CRISE E COLAPSO DA ECONOMIA DE COMANDO
Economia de escassez e concorrência secundária negativa
O resultado lógico do socialismo real é uma extensa economia de escassez que penetra todos os setores e determina a vida social e individual. Nesse nível desenvolve-se então necessariamente uma concorrência negativa entre as empresas, que açambarcam material, roubam umas das outras, aliciam mão-de-obra alheia etc.
As empresas concorrem com o Estado na absorção dos lucros e nas cotas do plano, as empresas, os ramos e as regiões concorrem entre si na obtenção de fundos e material, os produtores e os consumidores concorrem nos preços e valores de uso dos bens. A rigor, não se pode falar, por isso, de uma liquidação total ou da simples inexistência da concorrência; ao contrário, a "concorrência negativa" do estatismo baseado na economia de guerra nada mais é que uma concorrência invertida, de acordo com o sistema, em comparação àquela do capitalismo ocidental. Realmente eliminada foi apenas a função da concorrência de aumentar a força produtiva, mas não a rivalidade abstrata entre as instâncias sociais e os indivíduos. Essa parece ser secundária porque se refere aos imperativos subjetivos e "políticos" preestabelecidos e às ordens da burocracia, enquanto a "coação muda" da concorrência ocidental, por ser um fenômeno cotidiano e sem sujeito, já não é sentida como condição prévia que impõe determinada forma.
Essa inversão dos problemas da reprodução e da suscetibilidade de crise, que distingue a economia de concorrência ocidental e o estatismo do socialismo real, foi logo percebida, ainda que não enquadrada no contexto histórico e teórico, impossível de avaliar naquela época. Em sua análise, publicada em 1924, do comunismo de guerra, como "período heróico da Grande Revolução Russa", o economista Lev N. Kritzman, falecido em 1938 expõe com nitidez surpreendente a constelação dos problemas. Não afeta absolutamente a lógica de sua análise o fato de que ele enquadrara essa constelação no contexto de uma suposta "economia não monetária proletária", isto é, que não a deduz da lógica contraditória de um "mercado planejado", limitando-se à fase muito curta e fracassada de "economia não monetária" do comunismo de guerra (1), e que não pode explicar esse fracasso pela lógica interna do processo de modernização, atribuindo-o à mera "imperfeição" de uma "primeira tentativa" sob condições difíceis.
Uma vez que essa efêmera "economia não monetária", como já indica a designação comunismo de guerra, representa ela própria um componente e o decorrer do estatismo baseado na economia de guerra, não pode ser considerada, de modo algum, precursora de uma sociedade futura não determinada pela forma-mercadoria. Apenas anuncia o congelamento fatal das estruturas, orientadas na economia de guerra, de um "mercado planejado" dentro da lógica histórica de um estabelecimento recuperador de formas burguesas. Interpretada nesse sentido, a análise de Kritzman torna-se surpreendentemente atual:
Já que ainda setenta anos após o comunismo de guerra, na União Soviética e em todas as demais economias de comando estatistas baseadas na economia de guerra, os mesmos fenômenos não apenas continuam existindo, mas ainda se agravaram até a insuportabilidade, podemos supor que o "mercado planejado" posterior e a suposta "economia não monetária proletária" se fundamentem na mesma lógica. Abstraindo-se da terminologia desconcertante de Kritzman, que cria, por exemplo, o termo curioso da "anarquia da economia não monetária", compreende-se facilmente que ele, com a "igualdade absoluta" do conteúdo que assume "formas de manifestação diretamente opostas", se refere, sem saber, à igualdade da lógica básica: a lógica da exploração de trabalho abstrato, a qual o pensamento de Kritzman ainda não pode transcender porque confunde a liquidação transitória, apenas externa, do dinheiro com a supressão da "economia de mercadorias capitalista".
