ESTÁS BARATA, ALEMANHA
O estado-providência está a ser destruído passo a passo, descem os salários, sobe a pobreza, grassa o medo, cresce a raiva nas entranhas. E a resposta? Uma equipa mediática de telenovela dá início à mãe de todas as campanhas de public relations: "Tu és a Alemanha". Escuta bem, ó vinculado aos empregos de 1 Euro, em breve despromovido a engraxador de sapatos: "Seja qual for a tua posição. Tu é que manténs a loja. Tu és a loja. Tu és 82 milhões". E mais uma para quem estiver com dúvidas: "Tu és Thyssen". À primeira vista poder-se-ia pensar que se trata de uma paródia da revista satírica "Titanic". No entanto estamos perante uma sátira real colectiva dos gigantes dos media Springer, Burda, Bertelsmann, Spiegel, ARD, Frankfurter Allgemeine, Premiere, Focus e outros, apoiados pela grande padaria Kamps.
O primitivismo da mensagem é estonteante. Ela soa como se tivesse sido concebida por proletários culturais intelectuais para analfabetos funcionais: "A tua vontade é como fogo no rabo. Ela faz que o teu central preferido corra mais depressa e que Schumi conduza mais rápido... Acelera, não apenas na auto-estrada. Tira o pé do travão. Na auto-estrada alemã não há limite de velocidade". Os destinatários são pelos vistos búfalos identitários mais ou menos jovens e perdedores da crise em estado avançado de inimputabilidade, aceleras comummente perigosos e fãs da euforia da cerveja com uma pitada de vontade pós-moderna de auto-sugestão.
Não é só o primitivismo que surpreende, mas igualmente a falta de vergonha. O tom recorda as palavras de ordem fascistas de apelo à resistência. Tal releva tanto de calculismo como do pânico de uma fuga para a frente. Enquanto a Alemanha-S.A. é desmantelada em termos de economia real, ensaia-se, no meio do furacão do capitalismo de crise global, o ressurgimento da comunidade popular alemã como comunidade ideológica de emergência e coacção.
Na verdade, o slogan também poderia ter sido: "Tu és estúpido". Mas os farejadores de tendências profissionais sabem com quem estão a lidar. Compreenderam que, até bem ao centro da sociedade, a reacção à globalização é nacionalista em vez de emancipatória em termos sociais. Aprenderam com os êxitos da campanha do NPD, de extrema direita, do "Não te deixes levar", com o discurso incendiário de Müntefering sobre os "gafanhotos" e com a agitação contra os "operários estrangeiros" de Lafontaine. Agora as grandes empresas também querem deitar lenha para a fogueira e aprestam-se a ultrapassar todos pela direita. "Tu és Thyssen" também quer dizer: "Thyssen és tu". Tenta-se reeditar mais uma vez o que a filósofa Hannah Arendt descrevera como a reacção "de cima" à crise económica mundial do período entre as guerras: A aliança da elite com a populaça. Quando a fome aperta, também o engenheiro e o professor de liceu regridem ao nível de um fã arruaceiro.
À maneira duma seita, os pragmáticos capitalistas tentam chupar até ao tutano os trabalhadores de salários baixos deserdados e individualizados: "Tu és importante. Dá o melhor rendimento de que fores capaz". É um facto que já não te damos dinheiro em troca, mas em contrapartida podes voltar a saudar a bandeira como qualquer escuteiro mais apalermado. Ao contrário dos propagandistas nazis, porém, os publicitários do "Tu és a Alemanha" não podem acenar com despojos de guerra nem com o domínio do mundo. A globalização é irreversível, a economia empresarial transnacional não pode ser trazida "de regresso ao império". Ainda assim, vai-se abrindo a válvula do nacionalismo para dentro, não para fora. E não é só a exortação a trabalhar sem receber: "Sujemos as mãos. Tu és a mão". Quando vier a altura do desespero, não te atires aos nossos gasganetes, mas sim aos dos migrantes, requerentes de asilo, estrangeiros aqui residentes. E, seja como for, a culpa é dos judeus. É este o subtexto desta mensagem.
Original DU BIST BILLIG, DEUTSCHLAND, in Neues Deutschland, 30.09.2005