CLIMA EXPLOSIVO
A crise da unificação e o novo radicalismo de direita*
A interferência entre a crise mundial geral do sistema produtor de mercadorias e a crise particular da unificação alemã parece ressuscitar todos os fantasmas malignos do passado. Num certo sentido, há que falar mesmo de um clima de retrocesso mundial. Por toda parte crescem os fundamentalismos religiosos, étnico-racistas e nacionalistas como reação à crise ameaçadora ou já manifesta. Se já não vingam as esperanças, promessas e soluções, nem do socialismo, nem do liberalismo de mercado, então torna-se quase compulsória a abertura violenta de outros canais para o desespero social e a desorientação moral ideológica. A lógica de mercado, dinheiro e concorrência não é superada, e sequer existe um conceito delas; mas justamente por isso, na fragilizada capacidade funcional do sistema global, a competição passa a assumir formas irracionais e mortíferas. Mais uma vez retomam ruidosamente suas atividades as masmorras subterrâneas, as câmaras de tortura, os patíbulos, os banhos de sangue e os internamentos forçados do processo de modernização e da história de suas idéias, que desde sempre habitaram o reverso obscuro da razão democrática.
Seria espantoso se o novo cheiro de queimado dos pogroms na Alemanha, principalmente após a reunificação, não deixasse a Europa e o mundo alarmados com o clima social. Etno-nacionalismo, neo-racismo e anti-semitismo encontram-se por toda parte nas sociedades em crise ou falidas do Leste europeu; e a mesma bestialidade ergue sua fronte também nas muito evocadas "antigas democracias ocidentais". Mas a inesquecível marca de Auschwitz na história da modernização desperta inevitavelmente temores especiais, quando manifestações como essas surgem na Alemanha. O mesmo então já não é o mesmo, e uma tal maneira de ver pode inicialmente até parecer legítima. O inconsciente social sempre está carregado de história e continua funcionando durante muito tempo, até de forma velada, através dos vasos capilares do modo de educar, pela cunhagem das relações sexuais, da cultura cotidiana, das metáforas da linguagem, ordenamentos simbólicos e mecanismos sócio-psicológicos. No curso de uma crise pode muito bem ocorrer que uma figura da história em causa, que se acreditava superada, ressurja repentina e inesperadamente, apesar de todas as evidências históricas; e desta vez, por assim dizer, com irracionalidade dobrada, porque não deve ser contraditado apenas o padrão civilizatório, mas também a experiência histórica real.
Apesar disso, a história não pode se repetir. O retorno do reprimido e a renovação ideológica de figuras passadas da barbárie moderna sempre encontram condições e relações alteradas. O moderno sistema produtor de mercadorias não é a estrutura do sempre-igual se reproduzindo, idéia, aliás, presente em toda crítica primitiva do capitalismo, que não tem consciência crítica de sua própria origem no pensamento da ilustração burguesa. Ao contrário, trata-se de uma estrutura de desenvolvimento dinâmica que se propaga através de países, nações e culturas, e que deixa para trás um mundo inteiramente transformado, mesmo que tenham se mantido tanto sua finalidade própria, de utilização abstrata do homem e da natureza, como suas próprias formas básicas; embora, com esse processo de transformação dinâmica, somente no estádio atual de desenvolvimento se tornem apreensíveis como "sistemas sem sujeito". Nesses termos, também na Alemanha o novo racismo, radicalismo de direita etc., como formas de reação à crise, independentemente de sua (difusa) autocompreensão, não constituem apenas uma repetição do antigo nazismo ou fascismo hitlerista, porque encontram ou são gerados por novas formas subjetivas e condições históricas.