De fato, a identidade da crise e da restrição tanto da produção quanto do consumo é evidentemente inerente ao sistema do trabalho abstrato, como tal; sua manifestação oposta, invertida, marca apenas a diferença entre a lógica estatista e a monetarista dentro das mesmas categorias básicas. De acordo com isso, a dinâmica da concorrência e o revezamento flexível de monetarismo e estatismo, no Oeste, implicam também a alternância dinâmica de prosperidade e crise, enquanto o congelamento estatista do Leste tinha que conduzir ao congelamento subseqüente da crise, na forma de economia de escassez permanente e estagnante.
Mas Kritzman descreve adequadamente o mecanismo invertido na relação ente produção, distribuição, circulação e consumo dos bens numa economia de comando estatista, apesar de não reconhecer a transcendência efetiva. O que ele chama de acumulação de "excedentes nas mãos dos consumidores" aparece hoje nos debates de reforma como "ditado dos produtores" que tem que ser rompido; e trata-se realmente do mesmo fenômeno dentro da concorrência secundária negativa. Pois enquanto os produtos aparentemente excedentes se acumulam no Ocidente nas mãos dos produtores, por serem invendáveis, as economias de comando garantem aos produtores, à maneira de Fichte, a venda dos produtos. Mas na medida em que as empresas, por outro lado, são consumidas no "consumo produtivo", acumulam-se nelas, pelos motivos mais diversos, bens inaproveitáveis que são obrigadas a comprar. Mas não se trata apenas de uma irregularidade da distribuição, tal como a representa no exemplo de kritzman a proporção entre suportes de lampiões, pavios e quimadores; esse tipo de irregularidade ainda poderia ser corrigido ou pelo menos moderado por medidas organizatórias. Ao contrário, as empresas, conforme mostramos, fornecem umas às outras conscientemente produtos defeituosos que naturalmente se acumulam nelas, no papel de consumidoras, precisando de consertos, modificações ou da simples remoção, ocupando os depósitos etc. Mais isso ainda não é tudo. A economia de escassez cria também a necessidade preventiva de pedir, de açambarcar e, por isso, de fazer "desaparecer" bens, materiais e máquinas de fato ou supostamente escassos, independentemente das exigências do "consumo produtivo"; precisamente nessa área realiza-se uma parte essencial da concorrência secundária negativa (2).E quando as empresas e os combinats, em seu desespero, passam afinal, contra toda razão, à fabricação própria de produtos prévios, peças de reserva e máquinas, na tentativa de substituir o sistema da divisão social do trabalho em dissolução, (3) completa-se a cena, indo-se muito além dos exemplos ainda relativamente inocentes de Kritzman.
Dificuldade de consumo, excedente de dinheiro e mercado negro
Enquanto a economia de escassez se manifesta por parte das empresas como concorrência negativa e acumulação de material em parte inútil, em parte açambarcado, apresenta-se ela por parte do consumo individual como pobreza geral, como subconsumo progressivo das massas. Pois a produtividade baixa e estagnante conduz necessariamente a salários analogamente baixos. A distância em relação ao nível ocidental ficou cada vez maior, como mostra a comparação da RDA e da RFA desde 1961:
A argumentação de Engels, professor de economia, não é correta sob o aspecto de que comparações diretas de níveis salariais e relações cambiais nada dizem sobre a capacidade aquisitiva real dos dois sistemas diferentes. A capacidade aquisitiva de um salário da RDA não era absolutamente tão baixa quanto sugerem os critérios de comparação aqui adotados. Pois nesse caso, a uma renda de 2000 marcos, na Alemanha Ocidental, teria correspondido em 1989 uma renda de 80 marcos na Alemanha Oriental, levando-se em conta o câmbio. Em virtude do caráter do marco oriental, de moeda puramente interna e inconversível, a capacidade aquisitiva real era naturalmente muito maior. Mas, apesar disso, permanece um fato incontestável que desde 1961 baixou continuamente a capacidade aquisitiva da renda média da RDA, em comparação ao Ocidente.
