflito entre os sexos no plano relacional. Com efeito, a teoria da dissociação de Roswitha Scholz começou por despoletar os reflexos de rejeição mais veementes e certamente teria sido arrasada pela horda de homens se nem mais nem menos que o guru dessa estrutura semelhante a uma associação masculina, Robert Kurz, não tivesse tomado o lado da nova abordagem teórica; e certamente não o fez devido a uma repentina e pouco fidedigna compreensão da própria estrutura psíquica masculina e com a intenção de a superar sem qualquer ruptura, mas no sentido de um reconhecimento cognitivo no plano teórico e conceptual, embora tal também pusesse em causa o androcêntrico "conceito do conceito". Até se pode dizer que a aceitação oficial da teoria da dissociação e a sua integração no contexto da "Krisis" acabou por ser decidida por uma espécie de "palavra de autoridade" e afirmação da autoridade masculina da "figura orientadora", sendo que nesse contexto foram pronunciadas palavras bem duras. Talvez a posterior horda de irmãos tenha sentido em segredo como humilhação o facto de a mulher cinzentona e dedicada aos aspectos psíquicos ora se ter convertido numa teórica de pleno direito que, como se tudo o mais não bastasse, de certo modo lhes tinha sido imposta.

Face a estas reacções foi, sem dúvida, uma estranha sensação e uma situação paradoxal a de, pelo cariz excepcional da constelação, ser colocado na situação de, como um ser por seu lado bastante masculino e patriarcal na sua estrutura psíquica, por uma vez não se enquadrar espontaneamente levado pela cegueira profissional das estruturas próprias de associações masculinas, mas de ter de testemunhar como "terceiro" (isto é, como quem apoiava a teoria da dissociação em questão em termos cognitivos e teóricos) conscientemente e com os próprios olhos e ouvidos com que inacreditável rabulística, estupidez descaradamente fingida e grosseria sexista pouco velada a identidade colectiva masculina se pôs em cena na "discussão" em torno da teoria da dissociação, que expressões mímicas e que linguagem corporal se afirmaram e que surdos mecanismos de canalização se manifestaram. Esta atenção, atiçada de uma forma repentina pela própria situação no seio dessa constelação, evidentemente não pôde senão fazer despontar a questão de como nós próprios teríamos agido durante todo esse tempo sem o termos encarado de uma forma especial como um comportamento específico e de modo algum evidente.

A partir desta constelação desenvolveu-se, entrosada com a luta de sexos entre Roswitha Scholz e o grupo semelhante a uma associação masculina e mediada pela disputa cognitiva em torno do conteúdo da teoria da dissociação, uma polémica secundária "intra-masculina" entre o intelectual profissional que acaba de integrar o público e o embrião da futura horda de irmãos. A percepção dos reflexos defensivos das estruturas próprias de associações masculinas ganhou forma escrita em um artigo dedicado ao assunto publicado na "Krisis" (Robert Kurz, Fetichismo do sexo, in: "Krisis" 12, Bad Honnef 1992), assim como em diversos documentos internos em que se tentava tornar visíveis determinados padrões destes reflexos defensivos específicos do sexo: "Pronunciam-se as lamentações devidas pelo facto de se encontrarem tão poucas mulheres para integrarem a prática teórica e, em especial, a crítica radical do sistema produtor de mercadorias; nomeadamente, nenhuma. De ombros erguidos e palmas das mãos viradas para fora, lá está o homem teórico, sempre um pouco um pequeno Pôncio Pilato que acaba de pregar a sua Crista à cruz, mas que "nem entende minimamente" tudo isso. Ele que compreende tanto, senão mesmo tudo, reage com uma frequência conspícua face a determinadas manifestações em si próprio que não parecem enquadrar-se sem atritos no seu entendimento com uma fórmula-padrão acompanhada de ténues mostras de nervosismo: «Não entendo isto». Compreende, mas não entende. A sua relação com a mulher teórica assemelha-se à de Oskar Negt com a RAF: ainda "há pouco tempo" ele falou com Ulrike Meinhof sobre o projecto de um livro de crítica social a publicar na editora Suhrkamp, "e depois isto". Não entendo isto... No processo de elaboração teórica parece constituir-se de forma espontânea uma estrutura própria de associações masculinas, no seio da concorrência académica («publish or perish [publica ou perece») mais ainda, mas mesmo nesses círculos informais e em parte até conscientemente antiacadémicos que talvez não se enganem ao encararem-se como os verdadeiros centros da inovação teórica. No entanto, a estrutura própria de associações masculinas não pode tornar-se tema ela própria, a não ser talvez em determinados gracejos na parte informal, uma vez que na sua essência ela é encarada com a mesma evidência irreflectida semelhante à do ar que se respira, tal como a existência do dinheiro para o senso comum. A «estrutura própria das associações masculinas» significa por exemplo em termos perfeitamente empíricos que no calor da conversa nos podemos permitir «expressões» e insinuações, para não dizer obscenidades, que não se encontram documentadas a não ser no canto mais recôndito da própria consciência, e em que a mulher não se apresenta propriamente como teórica potencial. Ou seja, talvez o que é mais próprio de associações masculinas seja sobretudo o facto de, pela pura e simples falta ou, ao menos, pela minoria flagrante em que se encontram as mulheres se criar uma espécie de local de descanso, um lugar em que o NÓS não seja encrespado nem ensombrado pela luta de sexos. O processo de elaboração teórica como tasca de homens psíquica? A associação contundente há de saber defender-se... É que naturalmente (naturalmente!) as mulheres existem, mas, vistas a partir do círculo teórico de estruturas próprias de associações masculinas, não passam de seres de segundo plano. Evidentemente conhecemos uma ou outra, afinal é bem simpática a – como é que era o seu nome? A simpática Comoequieroseunome, poderia ser esse um nome para todas elas. Se tomarmos com termo de comparação o mundo interior psicossocial dos contextos de elaboração teórica, trata-se de negociações entre planetas, quase todos eles rodeados de satélites invisíveis. De alguns dos homens que, mais que uma vez, usaram da palavra em congressos e seminários, até é sabido que são dotados de mulheres e, em numerosos casos, mesmo abençoados com uma prole crescente; no entanto, a mulher propriamente dita nunca é vista, permanece um ser destituído de nome, tal como se o senhor Platão de Atenas ainda ontem tivesse feito o seu Simpósio. No que diz respeito à sociologia dos sexos e à respectiva estrutura psíquica, é desse tipo de Simpósios que se trata, mesmo que ocasionalmente se enxerguem esquálidos seres acompanhantes ou mesmo alguma vez uma excêntrica mais ou menos eloquente faça a sua aparição. No entanto ainda nenhuma penetrou no santo dos santos da elaboração teórica das estruturas próprias das associações masculinas. É que as mulheres não querem saber destas coisas, é este o pesar oficial dos homens prenhes de teorias. Pelo menos não será o caso das próprias mulheres (ou não de um modo especial, ou não de um modo predominante, ou não de tal modo que possam fazer mais que servir o café)..." (Robert Kurz, Aflição do homem – Aflição da mulher, documento de gaveta não publicado, Maio de 1992).

Estes trechos remetem para um certo meio estruturalmente androcêntrico da elaboração teórica que por vezes, e por assim dizer, prima por um cheiro algo severo e que, quando confrontado com a teoria da dissociação, se refugiou de um modo quase que automático em uma auto-apologética menos cognitiva que costumeira. Evidentemente também o conteúdo desta abordagem teórica foi rejeitado, sobretudo pelo autor Peter Klein (Bernd S.) que, nessa altura, ainda participava de uma forma essencial na elaboração teórica da "Krisis" e que se destacou de uma forma especial com um afectado "Não entendo isto" por ser ele quem menos sentia vontade de ir para além do aerodinâmico conceito do indivíduo abstracto. No entanto, o que foi essencial à rejeição não foi a anticrítica no plano cognitivo, mas, e antes de mais nada, a esquivez, a minimização, o faz-de-conta-que-não-estou-cá, a atitude preconceituosa etc. A horda de homens recorreu, portanto, a este respeito a uma "esperteza" quase que "feminina". E assim terá feito certamente, e não em último lugar, porque (de resto, de um modo semelhante ao que acontece em relação a motivos anti-semitas) sob a pressão da "political correctness", que não deixa de ser saudável sob este ponto de vista, as posições abertamente sexistas e próprias de associações masculinas já há muito que deixaram de ser defensáveis.

No entanto, a raiva mantida a ferver em lume brando precisamente por isso foi fervendo de um modo mais ou menos ruidoso. Qualquer referência a esta raiva e à atitude defensiva que se fazia sentir era respondida com a alegação de se tratar apenas de uma "posição atribuída" (Ernst Lohoff, Alguns tópicos em relação à loucura da feminilidade, documento interno para o grupo da "Krisis" de Nuremberga sob a forma de uma carta endereçada a Robert Kurz de 7.6.1992), que nada teria a ver com o que na realidade foi dito: "Supões «uma estratégia defensiva da elaboração teórica masculina no contexto da crítica radical do valor», que, custe o que custar, está interessada em manter «uma teoria geral neutra quanto ao sexo de uma individualidade e subjectividade abstracta da forma da mercadoria»" (Ernst Lohoff, Alguns tópicos em relação à loucura da feminilidade, ibidem). Evidentemente tudo isso não passa de uma suposição, já que nos documentos escritos da disputa em torno da teoria da dissociação, em termos explícitos (mas ainda assim reais), apenas podiam ser encontradas quantidades residuais de tudo isto: "Os portadores desta estratégia defensiva são, mais ou menos, todos os «autores da Krisis», com uma excepção: tu próprio. O cão de combate (!) teórico mais experimentado documenta a sua crítica dos cães de combate atacando os seus companheiros. Comprovas que te elevas sobre o universalismo abstracto baseado em uma heterossexualidade forçada ao conseguires identificar sempre, mesmo em cada enunciado desajeitado e mal amadurecido, uma pérfida estratégia defensiva que, no fundo, é consistente consigo própria. O método é bem conhecido das minas de ouro industriais dos nossos dias. Quem esmagar material rochoso suficiente e o fizer passar pelo banho do ácido prússico sempre encontrará qualquer coisa. Quem triturar um continente juntará boa quantidade de toneladas" (Ernst Lohoff, Alguns tópicos..., ibidem).

Nada de novo debaixo do Sol, pelo menos no que diz respeito à horda de homens da "Krisis": A versão primordial da metáfora do cão de combate já tem 12 anos no lombo, no entanto, na altura ainda não se inseria no contexto de uma invectiva dos pseudo-bacanos contra o polemizador profissional, mas no contexto da disputa mais profunda em torno da teoria da dissociação e da estrutura semelhante à das associações masculinas. No raciocínio de Lohoff não custa a entender que o posterior truque dos bacanos tem a sua verdadeira origem em uma defensiva contra o desaforo da crítica da dissociação, em um sentimento de se ser atacado de uma forma lesiva à identidade, sendo que o "cão de combate" na realidade é levado a passear e atiçado aos pobres dos bodes expiatórios pela mulher ruim, pela mulher de armas teórica.

Acontece que a estratégia argumentativa dos bacanos dos bodes expiatórios é bastante transparente sob vários aspectos. Por um lado, toda a importância é dada ao plano puramente textual e cognitivo, onde nada há que "provar", podendo-se proceder unicamente a "atribuições" maldosas. Tudo isto está dito de uma forma extremamente simpática; uma pessoa quase que acredita na própria inocência até ser apanhad@ em flagrante delito. Afinal o problema consiste precisamente no facto de o universalismo androcêntrico já predominar de forma implícita na terminologia moderna e de, por isso, não necessariamente nem sempre se ver obrigado a entrar em cena de forma explícita, tal como, afinal, a estrutura própria de uma associação masculina não se expressa tão-só num explícito clube de senhores com um corpo associativo inscrito e uma permissão de acesso codificada. Mas precisamente porque o androcentrismo estrutural é dotado de uma ubiquidade implícita, de certo modo ele inscreve-se "entre as linhas", manifestando-se em agressões orais, cinismos, e comportamentos etc. impossíveis de documentar e, ainda assim, experienciados de um modo muito real.

Por exemplo o aparente consenso oficial, segundo o qual o contexto de elaboração teórica crítico do valor se encontraria "evidentemente" e "em princípio" aberto às mulheres não impede minimamente que surdas estruturas próprias de associações masculinas desmintam essa afirmação superficial enquanto as mesmas não sejam tematizadas enquanto tais – e é precisamente disso que a horda de irmãos se defende com veemência, tanto há doze anos como hoje. O pesar hipócrita para com o facto de tão poucas mulheres participarem na elaboração teórica não é desmentido só pelo facto de as mulheres respectivamente próprias, no melhor dos casos, permanecerem apêndices passivos ou mesmo seres de segundo plano totalmente desinteressados com relação à crítica do valor e da dissociação que, afinal, também tematiza as suas próprias vidas. Não se trata em primeiro lugar desse facto em si, como se o contrário desejável pudesse ser de certo modo exigido em abstracto. As relações amorosas e de parceria, as relações reprodutivas e as estruturas familiares pessoais inseridas no contexto do desenvolvimento ao longo de uma história de vida não podem ser categorizadas segundo o critério da pretensão teórica. No entanto, o que conta é a atitude que assumimos perante tudo isso. Há uma diferença entre tentarmos contrariar o facto oficialmente lamentado da pouca participação de mulheres na realidade, tanto pela tematização factual do problema como pela própria atitude, e manifestarmos uma atitude que, no fundo, em segredo afirma como normalidade estes factos oficialmente denunciados como negativos – nomeadamente face às poucas mulheres que correspondem ao desejo oficial e que, devido a isso mesmo, de imediato são encaradas como "mulheres horríveis".