Qualquer pensamento meramente analógico, que perambule anacronicamente pelo contexto dos anos 20 e 30, permanece por isso inteiramente incapaz de compreender o desenvolvimento atual e responder de forma adequada a ele. É certo que também o fascismo histórico foi a reação a uma crise social. Mas naquela época ainda se tratava de uma crise de implementação do próprio sistema moderno de produção de mercadorias, de uma crise no interior da ascensão histórica do trabalho abstrato e da lógica econômica, e não da barreira interna desse sistema como acontece atualmente. A Primeira Guerra Mundial havia destruído na Europa o antigo sistema de ordenamento em grande parte permeado por estruturas e forças pré-modernas, limpando o terreno para o estádio seguinte do desenvolvimento oriundo dos EUA, que seria designado como "fordista". Mas essa mudança, como todas as mudanças na história da modernização até hoje, seria inconsciente e catastrófica, com custos sociais (como se diria hoje) aparentemente insuportáveis.
Hoje aproxima-se uma nova crise, cujos traços ainda não foram decifrados, mas que ao menos num ponto essencial pode ser apresentada como limite interno absoluto do sistema produtor de mercadorias: ela não mais traz em si o germe de uma nova ampliação do sistema do trabalho abstrato como a anterior, e por isso também não pode mais ser criticada e superada a partir da perspectiva do trabalho. Se à época de crise na primeira metade do século (Primeira Guerra, crise econômica mundial, Segunda Guerra) seguiu-se a época do "boom fordista", com suas indústrias de produção em massa e uma enorme expansão na aplicação econômica da força de trabalho humana, que suplantou todas as conseqüências da racionalização, então a crise mundial que começa no fim do século repousa, ao contrário, em que a intensidade do capital fixo (cientifização) pela primeira vez cresce mais rapidamente do que a ampliação dos mercados.
A produtividade elevada do capital, como foi visto, começa ela mesma a tirar dos eixos a lógica do trabalho abstrato. O que significa inclusive que não se aproxima apenas o fim das antigas lutas de classes, mas que também a interpretação de manifestações políticas e sociais conforme esse modelo torna-se quase delirante. A ausência de perspectivas das lutas sindicais por salários e empregos na crise da unificação alemã (e não apenas nesta) de modo algum pode ser atribuída apenas à debilidade subjetiva ou ao reformismo restrito. A falta de perspectivas aponta para a direção absurda a que aponta todo o empreendimento. Não existe mais nenhum estádio do trabalho abstrato a ser realizado, e por isso também não faz mais sentido substituir os ocupantes das esferas dirigentes do sistema produtor de mercadorias, em nome de algum caráter social desse sistema (que tal processo, em nome da classe operária significaria uma transformação do sistema, nunca passou de ilusão ideológica).
A última possibilidade de explicar ou até mesmo de combater o novo racismo e radicalismo de direita é dada pelos antigos resíduos da luta de classes a partir da "perspectiva do trabalho". Evidentemente, numa sociedade de economia de mercado (capitalista), todas as manifestações, formas de reação, movimentos etc. são determinados por essa sociedade (senão, qual outra?), sendo expressões de seu processo sistêmico e de seus atritos. Vista assim, a afirmação de que "capitalismo conduz a fascismo" constitui uma verdade extremamente banal. Mas o velho lema da esquerda não é interpretado num sentido sistêmico tão geral. Ele sugere, muito mais, uma articulação subjetiva, politicamente formada do capitalismo ou dos capitalistas (essa incorreta identificação do sistema com seus sujeitos responsáveis constitui uma características da insuficiência do pensamento ideológico da esquerda) com a ideologia radical de direita e suas organizações ou objetivos políticos. O antifascismo clássico de esquerda é baseado e sufocado por essa construção explicativa.