Em segundo lugar, porém, existiam cada vez menos coisas que se podiam comprar com esses salários já relativamente baixos. O tempo de espera pára um carro na RDA chegou a ser, por fim, de quinze a vinte anos, e para uma linha telefônica, de 25 anos ou mais [!]. Também para os bens de consumo cotidianos repetiam-se já no passado as notícias de escassez são conhecidas as filas em todo o bloco oriental. Isto é, os salários baixos nem sequer podiam ser gastos, acumulando-se durante anos e décadas nas cadernetas de poupança da população.
Essa acumulação de procura solvente que não se pode realizar conduz a um excedente de dinheiro cada vez mais perigoso entre as pessoas privadas, que como potencial inflacionário (ao lado da enorme dívida pública devida ao aumento forçoso das subvenções) ameaça toda reforma de preços, manifestando-se por enquanto o baixo valor desse dinheiro não nos preços, mas sim em sua inutilidade, por causa da falta de oferta:
Esse fenômeno pode ser encontrado, sem exceção, em todas as economias de comando. Tornou-se também o problema nem de longe superado da união monetária alemã, cujo potencial inflacionário realizar-se-á somente com atraso. Outros efeitos colaterais indesejáveis manifestam-se na motivação da mão-de-obra:
Não falta muito para a esquerda apologista do Oeste ser capaz de vender também esse tipo de desemprego como conquista social. Na verdade, ele conduz naturalmente ao empobrecimento que contamina até o último poro a vida cotidiana das pessoas. O homem culto que está lendo Puchkin enquanto fica na fila é apenas uma lenda. O que a um observador ocidental pode parecer, à distância, um passatempo agradável, (4) nada mais é que a caça desgastante a bens de consumo, o cultivo de contatos, etc. Essa atividade intrigante à qual obrigam as necessidades mais banais, satisfeitas no Ocidente por qualquer supermercado, é conhecida de todas as economias de guerra e de escassez históricas, o açambarcamento tornou-se a atividade mais importante, ocupando todo horizonte temporal.
Do mesmo modo que causou perplexidade, após a abertura das fronteiras, o cenário de indústrias decaídas, assim também a atitude das massas na RDA que nos primeiros dias esvaziaram as bancas das cidades fronteiriças à procura de revistas pornográficas e sensacionalistas. Mas o que mais se pode esperar de pessoas que na monotonia de suas vidas de caserna nada melhor tinham pra fazer que colecionar, como preciosos ou relíquias, as embalagens coloridas de determinados artigos de consumo ocidentais? O choro convulsivo ocorrido em face da oferta excessiva, de repente acessível, nas lojas de departamentos do vendedor alemão-ocidental no mercado mundial não pode surpreender em pessoas crescidas e educadas nos códigos de uma economia de escassez permanente. Faz parte desta vida acostumar-se com complicados negócios de troca em espécie, para obter as coisas mais banais. Essa é realmente uma caricatura da "supressão do dinheiro" que nessa miserabilidade nem Kritzman teria jamais imaginado:
Além da frustrante troca em espécie, o mercado negro, conhecido de todas as economias de guerra e de escassez, é também um fator desmoralizador que marca a vida cotidiana; nele negocia-se em dinheiro (ou até apenas em divisas), mas, de acordo com a realidade econômica de escassez, a preços tão horrendos que a subvenção "político-social" dos preços oficiais revela-se como absurda em um número cada vez maior de bens escassos. Não é apenas na União Soviética que o mercado negro se tornou um dos fatores econômicos mais importantes, tanto para as empresas (pensando-se no sistema do tolkach) quanto para os indivíduos:
Não nos surpreende que as conseqüências da estrutura estatista congelada, que se manifestam numa economia de escassez, atingem primeiro e de forma mais grave os fracos da sociedade, que não podem faltar em tal sistema, isto é, sobretudo os aposentados, os enfermos, os deficientes, as crianças de asilos etc.: todos que não têm agilidade suficiente, que não podem arranjar divisas e que não são capazes de competir no mercado negro. Acrescenta-se ainda a circunstância de que também a burocracia, fixada em crescimento, acumulação de valores abstratos e construção de pirâmides, apesar de todo o palavrório social, considera todos os "improdutivos" parasitas, e isso tanto mais quanto mais precária se torna a situação das finanças públicas.
