A FEMINILIDADE DA POBREZA PÚBLICA

Robert Kurz

Na oposição entre privacidade burguesa e publicidade burguesa assinala-se que o capitalismo é uma contradição em si em todos os planos; não só na ideologia, mas também na reprodução material. Por um lado a socialização e cientificização crescentes exigem um agregado cada vez maior de serviços públicos, por outro lado isso aparece como uma dedução ao próprio objectivo da criação privada de mais valia. As infraestruturas públicas não representam uma parte autónoma da reprodução social, mas têm que ser alimentadas pela acumulação real. Na terceira revolução industrial também este aspecto da "contradição entre as forças produtivas e as relações de produção" (Marx) amadureceu. A pobreza pública relativa em relação à riqueza privada ameaça tornar-se absoluta. Na mesma medida em que secam a acumulação real e o investimento real, refugia-se o capital na super-estrutura financeira e torna-se niilista face aos serviços públicos, embora estes façam parte das condições da sua própria existência.

A administração da crise não resolve esta contradição, apenas a executa. As infra-estruturas são sucessivamente desmanteladas por falta de "financiabilidade"; particularmente nos domínios da educação, cultura, saúde e assistência, cujo direito à existência só é reconhecido como subproduto de luxo de uma valorização a conseguir, agora já insuficiente. Um momento deste sistemático empreendimento de bota-abaixo é a desqualificação dos serviços públicos. As autarquias cada vez mais preenchem lugares regulares com empregados baratos, os chamados um-euro-jobs, que são recrutados pela administração social através de obrigações coercivas. Vítimas do Hartz-IV formadas com processos sumários ou completamente desqualificadas entram para o lugar de empregados mais qualificados. O que começou no cuidado às crianças, trabalho com deficientes, apoio a idosos e doentes continua em toda a área da educação. Está à vista que a falta de professores será gerida de futuro do mesmo modo: os professores qualificados ficam limitados às "escolas de elite", enquanto no desclassificado sistema escolar público se empregam cada vez mais "professores pé-descalço" desqualificados e baratos.

Esta desqualificação tem que ver essencialmente com a relação burguesa entre os sexos. Nas últimas décadas nos países ocidentais as mulheres equipararam-se aos homens no nível académico e atingiram até mesmo uma quota mais elevada. Mas a actividade profissional das mulheres concentra-se desproporcionadamente precisamente nestes sectores públicos que agora são degradados. Daí que são na maioria mulheres que sofrem uma desvalorização das suas qualificações no ensino, na saúde e na assistência. Por outro lado, estes lugares são ocupados por um número elevado e desproporcionado de empregadas baratas, mulheres. Pois são precisamente as mães solteiras que na sequência do Hartz-IV são apanhadas com particular dureza e recrutadas coercivamente para as actividades públicas "infinanciáveis". Têm de deixar os filhos durante o dia em instituições onde em geral trabalham migrantes do leste da Europa ainda mais mal pagas. É perfeitamente evidente: a crise dos serviços públicos é resolvida às costas das mulheres. A pobreza privada é predominantemente feminina, foi o que se disse nos tempos do começo da desmontagem social, aquando da constatação da desolada situação social das mães solteiras e das pensionistas. Agora dá-se mais um passo: também a pobreza pública é predominantemente feminina. O discurso sobre o fim do patriarcado com a individualização pós-moderna revela-se como pura mentira.

Original DIE WEIBLICHKEIT DER ÖFFENTLICHEN ARMUT, Neues Deutschland, 25.11.2005

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