Já para o período do entre-guerras, tal interpretação é muito unilateral e duvidosa. Os capitalistas (no sentido do chamado grande capital) e suas associações etc. não eram mais ou menos nacionalistas do que as outras classes, estamentos e grupos da época. O fascismo mobilizava em termos percentuais tanto desempregados, trabalhadores especializados, técnicos, empregados, pessoas de classe média, quanto capitalistas. Nesse contexto, quase não vale a pena referir-se à velha tecla de esquerda da sedução ou manipulação de membros de determinadas categorias sociais que teriam uma vocação inteiramente diferente. Se Hitler e seu partido de fato foram apoiados massivamente por determinados industriais, por grupos das altas finanças e por associações do ramo, isso não aconteceu porque, como fator subjetivo, o capital sempre está unido secretamente ao fascismo, união sempre legalizada quando a situação se torna difícil. Essa visão subjetiva, e no melhor dos casos sociologizante, que se encontra intimamente vinculada à redução ilustrada das leis sistêmicas sem sujeito da mercadoria e do dinheiro à vontade livre dos sujeitos do dinheiro, não passa de uma teoria conspirativa de esquerda e contracena, apenas com sinal invertido, com a teoria conspirativa da direita dos próprios fascistas.
Nesse termos, a própria conexão interna de capitalismo e fascismo precisaria ser sistematicamente reformulada: depois da Primeira Guerra Mundial havia no processo de ascensão do sistema do trabalho abstrato um novo estádio de implementação (justamente a transição às formações fordistas), e as diversas forças político-ideológicas concorriam para a conformação desse estádio evolutivo. Comunistas, social-democratas, liberais, conservadores e mesmo fascistas operavam num plano comum com vistas a um sistema de referências idêntico, uma vez que uma transformação sistêmica superando a lógica econômica da produção de mercadorias sequer estava em questão. Estava em pauta o "como" do novo estádio de desenvolvimento que se anunciava, e nessa situação os alemães escolheram (de modo democraticamente correto, por meio de decisão pela maioria) a mais bárbara de todas as alternativas, a de um fordismo apoiado em blindados e com liquidação industrial de homens, que prometia a perspectiva autárquica de um império mundial pela conquista. Isolados do resto do mundo, os alemães deveriam tornar-se os fruidores e a "aristocracia operária" de um fantástico reino de escravos do trabalho, do rio Maas aos montes Urais.
Deveria ser formulada sistematicamente a articulação interna entre capitalismo e neofascismo. Como agora já não se trata mais da implementação do próximo estádio do sistema do trabalho abstrato, mas sim de um limite global, também o sistema de referência das forças político-ideológicas concorrentes é outro. Todos eles reagem conjuntamente à obsolescência do próprio trabalho abstrato. Diferentemente do "Deutsches Reich" do entre-guerras, a Alemanha é um país inteiramente dependente de exportações, com capital internacionalizado disputando mercados reais globalmente declinantes. Por isso, nem ao menos superficialmente há qualquer relação entre a administração da grande indústria ou do sistema bancário e o novo radicalismo de direita. Ao contrário, ninguém exige com tanta veemência uma abertura para estrangeiros e uma enérgica ação contra neofascistas, skinheads etc. como as grandes parcelas das empresas orientadas ao mercado mundial, das associações respectivas e da imprensa econômica (isto vale inclusive para a Wirtschaftswoche e o nosso referido Wolfram Engels, proveniente aliás da região de Wuppertal do capitalista-comunista Friedrich Engels).
O segundo pressuposto do antigo fascismo tornado anacrônico é totalmente imbecil, ou seja, a suposição de haver intenções imperialistas do capital alemão (do grande capital industrial e financeiro) quanto à anexação de territórios estrangeiros. Como o novo estádio do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas tornaria essa opção não-rentável, como foi mostrado, também já não há mais base material para o velho imperialismo. Exceções (como a garantia militar de reservas estratégicas de matérias-primas no Oriente Próximo) apenas confirmam a regra. Mas quando a visão autárquica de um império alemão imperialista com base no sistema do trabalho abstrato não pode mais existir, e quando desse modo também não pode mais ser constatada uma combinação entre capitalistas exaltados e o novo radicalismo de direita, a não ser que imposta artificialmente, então os fundamentos de funcionamento do antifascismo da esquerda tradicional também se esfacelam. Quando, mesmo assim, se insiste contrariamente aos fatos num "Quarto Reich", quando grandes parcelas da esquerda remanescente aproveitam as manifestações do radicalismo de direita para ressuscitar suas velhas interpretações e, desde a social-democracia até os autonomistas, aproveitam para superar sua falta de perspectivas concentrando-se no objetivo comum mínimo de um antifascimo com bases falsas (nos termos do movimento operário), então não somente o antifascismo se transforma em subcultura de gueto e brincadeira infantil de esquerda, em que são reproduzidos os combates do passado, como o próprio enfrentamento com o novo radicalismo de direita é conduzido de modo totalmente inadequado, favorecendo-o mais do que combatendo-o.