Enquanto nas épocas pré-modernas a crueldade contra os fracos, velhos e enfermos se devia ainda parcialmente à força produtiva insuficiente e à dependência da "primeira natureza", resulta ela nos sistemas produtores de mercadorias unicamente do fato de que os homens são apenas "válidos" na medida em que, sem consideração dos recursos reais, podem cumprir o imperativo do trabalho abstrato. As gratificações sociais, concedidas como se joga um osso para o cão, permanecem dependentes dos processos de exploração abstratos e são retiradas sem perdão na crise. Como se sabe, isso ocorre também no ocidente, cuja administração da pobreza segue a mesma lógica perversa. Também nessa área, a economia de comando do socialismo real levou ao extremo as contradições e a lógica do sistema produtor de mercadorias, em vez de suprimi-las. Segundo as informações da revista reformista Ogoniok, aproximadamente um quinto da população soviética está vivendo abaixo do nível de pobreza, sendo o número provavelmente muito maior. As favelas de Baku, por exemplo, postas a descoberto pela glasnost e pelas reportagens sobre a perseguição de minorias, revelam boa parte da realidade. Essas imagens abaladoras fizeram a esquerda apologista do Ocidente reconhecer a cabeça de medusa de suas ilusões sobre a "economia de mercado socialista" e o "mercado planejado".
Relações com o mercado mundial e dinamização da crise
Agora resta saber como um "socialismo" de caserna tão absurdo, com suas estruturas gastas, conseguiu sobreviver durante tantas décadas. Sem dúvida, há várias razoes. Primeiro, não se deve subestimar certos fatores de coincidência, positivos e negativos. Durante muito tempo, para a geração da Revolução de Outubro não estava em absoluto mortalmente gasta a exigência de uma atitude "sensível" frente à produção própria, mesmo que fosse apenas em benefício de gerações futuras. Grande parte dos fenômenos da economia de escassez, já mencionados por Kritzmam, podiam inicialmente ser equilibrados, contra a lógica econômica, ou pelo menos considerados suportáveis, pela moral e pelo entusiasmo revolucionários, uma vez que reinava a ilusão de que se tratava de dificuldades iniciais.
Depois de mais de uma década de penúria, quando se esgotara a moral revolucionária, esta foi substituída pelo terror político da era stalinista, em que o pavor ocupava o lugar do entusiasmo, forçando àquela disciplina externa que se tornara necessária para substituir o mecanismo interno de reprodução da sociedade produtora de mercadorias que fora burocraticamente liquidado. Essa situação teve sua continuação na sociedade de emergência da "Grande Guerra Patriótica", forçada então também pelas atrocidades da máquina de guerra fascista, que devastava o país e fazia com que se tornasse uma necessidade imediata de sobrevivência certa eficiência da produção. Pois também as economias de guerra ocidentais tinham que mobilizar, nessa época (e já pela segunda vez), a disciplina militar e a coação exercida pela economia de comando.
Em segundo lugar, temos que levar em conta certo fator temporal histórico que condiciona a maturidade para a crise do sistema do socialismo real. Levara várias décadas até o descuido dos investimentos de reposição, condicionado pelo sistema, ter arruinado todo o parque de maquinaria. E somente depois de tornar-se inevitável a mudança para uma reprodução intensiva, isto é, após o fim da Segunda Guerra Mundial, faziam-se sentir em maior escala as deficiências do sistema. Também demorou algumas décadas até finalmente a disciplina angustiada, forçada pelo Estado policial, afrouxar-se até o ponto de já não ser levada a sério. Os regimes do socialismo real do Leste europeu, que nem chegaram a conhecer uma fase de "moral revolucionária", passaram por um ciclo de revoltas reprimidas por contra-ataques sangrentos e de subseqüente indiferença resignada, até poderem alcançar aquela fase de "não levar a sério" que contribuiu para a manifestação da crise econômica.