É evidente que atitudes de tal modo próprias de associações masculinas e misóginas já não se manifestam de uma maneira tão óbvia no seio de um contexto crítico do valor dos primórdios do século XXI como acontecera no passado, e muito menos no âmbito da produção de textos. Tanto menos se justifica que, na inevitável e recorrente ocasião de ainda assim "a boca fugir para a verdade", tal seja minimizado como mero problema de uma "expressão desajeitada, mal amadurecida". Para deslindarmos os contornos do androcentrismo, aqui de facto temos de exercer uma espécie de "extracção de ouro" negativa, que digira o continente semântico androcêntrico, que "esmague material rochoso suficiente e o faça passar pelo banho do ácido prússico", para assim trazer à luz o implícito que se encontra oculto à primeira vista e torná-lo explícito. Este modo de proceder em caso algum corresponde a uma mera "associação" superficial e arbitrária (assim apenas se apresenta se for tido em consideração somente o acervo conceptual, que já é androcêntrico pela sua axiomática, no plano cognitivo), tratando-se antes de uma tentativa de desvendar e decifrar o padrão interpretativo implícito que estrutura os próprios conteúdos cognitivos, e que não coincide com o texto conceptual, podendo contudo ser facilmente detectado também aí.

Por outro lado, a estratégia argumentativa dos bacanos dos bodes expiatórios esforça-se por desviar as atenções da própria estrutura típica de uma associação masculina e da própria "abordagem teórica" androcêntrica virando o bico ao prego e afirmando que todo o conflito se deve apenas ao facto do "cão de combate" patriarcal, ele próprio masculino, mais uma vez se elevar acima das massas (o excesso de confiança do teórico), mais uma vez fazer de conta que não é com ele e que ele se encontra "acima" da estrutura própria de associações masculinas e heterossexual à força e, de um modo geral apenas instrumentalizar o problema para si, ou seja, não deixar falar as mulheres por si mesmas, mas se aproveitar delas para incompreensivelmente cair em cima dos próprios companheiros: "O «feminista» Robert Kurz como São Jorge a lutar com o universalismo abstracto masculino..." (Ernst Lohoff, Alguns tópicos em relação à «loucura da feminilidade», documento interno, 7.6.1992).

Esta acusação de instrumentalização configura, ela própria, uma instrumentalização. Com esta pretende-se encobrir que no fundo se trata de um conflito entre Roswitha Scholz, que se perfilou como teórica da dissociação, e a associação masculina da "Krisis". A posição própria da teórica é definida como mera ficha na mão do "cão de combate" masculino; já nem se leva a sério que ela afinal tenha formulado de forma explícita a sua própria crítica do conteúdo e da estrutura da elaboração teórica androcêntrica existente até à data. Com o objectivo de não terem de enfrentar esta crítica, definem o plano secundário do conflito no seio da estrutura androcêntrica com o "traidor da associação masculina" como único plano válido – e, com isso, a crítica radical da teórica (também a que se dirige aos modos de comportamento práticos próprios de associações masculinas!) como mero adereço de uma estratégia masculina, e que nem vale a pena encarar como uma posição independente.

Certamente não deixa de ser uma situação paradoxal uma pessoa, ela própria um ser socializado como masculino e androcêntrico, e mesmo quase que como "chefe" (embora já pertença ao passado) de um contexto de elaboração teórica estruturado de um modo mais próprio às associações masculinas, ver-se constrangida a desempenhar o papel de um "São Jorge", como uma espécie de padrinho couraçado precisamente da crítica dirigida contra essa estrutura; tal se deve, para já, unicamente á tentativa de intelecção, ou pelo menos de abertura no plano conceptual cognitivo e referente a conteúdos, face à crítica conceptual do universalismo abstracto formulada por parte da teoria da dissociação. A horda de homens e irmãos que tanto se lamenta apenas se vai esquecendo de que afinal foi ela própria quem criou esta constelação paradoxal pelos seus próprios modos de se comportar. É precisamente desta constelação real que se abstrai para poder lançar veneno contra o "São Jorge", por ela própria designado como tal, que, assim dizem, apenas quer desviar as atenções do que ele próprio é. A relevância desta descontextualização, por seu lado, é bastante transparente ao prosseguirem: "Inicialmente, o Espírito Santo da Roswitha somente se nos dirigia pela tua boca, ao passo que a Roswitha em carne e osso, com os seus próprios pensamentos em carne e osso, só tarde e até hoje de um modo hesitante deu um ar da sua graça" (Ernst Lohoff, Alguns tópicos..., ibidem). A "Roswitha em carne e osso" evidentemente estava farta de saber por que motivo, no aconchego do círculo de homens, se limitava a fazer avanços "hesitantes" com a sua crítica radical do androcentrismo no nível teórico de abstracção da crítica do valor. É neste estado da hesitação desprotegida que teriam adorado tê-la por sua conta, e é por isso que a entrada em cena do "padrinho" masculino tinha de ser especialmente desagradável e ser sentida como uma "traição", não só ao nível cognitivo, como sobretudo igualmente no plano psicossexual. Este contexto real revela a referência, que apenas tem justificação em termos abstractos, à contradição inerente ao papel de padrinho masculino, como um meio de luta por seu lado próprio de associações masculinas que visa tudo menos um aprofundamento da reflexão.

A bem ver, com esta forma paradoxal e intrinsecamente contraditória como a teoria da dissociação foi implementada na elaboração teórica da "Krisis" de um modo antes de mais compulsivo e superficial, já tinha sido quebrada a paz surda própria das associações masculinas. Desde essa altura, o contexto de grupo tinha uma "racha na telha". A invectiva contra o intelectual profissional e polemizador profissional etc., que apenas viria a produzir-se seis a sete anos mais tarde por motivos de concorrência e de ressentimento, tinha a sua raiz mais profunda no conflito original em torno da estrutura própria de associações masculinas e do estatuto da teoria da dissociação. Já em 1992, Peter Klein (Bernd S.), até então um dos autores principais da revista predecessora da "Krisis", afastou-se do contexto do grupo e da elaboração teórica; os pouco claros "motivos pessoais" encontravam-se muito nitidamente associados aos reflexos defensivos contra a teoria da dissociação e a respectiva autora, tanto no plano do conteúdo como a nível relacional. Peter Klein estava e continua a estar apegado com uma tenacidade inusitada à elaboração de conceitos de um universalismo androcêntrico; no entanto, apenas se afastou para de certo modo hibernar como um "agente adormecido" na pouco conspícua função honorária de um membro da direcção da associação de apoio à "Krisis" e, após uma longa travessia do deserto, poder finalmente, em Fevereiro de 2004, dar-se ao prazer de meter na rua a "mulher de armas teórica" e o respectivo "protector", vindo assim a saborear uma vingança tardia.

No entanto, no que diz respeito à aversão contra a teórica que tanto desagrado suscitou, desde o início ninguém usou de grandes rodeios; a este respeito não há necessidade de trabalhosas escavações e sondagens no material rochoso androcêntrico próprio das associações masculinas, sendo antes possível recorrermos à exploração à superfície: "Nos últimos anos desenvolvi reservas pessoais contra Roswitha, por mim também podes falar em ressentimentos (!). No entanto evidentemente se trata de uma falácia e uma desculpa esfarrapada se por isso considerares as minhas reservas contra um documento da sua autoria, desacreditadas à partida" (Ernst Lohoff, Alguns tópicos..., ibidem, pontuação do original). Aqui se vê por que a criadora do teorema da dissociação precisou de um "padrinho"; mas, como é evidente, é suposto tratar-se apenas de particularidades, e não de generalidades, apenas de uma aleatória "reserva" puramente pessoal, e não de estruturas próprias de associações masculinas, nem de uma lógica conceptual androcêntrica. A estas "reservas" e até "ressentimentos" candidamente admitidos que, em seguida, cada vez mais também se foram dirigindo contra o "protector", ao mesmo tempo se encontraram associadas fantasias de violência pronunciadamente simpáticas: "O meu primeiro impulso aquando da leitura foi o de reagir aos pontapés (!), tendo sido o segundo o de pensar que esta forma de resposta (!) evidentemente apenas teria todas as hipóteses de provocar em ti uma sensação de confirmação do teu veredicto contra os «artistas do recalcamento heterossexuais à força» e especialistas da rejeição no grupo da Krisis" (Ernst Lohoff, Alguns tópicos..., ibidem). Podemos supor que aqui estamos perante uma pequena amostra da futura "cultura da discussão" dos bacanos.

E não se ficou pelas fantasias. Alguns anos mais tarde, o putativo bacano Ernst Lohoff chegou a vias de facto com Roswitha Scholz em plena rua; mesmo assim apenas usou da mão, e não dos pés. Esta discrição relativa talvez seja indicada para ilustrar a "rejeição da mentalidade de cão de combate" que posteriormente se tornaria o pretenso alvo dos respectivos esforços. Que a mesma pessoa que fez esta figura entretanto tenha proclamado, armada em apóstolo da objectividade e da simpatia, um "Clash of Cultures" contra todos os polemizadores profissionais e a mentalidade de cão de combate, em cujo contexto também Roswitha Scholz se viu definitivamente expulsa, este descaramento realmente bate todos os recordes.

Se a fantasia de violência, que pode ser documentada, e o acto violento cometido de facto e perante testemunhas têm de ser recordados, tal não se deve apenas aos próprios factos. Afinal os mesmos apenas constituem a ponta do icebergue de sentimentos e posturas, reservas teóricas e ódio relacional. O que é digno de reparo é precisamente o facto de mediarem anos entre as várias declarações escritas e "ocorrências", que comprovam de forma inequívoca a estrutura própria de associações masculinas. Isto demonstra com que consistência e tenacidade se tem mantido este padrão e como foi dando lugar a um lento e paulatino atear de aversões, delimitação e exclusão social e surdos ressentimentos, que algum dia tinha de dar lugar a um fogo declarado. O ressentimento em gestação contra o intelectual profissional apenas podia juntar mais achas à fogueira deste ressentimento de origens mais profundas contra a "mulher terrível" da teoria da dissociação e o seu "cão de combate protector". Por detrás da máscara dos bacanos espreita não só o sujeito concorrencial da horda de irmãos, mas igualmente a consciência de horda de homens da elaboração teórica androcêntrica e da exclusão sexista de mulheres impertinentes com pretensões teóricas próprias.

Na mesma medida em que, para os finais dos anos noventa, se foi adensando o conflito em torno de Robert Kurz que entretanto "levantara voo" com as suas "voltas extra" publicísticas e a síndroma da horda de irmãos foi passando para o primeiro plano, a feminista teórica, embora por seu lado já apenas fosse definida de uma forma pejorativa como "protectora" do intelectual profissional a escorraçar, sob essa superfície continuou, em boa verdade, a ser encarada desde o ponto de vista da horda de homens como a fonte de todos os males; e tal foi-se manifestando sem querer até na própria semântica. Assim o bacano-mor em estado de nascimento iminente, acometido de mostras de amnésia quando se trata das suas próprias declarações e acções, queixa-se de que a sua tematização dos problemas do grupo "Krisis" (entre outros naquele documento da Kairos já citado) logo teria sido abafada por Robert Kurz e "a sua Cérbera" (Ernst Lohoff, Mais uma declaração pessoal que um contributo à discussão, documento interno da "Krisis", Outono de 2000). O cão de guarda do inferno, Cérbero, aqui se converteu em "Cérbera"; uma metáfora que vai muito além do "cão de combate" e que involuntariamente põe a descoberto o verdadeiro pano de fundo relacional: a "cadela do inferno" Roswitha Scholz está por detrás de tudo, ela estragou o irmão transviado da associação masculina e, juntamente com ele, tem de ser impedida de causar mais prejuízos.

A fim de inventar um padrão legitimativo também para o saneamento da "Cérbera" e para construir elementos de "produção de verdade", Roswitha Scholz foi transformada pela horda de irmãos em uma espécie de megera da "Krisis". A reacção de repúdio que, à boa maneira das associações masculinas, se foi arrastando por mais de uma década, e o historial de agressões até chegar às físicas foi virada de pernas para o ar para se contar uma "história" em que, precisamente ao contrário, a megera supostamente torturou os bodes expiatórios de forma sanguinolenta e quase lhes tirou a virilidade. Às mesas de cervejaria, ao longo de anos foram colportados os inenarráveis padecimentos dos bodes expiatórios que tinham sido assolados pela assassina de homens Roswitha Scholz, uma espécie de Lynndie England do contexto da "Krisis"; e, mais que ninguém, o inocente cordeiro masculino Ernst Lohoff.

Quando as frentes do conflito se clarificaram de forma definitiva e a horda de irmãos se preparava para desferir o golpe decisivo, também a tal "produção de verdade" própria de associações masculinas teve de ser mobilizada por uma vez mais. Roswitha Scholz, assim diziam, estava empenhada na "aniquilação pessoal de pessoas e relações" (Karl-Heinz Wedel, pseudónimo Karl-Heinz Lewed, Já aconteceu qualquer coisa outra vez, e-mail endereçado à redacção da "Krisis" de 11.2.2004), nomeadamente, pois claro, dos bodes expiatórios no contexto da "Krisis". O incompreensível facto de ela não ir muito à bola com esses homens apenas pôde ser sentido pelo mais jovem membro da horda de irmãos como uma ameaça de "aniquilação" geral do mundo de homens da "Krisis" e, assim sendo, um ataque à sua própria pessoa: "Em todo o caso esta permanente ‘aniquilação’ de Norbert (Trenkle) e Fritz (Ernst Lohoff)... deixou-me na incerteza quanto à gaveta de farmacêutica em que seria metido o contexto restante e, evidentemente, também eu próprio" (Karl-Heinz Wedel, ibidem).

Coadjuvado pela importuna presença de mais mulheres pouco amestradas no grupo de discussão de Nuremberga, no grupo de coordenação da "Krisis" e na redacção, na "produção de verdade" da horda de irmãos foi-se assim erguendo um cenário ameaçador de megeras e cadelas infernais cujos selváticos cânticos já se afiguravam audíveis: "Vamos aniquilar homens no parque" (Wiener Schmäh). E contra isso evidentemente ainda era mais certo que tinham de ser tomadas medidas; no entanto, deveriam sê-lo do modo mais bacano e silencioso possível para não despertar novas fúrias. Assim sendo, o saneamento da aniquiladora de homens (e, por arrastamento, das mulheres insubordinadas em geral) foi encenado como mero efeito colateral do saneamento do intelectual profissional Robert Kurz, a fim de permitir que os motivos mais profundos, misóginos e próprios de associações masculinas, permanecessem na penumbra e para já não ter de dar qualquer justificação suplementar por que a suposta insurreição dos bacanos contra a "subjectividade burguesa de cão de combate" teve de expurgar da redacção da "Krisis" logo as mulheres.

