TER CLASSE
Enquanto a Alemanha, S.A. está sendo liquidada juntamente com o estado social, forma-se uma nova consciência de crise no famigerado centro social. Os partidos de esquerda e o WASG (1) representam no caso um modo de reagir há muito corrente entre a clientela social-democrata, a designar na melhor das hipóteses como "nostalgia keynesiana". Os marxistas tradicionais vêm "as classes" levantar-se de novo e querem farejar um sopro de Primavera da velha luta de classes. De facto, trata-se da queda da nova classe média, que é esmagada pela globalização e empurrada para a grande multidão dos subsídio-dependentes postos ao nível da pobreza. Não há rasto do tradicional produtivismo nem da amarração ao "trabalho abstracto".
Mas no centro há ainda outra maneira de reagir completamente diferente, adoptada sobretudo pelos snobs pòs-modernamente socializados da New Economy colapsada e da estafada empresa cultural. Também aqui se fala de "classe", mas num sentido completamente diferente. A gente chique do design e da cultura, que até agora vem sendo alimentada pela mais valia, lamenta-se de que é impossível na Alemanha atrasada "formar uma classe" quer dizer, um milieu "com classe". Mesmo a capital Berlim é denunciada como provinciana em comparação com "o chique de Paris" ou com "a abertura ao mundo de New York". Berlim, assim se diz numa colectânea co-editada pelo chefe do suplemento cultural do jornal dominical Frankfurter Allgemeinen, Claudius Seidl, é "aborrecida e bárbara", "sem maneiras", uma "Sibéria junto ao Spree (2)". O representante da single-generation junta-se ao velho leão da cultura, Hellmuth Karasek, que num telefilme da cadeia ARD vê Berlim como "pobre e mal vestida". Até o Nobel da hotelaria "Four Seasons" tinha que manter as portas fechadas, o que não admira, com tanta canalha pelas ruas.
Os figurantes dandy dos anos noventa, que se acham com "classe", têm pronta também uma espécie de explicação económica, para a atmosfera geralmente constatada como provinciana: em Berlim, além do mais, a vida é "muito barata". Doner (3) a menos de um euro, vendas de refugos ao desbarato por todo o lado; e até apartamentos de quatro assoalhadas oferecidos por uns ridículos 320 euros estão vazios. A receita de Seidl para "ter classe" é simples: "Chegue-se a uma cidade cara a sério. Rendas a 1.000 euros". É o que pensam também os planeadores urbanos até à Baviera profunda. Por toda a parte vigora o mote: "Melhoria da estrutura social". Saneamento de luxo - e adeus às criaturas do Hartz IV (4), subsídio-dependentes, migrantes, "fura-vidas de longa duração" e outros que tais sem eira nem beira. Venham as bem tratadas famílias da classe média, os alegres consumidores de cultura e os apreciadores de vinho, sem a "mentalidade de garantir o futuro". Com eles está uma pessoa à vontade e não tem que tropeçar permanentemente em punks a mendigar, bolas! E para onde mandar todos os "sem classe"? Não me perguntem, alguém já há-de saber, talvez a polícia.
Há um pequeno defeito estético neste arrazoado encharcado em amaneiramento cultural postiço. A classe média bem cheirosa, bem situada, ciosa do que é seu e com o seu estilo de passeio, que consegue desbobinar o cânone cultural de via reduzida de Schwanitz (5), é uma espécie em vias de extinção. Os planeadores de cidades e educadores de classe estão há quatro ou cinco anos na observação das estruturas. Eles próprios já estão na lista de abate e sofrem de perda da realidade. Hoje ainda redactores de suplemento cultural, amanhã consumidores de 99 cêntimos; é cada vez mais depressa. Já é muito tarde para uma Disneylândia snob de burguesia culta. Pelo contrário, o mundo arruína-se, com elegância. "Classe", é só o que se lhe pode chamar.
Original KLASSE HABEN in Neues Deutschland, Berlin, 05.08.2005