Não obstante, somente esses fatores de crise internos poderiam ter sido insuficientes para provocar o colapso. O costume é um dos poderes mais assustadores na vida humana, e precisamente em sistemas burocráticos, congelados no estatismo, parece causar nos homens uma latente paralisação intelectual e política. Onde não há dinamização, faltam também as crises repentinas e os acontecimentos alarmantes. Talvez pudesse ter-se arrastado por um período ainda muito mais longo a estrutura de comando completamente gasta, se não tivesse penetrado, nos anos 80, uma forte dinâmica de crise, devida ao fator externo das relações com o mercado mundial.
Sem dúvida, as economias de comando estatistas, de acordo com suas raízes históricas e devido à coação da modernização recuperadora, desenvolvem uma forte tendência à autarquia. Toda economia fechada, burocraticamente regulada, tem que isolar-se do mercado mundial. Isso já revela o conceito do "Estado mercantil fechado" de Fichte. Não obstante, nenhum sistema industrial da moderna produção de mercadorias pode conservar sua plena autarquia. Produções industriais em grande escala exigem uma variedade tão grande de ingredientes e concatenações que nem o maior país estaria em condições de realiza-las de forma autônoma. Além disso, é uma tentação irresistível o aproveitamento da troca de bens próprios no mercado mundial para apropriar-se dos resultados do conhecimento alheio e da habilidade desenvolvida por outra parte. A troca de know-how torna-se uma necessidade crescente.
O monopólio estatal do comércio exterior não muda absolutamente nada no fato de que a mercadoria do "socialismo real", ao chegar ao mercado mundial, tem que sujeitar-se às leis deste, independentemente de suas leis próprias (diferentes das primeiras e invertidas). O mercado mundial, em primeiro lugar uma meta-esfera da produção de mercadorias das economias nacionais, impõe progressivamente em um contexto global a lei da produtividade, descrita por Marx. Vem a constituir-se um padrão mundial "do trabalho socialmente necessário na média" que obviamente não se orienta pelas economias nacionais mais atrasadas, mas sim pelas mais avançadas. Assim surge a possibilidade de que, para um número crescente de mercadorias, difira na economia interna e no nível médio do mercado mundial o "trabalho socialmente necessário na média", mas sem que se estabeleça no contexto global uma média ideal; o que se impõe por toda parte é o padrão da produtividade mais alta. (5)
Enquanto era relativamente suportável o atraso na produtividade das economias de comando do socialismo real, podendo-se enfrentar esse problema com a perspectiva de "alcançar e ultrapassar" os concorrentes, tal atraso não se refletia na reprodução interna como dinâmica de crise acelerada. Houve, porém, uma mudança dramática quando os surtos ocidentais de racionalização e produtividade, nos anos 70 e 80, acelerados pela microeletrônica, fizeram com que o socialismo real perdesse no mercado mundial o chão debaixo dos pés, uma vez que, devido a sua estrutura interna estagnante, não podia acompanhar esses surtos. Todos os seus esforços "comandados" pelo pânico crescente eram em vão. Esse desenvolvimento dramático pode ser demonstrado no exemplo da RDA, que por falta de matérias-primas próprias dependia em alto grau do comércio exterior, e dentro desse país, no exemplo da construção de máquinas, ramo tradicionalmente forte e orientado para a exportação. Assim se lê, por exemplo, pouco antes do colapso da RDA, numa reportagem sobre a combinat de máquinas de ferramentas Fritz Hecker:
No entanto, sob as condições novas, impostas pelo desenvolvimento ocidental da força produtiva, mediada pela concorrência, esse andamento habitual das coisas, ou melhor, essa vagareza, tinha que conduzir a um derrocamento catastrófico:
Esse balanço desolador dos últimos vinte anos contém o fato humilhante de que a RDA, por fim, no mencionado fornecimento de máquinas aos países da OCDE, alcançou apenas um quarto da quantidade fornecida pela Malásia (compare Vincentz, 1989).