Quando finalmente chegou o dia D, a co-expulsão de Roswitha Scholz pôde processar-se no modus do "já agora" para lhe impor a definição de um mero peão nas "atitudes feministas de Robert Kurz" (Franz Schandl, e-mail endereçado à redacção da "Krisis" de 19.2.2004): "Este trabalha com um truque banal: Se as mulheres forem igualmente mencionadas pelo ‘adversário’, este é sujeito a recriminações de que as mesmas são subsumidas a um homem, consideradas como seu apêndice a que não é concedida qualquer independência; se não forem mencionadas, parece que são ofuscadas de uma maneira sexista. Depois, a 'carta feminina' pode ser jogada à vontade do freguês, já que aqui não passa de uma coisa, que é um trunfo masculino" (Franz Schandl, ibidem). Schandl nem sequer se apercebe de como aqui se desacredita a si próprio: as mulheres, para ele, apenas aparecem na pseudo-alternativa entre ou serem "igualmente mencionadas" ou "não serem mencionadas", ou seja, condenadas a aparecerem como um apêndice explícito ou meramente implícito. Ou, mais exactamente: a alternativa a serem tão-só "igualmente mencionadas" à moda de um apêndice consiste, para ele, unicamente no eclipse total. Pois escolham lá o que preferirem. Segundo esta definição, as mulheres em geral apenas podem aspirar a ser uma "carta", ou como "trunfo masculino" ou como grau zero. Os conteúdos do ataque independente de Roswitha Scholz à estrutura própria de associações masculinas desaparecem por completo; a esse respeito não há mais que um lapidar: "O seu documento não abona em seu favor" (Franz Schandl, ibidem). Já nem há necessidade de justificações; para Schandl, quaisquer gatafunhos femininos são já de si insusceptíveis de discussão se puserem a descoberto a sua sobranceria ridiculamente pequenina. Assim, eles podem ser desqualificados sem mais demoras como "trunfo" em outra mão masculina. Por isso mesmo, também já não há qualquer necessidade de alguma objectivação postiça para proceder ao saneamento da "cadela infernal": "Sobre a participação de Roswitha não quero entrar em especulações" (Franz Schandl, ibidem). A tua "participação" tanto faz, que vais para a rua à mesma. Mais simpático dificilmente será possível.

O mesmo alívio sente o dirigente da associação de apoio à "Krisis" Peter Klein, que acordou como "agente adormecido", ao referir de passagem, por ocasião do saneamento, profundamente ofendido: "Como Roswitha por si só de certeza não teria estado na posição de causar este ambiente envenenado, repleto de ódio, não tenho de a referir igualmente de forma expressa" (Peter Klein, carta aberta ao grupo de coordenação da "Krisis", 9.3.2004). Depois de se ter conseguido virar a "atmosfera venenosa" de fabrico próprio contra o intelectual profissional, a "terrível" mulher de armas teórica finalmente já não tem de ser "referida igualmente de forma expressa", embora constitua o objecto propriamente dito do ódio. Que satisfação a de agora, e de uma forma supostamente definitiva, ter despido a velha inimiga da sua competência teórica e de a ter reduzido a um negligenciável apêndice do tresloucado Robert Kurz cujo "estado psicológico tem suscitado cada vez mais preocupações" (Peter Klein, ibidem). Já apenas foi necessária a horda de homens do "tribunal popular" composto por compinchas de camarilha recrutados no seio da associação de apoio à "Krisis" para passar à execução desta sentença, aproveitando para de passagem também escorraçar a "cadela" sem ainda ter de a "referir igualmente de forma expressa".

Eu é um outro: "auto-reflexão" instrumental

O conflito relacional, tal como ele se apresenta na história do contexto da "Krisis" ao longo de um eixo temporal que entretanto já se arrasta há mais de 12 anos, para um público interessado pela elaboração teórica crítica do valor evidentemente não pode cingir-se a um debate no plano puramente individual e pessoal. Neste contexto, é irrelevante quem, com o andar do tempo, já não podia com quem nem pintado. Mesmo assim, o conflito e a sua representação não podem ser reduzidos ao facto de aqui estar a lavar-se roupa suja; igualmente inadequado é o escárnio de curiosos turistas de acidentes que extraem prazer do facto de agora também ter sido a vez do grupo "Krisis" ser atingido pelo infortúnio. Afinal se trata de disputas e rupturas perfeitamente comuns que ocorrem todos os dias em grupos políticos e teóricos de esquerda, tal como no mundo burguês da classe política e do funcionamento quotidiano das ciências sendo que habitualmente não são nem documentados nem reflectidos. No entanto, esta reflexão há que ser exigida ao contexto crítico do valor aquando de uma ruptura desta índole, porque a crítica da constituição burguesa do sujeito aflora o plano que geralmente permanece ofuscado. O que é relevante, neste conflito, para a reflexão crítica do valor é precisamente a zona em que o específico conflui com o geral. De certo modo, o conflito da "Krisis" é capaz de demonstrar já quase em condições laboratoriais como se encontram interligados os planos pessoal e social, como dos poros de aversões individuais, idiossincrasias e sensibilidades atiçadas pela dinâmica de grupo se eleva a elaboração ideológica como um nevoeiro, que é em seguida adensado em padrões interpretativos gerais.

Neste sentido há que voltar ao problema esboçado de início do entrosamento entre os planos do conteúdo e relacional. Entretanto deverá ter-se tornado evidente que o conflito, que observado de uma forma superficial se afigurava meramente pessoal, com o tempo se foi enriquecendo com momentos de generalidade. Os personagens particulares passaram a prover os conflitos surgidos no plano relacional com atributos da máscara de carácter masculino-burguesa. Os problemas de auto-estima, os sentimentos de ciúme e as vivências de frustração transpuseram o patamar do espaço da experiência individual para se formarem de uma forma estrutural e ganharem uma carga ideológica. A matriz da relação concorrencial formou-se da mesma forma como o afecto negativo contra a existência intelectual, o ressentimento contra o escritor profissional, a subjacente estrutura própria a associações masculinas e identidade androcêntrica. Através do conflito relacional (pessoal) tornam-se visíveis os contornos de um conflito de conteúdos (teórico).

No fundo trata-se do mesmo processo que também já tivemos ocasião de observar em fases anteriores da elaboração teórica crítica do valor e da dissociação: Alguns ficam parados, já não acompanhando a viagem restante, entrincheiram-se em termos identitários. Ainda assim é uma novidade que aqueles que permanecem parados ou que andam para trás se tenham apoderado, por intermédio de um golpe, do próprio rótulo da "Krisis". Evidentemente tal não altera nada de essencial. Sendo assim, é, pois, o próprio rótulo da "Krisis" que permanece parado, anda para trás e se torna irrelevante, ao passo que a caravana prossegue sob o rótulo da "EXIT". O que a tropa de irmãos da "Krisis" já não quer acompanhar são, pelos vistos, os alargamentos da crítica do sujeito e do Iluminismo interligados com a teoria da dissociação. É o próprio sujeito masculino, branco e ocidental (MBO) nos irmãos que se opõe ao prosseguimento da viagem. Tal, de resto, nada tem a ver com a necessidade de discussão que evidentemente ainda existe. No entanto, a necessidade de discussão e a discussão real (mesmo controversa) são algo de totalmente distinto de um bloqueio identitário que se encontra interligado com ressentimentos e rupturas no plano de relações pessoais degradadas que, por seu lado, se encontram interligadas pelo modo conflituoso como a forma do sujeito se afirma nos indivíduos que a ela não se resumem.

Em um contexto da elaboração teórica crítica é inevitável que estes conflitos acabem por se perfilar no próprio plano do conteúdo teórico. E, por esta ordem de ideias, não foi propriamente obra do acaso que o conflito relacional tenha eclodido e tenha alastrado em conflito institucional (cisão) quando (nas últimas três edições da "Krisis", n°s 25, 26 e 27) a crítica do Iluminismo e a crítica da forma do sujeito masculina, branca e ocidental (no conflito com a ideologia anti-alemã) foi "excessivamente agudizada" por Robert Kurz, acompanhada de numerosas tentativas de travagem e mostras de indisposição vindas do círculo da tropa de irmãos. É precisamente neste ponto que o entrosamento entre o plano do conteúdo e o relacional se torna nevrálgico, mesmo que o conflito de conteúdos que se insinua até à data sempre volte a ser banalizado pelos guarda-freios e imobilistas; segundo eles, o que está em questão não é a rejeição da crítica do sujeito e do Iluminismo enquanto tal, mas de uma crítica do "como", do modo, da forma de representação etc. No entanto, os conflitos de conteúdos profundos até à data nunca começaram de outro modo. Invariavelmente tudo começa por chamadas de atenção respeitantes à forma antes de eclodir o conflito de conteúdos que espreita por detrás do conflito formal. As pessoas sempre apenas se tornam escrupulosas quanto à forma e ao "como" quando de algum modo tencionam sair em defesa do objecto da crítica. Que tal não tenha sido o caso, por exemplo, no que diz respeito à crítica teórica do trabalho e da política, sendo-o, porém, agora que está em questão a crítica do sujeito e do Iluminismo fundamentada por parte da teoria da dissociação, é o indício forte por excelência da dissensão que já há muito que se encontra a germinar.

De certo modo o mesmo também se aplica à teoria da dissociação que subjaz a todo este conflito. Já o modo como uma revolução teórica na elaboração teórica da "Krisis" tinha sido imposta, acompanhada de um corolário de conflitos e contrariando a tendência para a inércia da estrutura de fundo própria de uma associação masculina, remetera para uma linha de ruptura, mesmo que apenas agora tenha sido levada a cabo a ruptura real. O conflito esteve latente por muito tempo no plano relacional, e o mesmo também se verificou no plano do conteúdo. Tal manifestava-se por exemplo no facto de a teoria da dissociação nunca ter sido encarada pelos homens concorrenciais "resistentes" como a revolução que na realidade era, mas sempre como mero "alargamento" ou "complemento" da crítica do valor androcêntrica e universalista. A todo o custo queriam preservar a própria "abordagem teórica", que era avessa às consequências da crítica da dissociação. Evidentemente também agora não é oportuno passar ao ataque frontal e aberto contra a teoria da dissociação enquanto tal; bacanos de pacotilha têm de escolher outro caminho. Trata-se de retirar a carga explosiva ao conceito da dissociação e de o introduzir nesse estado na própria "abordagem" que, em última análise, não deixa de ser androcêntrica, de voltar a subsumi-lo do modo menos conspícuo possível à lógica dedutiva e de algum modo o circunscrever ao plano historico-empírico etc.

À destituição da carga explosiva no plano do conteúdo e cognitivo corresponde a instrumentalização no plano relacional. Nomeadamente no conflito relacional, a tropa de irmãos tenta simplesmente virar o bico ao prego e reclamar para si a crítica da dissociação como arma contra a respectiva autora e contra o intelectual profissional a sanear. É por esta ordem de ideias que os bonitos meninos simpáticos querem "reflectir o significado ou a forma de lidar com cognições teóricas e modos de proceder metódicos não em último lugar em relação ao nosso contexto pessoal" (Karl-Heinz Wedel, A mecânica da subsunção, documento apresentado à assembleia geral da associação de apoio à "Krisis", 28.3.2004). Para este efeito da "reflexão" auto-apologética, a descompostura pastoral aos teóricos vinda da pena do mestre de hipocrisias vienense Lorenz Glatz até já serve de referência. É o prolongamento e ulterior carregamento ideológico da história de faca e alguidar dos pobres bodes expiatórios que, na sua "produção de verdade" que inverte de forma grotesca a sequencialidade do conflito, pretendem encarar-se a si próprios como bacanos e quase que mulheres violados pela forma do sujeito masculina. Dizem que o "sujeito teórico" incriminado assume um ponto de vista puramente exterior e kantiano, sobretudo em relação a eles: "A redução ao teórico desligado que, como instância quase-transcendente, representa o ponto de vista puro da crítica encontra-se estreitamente associada à moderna forma do sujeito masculina. Que esta forma de uma «transcendentalidade» impossível se encontra em uma relação, para dizer pouco, difícil com as próprias referências sensíveis constitui, na minha opinião, um aspecto importante para o conflito em que presentemente nos encontramos" (Karl-Heinz Wedel, ibidem, pontuação do original).

O facto de a referência ao "teórico desligado" não visar porventura a própria posição mas, sim, a do mau do intelectual profissional pálido e "alheado da vida" já foi pré-mastigado em termos de ideologia legitimatória pelo mentor mental de Viena: "É que quem discorre de forma teórica sobre processos e situações no seio da sociedade, e muito mais quem não é, tal como eu, antes de mais um diletante nessas artes,... na maior parte dos casos costuma não se levar em consideração a si próprio..." (Lorenz Glatz, A síndrome do cão de combate, in: Streifzüge 30, Abril 2004, p. 27). Assim, portanto, está explicado "quem" costuma não se levar em consideração a si próprio, nomeadamente o tal referido intelectual profissional, ao passo que os medianos, assim como os pulcros e simpáticos diletantes teóricos e intelectuais de tempos livres a priori estão desculpados nesta matéria (podendo evidentemente, mesmo assim e ao mesmo tempo, manter-se firmemente apegados à ideia de que eles seriam os elaboradores teóricos "verdadeiros" e muito mais "fundamentais", já que não se encontram estragados pelo profissionalismo). Para a finalidade em apreço, o diletantismo serve para se isentar do lote, e já temos uma bela distribuição de papéis: aqui o intelectual profissional que "não leva em consideração" nem a si, nem aos seus semelhantes humanos, e ali "nós", os simpáticos representantes das "referências sensíveis", em termos teóricos apenas diletantes. Agora, do lado da hostilidade face à vida de uma teoria supostamente "desligada", não aparece apenas o intelectual profissional, mas igualmente a "cadela infernal", a teórica da dissociação.