Observadores liberais têm às vezes uma sensibilidade mais elaborada para situações diferentes, mesmo que, evidentemente, não possam identificar em sua essência econômica os processos de crise que existem por trás: "Quem inicialmente temia que os alemães reagiriam para fora com uma autoconfiança fortalecida, ou até mesmo com um novo nacionalismo, em face de seu crescimento em tamanho e poder, percebe que a situação não é assim. Mas como reverso revela-se um peculiar nacionalismo para dentro" (Robert Leicht, "Ohne innere Sicherheit", in Die Zeit, no. 49, 27.11.92). Esse "peculiar nacionalismo para dentro" é justamente conseqüência do fato de que o "crescimento em tamanho e poder", considerado ainda como evidente pelo próprio Robert Leicht, revelou-se pela unificação alemã como sendo exatamente o contrário. O verdadeiro caráter da unificação como encargo de longa duração, e não mais como encargo de crise que pode ser exportado por uma política de conquista, conforme as velhas práticas imperialistas, explica muito bem por que não pode surgir uma "autoconfiança fortalecida" ou "um novo nacionalismo para fora". E na mediação entre a crise da unificação alemã e a crise mundial explica-se finalmente também o caráter "peculiar" do "novo nacionalismo para dentro".
Esses novos nacionalismo e radicalismo de direita revelam-se uma reação bárbara à ameaçadora exclusão de segmentos inteiros da população dos critérios de êxito e reprodução da economia de mercado internacionalizada, que justamente pela alta produtividade e intensidade do capital não têm mais espaço e capacidade integrativa suficiente para todos, nem mesmo nos países mais desenvolvidos. Precisa haver alguma reação a essa realidade, que é reprimida ou constatada apenas dissimuladamente pelos partidos e sindicatos democraticamente bem temperados; e quanto não é formulada nenhuma resposta crítica, emancipatória, então o radicalismo bárbaro de direita ocupa o terreno. No âmbito dos excluídos, evidentemente, não será as mulheres desempregadas, os anciãos indigentes, os deficientes físicos etc., mas sobretudo grupos de perdedores, ou ameaçados de sê-lo, e em especial homens e jovens, que representam o novo "nacionalismo para dentro" que chega até o pogrom racista. Pequenos empresários e classes médias, bem como segmentos tradicionais de trabalhadores da indústria, ambos ameaçados de perder seus status pelo processo de internacionalização ou de globalização, opõem-se à integração ao afluxo de concorrência estrangeira em todos os planos e lutam contra o deslocamento do capitalismo do âmbito estritamente nacional da reprodução econômica.
Do mesmo modo que o grande capital industrial financeiro não pode mais estar interessado na "marcha para o Leste", mas, justamente ao contrário, inicia uma migração em massa das economias falidas do Leste para o Ocidente, vislumbrando-se em vez da "expansão imperialista" o entrincheiramento da "fortaleza Europa" contra as sociedades em derrocada, desse modo também não há mais uma formação global capitalista nacionalista ou voltada a impérios nacionalistas, porque esse "interior" nacionalista não constitui mais o terreno do capital desenvolvido. A internacionalização negativa do processo cego da economia de mercado, que gera custos sociais em rápida expansão e arruína setores e regiões inteiras, estimula uma tendência defensiva em direção à renacionalização, que possui principalmente caráter defensivo e por isso mesmo é dirigida sobretudo "para dentro".