Da crescente miséria no mercado mundial das economias de comando resultam necessariamente duas outras conseqüências que afinal causaram a queda no abismo. Por um lado, tinha-se que manter a todo custo as exportações já não capazes de competir, para conseguir divisas para as impor-tações indispensáveis. Não restava outro caminho, portanto, que subvencionar as exportações, do mesmo modo que os preços da reprodução interna:
Naturalmente essas subvenções das exportações recaem plenamente sobre a reprodução interna, porque devoram o bolo das subvenções internas quase já não representável em categorias monetárias. Por outro lado, porém, inicia-se assim um movimento espiral de dívidas externas que não pode ser refreado por truques contábeis baratos, como acontece internamente. Assim, o professor Eugen Faude da Academia de Economia Bruno Leuschner, em Berlim Oriental, teve que confessar numa entrevista:
Isso significa, portanto, que a dívida externa rapidamente crescente (em meados de 1990, já se falava, para a RDA, em pelo menos 20 bilhões de dólares; a verdadeira quantia será descoberta no cálculo do custo da reunificação), seguindo o modelo de muitos países do Terceiro Mundo, estava tomando um rumo para uma situação em que as exportações subvencionadas a alto custo sequer poderiam servir para importações próprias, mas sim teriam que ser dissipadas para atender às obrigações da dívida externa. Esse estado de dessangramento já foi alcançado muito antes por outros países do socialismo real, menos desenvolvidos que a RDA, sobretudo a Polônia. Com isso, porém, tornou-se inevitável o colapso do sistema. A latente crise interna tinha que se agravar dramaticamente pela pressão externa do mercado mundial, infinitamente avançado em sua produtividade.
A "experiência" econômica, no entanto, inclusive os marxistas, somente pode compreender a derrocada catastrófica do mercado mundial como coação objetiva que conduz a restrições sociais, porque infelizmente já não podem ser "realizados" recursos suficientes para fins filantrópicos. Mas o colapso das economias de comando não apenas tirou a razão de ser desses argumentos, como também tornou supérfluas as medidas propostas.
Da crise ao colapso
Desde a segunda metade dos anos 80, a depravação social fez-se sentir com uma violência brutal nunca vista, manifestando-se Agora também na superfície, no colapso do abastecimento dos consumidores. Enquanto inicialmente parecia tratar-se dos aspectos conhecidos há muito tempo quando nos meios de comunicação da RDA foi discutido, para o divertimento das agências ocidentais, o colapso do abastecimento de calcinhas ou quando, vindo da Sibéria e do Cáucaso, divulgou-se o grito de socorro "Pelo amor de Deus, mandem sabão!", o tom tornou-se cada vez mais estridente durante o ano de 1989. Surgiu a pergunta sobre se administração "reformista" de Gorbachev ia sobreviver ao inverno:
Entrementes, a periferia do Leste europeu já se separou politicamente da União Soviética, sem qualquer melhoria previsível da situação econômica. A RDA foi liquidada e incorporada à RFA. O processo de dissolução progride rapidamente em toda a região e também na própria União Soviética. Numa notícia da DPA [agência de notícias alemã], do início do outono de 1990, lê-se o seguinte:
O colapso completo torna-se a cada dia ainda mais completo. A fome geral é bem possível; por mais absurdo que isso possa parecer num país industrializado. No fundo, nem uma safra recorde dispensada pela "primeira natureza" nem remessas subsidiárias ou créditos para importações de alimentos, por parte do Ocidente, podem ainda aliviar a miséria, porque naturalmente também deixou de funcionar o sistema de transporte, não chegando os poucos bens existentes às mãos dos consumidores.