E o que faz esse horrível par aos inocentes bodes expiatórios? Estes são "mecanicamente subsumidos" a maldosas abstracções, onde afinal quase que constituem as "referências sensíveis": "Aqui estabelece-se uma relação para com a autorização da teoria. A delegação da explicação do mundo autoriza o teórico a tornar o mundo transparente e acessível ao destinatário e, nessa mesma medida, comporta um momento de interdição que de modo algum é indiferente em termos de sexo, ou seja, de dominação patriarcal. Num plano geral, isto é, respeitando à estrutura social e ao «curso dos acontecimentos», esta relação entre o teórico e o destinatário já pode ser problemática. Mas torna-se mais que isso se a constatação de contextos sociais objectivos for aplicada de uma forma não mediada a pessoas ou à teia de relações pessoais (no seio da Krisis). Segundo a minha observação, este procedimento da categorização em estruturas objectivas constitui um importante pano de fundo para a situação que presentemente se vive na Krisis e, pelo menos no caso de conflito, um padrão de actuação central de Robert Kurz... Também a análise que Roswitha Scholz fez do conflito... segue infelizmente este padrão... No decurso do desenvolvimento ulterior, esta... categorização foi refinada e, na sua qualidade de cognição quasi-teórica da investigação sexual conduzida por Scholz no interior da Krisis, elevada a linha objectiva, sendo que a objectividade assim construída apenas existia como pura construção do pensamento. De um modo geral, as construções constituem uma característica essencial deste «método». Trata-se de uma... transformação não mediada do nível das categorias sociais para o plano das relações pessoais" (Karl-Heinz Wedel, ibidem, pontuação do original).

Para já, aqui a projecção, sem dúvida concebida de um modo bem próprio de uma associação masculina e perversora da verdade dos factos, em que a teórica da dissociação é vivenciada como "aniquiladora de homens", é elevada a uma "reflexão crítica" quase que meta-teórica. A teoria da dissociação é aproveitada para incriminar Roswitha Scholz de uma "autorização da teoria", que comportaria, face ao destinatário e sobretudo aos objectos desta teoria, uma "interdição que de modo algum é indiferente em termos de sexo", a qual seria um momento de "dominação patriarcal". Logo a própria teórica da dissociação é assim travestida de representante do patriarcado, sendo-lhe imputada para efeitos de denúncia uma "autorização da teoria" de bigode e pêra. Assim sendo, no fundo é ela quem dissocia – e os dissociados são os bodes expiatórios que quase transbordam de "referências sensíveis". Numa palavra: Roswitha Scholz é o valor! Agora sabemos, portanto, com que simpática interpretação da teoria da dissociação temos de contar de futuro, quando ela nos fôr anunciada na sua "verdadeira" forma conceptual pelas melífluas boquinhas dos bacanos da horda de irmãos. Trata-se de uma política às avessas sui generis, com que se pretende demonstrar como quem não quer a coisa quem é rei e senhor, e logo "assenhoreando-se" do acto de ser dissociado e virando de pernas para o ar a verdadeira lógica dos sexos burguesa. A autorização é obtida pela simples inversão da recriminação de autorização, que "refinado".

A esperteza da argumentação auto-apologética dos bacanos, de ora em diante definida como feminina, desenvolve, depois de ter procedido à mudança de sexo ideal, uma interpretação sumamente original da relação entre o particular (pessoal) e o geral. O malandro do intelectual profissional e a "cadela infernal" feita patriarca aplicam "a constatação não mediada de contextos sociais objectivos a pessoas ou à teia de relações pessoais (no seio da Krisis)" e os sensíveis bodes expiatórios são "categorizados" em meras abstracções. O que realmente está em causa é a relação concreta entre o pessoal e o social, a mediação entre o particular e o geral. No espaço relacional tocam-se e entrosam-se ambos estes momentos. A mediação aqui consiste em demonstrar, como determinados desenvolvimentos, sensibilidades e formas de tratamento psico e grupodinâmicos se medeiam com as estruturas da generalidade social; neste âmbito cabe, de resto, referir que a (habitual) estrutura própria de associações masculinas nos grupos teóricos se encontra em termos objectivos a um nível de abstracção bastante diminuto, ou seja, entronca de muito próximo na singularidade grupodinâmica e na particularidade individual e pessoal. A mediação a representar não pode verificar-se de outro modo senão colocando os comportamentos, enunciados, posturas e acções reais de determinadas pessoas inseridas numa determinada teia de relações em relação com estruturas da generalidade social (a níveis de abstracção diferentes). Uma tal relação tem de existir, mas em conflitos relacionais, como não deixa de ser lógico, a sua interpretação resulta diferente e, lá está, conflituosa.

No entanto será em vão que procuraremos por qualquer outro tipo de mediação entre o particular (determinadas pessoas), o singular (dinâmica de grupo) e o geral (estruturas próprias de associações masculinas, subjectividade concorrencial) que a horda de irmãos queira reclamar. Em vez disso, ela simplesmente risca do mapa o problema da mediação e a mediação realmente formulada na sua presença, afirmando tratar-se, desde já de uma "categorização não mediada". O realmente particular e singular, ou seja, eles próprios como indivíduos concretos e o contexto de grupo concreto com o seu real historial de conflitualidade, neles próprios apenas aparecem em termos gerais, ou seja, abstractos. Por outras palavras: Eles próprios não aparecem de todo, a não ser como supostas vítimas de "categorização". Todo o palavreado sobre a "auto-reflexão", que supostamente falta ao "teórico" e à mulher-patriarca de bigode e pêra, mas neles parece existir em quantidades generosas, permanece ele próprio na pura e simples abstracção e pelos vistos desempenha um papel instrumental num conflito relacional concreto que, pelo seu lado, não é minimamente clarificado.

Tudo resulta, portanto, em que a definição pejorativa da "pretensão teórica", já formulada por Glatz, conduz como "impossível instância transcendental" à exclusão geral da "generalidade social" e das "estruturas objectivas", mal estejam em causa determinadas situações relacionais reais. O particular/singular por um lado e o geral por outro assim de facto divorciam-se de uma forma não mediada. Tal combina bem com a auto-acusação absolutamente nada concreta, indeterminada e inconsequente de que "de algum modo" também não passam de sujeitos burgueses, mas "de algum modo" não com tanta gravidade como @s "teóric@s transcendentais" no seu "local apenas lógico" que supostamente se encontra para lá de toda a sensibilidade: "a riqueza relacional e a multiplicidade de associações sociais não podem ser reduzidas aos ténues fios da categorização teórica... A mecânica da categorização... reduz os particulares a um mero material para uma construção tão imaginária quanto é alucinada (!). A um método semelhante, que, de uma forma denunciadora em termos sociais e instrumental, liga de um modo não mediado o particular à generalidade, um contexto com um comportamento adequadamente auto-reflexivo (!) deveria responder com um ‘não’ categórico... A abstracção da teoria aqui se substitui à relação concreta... A análise do Eu teórico produz uma intimidade sem parceiro e exprime uma falta gritante de mediação com os «verdadeiros indivíduos sensíveis»" (Karl-Heinz Wedel, A mecânica da subsunção, ibidem). Muito especialmente "alucinada" seria, neste contexto, a "construção de Kurz/Scholz, que ultrapassa os limites do cómico, da associação masculina heterossexual à força" com a sua alegadamente "por demais evidente distância entre a construção fixa e as pessoas empíricas" (ibidem).

Podemos, portanto, constatar que o plano da generalidade social na realidade nem sequer existe, nem mesmo no reduzido nível de abstracção de estruturas próprias de associações masculinas, ou em todo o caso não no contexto da "Krisis" e muito menos entre os bodes expiatórios dissociados e categorizados à força. Daí o que devemos concluir? Que uma reflexão que vá para além do nível da particularidade é um jogo ao berlinde "transcendental" e negativo por não ter a ver nada de essencial com as pessoas actuantes? O ser social assim apenas se inscreve em um "espaço lógico" que no fundo não passa de uma "ficção", de uma "construção" etc. No entanto, e estupidamente, nesse caso a particularidade não mediada com o seu próprio ser social também apenas seria abstracta, mas os bodes expiatórios já nada têm que ver com isso. Eles arrebanharam todo o mal do lado da teoria, mal esta seja de algum modo colocada em relação com "situações concretas" como suposta mera "atribuição". A teoria é apenas abstracta, as situações são apenas concretas, em todo o caso são-no logo que se trate das suas situações próprias.

De resto estas invectivas contra o desaforo teórico da generalidade e as concomitantes acusações de "categorização" e de uma suposta "atribuição" exterior que os irmãos desenvolveram com base no seu conflito relacional (estando, pelos vistos, prestes a promovê-lo a conflito de conteúdos) também contêm uma acepção totalmente errada e, no seu cerne, objectivista da "imanência" (a este ponto teremos de dar mais atenção no planeado segundo texto de um acerto quanto ao conteúdo e à teoria com os irmãos bacanos da "Krisis" residual; para além disso, a relação entre a imanência e a transcendência é, de um modo geral, um objecto que merece ser aclarado por uma reflexão teórica ulterior, tanto no sentido de uma dedução consistente em termos da crítica da cognição da "posição da crítica", imanente e ao mesmo tempo transcendente, como no sentido de uma crítica ideológica de conceitos de imanência errados, afirmativos, como podem ser comprovados de formas diversas em Adorno/Horkheimer, de um modo mais rasteiro nos anti-alemães, em outro contexto em Antonio Negri e, lá está, também nos teóricos bacanos e de tempos livres da "Krisis").

No entanto, a mecânica da desconceptualização instrumental também funciona no sentido inverso. Que os bodes expiatórios da horda de irmãos "não se reduzem" às "categorizações" e abstracções estruturais não só serve de prova de, no fundo, nada terem a ver com o assunto, como ao mesmo tempo para escamotear o seu próprio comportamento muito pessoal e imediato. Ao terem-se escapulido para o "espaço" por seu lado apenas "lógico" da particularidade abstracta, o seu comportamento real como particularidade muito concreta e pessoal afigura-se de repente tão irreal como as "categorizações teóricas".

Tomemos como exemplo extremo o ataque físico do senhor Lohoff a Roswitha Scholz. Dever-se-ia pensar que um estalo na cara é um assunto bastante sensível. Mas, assim nos dizem então, o senhor Lohoff afinal também não se resume à sua agressividade física. Lá está a mal recebida recordação da mesma (uma "velha história" sem importância) a "categorizá-lo" novamente. O "não se resumir a" assim se converte em uma chave mestra para tornar coisas invisíveis, tanto no plano da generalidade como no plano da particularidade. Em estruturas próprias de associações masculinas que, de qualquer forma, não passam de "alucinações", os senhores "não se resumem"; um clique, e já estão apagadas as estruturas próprias de associações masculinas. Quanto à sua agressividade, o senhor Lohoff "não se resume" a ela; clique, já está apagada a agressão. E, assim sendo, entre enunciados/informações apagadas a níveis diversos também já não se pode estabelecer qualquer associação, e muito menos uma relação para com as formas da generalidade social.

A crítica que Adorno teceu à lógica identitária conceptual é assim abusada e reduzida a um processo instrumental a fim de eclipsar o próprio comportamento. Um clique do rato leva-nos ao Nirvana da concretude abstracta; o "espaço lógico" da particularidade abstracta torna-se um porto seguro. E é precisamente da mesma maneira que em seguida se lida com os ressentimentos pessoais, a subjectividade concorrencial, as denúncias políticas e pessoais e tudo o mais que se passou neste espaço relacional, representando uma mediação das dinâmicas psíquica e de grupo com momentos de generalidade social. A tropa de irmãos nunca fez nada de mal, é tão inocente como toda uma maternidade junta ou, melhor ainda, como os bandos de mercenários privativos dos EUA no Iraque.

Poder-se-ia reduzir toda essa rabulística a uma parábola: Três homens espancam um transeunte de tal modo que este permanece estendido no chão em estado inanimado, necessitando de tratamento hospitalar. Em seguida raciocinam sobre o acto que cometeram e atestam-se uns aos outros que não podem ser "categorizados" com base no mesmo. "Eu nunca antes tinha dado um enxerto de porrada a ninguém", dá o primeiro a considerar. "E eu amo a minha mulher e os meus filhos", diz o segundo. Por fim, faz-se ouvir o terceiro: "Sempre tratei bem o meu cão". A seguir os três constatam que afinal são pessoas completamente diferentes uma da outra com opiniões diferentes e que de forma alguma podem ser reduzidas ao denominador comum abstracto desse acto. "No fundo e em princípio oponho-me a toda a violência", declara o primeiro. "Estive com raiva a esse camelo, ele não mereceu outra coisa", proclama o segundo. "Por acaso apeteceu-me mesmo, mas isso acontece-me raramente", cisma o terceiro. Por fim todos concordam que qualquer acusação dirigida às suas pessoas seria uma "ficção teórica" e uma "construção alucinada", e a seguir vão para casa impávidos e serenos.

Os senhores ouviram falar por alto em "verdadeiros indivíduos sensíveis" que não se resumem à forma do sujeito. Onde teriam ido buscar isso? E logo acham poder filtrar e isolar, quiçá até ontologizar tudo o que "não se reduz". O "resto não coisificado" seria então algo como uma saca de batatas que se pode meter na adega, ou como o ganso que se pode enfiar debaixo do braço para em seguida dar às de Vila Diogo. E eis que a sensibilidade que se aplica ao "resto não coisificado em carne e osso" é a cara chapada de Karl-Heinz Wedel e da restante tropa de irmãos; as fatais abstracções, pelo contrário, são tal e qual Roswitha Scholz e Robert Kurz. De um dos lados do conflito relacional encontramos, portanto, @s "teóric@s desligad@s", a "autorização da teoria", a "mecânica da subsunção", "ténues fios da categorização teórica" e "construções alucinadas". Do outro lado, pelo contrário, mora o bem-estar rústico; ali encontramos os "indivíduos sensíveis verdadeiros", toda a plenitude da "riqueza relacional", uma "multiplicidade de relações sociais", e no vórtice dessa vida bem recheada o "contexto que se comporta de uma forma adequadamente auto-reflexiva" da tropa de irmãos, baloiçando em uníssono os corpos abraçados ao ritmo da tradicional música popular cervejeira. Os senhores não só mal conseguem andar de tanta gravidade e inocuidade, mas igualmente de tanta sensualidade [N. d. Tr.: os conceitos ‘sensualidade’ e ‘sensibilidade’ (no sentido filosófico) na língua alemã são representados pela mesma palavra]. Nessas condições, a escolha do "lado bom" não será difícil.