Embora tal tendência vá de encontro à tendência capitalista global da fortaleza Europa, ela simultaneamente a contradiz, porque é conduzida por "grupos internos de perdedores" capazes de violências e agressões que, ironicamente, representam no interior da fortaleza as massas externas de perdedores por eles mesmos odiadas como concorrência potencial, e, dessa forma, causadora da crise sistêmica. Por isso, a esses perdedores internos, não basta o isolamento diante das economias falidas do Leste. Eles exigem a garantia das "panelas de carne egípcias" da reprodução capitalista contra a própria internacionalização ocidental, recaindo desse modo nas utopias regressivas de reinos nacionais do trabalho abstrato, em que normalidade capitalista é congelada em seu padrão fordista. Mas, assim, desvinculam-se ideologicamente do desenvolvimento irreversível do capital conjunto, sem abandonar o terreno da lógica capitalista. Transformam-se em massa global tenazmente defensiva e reacionária, que lamenta uma normalidade que se esvai e acena com uma crise sistêmica progressiva.
Certamente, trata-se de uma reação obsoleta e irracional, por pretender deter ou até mesmo fazer retroceder o desenvolvimento do próprio sistema da economia de mercado, sem conseguir produzir sequer um conceito medianamente realista. Justamente por isso, contudo, contém poderosos potenciais de agressividade e alimenta-se novamente de racismo e anti-semitismo, apesar das diferenças de situação. Por outro lado, como esse potencial não pode mais ser mediado com os interesses e o desenvolvimento do grande capital industrial e financeiro, como ocorria nos anos 20 e 30, gera-se um resultado vergonhoso para a velha ideologia de esquerda: justamente a união entre operários e camponeses (ao lado de outras uniões pequeno-burguesas) contra o grande capital sustenta o novo radicalismo racista de direita. Trata-se de um verdadeiro fascismo de operários e camponeses, em cujos caldos ideológicos não ferve à toa o sangue das SA e do setor à esquerda no partido nazista, liquidados pelos nacional-socialismo alemão histórico. Os antifascistas de esquerda lutam em grande parte irrefletidamente, como quixotes históricos, contra os frutos de sua própria ideologia e estratégia, que o processo sistêmico real trouxe à ordem do dia em conformação totalmente diversa.
Mas o fiasco é ainda maior. O novo fascismo de operários e camponeses pode ser observado por toda parte na Europa e seu surgimento na Alemanha não representa nada de especial. Contudo, o mesmo fenômeno, quando associado à Alemanha Oriental e à unificação alemã, coloca em situação duplamente penosa as mentiras vitais alemãs. De um lado, existe a situação deprimente para a concepção de mundo da esquerda pela qual justamente no terreno do antigo Estado operário e camponês, agora desmoralizado e abandonado, viceja florescente o fascismo operário e camponês. A lenda ideológica da esquerda segundo a qual justamente o antifascismo imposto pelo Estado na ex-RDA tinha "extirpado" (o próprio verbo já denuncia a falsidade da assertiva) até a raiz os fundamentos sociais do nazismo e sua ideologia, enquanto a única e legítima herança do fascismo ocorreria na Alemanha Ocidental, é derrubada na prática pelos gritos de "Heil Hitler" de um bando de jovens alemães do Leste, que, juntamente com o "estalar" (outro enriquecimento do linguajar assassino) de estrangeiros, tornou-se a diversão do fim de semana. O repisar enraivecido da argumentação de alguns representantes da velha esquerda alemã ocidental, segundo a qual os comunistas vindos de Moscou em 1946, apesar de todo o seu esforço, não conseguiram dar conta da ideologia fascista quase geneticamente ancorada na população da Alemanha Oriental (e que, portanto, o "povo" entre os rios Elba e Oder não merecia seu nobre governo classista), é frágil demais para merecer uma resposta.