O que se observa nas vias marítimas e fluviais e nas aéreas aplica-se mais ainda ao transporte terrestre. Já que nesse, particularmente, na União Soviética, a ferrovia desempenha o papel decisivo, seu mau estado constitui um dos maiores obstáculos que se opõe ao transporte tanto de alimentos de produção própria como de remessas subsidiárias do Ocidente. O mesmo aplica-se, ao contrário, às remessas soviéticas destinadas aos países do bloco econômico oriental, agora já dissolvido, com cujo fim também decaíram as estruturas decisivas do comércio exterior. Também essa decadência tem seu lado material-técnico devido a investimentos sistematicamente errados que ignoram os valores de uso mais elementares, funcionalmente necessários:
Com isso, o "Estado racional" burguês de uma produção planejada de mercadorias foi atingido definitiva e irrevogavelmente pelo contra-senso do trabalho abstrato e de suas leis formais; o meio da modernização burguesa recuperadora devorou seu fim. A abstração lógica entre o produtor de mercadorias e o valor de uso e as necessidades, irrestrita devido ao congelamento estatista das relações entre produtores, levou sua loucura à última conseqüência, encontrando assim seu fim lógico e histórico.
Notas
(1) Essa "economia não monetária" do comunismo de guerra tinha de fato traços heróicos. Tratava-se da tentativa, naquela época necessariamente condenada ao fracasso, de "abolir" o dinheiro, tentativa que nem sequer pôde ser formulada como programa, chamando-se por isso de "proletária". O fato de que também essas experiências passageiras com uma "economia não monetária", restritas ao setor de distribuição, tinham que apoiar-se em estruturas de comando estatais, já anuncia o inevitável retorno, dentro de pouco tempo, do dinheiro, o qual, junto com o Estado, veio a constituir a forma básica inevitável da máquina de modernização soviética.
(2) Isso inclui naturalmente caminhos informais e ilegais de abastecimento. Na União Soviética existe para esse fim em todas as empresas a instituição semilegal do tolkach, cuja função exclusiva consiste em arrumar material mediante negócios no mercado negro, açambarcamento e suborno. Fenômenos semelhantes são constantemente relatados nos países da Europa oriental. Na RDA, não era nada incomum diretores de empresas percorrendo o país em seus carros particulares, à procura de peças de reserva: o verdadeiro remate de uma "economia planejada" e do "Estado racional" de Fichte.
(3) Daí explica-se concretamente a mencionada pouca densidade e profundidade, até tendencialmente regressiva, do entrelaçamento industrial na reprodução da economia de comando.
(4) Depois de a glasnost fazer transparecer um pouco mais a situação real, também no que se refere à vida cotidiana das massas e às condições estruturais reais, poder-se-ia antes supor que aquele leitor de Puchkin, tantas vezes citado, tenha sido o único homem alfabetizado da fila. Olhando-se mais de perto, volatiliza-se também o suposto excedente educacional. E isso não por último porque também os bens educativos, como, por exemplo, os livros, estão sujeitos às conseqüências da economia de escassez e até as instituições de ensino estão expostas à decadência geral.
(5) Esse problema, que também atinge o Terceiro Mundo, exercendo ali pressão crescente, faz nascer um debate tão extenso quanto ingênuo do ponto de vista da economia do capital (e precisamente sustentado pelos marxistas) sobre a "troca justa", que lembra bastante as antigas lições de Proudhon. Pretende-se curar a lógica da mercadoria dentro dela própria, não se podendo ou não se querendo compreender que as leis da produção de mercadorias, também no nível do mercado mundial, somente podem ser suprimidas pela abolição da própria forma-mercadoria.
(In. O Colapso da Modernização - Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial de Robert Kurz; Editora Paz e Terra, Brasil, 2ª edição, 1993.