"Eu é um outro", esta frase genial de Rimbaud, que concentra a relação de fetiche da forma do sujeito na fórmula mais breve em que se consegue pensar, é assim invertida em prol de uma banal autodesculpabilização: Se entre nós existir um conflito no espaço relacional da subjectividade burguesa, eu não faço parte do lote, antes tu tens de tomar conta de ambos os lados se tudo correr da pior maneira. Assim fórmula para a resolução de todos os enigmas relacionais pode ser esta: Se formos terríveis sujeitos burgueses – são-no vocês, Robert Kurz e Roswitha Scholz! Mas se não nos reduzimos a isso – aí já somos nós! Não é esta uma distribuição de papéis pronunciadamente simpática?

Édipos à moda bacana

Não deveria ser completamente desinteressante saber como os restantes elementos activos do contexto da "Krisis" vivenciaram o conflito. O meramente passivo corpo associativo da associação de apoio à "Krisis", que, em grande parte dos casos, não conhece pessoalmente os participantes ou, no mínimo, não conhece por dentro as situações que se verificaram no interior da "Krisis", aqui dificilmente pode ter aqui uma opinião de peso. Se houve gente que se deixou mobilizar pela tropa de irmãos, tal aconteceu na maior parte dos casos devido a lealdades de camarilha de cariz local e destituídas de conhecimentos íntimos dos contextos. São, pelo contrário, decisivos os verdadeiros visados, ou seja, os grémios activos do grupo de Nuremberga, da redacção supra-regional e do grupo de coordenação. Se a interpretação da horda de irmãos correspondesse à experiência da generalidade, ela também tinha sido acolhida pela generalidade dos membros desses grémios, ou seja, Robert Kurz e Roswitha Scholz necessariamente teriam ficado isolados. É precisamente esta ideia que também se depreende como quase que evidente da auto-encenação anti-teórica dos homens e irmãos promovida a meta-reflexão: "Na realidade ... apenas se enxerga, ou assim me parece, o sujeito teórico isolado dos outros e desconcertado" (Karl-Heinz Wedel, ibidem).

Mas, afinal, o que quer dizer "isolado", e quem são os "outros"? O que é o que aqui se "enxerga"? Com inclusão de Roswitha Scholz e de Robert Kurz, a maioria do grupo de Nuremberga, a maioria da redacção da "Krisis" e a maioria do grupo de coordenação da "Krisis" desmentiu a interpretação da tropa de irmãos. Para falar em termos rigorosos, quem se "isolou" foram, portanto, esses senhores. Isso não quer dizer outra coisa senão que a sua definição de isolamento se refere em exclusivo ao seu próprio "contexto" mafioso. Quem deles se "isola", lá está, fica isolado de todo. São eles a "verdade dos factos" do contexto ("A Krisis somos nós"), os restantes nada são, mesmo que sejam a maioria. Quem deles se "isola" tem de se sentir "desconcertado", porque os outros membros activos têm de passar por zés-ninguéns, e antes de todos as mulheres insubordinadas que eles tão simpaticamente achincalharam.

A pequena contradição de terem sido eles quem se isolou tem, portanto, de ser resolvida pela tropa de irmãos de tal forma que a maioria do contexto activo da "Krisis", que entretanto se reagrupou como contexto da EXIT!, de algum modo tem de ser "inimputável". Parece tratar-se de gente que "baixou até ao chão o olhar de humildade e fidelidade" (Karl-Heinz Wedel, ibidem) perante o guru Robert Kurz e a "cadela infernal" Roswitha Scholz. Supostamente o que está em causa é a "reflexão de uma relação de fidelidade para com Kurz. Com isso, uma fidelidade mal entendida perverte-se numa relação de culpa" (Karl-Heinz Wedel, ibidem). Quem não apoia as interpretações dos senhores, encontra-se, portanto, desde já numa "relação de culpa" e já não conta. O poder de definição encontra-se estabelecido, em todo o caso na imaginação autolegitimatória.

O facto de se terem manobrado para uma posição minoritária é, portanto, interpretado pela tropa de irmãos de tal modo que a maioria se encontra submetida a uma relação de autoridade errónea, uma "posição de destaque inaceitável" (Karl-Heinz Wedel, ibidem), um "estatuto especial de um Robert Kurz que chega a ser uma procuração de plenos poderes" (ibidem), uma "autorização geral para Robert Kurz" (ibidem). A independência do restante contexto da "Krisis" é apagada, os zés-ninguéns definidos, também os masculinos, figuram como meros apêndices. Quase não vale a pena referir que isto representa uma caricatura das situações reais. Que os restantes membros do círculo interior da "Krisis", todos gente com posições independentes, aqui durante muito tempo não conseguiram enxergar outra coisa senão uma dinâmica de grupo à partida incompreensível não se devia ao seu "olhar obstruído", tal como os irmãos agora afirmam, mas à sua distância. Cada um e cada uma deles tem a sua própria história, interesses e enfoques teóricos próprios, formas de representação próprias e também, de vez em quando, diferendos de opinião com Robert Kurz ou Roswitha Scholz. Diferendos que de resto também existem entre o "cão de combate" e a "cadela infernal", por exemplo no que diz respeito a uma teoria histórica crítica do valor e da dissociação, sem que por isso alguma vez se tivessem dilacerado por causa disso. Quanto à existência de uma "posição de destaque" de Robert Kurz, tal apenas se deve à produção teórica apresentada, e não a motivos que se prendam com uma autoritária "autorização geral" (e, já agora, para quê?).

Na realidade, os restantes membros do círculo mais restrito da "Krisis", que se distanciaram com veemência do "golpe" da tropa de irmãos, tomaram uma posição muito mais independente e destituída de preconceitos que estes últimos. Aqui quem, a bem dizer, tem um problema com a autoridade não é mais ninguém senão a própria horda de irmãos, que por fim já não soube remediar-se de outro modo senão recorrendo ao "parricídio", sendo que a "patriarca" aniquiladora de homens e cadela infernal foi incluída, fazendo de mau pai-mãe ou má mãe-pai. Este aspecto edipiano do conflito relacional é perfeitamente transparente. Tanto maior é a veemência com que os senhores o negam como supostamente "alucinado", tal e qual como a estrutura própria das associações masculinas, os ressentimentos, os sentimentos concorrenciais e todas as acções que daí derivaram. Afinal os irmãos mal conseguem andar de tanta "auto-reflexão"; e assim não pode ser verdade o que não deve sê-lo.

E nem é necessário ter uma grande bagagem psicanalítica para saber que a constelação edipiana, tal como as estruturas próprias de associações masculinas, constituem uma parte perfeitamente corriqueira das situações relacionais burguesas. Não se trata apenas de uma constelação familiar no sentido restrito, mas de um padrão relacional universal no contexto histórico da forma do sujeito masculino, branco e ocidental (MBO). Querer escamotear este padrão no caso do conflito relacional da "Krisis", onde ainda por cima se evidencia com uma clareza especial, é sinal de uma falta de reflexão e de um recalcamento confrangedores, devidos a motivos que se prendem com uma problemática de auto-estima masculina igualmente irreflectida.

O padrão edipiano estrutura um desenvolvimento do conflito quase que pré-programado. A constelação de partida consiste na adopção da relação de autoridade burguesa que constitui bem o contrário de uma associação livre de indivíduos. A qualquer autoridade "objectiva" que possa existir sobrepõe-se uma relação de auto-submissão pessoal, onde a estrutural falta de liberdade do sujeito burguês se reproduz no plano relacional individual, desmentindo o conceito burguês da emancipação. A pessoa da autoridade (o "líder máximo") é enaltecido de uma forma sobre-humana, é idolatrado, iconizado e, lá está, em termos difusos recebe uma – "procuração geral". A ideia consiste em ele dar vida à própria vida não vivida, em ele representar a ilusão do sujeito "soberano"; tal como, afinal, a constituição da "soberania" capitalista na história da modernização foi acompanhada pelo aparecimento de "figuras de homens fortes" no âmbito social.

Na mesma medida, no entanto, em que se vão agudizando as contradições desta relação, tudo o que não foi vivido na própria vida se vai tornando dolorosamente sensível e a delegação de "soberania" se vai revelando insuportável para a auto-estima, o mesmo mecanismo de projecção passa a andar para trás: a fixação positiva converte-se em negativa, sem que a fixação como tal seja resolvida de uma forma emancipatória. O "guru" em tempos idolatrado, a figura de autoridade projectada, de repente se apresenta como um hostil poderio avassalador, ditador e monstro. Produz-se uma revolução palaciana, o iconoclasmo (pessoal), o derrube de monumentos, o assassínio de césares e o parricídio. O jovem "emancipa-se" do pai tornando-se outro que tal; o indivíduo concorrencial democrático "emancipa-se" em termos históricos do "grande líder" interiorizando-o e tornando-se o seu próprio ditador; o jovem veado dos corredores da direcção "emancipa-se" matando o velho veado-mor do sítio e assumindo o seu lugar por detrás da monumental secretária.

A tropa de irmãos da "Krisis" que, no seu conflito relacional, nem quer ouvir falar num padrão edipiano, reproduz este de uma forma caricata até ao ridículo, e fá-lo nos seus próprios e verificáveis enunciados. Para o (entretanto bastante cinzento) passado do antigo "sentimento relacional" para com Robert Kurz, é constatado o "papel do guru" (Peter Klein, i.e. Bernd Suffert, carta a Franz Schandl de 11./12.2.2004 reenviada para a redacção da "Krisis"); e "houve tempos em que me interrogava seriamente o que seria de mim se alguma vez alguma coisa acontecesse a (Robert Kurz), se ele um dia deixasse de existir" (Peter Klein, ibidem). Robert Kurz é designado como "o ícone no interior da própria cabeça" (Peter Klein, carta aberta ao grupo de coordenação da "Krisis", 9.3.2004), uma figura de autoridade "que interiorizámos" (ibidem), e mesmo quase que um "Júpiter" (ibidem). Esta relação edipiana no contexto da estrutura própria das associações masculinas ficou com a primeira fissura, já reconhecível como linha de ruptura, em 1992 aquando da implementação da teoria da dissociação, para se prolongar sob a forma de um conflito de autoridade e, por fim, conduzir à ruptura definitiva, ou seja, para se afirmar e cumprir de forma negativa por essa mesma via.

É que, qual foi o tratamento dado ao problema edipiano? Teria sido emancipatório enfrentar a relação autoritária "no interior da própria cabeça" e interromper a sua reprodução entrando em conflito consigo próprio, a fim de superar a projecção e chegar a uma outra relação que, ao verificar-se, também teria sido profícua para o contexto da "Krisis". Por esta ordem de ideias também seria em princípio adequado que se procedesse a uma reflexão crítica do conceito burguês da "figura orientadora" e de perspectivar um contexto de elaboração teórica radical sem uma estrutura relacional edipiana, ou seja, de separar a competência em termos de conteúdo e o respectivo reconhecimento de relações de autoridade "interiorizadas". Evidentemente tal terá de assumir um aspecto autocrítico por parte dessa própria "figura", visto que certamente seria patético querer eclipsar o próprio papel neste contexto; no entanto, tal apenas seria possível através de um esforço reflexivo, o qual pressupõe um contexto solidário que não se encontre já envenenado por motivos concorrenciais e problemas de auto-estima.

Em vez disso, porém, os irmãos teimaram em negar a relação edipiana, o que apenas pôde ter por consequência que a mesma tomasse o seu curso clássico. Assim sendo, à confrontação crítica consigo próprio, visando a compreensão das próprias projecções, substituiu-se apenas a clássica inversão da projecção, a conversão da fixação positiva em outra negativa. A contradição interna teve de ser exteriorizada; para se pôr cobro à relação de autoridade "interiorizada", os irmãos tiveram de livrar-se exteriormente da pessoa de Robert Kurz e, por isso, tiveram de convertê-lo em pessoa não grata. O próprio lado da situação relacional foi simplesmente escamoteado ou mesmo positivado (como o "bom", "auto-reflectido", "sensível e sensual" etc.), a fim de definir o outro lado através de atribuições pejorativas como pólo negativo. O ícone, o guru, o Júpiter etc. transformou-se no vil "escritor profissional", no polemizador profissional "polémico em excesso", no inefável "cão de combate"; e, por fim, falando da situação relacional interna, no supostamente ditatorial "autocrata" (Peter Klein, carta do 11./12.2004, ibidem) com "fantasias de omnipotência" (ibidem), cujo vil papel ditatorial seria o de, "impedir e reprimir a discussão" (Peter Klein, carta aberta ao grupo de coordenação da "Krisis", ibidem).

A única "verdade" no meio de tudo isto é que a adopção da teoria da dissociação foi imposta, pelo menos em parte, de um modo polémico, o que pode ser justificado pelo facto de que esta auspiciosa abordagem de outro modo teria possivelmente sido abafada e Roswitha Scholz até teria sido impedida de a publicar pela horda de homens da "Krisis". Não se pode, portanto, falar assim tão taxativamente de um autoritarismo (negativo), sendo antes necessário ter em conta o contexto específico (próprio de associações masculinas e androcêntrico). Algo de análogo se aplica ao regresso tentado do autor Peter Klein desde 2000, após a sua saída em 1992. O facto de não só Robert Kurz e Roswitha Scholz, mas igualmente a maioria do contexto activo da "Krisis" não se terem mostrado minimamente dispostos a voltarem a debater-se com um estado da discussão já há muito superado, onde por exemplo ainda se insiste em afirmar que com Kant não é possível nem o racismo, nem o sexismo, pura e simplesmente não pode de forma alguma ser generalizado para afirmar que se esteja perante um "silenciamento e uma paragem imposta da discussão" (Peter Klein, ibidem) geral e fundamental por parte de um ditador do discurso que se passou dos carretos.

