A REVOLUÇÃO NEOLIBERAL DEVORA OS SEUS FILHOS
A maior parte das vezes a situação não é o que parece. Enquanto a esquerda, nas vésperas das eleições, vê pouco mais que o protesto politicamente canalizado contra as reformas anti-sociais da coligação vermelha e verde, a globalização já está a cilindrar até os expoentes desta política nas direcções das empresas. Peter Hartz, figura de proa da razia neoliberal dos subsídios, teve de se demitir de forma desonrosa, no âmbito do escândalo de corrupção que abalou as chefias da Volkswagen e que eclodiu mesmo a jeito. O patrão da Daimler-Chrysler, Jürgen E. Schrempp, que gostava de se fazer chamar "Mr Shareholder value", foi enviado para o deserto. E de repente também o descalabro da coligação vermelha e verde se apresenta a uma nova luz. A [revista económica de referência] "Wirtschaftswoche" permitiu-se a brincadeira de retratar na capa o ainda chanceler Schröder, Schrempp e o presidente do conselho fiscal da Volkswagen, Piech, ao estilo dos cartazes de Marx, Engels e Lenine, acompanhados do título: "Libertamos o caminho o fim de uma época". Quem havia de pensar: o esperto chanceler mediático ao lado do "Mr Shareholder value" no papel ingrato de Gorbatchov, ou mesmo de Honecker e companhia.
Schrempp merece uma reprimenda por ter comprado a preços elevados a Chrysler e a Mitsubishi, candidatos à morte das capacidades excedentárias globais, para construir carros a sério no que passou a ser uma S.A. mundial à velha maneira fordista. No entanto, a crise da economia real exige o autocanibalismo dos grandes conglomerados industriais, que têm de ser cortados às postas e atirados para a circulação dos mercados financeiros, porque esses são o único local que resta onde ainda podem realizar-se lucros. O mesmo aplica-se às próprias empresas-mães. O presidente do Deutsche Bank, Josef Ackermann, vendeu na véspera da queda de Schrempp 35 milhões de acções da Daimler-Chrysler e assim deu por terminada uma associação tradicional de oitenta anos. Em todo o lado os bancos estão a livrar-se das participações na indústria. E ao mesmo tempo trata-se de liquidar todos os acordos de empresa ainda celebrados com os empregados efectivos das empresas-mães por Hartz e Schrempp. O que passa à disponibilidade é todo o antigo corporativismo, com o seu entrosamento pouco saudável entre gestores, bancos, aparelhos sindicais, príncipes dos conselhos empresariais das grandes empresas e da política. Hartz, Schrempp e o governo vermelho e verde eram sinónimos de uma cínica versão minoritária da Alemanha-S.A., que contavam salvar na era da globalização à custa de uma massa de milhões de perdedores. Mas a exclusão social por si só não chega; o novo capital financeiro agora até está a perder a capacidade de integrar uma clientela residual privilegiada.
O modelo corporativista da Alemanha-S.A. já para os nazis foi sinónimo de uma arregimentação nacionalista e um entrosamento entre o capital financeiro (antigo), a política, o trabalho assalariado, o consumo de massas e o estado-providência, numa base que só pode ser designada por racista. Não por acaso a Volkswagen era precisamente um dos empreendimentos favoritos de Hitler. A "automobilização" fordista deu-se em nome da comunidade da nação e do sangue alemã. Após 1945 esse modelo foi economificado e individualizado, sem que a história da fundação tivesse sido objecto de um tratamento crítico. Agora acabou-se a brincadeira. No âmbito do processo de crise da terceira revolução industrial, a Alemanha-S.A. é denunciada e liquidada. O protesto social pode escolher. Ou denuncia por sua vez este modelo, a fim de se radicalizar a nível transnacional e finalmente dizer "adeus à comunidade nacional". Ou deixa-se converter na correia de transmissão da clientela residual ainda privilegiada, para defender os tachos nacionais desta e apenas tornar a exclusão social selectiva. Neste caso não se torna apenas reaccionário, mas igualmente ilusório.
Original DIE NEOLIBERALE REVOLUTION FRISST IHRE KINDER publicado no Neues Deutschland, 02.09.2005