A CIRCULAÇÃO NÃO LIVRE DAS IDEIAS

Carta aberta às utilizadoras e utilizadores da homepage da EXIT! e às leitoras e leitores da EXIT!

Caras amigas, caros amigos!

Em Dezembro o público é habitualmente assediado com pedidos de contribuição de todo o tipo de associações. Sendo que a EXIT! também depende amargamente das doações financeiras, não quero porém entrar sem cerimónias na empresa do peditório da zona de peões virtual. Tratando-se da teoria crítica, então há que fazer a tentativa, noutros casos inabitual, de verter o pedido de dinheiro na forma duma crítica, ou seja, dum pequeno ensaio de conteúdo argumentativo. A elaboração da teoria crítica no capitalismo encontra-se sob as condições da "riqueza abstracta" (Marx), da qual contudo é a própria negação. Tenho que me pronunciar sobre a produção e circulação de textos neste contexto do problema. E precisamente hoje, em tempos de Internet. Pois uma revista no século XXI já não pode ser simples palavra impressa, tem de ser simultaneamente ainda uma "homepage". O que naturalmente também se aplica à EXIT!.

Em todo o caso, as leitoras e leitores da revista e as utilizadoras e utilizadores da homepage em grande parte não são os mesmos. Pelo contrário, o público reparte-se entre o meio electrónico e o meio impresso. Claro que há naturalmente sobreposições. Pois dos presentemente cerca de 450 subscritores da EXIT-Newslwtter são poucos os assinantes da revista, enquanto por sua vez poucos destes assinantes subscreveram a Newsletter.

As utilizadoras e utilizadores da homepage da EXIT!, que para revista teórica é muito frequentada, podem aqui fazer download de uma massa já bastante grande de textos teóricos e de comentários e utilizá-los para si. Naturalmente não sei que importância tem esta utilização em cada caso. Mas, tendo essa importância, que se pode aferir com pela frequência regular, será lícito falar das condições materiais e sociais e das relações com o meio impresso.

Quanto ao conteúdo, a produção e circulação da teoria crítica radical não trata do fim em si da valorização do valor; neste aspecto cai fora da riqueza abstracta. Como, porém, a crítica constitui um movimento da transcendência para fora da imanência, o conteúdo crítico permanece em determinado ponto de vista ligado à forma capitalista. O que leva muitas/os pensadoras/es afirmativas/os ou resignadas/os a afirmar a falta de esperança do atrevimento, porque a forma sempre absorveria o conteúdo e se transformaria no seu contrário. Considero tal opinião errada, pois não tem em conta que a forma em última instância transforma-se em conteúdo; e mesmo em conteúdo em geral, na constituição negativa do mundo material, assim como na inevitável constituição qualitativa da própria produção capitalista (desenvolvimento de forças destrutivas como forças produtivas) – e, portanto, também em conteúdo da crítica teórica relacionada com esta contradição, ou seja, da crítica prática possivelmente mediada com isto. Daí que permanece a tensão de imanência e transcendência. E à imanência pertence o facto de que a teoria crítica apenas pode originar-se e divulgar-se sob as condições da forma capitalista.

Com isto regresso eu à Internet. Trata-se de um meio técnico para a divulgação de conteúdos de toda a espécie e nessa medida tem carácter circulatório. A grande diferença em relação à circulação de mercadorias no mercado está em que os conteúdos que circulam na Internet na sua maioria são grátis para o utilizador, ou seja, podem ser descarregados para uso próprio sem pagamento. De certa maneira o meio Internet parece mesmo opor-se à circulação comercial, o que é um indício do limite intrínseco da riqueza abstracta. Porém, apenas um entre muitos indícios e não o indício em geral, nem de modo nenhum a estrada real para a emancipação social. Tal opinião tornar-se-ia uma hipostasiação do específico, enquanto representação da Internet como expressão da contradição imanente futura da riqueza abstracta.

Mas é precisamente esta fixação que se encontra em parte dos "Internet-Freaks" de esquerda. Com consequências ideológicas de largo alcance e inaceitáveis, como se nota cada vez mais. Em primeiro lugar dá-se a entender implicitamente que a ausência de custos do meio de circulação dos textos teóricos é válida também para a sua produção e fornecimento. O que é naturalmente falso. Antes de se poder descarregar um texto grátis de uma homepage é preciso que ela exista e que os textos lá sejam colocados. Ora a criação e a manutenção duma homepage custam dinheiro. E os custos têm de ser suportados pelos que a fazem. Como no nosso caso não se trata duma vulgar oferta de mercadorias, nem duma dádiva altruísta, mas sim duma pretensão teórica da crítica, que os utilizadores – assim pressuponho eu aqui – partilham (mesmo que naturalmente não tenham de estar de acordo com os nossos textos em todos os pontos), é desleal se eles interpretam este último contexto comum crítico emancipatório dum modo tal, ainda que mediado, que surge aqui uma "aparência de ausência de custos (monetários)" quase comunista, ou a famigerada "forma embrionária", quando na realidade a ausência de custos só existe de modo perfeitamente unilateral para os utilizadores, enquanto o pôr-à-disposição de modo nenhum é sem custos.