É certamente um facto que a horda de irmãos da "Krisis" sempre voltaria a distanciar-se dos enunciados demasiado evidentemente retrógrados e androcêntricos de Klein e não quereria ver os seus nomes misturados com o dele; mesmo assim, esse distanciamento não era oficial, e muito menos veemente, mas antes de um porreirismo inclusionista, uma vez que os irmãos queriam encarar esta "posição" como lícita, ao menos no âmbito de um "pluralismo crítico do valor", a fim de terem uma testa de ponte do universalismo androcêntrico no contexto da "Krisis" e poderem manter a sua própria afinidade para com o mesmo ambígua a seu bel-prazer como uma relação de distância e afirmação. A referência, difusa quanto ao conteúdo, a esta "posição" de Klein era, no entanto, acompanhada por uma referência puramente positiva às afirmações deste com respeito à forma da discussão, nomeadamente, lá está, sob a forma da acusação de uma ditadura do discurso dirigida a Robert Kurz. Tal simplesmente se coadunava bem de mais com a própria tendência para uma fixação negativa, que já há muito que se tinha carregado de motivos concorrenciais perfeitamente banais, ressentimentos e emoções negativas contra o intelectual profissional. Por fim, Peter Klein, devido à sua função de direcção no seio da associação de apoio à "Krisis", foi incorporado de forma directa na tropa de irmãos, passo esse que faltava para formalmente poderem iniciar o seu golpe. Fazendo sua a fórmula de Klein do suposto "autocrata" Robert Kurz que abafaria qualquer discussão "razoável", a tropa de irmãos recorreu por seu lado à "mecânica da subsunção" conforme a cada passo achou necessário.

Segundo o padrão interpretativo do conflito que preconizavam, e que negava a sua estrutura edipiana, os irmãos ousaram, "tremendo de intrepidez" uma grandiosa "insurreição anti-autoritária" contra o ditador passado dos carretos, ou então contra o monstro total ideal composto por Robert Kurz e Roswitha Scholz. Se, no entanto, se tivesse tratado realmente de um acto emancipatório, os outros membros activos da "Krisis", ou pelo menos a sua maioria, deveriam ter sido convencidos e juntamente com eles deveria ter-se tratado de alterar a relação. A horda de irmãos, porém, desde o início partiu do princípio de que tal não seria possível. Tal constitui uma confissão involuntária de que na realidade não se pode ter tratado de um acto emancipatório. Para encobrir o seu carácter verdadeiro, ainda que fosse de um modo muito transparente, os restantes membros do contexto activo da "Krisis" simplesmente tiveram de ser declarados inimputáveis e "carregados de culpa". Afinal os irmãos já não poderiam nem sonhar que os outros realmente tinham feito outras experiências e, por isso, não conseguiam seguir a afirmação do ditador que "abafaria" qualquer discussão controversa. Muito menos lhes ocorria que os outros simplesmente não faziam parte da mesma relação edipiana para com a autoridade e que, por isso, a mesma também não podia converter-se numa fixação meramente negativa.

O carácter anti-emancipatório da insurreição da horda de irmãos teve, por isso, de manifestar-se exactamente no facto de a mudança ter decorrido à maneira burguesa clássica de uma pretensão de poder: concretamente, sob a forma de uma interdição golpista da redacção e do grupo de coordenação, depois como recurso a estruturas jurídicas formais com meios pouco límpidos. A maioria não foi convencida mas, sim, enganada, posta perante factos consumados, ludibriada e submetida a um procedimento ele próprio ditatorial (expressamente segundo o padrão do "estado de excepção" de Schmitt). Ou, como o exprimiu um dos senhores dirigentes da associação ao pronunciar-se formal e vinculativamente sobre o assunto em apreço: "..um veado de praça apenas se deixa impressionar com o aparecimento de outro veado de praça" (Peter Klein, carta do 11./12.2.2004, ibidem). A relação de autoridade criada pelas próprias projecções e pelo próprio comportamento não foi resolvida mas, pela autoconstituição como "veado de praça" colectivo (os irmãos, um por um, não têm estofo para tanto), foi meramente redefinida face aos outros como pretensão de submissão de ora em diante real. De semelhante comportamento nunca pode nascer uma associação livre e aberta de indivíduos sem uma estrutura de autoridade burguesa. Os meios desmentem o suposto fim. A uma resolução emancipatória da relação de autoridade tinha levado a melhor uma finalização habitual do círculo edipiano: neste caso a "tomada do poder" por um grupo minoritário. Com isso, os putativos "anti-autoritários" apenas conseguiram comprovar-se na prática e reafirmar-se como produtos da forma do sujeito masculina, branca e ocidental (MBO).

Afinal também não se tratou de uma espécie de veredicto arbitral neutro que aqui tivesse sido executado. Antes, a horda de irmãos tinha-se arvorado de uma forma aberta e provocatória em juiz em causa própria, o que sublinha duplamente a pretensão de poder usurpatória e descarado. Mesmo este por nada encoberto descaramento da "vontade de poder" ainda teve de ser proferido, de um modo quase que compulsivo, com uma adocicada pronúncia de sopinha de massa à moda de bacano: Afinal ninguém tinha sido expulso por inteiro do prosseguimento do contexto, apenas Roswitha Scholz e Robert Kurz tinham sido afastados da redacção e do grupo de coordenação (os únicos grémios onde se reúnem os membros activos do corpo associativo da "Krisis"!), pois bem, um pouco ou nada contra a vontade da maioria que, no entanto, e como a gente sabe, infelizmente é inimputável; e também essas medidas não têm carácter permanente, devendo durar apenas até que os visados tivessem caído em si, talvez alguns meses (ou anos?). "A retirada temporária da redacção, mais não era exigido" (Karl-Heinz Wedel, A mecânica da subsunção, ibidem). E Robert Kurz, tal como Roswitha Scholz, afinal poderiam continuar a apresentar os seus artigos aos potentados da tropa de irmãos que então, na sua infinita bondade e reflexão, haveriam de aferir o grau de moderação. Realmente está embrulhada de uma forma empolgante e provocadora essa sórdida vontade de poder. Evidentemente os irmãos estavam bem cientes de que a consequência de tudo isso tinha de ser a definitiva ruptura e a cisão, que ninguém dos outros podia pactuar com essa pretensão de poder nem por um segundo. Mas, como é do conhecimento comum, as acções motivadas por questões de poder hoje passam a vida a ser denominadas de "missões de Paz" em nome da "democratização"; e a este respeito a tropa de irmãos esteve bem na crista da onda.

Kitsch de consternação e falsa imediatez

À vontade de poder do grupo irmão e mafioso para o interior como "veado de praça" colectivo e MBO face ao contexto da "Krisis" corresponde de um modo inversamente proporcional a "moderação" da crítica do valor e da dissociação para o exterior, a redução a um nível de consternação compatível com o movimento, tal como já o comportamento bacano e o afecto negativo contra o intelectualismo profissional tinham deixado adivinhar. A emergência do momento hostil à teoria no seio da própria elaboração teórica, a invocação não mediada da "vida" contra as "ficções" do pensamento abstracto etc. assinala a vontade de proceder à destituição da carga explosiva para finalmente conseguir integrar-se nas hostes dos medianos do movimento, o que querem interpretar em seu favor como "mediação". A máscara da objectividade e da moderação fundiu-se com a cara e medeia-se com o desejo de "fazer parte" custe o que custar; a necessária distância da teoria crítica é abandonada em prol de uma "sociabilidade" que não passa de lambe-botismo.

Tudo isto dá vontade de dar "Instruções de uso da crítica do trabalho e da crítica social em tempos de amoque capitalista" (subtítulo da colectânea de textos editada por Lohoff, Trenkle & Cia. Lda. dedicada à crítica do trabalho). Como tudo na tropa de irmãos, também este conceito das "instruções de uso" constitui uma rotulação fraudulenta. A tarefa da teoria crítica do valor e da dissociação consiste na agudização conceptual, análise e crítica ideológica, e não na emissão de "instruções de uso" para o uso doméstico de uma prática de movimento, cujos protagonistas mais circunspectos de qualquer modo terão toda a razão para rejeitar quaisquer "instruções de actuação". Como o conceito do "uso" aqui tem de permanecer vazio por uma questão de princípio, uma vez que a mediação não pode ser reduzida deste modo, tudo isso vai dar a uma integração na verborreia geral sob o signo de uma elaboração teórica reduzida, feita "sociável"; lá está, a uma "crítica do valor light".

Com isto condiz o facto de se pretender que o desenvolvimento teórico ulterior da crítica do valor e da dissociação, para uma crítica radical do Iluminismo e da forma do sujeito masculina, branca e ocidental, seja não só moderada e diluída de um modo geral, mas igualmente reconduzida para uma "segunda linha", na medida em que a "crítica do trabalho", exercida a um nível de pseudo-mediação reduzido, é declarada "enfoque principal". A dinâmica da iniciativa teórica e da "destruição de conceitos" apaga-se, devendo iniciar-se o tempo de permanência no aparentemente comprovado e já alcançado espaço conceptual de uma crítica da categoria do trabalho e da forma política, visto que as consequências decisivas de uma crítica radical do sujeito e do Iluminismo levariam até ao limiar da dor. Em boa verdade, esta travagem da dinâmica teórica conduz a que também a própria crítica do trabalho não possa ser aguentada, uma vez que o sistema do trabalho abstracto se encontra interligado precisamente com o cerne androcêntrico da forma do sujeito. De certo modo há a assinalar uma vontade de descanso teórico, antes que o assunto se tornasse demasiado sério e de finalmente encontrar um lugarzinho quente no público de esquerda e de movimento.

Esta imobilização da dinâmica teórica, que tem necessariamente de dar lugar ao retrocesso, também se verificou porque os homens e irmãos da "Krisis" lentamente vão sentindo na pele eles próprios – tal como todos nós –as consequências concretas do processo de crise capitalista. A ameaça de precarização das próprias circunstâncias de vida associa-se na dinâmica de grupo e psíquica à agitação mediada através de sentimentos concorrenciais e do problema edipiano com a autoridade face ao intelectual profissional e polemizador profissional e à invocação ideológica da "vida" no seu melhor. Tal acontece em diversos graus e formas de expressão de uma retórica da consternação, a qual também pode apresentar-se sem qualquer pretensão de uma "mediação" reduzida com esboços de movimentos sociais e no contexto de uma "teoria de luxo" exercida em moldes puramente amadorescos: "Também não menosprezo o facto de o meu horizonte de experiência pessoal, como médico – se bem que tenha saído do esquema – e filho de uma dentista, não deixa de ser limitado. É evidente que represento o capitalismo e o combato de preferência naqueles aspectos em que EU o conheci e sofri por ele. Mote: isolamento e solidão progressiva do indivíduo abstracto" (Peter Klein, carta dirigida a Robert Kurz e ao grupo "Krisis" de Nuremberga de 4.7.2000). Esta elaboração teórica de luxo "na primeira pessoa" representa um duplo reducionismo, mais concretamente tanto no que diz respeito às premissas sociais e sentimentais ("o meu" horizonte de experiência e "o meu" sofrimento, como se as experiências e o sofrimento não fossem à partida sociais e socialmente mediadas, como se essa dimensão não tivesse de ser tida em conta já no ponto de partida) como no que se refere ao próprio modo de reflexão teórico (como se este, se for para alcançar a altura do "desaforo da generalidade" mediado, não tivesse de transcender obrigatoriamente o cariz limitado da experiência abstracta na primeira pessoa em vez de se limitar a exprimi-la sob uma forma geral e, assim sendo, permanecer longe da verdade).

Para a tropa de irmãos restante, porém, o mesmo impulso transfere-se da oficina de tempos livres da teoria para uma "política de movimento" usada à moda de um adereço exterior e que transforma "a vida" de uma forma ainda mais gritante numa ficha de jogo ideológica. O resultado de tudo isso com referência ao movimento é um diletantismo sob a forma de kitsch de consternação que baixa ainda mais o nível à crítica teórica. A tensão entre a crítica conceptual, por um lado, e a prática de movimento, por outro, já não é aguentada e é apenas aparentemente resolvida em padrões clássicos de falsa imediatez. Cada vez mais dos artigos (bem metade na "Streifzüge" ora enfeitada de amarelo-vómito de 30 de Abril de 2004) poderiam aparecer em qualquer jornaleco de esquerda ou jornal de sindicato sem que ainda se detectasse qualquer mediação que passasse de fraseologia superficial para com posições críticas do valor e da dissociação. Nesses lugares tal poderá ser aceitável, mas para tal não há necessidade de uma "revista crítica do valor".

Os exemplos paradigmáticos desta superficialização são-nos fornecidos pelo caixeiro viajante da digestão facilitada Franz Schandl, o qual já não se poupa a qualquer embaraço porque procura confirmação a qualquer preço e já não está disposto a aguentar a distância intelectual. Ele não faz qualquer favor aos precarizados ao tentar, num mero exercício de exibicionismo social, revelar-se como sendo um deles: "O que se passa não é que tenha diante de si um intelectual que tem a vida organizada e não tem quaisquer preocupações sociais. Antes pelo contrário, eu, com 44 anos de idade, sou um desses indivíduos desassegurados por mim descritos. Nunca sei muito bem de que vamos viver daqui a três meses. Neste momento estamos a cortar no aquecimento porque os custos se tornaram demasiado elevados para a gente" (Schandl, ibidem). Desta confissão, o destinatário nada pode comprar. Também existem outros, cuja existência intelectual não se encontra assegurada, e que não vão vender essa notícia porta a porta segundo o mote de qualquer tablóide mais abjecto, numa secção chamada "Agora é a minha vez de falar" ou similares. Algo assim é uma Yellow Press de esquerda, não crítica radical. A tarefa de Schandl teria sido a de tornar plausível o problema da distância teórica com todas as suas contradições; em vez disso faz-se de compincha de crise existencial para sugerir proximidade sem mediação. Este é o padrão da propaganda e da publicidade ou da autopromoção, e não o da crítica emancipatória.

Outra coisa que não figura nos seus escritos é o lado feminino do contexto de reprodução de Schandl; no seu exibicionismo social fala sempre apenas de si enquanto homem (também em seminários da "Krisis"), como se no nós também não estivesse contido um muito determinado elemento de conotação real feminina. O que pelos vistos o exalta e o que ele por isso mesmo tematiza não é a precarização social em todo o seu alcance que também vai precarizando mais ainda a "muda" parte feminina ("asselvajamento pós-moderno do patriarcado", é esse o conceito em Roswitha Scholz), mas apenas a sua própria precarização como homem a sustentar o respectivo lar e como intelectual masculino. Assim sendo, ele ainda dissocia sexualmente no processo da precarização social e assim falha duplamente a verdade. E tal não admira, visto que Schandl é aquele de entre os irmãos da "Krisis" que, mesmo no plano cognitivo e conceptual, ainda nem sequer adoptou a teoria da dissociação em termos fraseológicos e abusivamente simplificantes, mas que tudo fez por a ignorar e deixar de fora nos seus textos, onde o acervo conceptual androcêntrico e universalista ainda se encontra em plena força (daí também a especial afinidade de Schandl para com Peter Klein) e a relação entre os sexos sempre figura apenas de um modo secundário e fenomenológico.

O padrão do lambe-botismo e da falsa imediatez também se manifesta no modo como a "Streifzüge" e a "Krisis" residual se vangloriam de um passo prático como se fosse o "desacoplamento" da forma da mercadoria, nomeadamente na adopção do chamado princípio do "copyleft", que não por acaso coincidiu aproximadamente no tempo com o saneamento golpista do intelectual profissional e a daí derivada cisão. Não se trata aqui de modo algum de uma ingerência real na reprodução, nem no sentido de uma exigência imanente, nem no sentido de um desacoplamento material de alguma área da vida, mas de um assunto puramente jurídico que se mantém no plano da forma do direito e da circulação, e que não dói minimamente ao capitalismo, mas resulta em uma mera auto-expropriação de produtores de textos.

Assim se faz, uma vez mais, da própria necessidade uma virtude; e tal condiz excelentemente com os ressentimentos carregados de ódio dispensados ao intelectual profissional, quando os escribas amadores que, com os seus textos, de qualquer modo não conseguem aceder à circulação mais alargada ou que apenas conseguem metê-los em órgãos de comunicação social com cujos honorários se pode adquirir, quando muito, meia dúzia de latas de comida para gatos, promovem esta sua própria precariedade a uma façanha "nada burguesa" e "contrária à forma do valor". O afecto negativo anti-teórico, em que o sublime kitsch conceptual invariavelmente se despenha de uma forma não mediada na falsa imediatez "da vida", e o barato ressentimento podem assim, graças apenas ao respectivo valor zero, ser elevados á glória da transcendência, ao passo que o intelectual profissional pode ser sujeito à suspeição de um comportamento "burguês" por não se oferecer sistematicamente à tarifa zero e não querer perder o controlo sobre os seus próprios textos – é que o copyleft não oferece qualquer garantia de que a puramente formal "utilização livre" não seja aproveitada de um modo absolutamente reprovável por órgãos de comunicação social e figuras dúbios (quanto aos pormenores do conflito com o princípio do copyleft e com as respectivas justificações, cf. o texto de Petra Haarmann na EXIT n° 1).

Ainda há não muito tempo, a adopção de uma pseudo-mediação como é o caso do princípio do copyleft no contexto da "Krisis" não teria sido possível sem uma forte oposição. Mas agora, depois de, pelo saneamento da maioria do que até à data tinha sido a redacção e o grupo de coordenação, a auspiciosa dinâmica teórica ter sofrido uma brusca imobilização e com a tropa de irmãos, devido ao poder que conquistou sobre o deplorável contexto da "Krisis" residual, a poder finalmente procurar, com resultados aparentemente assegurados na bagagem, o seu "lugar ao Sol" no contexto do movimento, já não resta nada que detenha outra dinâmica completamente diferente: nomeadamente a tal redução da crítica teórica a uma falsa compatibilidade com a consciência do movimento, a um entendimento reduzido e aviltado da ruptura categorial e a um populismo utópico superficial, a fim de escapar às consequências de um aprofundamento da crítica teórica do SOMB e de aconchegar o seu ninho no status quo. As saídas embaraçosas de um Schandl e a igualmente embaraçosa adopção do princípio do copyleft são pormenores que não iluminam senão de relance o caminho por onde a "Krisis" residual vai descambando para a falsa imediatez e rumo à insignificância teórica.

O Biedermeier(1) da precarização

Os homens e irmãos e bodes expiatórios ora são em todos os sentidos homens dados à consternação que tencionam "mediar" e conferir uma carga específica ao paradigma da crítica do valor, abrindo caminho através do seu conflito relacional irreflectido, com uma espécie de filosofia pequeno-burguesa da vida e da imediatez ao nível da sociedade anónima monolugar; não só por motivos de um oportunismo practicista, mas igualmente porque esta postura corresponde ao seu próprio sentimento de vida de quarentões frustrados ou de pré-reformados a fingir uma maturidade "descontraída". Instala-se o paradigma de uma invocação do "mundo vivencial" burguês dirigida contra as abstracções e as "ficções" da teoria, guarnecido com um culto absolutamente anti-emancipatório de fracassar com estilo no duelo desigual com a forma da mercadoria, fracasso esse que em seguida é oportunamente reinterpretado em resistência e transcendência. Com esta atitude, porém, os homens dados à consternação da "Krisis" residual encontram-se belissimamente alinhados com a tendência do espírito da época do capitalismo de crise, visto que precisamente este "elogio do fracasso" hoje em dia faz parte do equipamento base do programa de simulação burguês comum após a derrocada da new economy.

O que aí se prepara, tanto no espírito da época como nas cabeças da tropa de irmãos da "Krisis", é uma espécie de Biedermeier da precarização, em que a crítica radical ainda tem o aspecto de um coração de broa de mel da feira popular. Lá no fundo sempre existiu uma vontade secreta de ser-se um careta, e o que agora se manifesta de um modo pouco ou nada velado é a vontade de se enquadrar na normalidade antes que se faça tarde. A relação dessas pessoas para com a teoria de qualquer modo foi desde sempre antes de mais uma relação de pantufa, subordinada ao indomável apelo de uma vida tão recheada quanto possível de tempos livres, cultural, de férias, de sociabilidade e, de um modo geral, quotidiana à zé-mediano, mesmo que esta se apresentasse sob o signo da estupidificação generalizada da sociedade e da precarização social. E afinal foi por isso mesmo que permaneceram no patamar dos amadores, facto este que agora foi ideologizado, e diga-se que o foi com alguma coerência, como sinal de uma relação para com a "vida verdadeira" que coloca de fora o intelectual profissional e a "cadela infernal", a teórica da dissociação.

Assim não se escrevem livros, em todo o caso não mais que um em toda a vida. Isso em si não teria nada de grave ou de reprovável, se uma pessoa não arrastasse consigo uma pretensão impossível de satisfazer; uma contradição que se descarregou na invectiva contra os escritores profissionais. Talvez um senhor Trenkle tivesse sido mais feliz, digamos, como assessor de imprensa do partido social-democrata e pachorrento dignatário de algum lugarejo de 20.000 almas lá pela Vurtemberga. Nas sátiras da esquerda radical dedicadas ao bota-de-elástico "socialista" dos anos 20, a postura dessa gente que por engano veio a misturar-se com os teóricos radicais situar-se-ia algures entre as instruções "de como se faz a revolução sem deixar de limpar candeeiros" (Mühsam) e o idílio de "famílias podem fazer café" (Tucholsky).

Os homens da horda de homens da "Krisis" não querem ser meros destinatários, nem querem ser ajudantes pensativos, e nem sequer produtores de teoria em um sentido limitado pelas respectivas histórias de vida (ou especializado) que também ainda tenham outras actividades (e que nessas sabem pensar de uma forma bastante independente). Antes eles encaram-se a todo o transe como teóricos de puro sangue dedicados à investigação fundamental da crítica do valor – mas sem daí retirarem as consequências pessoais e referentes ao seu mundo vivencial. São eles os homúnculos que "tudo querem": ao mesmo tempo o mundo quotidiano dos medianos e a pretensão teórica que, por isso mesmo, se torna uma pretensão desmedida. As duas coisas não cabem na mesma vida.

O largo espectro dos modos de existência possíveis tanto da produção como da recepção teórica permite uma multiplicidade de possibilidades de participação, o que, afinal, também corresponde à relação de mediação que existe entre a crise social, o movimento social e a reflexão teórica. Apenas, lá está, temos de saber em que ponto nos encontramos, o que queremos e podemos, qual é a nossa atitude na própria vida. Uma existência de teórico no sentido mais restrito não é possível se a nossa relação com a teoria se mantém algo superficial, se ela não coincide minimamente com a respectiva prática de vida, se nos relacionarmos com ela como o veterinário ou a mulher política ou o mecânico que também lê um livro de vez em quando, escreve um diário ou que vai tendo um pensamento ou outro. A teoria no sentido rigoroso apenas é possível como um modo de vida integrado.

Tal nada tem a ver com o estatuto ou as circunstâncias. @s teóric@s podem ser publicistas livres ou académic@s; inversamente um publicista livre ou um(a) académic@ não tem de ser um(a) teóric@, podendo, da mesma forma como qualquer outra pessoa, assumir uma relação superficial e antes de mais instrumental para com a teoria. Um(a) teóric@ pode ser professor(a) catedrátic@ ou ir sobrevivendo em situações paupérrimas; podem viver uma vida recatada ou cosmopolita, ter sete filhos e um clã familiar ou viver uma vida absolutamente isenta de filhos e familiaridades: Sempre, através de todos os estatutos e circunstâncias, a reflexão teórica far-se-á notar como um modo de vida integrado; e este não constitui um estado natural, mas o resultado de um processo decorrido ao longo do percurso de vida de cada um e que conduziu precisamente a esse ponto. Uma relação superficial, pelo contrário, significa que a teoria ou não dá gozo nenhum, ou então deve dar apenas "gozo", que ela corresponde ao sistema do trabalho abstracto; ou como "emprego", em que fechamos a loja à hora da praxe, ou como ocupação de tempos livres. Esta superficialidade, na maior parte dos casos, até se apresenta no respectivo mundo vivencial em termos espaciais sob a forma de uma área separada, como "quarto de trabalho", "escritório" ou "quarto das ocupações de tempos livres", em que se manifesta a contradição entre o conteúdo e a existência burguesa, ao passo que a teoria como modo de vida integrado permeia todo o espaço vital.

A superficialidade da relação para com a teoria que, quando associada a uma pretensão teórica desmedida, conduz a uma variante da "consciência infeliz", pode apresentar-se sob formas muito diversas. De entre os homens e irmãos da "Krisis", por exemplo, Franz Schandl é, no fundo, um político ou um jornalista político que, perante a, mesmo assim reflectida, caminhada da política para a obsoletude, foi parar à teoria; a relação instrumental manifesta-se aqui como um ímpeto para deter a "destruição de conceitos" e no sentido de reduzir a teoria à "digestão facilitada", compatibilidade com o movimento etc. Para Norbert Trenkle que, em termos comparativos, foi quem menos escreveu, mas que em contrapartida se tornou uma espécie de "secretário-geral informal" do contexto da "Krisis" e que transformou essa posição em um "factor de poder", a dotou de uma carga identitária e a aproveitou no conflito sem quaisquer escrúpulos, a superficialidade apresenta-se de certo modo como uma função de "administração teórica" estritamente separada do contexto de vida restante. Peter Klein, por seu lado, é o teórico de tempos livres por excelência que se permite o seu "ano de Nietzsche" da mesma forma como o gourmet se obsequia com um patê de trufas, que quer colher os frutos das suas leituras e escritos de um modo estritamente separado de contextos históricos e conflitos sociais (um petisco da "história intelectual" das cozinhas regionais históricas depois do outro, desfrutado com a falta de entusiasmo de um turista teórico), e que, qual um galo, observa a sua "obra" com o amor narcisista de um de um adepto do bricolage que com palitos fez uma réplica da basílica de S. Pedro.

O denominador comum entre o que se viu impedido de ser político, o empregado administrativo "empossado" no plano estrutural e organizacional do contexto de elaboração teórica e o teórico de tempos livres é a separação da "existência burguesa" que acaba por se manifestar como o "característico ", desmentindo a pretensão teórica despromovida a casualidade e que até pode ser descontinuada a qualquer momento; e mesmo isso ainda pensam poder invocar face ao intelectual profissional como um desenvolvimento independente especialmente repleto de vida: "Como pessoa não definitivamente desmamada da existência burguesa afinal também fui capaz de me desligar por sete ou oito anos de todas as obrigações do «contexto»... Determinados desenvolvimentos pessoais fazem parte da «posição crítica» como eu a entendo" (Peter Klein, carta dirigida a Robert Kurz e ao grupo "Krisis" de Nuremberga de 4.7.2000). Sem contar com o facto que o acto de ele se "desligar" se insere no contexto da rejeição da teoria da dissociação e da respectiva autora, e o seu regresso no contexto do saneamento da mesma, aqui se torna especialmente evidente como a "existência burguesa" e a teoria como pretensão são perfeitamente exteriores uma em relação à outra. E isto tanto mais é verdade quando a dita existência burguesa se encontra ameaçada pela precarização ou, de um modo geral, já não passa de um monte de escombros, mesmo em termos estruturais (patchwork family etc.). O imaginário Biedermeier da precarização torna-se tanto mais atraente, quanto mais arruinadas e frágeis se tornam as situações reais.

E este brincar aos Biedermeier que – de uma forma que não deixa de recordar o Vormärz [o período que medeia entre o congresso de Viena e a Revolução de 1848; n.d.Tr.], mesmo que seja a um nível de desenvolvimento completamente diferente da situação burguesa – precisamente em condições de crise ascende a espírito da época de um consciência de recalcamento burguesa, pode, em um contexto de elaboração teórica crítica que deixa de suportar as contradições, tornar-se uma função do afecto negativo contra a "abstracção" da teoria e contra o intelectualismo profissional; uma associação de ideias que mais não faz que revelar a desproporção entre a pretensão e a realidade naqueles que mais gostariam de se refugiar das consequências da crítica teórica em um modo de vida burguês, no idílio familiar e na respeitabilidade de caramanchel, mas que querem fazer o "escritor profissional" pagar as favas da sua própria capitulação. Mesmo sem querer, uma pessoa sente-se recordada do eterno candidato a poeta Balduin Bählamm em Wilhelm Busch: De cima desce a musa a fim de o beijar, mas a gravidade da mulher, do filho, do cão, do lar, do penico etc. puxa-o para baixo. É a caricatura da intelectualidade androcêntrica no seu modo de vida burguês e dissociador que se encontra separado do seu almejado conteúdo também pelo respectivo mundo vivencial e que justamente no âmbito da crise no limiar histórico desse modo de vida tanto mais acertada se torna.