Em tempo de precarização crescente é seguramente legítimo que pessoas com pouco dinheiro procurem na Internet teoria e informação crítica através dum acesso gratuito; e nesse sentido também foi pensada a oferta da homepage da EXIT! Diferente é o caso, porém, quando junto com isto vem a ideologia duma má utopia, que absolutiza a circulação à clássica maneira burguesa/pequeno-burguesa, e assim quer por magia fazer aparecer de imediato o "inteiramente outro", enquanto são ignoradas as efectivas condições da (re)produção, incluindo a elaboração da teoria crítica. Temos de continuar a confrontar-nos com esta ideologia da circulação hoje em crescendo por todo o mundo e que na cena da Internet de esquerda assumiu uma particular expressão.

Gostaria de abordar aqui apenas dois aspectos discutíveis deste utopismo da circulação. Por um lado, esta circulação burguesa é em geral meramente formal, completamnete não mediada em conteúdos e contextos. Apenas devem "circular livremente" em quaisquer contextos "textos em geral" com quaisquer conteúdos. Com isto, apesar da ausência exterior de custos, corre inconscientemente a forma, ou seja, o formalismo da abstracção do valor já na pretensa "aparência" ou com a pretensa "forma embrionária". A circulação permanece na sua essência ligada à relação de valor e de dissociação, mesmo sem pagamento monetário; ela não pode ser livre, se a reprodução que lhe está ligada não o é. Se a reprodução fosse gerida por uma "associação de indivíduos livres" (ainda que fosse em domínios parciais duma apropriação do contexto reprodutivo), também já não se trataria de circulação, mas de distribuição livre; e esta estaria ligada com o contexto reprodutivo não formalmente, mas como um todo. Daqui decorre que o mau utopismo de uma "livre circulação de ideias" (de facto: textos) não pode contentar-se com isso de utilizar conscientemente para uso próprio sem custos textos colocados na Internet, o que já seria problemático. Mais que isso, a pretensão formalistica pretende colocar estes textos arbitrariamente noutros contextos, à revelia do seu disponibilizador original, modificá-los, falseá-los, copiá-los sem referir a fonte ("copy and paste"), etc. A meu ver não se trata aqui de emancipação e de ajuda recíproca, mas de uma pretensão de poder formal burguês, sob a capa da ideologia da circulação. Isto significaria, por exemplo, tendo-se em conta apenas o formalismo, que qualquer frente neo-nazi poderia "apropriar-se" de textos de esquerda e usá-los no seu contexto.

Por outro lado, a redução à pretensa "livre circulação" na Internet ameaça convergir também numa discussão teórica crescentemente reduzida. Está na essência deste meio bloquear não apenas a mediação monetaria, mas de certa maneira também textos maiores, como livros, que são por essência mais acessíveis na forma impressa a que estão ligados. Isto significa que uma recepção limitada à Internet frequentemente se limita a textos de poucas páginas, que facilmente podem ser "descarregados" e impressos. Quem acompanha os debates em mailing-lists pode facilmente verificar que muitas referências (de modo nenhum todas) giram sobre tal recepção literalmente encurtada, e que complexos teóricos inteiros frequentemente são percebidos principalmente neste acesso de via estreita. Isto leva a uma superficialização da reflexão, mesmo em relação ao modo como ela é organizada na empresa mediática burguesa.

Neste contexto facilmente se vê, e com isto regresso à questão dos custos, que o pressuposto material para textos e comentários teóricos, por exemplo na homepage da EXIT!, assenta no meio impresso a que pertence. Quando a revista teórica impressa não se aguentar também a homepage terá de ser suspensa; é tão simples como isso. É verdade que a EXIT! se consolidou no intervalo de menos de dois anos; mas a mediação do meio electrónico e do meio impresso deixa ainda a desejar. Sendo que a elaboração da teoria não deve ser materialmente restringida, nem a recepção reduzida, mais necessária é uma convergência de utilizadoras/es e assinantes da revista teórica.

A EXIT! tem entretanto uma base de autores maior e um espectro de temas mais extenso que a velha Krisis e sai com uma dimensão consideravelmente mais desenvolvida. Para os que estão seriamente interessados na continuação da elaboração da teoria crítica em princípio também será sempre possível, mesmo em condições sociais difíceis, disponibilizar 20 a 26 euros por ano (conforme o tamanho das revistas) para a assinatura da revista teórica. Afinal uma assinatura é o sinal, não de qualquer "profissão de fé" nem duma ligação estreita, mas da disponibilidade em defender a produção teórica, para além dos textos postos à disposição electronicamente. Com o que também as condições da homepage serão melhoradas.

Independentemente disto nós precisamos naturalmente com urgência continuada de apoios financeiros na forma de donativos, para assegurar a actividade da EXIT! em 2006, não apenas em ambos os planos mediáticos, mas também na forma de seminários e encontros de trabalho. Daí que também este ano pedimos a todas as interessadas e interessados uma contribuição financeira, mesmo que ela para muitos só possa ser uma pequena soma. Agradecemos aqui todos os grandes e pequenos donativos individuais que já nos foram feitos ao longo do ano.

Robert Kurz pela redacção da EXIT!, Dezembro de 2005

Solicitamos que os donativos sejam transferidos para a conta:

Verein für kritische Gesellschaftswissenschaften

Postbank Dortmund

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BLZ: 440 100 46

Para transferências do estrangeiro:

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BIC PBNKDEFF

Original DIE UNFREIE ZIRKULATION DER IDEEN. Offener Brief an die UserInnen der EXIT-Homepage und die LeserInnen von EXIT!

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