O que é perfeitamente exterior à teoria, como o estado civil, o número de filhos etc., recebe assim uma carga ideológica e uma conotação auto-apologética. Qual é a mensagem que se pretende transmitir-nos quando, na "Streifzüge" recauchutada como "revista crítica do valor", ultimamente os autores são apresentados de uma forma que recorda os pasquins de edificação de organizações católicas: "pai de dois filhos com 6 e 18 anos de idade", "Pai casado e avô", "pai de três filhos de 6, 7 e 16 anos de idade", "vive em Nuremberga com companheira e um filho de catorze anos" ("Streifzüge 30/Abril 2004, p. 43). Seriedade elevada à terceira potência pelo recurso ao comprovativo de procriação, pois assim já não pode haver qualquer azar. Conhecemos isto da literatura da consternação, onde este tipo de informações devem sugerir proximidade, intimidade e cumplicidade, embora não representem outra coisa senão uma forma de lambe-botismo que apela à tácita comunhão da situação familiar burguesa. Os "novos pais" vêm aí, o exibicionismo social converte-se em exibicionismo procriativo, e a existência das pobres crianças é instrumentalizada para servir de atestado da própria normalidade e segurança existencial. Mesmo que já não sejamos mais nada encontramo-nos, por intermédio da procriação da nossa existência, "no meio da vida" e não temos qualquer dificuldade em passarmos por pessoas de confiança burguesas a quem não são estranhas as preocupações dos medianos.

Este bio-exibicionismo afirmativo da ideologia de paternidade sociocultural contém em si, por seu lado, um subtexto polémico contra a teoria que "levantou voo" do polemizador profissional (que não tem filhos) e da teórica da dissociação que falhou a sua natural maternidade etc., por cujas "ficções" ou "construções alucinadas", no entanto, uma sadia paternidade e ‘avozidade’ não se deixa impressionar. Ou de que outro modo devemos entender que, em uma carta interna, em que se diz de Robert Kurz que ninguém poderia "querer que esse maluco... faça parte da redacção" (Peter Klein, carta aberta ao grupo de coordenação da "Krisis", 9.3.2004), sendo ao mesmo tempo referido em um tom confidencial: "O facto de eu ter apenas começado a escrever no dia 1.3. deveu-se a alguns dias passados com a minha filha" (ibidem). Ou quando o senhor Schandl, no eu texto de combate dirigido ao corpo associativo da associação de apoio à "Krisis", e onde explica, "Por que se teve de fazer aquilo que foi feito" (Franz Schandl, documento apresentado à assembleia geral da associação de apoio à "Krisis", 28.3.2004), nomeadamente sanear Robert Kurz, Roswitha Scholz e, por arrastamento, a maioria do contexto activo da "Krisis", como que em jeito de confirmação, ainda conta aos leitores o seguinte: "Além disso andei... com as minhas cachopas a ensaiar piano e violoncelo e frequentei as aulas de música" (ibidem). "Para além" do saneamento golpista do "inimputável" e da "cadela infernal" ainda cumpriu ternas obrigações paternas; logo se vê de que lado do conflito se encontram as pessoas verdadeiras, os sociobiologicamente irrepreensíveis e os adeptos da saúde popular. Dá vontade de consolar essas crianças por terem sido castigadas com semelhantes progenitores, que abusam delas para a auto-afirmação no âmbito da ideologia da consternação e por assim dizer as usam como armas de arremesso numa guerra suja.

Talvez também seja uma chamada de atenção inconsciente ao estado e à sociedade no sentido de que apesar de toda a crítica do valor etc. mesmo assim cumpriram o seu dever cívico biológico e deram o seu contributo porque os alemães e os austríacos não se extinguissem. São as brumas da "razão de pai de família" (Roswitha Scholz) do estábulo bafiento e repleto de estrume das situações de sangue da burguesia remanescente que aqui vêm ao nosso encontro. Que para já apenas sejam os pais quem pode alardear um mundo às direitas com recurso ao abuso infantil ideológico, este embaraço certamente se pode resolver mais cedo ou mais tarde pelo aparecimento de uma ou outra mulher e mamã que escreva e que não seja nenhuma cadela infernal mas, sim, de tratamento fácil e que espontaneamente se satisfaça com o plano historico-empírico para estender a sua roupa sub-teórica e deixar aos profundos homens da consternação e filósofos amadores o reino conceptual de bom grado e com o devido respeito. Só então o idílio de caramanchel de uma "crítica do valor light" incluindo uma cultura da discussão de fácil digestão poderá considerar-se completo e a "Krisis" residual tornar-se um exemplo de satisfação para o mundo devido a uma total paz de alma no vórtice da vida plena da precarização.

Canibalismo intelectual

Quer-se compensar a pretensão teórica desmedida e impossível de corresponder pela pretensão de poder exterior sobre o contexto de elaboração teórica. Neste contexto não se trata apenas da ocupação das posições-chave, por exemplo da redacção, pela tropa de irmãos. A usurpação da estrutura organizacional formal também é idêntica a um sequestro dos textos sobretudo dessas pessoas não gratas que foram postas a andar. Evidentemente um semelhante modo de proceder é inconsistente, visto que nos referidos textos afinal está escrito precisamente o que em grande parte não agrada minimamente os adeptos de associações masculinas, pequenos 'Fönig' da Filosofia ("o Fönig " de Walter Moers poderia ter sido o modelo de qualquer um desses personagens), falsos bacanos, pregadores da moderação, simpatia, inocuidade e normalidade etc. Mas o que aqui está em causa não é tanto o conteúdo; antes esses textos de Robert Kurz, Roswitha Scholz e Claus Peter Ortlieb, assim como as traduções de Petra Haarmann (representando, no seu conjunto, perto de dois terços das páginas existentes no site da "Krisis") fazem falta como uma espécie de reclame, destinado a sugerir aos destinatários dentro e fora do espaço linguístico alemão que ainda se encontram perante a mesma iniciativa crítica do valor e da dissociação e o mesmo elenco fundamental de ideias, autores e textos. Afinal é fundamentalmente o rótulo da "Krisis" que os irmãos querem usurpar para as próprias pretensões desonestas, para de algum modo se auto-encenarem sem o incómodo escritor profissional e sem a ainda mais incómoda teórica da dissociação; mas é precisamente por isso que precisam das falsas aparências, dos nomes e textos que nem sequer tencionam subscrever quanto ao seu teor propriamente dito.

De qualquer modo, por exemplo, um Ernst Lohoff julga-se em princípio o melhor Robert Kurz, o qual no fundo teria escrito os seus livros apenas com base nas ideias de Lohoff, como este aspirante a grande teórico incompreendido mais que uma vez se fez ouvir perante testemunhas, sentado em estado provecto à mesa de cervejaria. "Isto é tudo nosso", porque "A Krisis somos nós"; este mote predomina de qualquer modo entre a horda de irmãos, e aí uma pequena rotulação fraudulenta a mais ou a menos já não tem qualquer importância. É também por isso que os potentados da "Krisis" residual, constituídos de um modo golpista e por aproveitamento de jigajogas formais, se recusam terminantemente a corresponder à exigência d@s autoras e autores saneados de retirarem os seus textos do seu site da Internet: "O site da Krisis documenta a produção teórica desenvolvida sob o tecto comum da Krisis, ou seja, a nossa história de desenvolvimento até à data comum. É contigo em que âmbito organizacional e publicístico queres enquadrar o teu trabalho teórico futuro... O site é da competência da redacção... Se estiveres em desacordo com decisões da redacção da Krisis ou solicitares decisões que se enquadram na área da sua competência, peço que de futuro te dirijas directamente ao seu endereço" (Ernst Lohoff, e-mail triunfal de potentado endereçado a Robert Kurz, de 5.4.2004). Já que face a tamanho descaramento, sob as condições da socialização capitalista, nenhum outro meio se encontra ao nosso dispor (de outro modo já apenas sobraria a justiça violenta perpetrada pelas próprias mãos), o assunto agora terá de ser decidido por um tribunal burguês. Em todo o caso, a pretensão da tropa de irmãos é evidente: Nós pomo-vos na rua, mas os vossos textos pertencem-nos a nós e nós aproveitamo-los para fazer publicidade ao "nosso" rótulo. Assim se tornou verdade o que já há anos houve quem tivesse o pressentimento para prognosticar, sob o tecto na altura ainda realmente comum, como intenção dos lindinhos simpáticos face aos candidatos à expulsão: "As vossas ideias, mas sem vocês" (Roswitha Scholz).

E evidentemente o que está em causa também é o poder de definição sobre a interpretação dessas ideias. A descarada oferta de que @s autoras e autores post@s fora da redacção e do grupo de coordenação continuassem a escrever sob a égide dos usurpadores revela o sonho secreto da tropa de irmãos: @s teóric@s por demais produtivos bem podem continuar a produzir como eruditos alheados do mundo no seu cubículo silencioso, no entanto já não conforme lhes dá na telha, mas sob a tutela dos senhores que dispõem do poder decisório publicístico, exercem o poder interpretativo e assumem a representação para o exterior, de modo que ficariam na fotografia como a "verdadeira" alma do contexto crítico do valor ("A Krisis somos nós"): "este modo de proceder também pode ser interpretado como uma «destra jogada»: esta consistiria em empurrar (Robert Kurz) para uma posição completamente marginalizada e provida do rótulo de «inimputável» exortando-o simultaneamente a continuar a produzir textos para a Krisis que esta depois poderia aproveitar segundo o que melhor lhe aprouvesse" (Brigitte Hausinger, Para a revelação da estrutura e a propósito da psicodinâmica, documento interno para o grupo de coordenação da "Krisis", 5.3.2004).

Os irmãos estavam cientes de que as coisas não lhes iriam correr assim tão lindamente; mas ao menos quiseram colocar sob a sua administração a massa de textos acumulada, expropriar dos mesmos @s respectiv@s produtoras e produtores e, perante este pano de fundo, edificar um poder de definição que permita a canalização de toda a história da teoria crítica do valor e da dissociação que mais lhes interessar. Este também é um aspecto a ter em conta relativamente à adopção do princípio neo-pequeno-burguês do copyleft que, para além de representar um lambe-botismo oportunista endereçado ao estado de espírito de uma determinada fauna de esquerda que afina por uma falsa imediatez, também visa a legitimação do próprio procedimento usurpatório; a descarada expropriação dos saneados os seus próprios textos e ideias pretende apresentar-se quase que como um modo "não burguês" e "transcendente" de lidar com produtos intelectuais. Pela forma trata-se de uma "crítica do capitalismo" feita por carteiristas.

Na identidade do conflito relacional com o conflito de conteúdos, porém, trata-se de muito mais do que um mero furto; é que o saneamento, em especial, de Robert Kurz e de Roswitha Scholz e a respectiva expropriação não só de textos e ideias, mas igualmente de uma história de mais de 20 anos, configura um acto de eliminação existencial; e de facto a intenção por parte da horda de irmãos foi a de que se tratasse de uma execução para, num "golpe libertador", aparentemente se livrarem das próprias contradições sob a forma dos que tinham sido definidos como monstros relacionais. Na constelação edipiana trata-se de um assassínio social "segundo o mote habitual: como é que nos vemos livres do velho sem termos de prescindir da sua fortuna " (Brigitte Hausinger, ibidem). E o banquete fúnebre que é organizado pela horda de irmãos não é outra coisa senão canibalismo intelectual. É um "movimento de apropriação" muito especial por parte de principiantes sanguinolentos na verdadeira acepção do termo que põem a trabalhar os músculos mastigadores podendo assegurar-se mutuamente, com o sumo ainda a pingar-lhes da queixada: "A causa da emancipação deu mais um passo de gigante!" para, após a execução da lúgubre ceia, juntos entoarem o hino da moderação: "Chilréu, chilréu, quem gosta de ti sou eu"...

Este canibalismo intelectual assume uma dimensão especialmente repugnante com relação à teoria da dissociação e à respectiva autora. Aqui ainda mais se trata de poder de definição e de interpretação: os irmãos também querem ser a "verdadeira", melhor Roswitha Scholz, que seja compatível com a sua própria "abordagem teórica" androcêntrica, e por isso a verdadeira Roswitha Scholz tem de ser eliminada e, à velha moda senhorial, incorporada pelos senhores no que se refere à sua intelectualidade. A tão emaranhada conceptualidade da dissociação depois tem de reaparecer sob uma forma gradualmente reduzida, mais ou menos transferida para o plano historico-empírico, secundarizada com recurso à lógica dedutiva ou separada como "factor", colocada no estatuto de uma tenra coexistência etc. Quando os irmãos tiverem assim regurgitado à sua maneira a teoria da dissociação meia digerida, tal como por vezes os cães vomitam o seu repasto antes de voltarem a ingeri-lo, eles estarão em condições de considerarem aquilo que então tiverem espalhado diante si como um produto genuinamente seu e daí em diante poderão assinar a sua comunicação de irmãos bacanos: "com cumprimentos críticos do valor e da dissociação".

Com essa gente e com os seus sequazes e cúmplices não pode haver mais qualquer mediação, nem alguma "causa comum" ou mesmo "cooperação". Essa gente destruiu o contexto da "Krisis" de uma forma irreparável, levou a cabo a ruptura definitiva e aviltou a crítica do valor e da dissociação para a instrumentalizar em prol dos seus androcêntricos interesses concorrenciais e psíquicos. Para dar expressão aos sentimentos que despertaram com o seu modo de proceder já não há que falar só em ira, nem sequer em desprezo, mas pura e simplesmente de um asco existencial.

(1) Biedermeier: movimento cultural afirmativo pequeno burguês na Alemanha e Áustria entre 1820 e 1840. Literalmente, feitor honesto (NT)

Tradução de Lumir Nahodil

Julho de 2004

Original alemão: http://www.exit-online.org/

http://obeco-online.org/