Por outro lado, também os democratas nativos oficiais do Reno sentem-se iludidos em sua expectativa de ver a história alemã passada a limpo, jogando para sempre na lata do lixo do esquecimento democrático da história o fascismo alemão com o holocausto e tudo o mais, mediante a anexação rápida da RDA e mediante processos hipócritas encenados à opinião pública contra a "ditadura comunista". Justamente porque a unificação se tornou uma crise aberta, e por ter levado às emboloradas salas de visita de toda a Alemanha a crise mundial do sistema produtor de mercadorias, volta a entrar em ebulição, denunciado por seu odor, o que foi reprimido e não superado nos esgotos nojentos da realidade alemã da unificação. A cínica festa democrática da vitória é estragada por barulhentos pogroms e os primitivos skinheads roubam a cena dos rotineiros democratas de carteirinha ao revelarem a todo o mundo a sujeira fedorenta debaixo do tapete vermelho da unificação. Tanto a tentativa grotesca de reelaborar reflexivamente o complexo da Stasi (não faltava muito para difundir a opinião de que 16 milhões de alemães do Leste, das crianças aos avós, se espionavam mutuamente, produzindo montanhas de documentos como uma obra de arte literária conjunta de raro absurdo), como também a indigna perseguição aos velhos, moribundos representantes do antigo regime da RDA, permanecem agora à sombra dos incêndios dos alojamentos para estrangeiros que pleiteiam asilo.
O que há de especial, problemático e perigoso no novo racismo e radicalismo de direita na Alemanha Oriental diante da antiga Alemanha Federal não é o potencial numérico maior. Conforme diversas pesquisas o número de neonazistas e dos que assumem posicionamentos de direita radical e de hostilidade a estrangeiros é mais ou menos equilibrado entre os jovens e os adultos em ambos os lados da Alemanha. É certo que a violência radical de direita na Alemanha Oriental manifestou-se desde o verão de 1992 de uma maneira desproporcional em relação à população. Mas isso também pode ser devido ao fato de que a crise incide com mais força nas condições de vida da Alemanha Oriental, e por isso a falta de perspectivas encontra-se mais arraigada e difundida justamente entre os jovens. Nesses sentido, o fenômeno seria apenas uma vantagem negativa dos alemães do Leste no processo de crise, e os alemães ocidentais poderiam rapidamente ser alcançados pela onda racista, como em parte já aconteceu.
O problema de uma marca específica do novo radicalismo de direita na Alemanha Oriental, que se distingue da Alemanha Ocidental, não reside no número maior de ações de direita radical a serem listadas, mas nas diferentes condições históricas e estruturais, sob as quais esse potencial pode se tornar efetivo na crise da unificação. Aquilo que o novo fascismo de operários e camponeses almeja quase utopicamente, ou seja, o congelamento das estruturas sócio-industriais do começo do fordismo, num certo sentido constitui a realidade da RDA. Até o fim o primeiro Estado alemão de operários e camponeses tinha em muitos sentidos algo como uma obstinada identidade estrutural com a sociedade da Alemanha nos anos 30 e 40.
Uma tal caracterização naturalmente irrita a velha e obsoleta consciência de esquerda, para a qual o vírus da peste marrom na história do pós-guerra (e sobretudo na situação atual) teria saído única ou principalmente da Alemanha Ocidental imperialista. A identificação bastante evidente entre a sociedade da RDA e as estruturas da época nazista precisaria ser minimizada para que rapidamente se possa levantar a crítica de que a percepção e a designação dessas identidades conduz ao pecado mortal daquela identificação conservadora entre o vermelho e o marrom. Não se trata de negar a oposição histórica entre fascismo e socialismo do movimento operário. É possível culpar a RDA de muitas coisas, mas não de ter provocado uma guerra mundial e assassinado seis milhões de judeus. O decifradores democratas e ocidentais não se imporão com a simples identificação entre RDA e Terceiro Reich. Mas também, anteriormente, o amargo conflito entre fascismo e movimento operário (inclusive o Partido Comunista Alemão) não era de modo algum uma oposição apenas aparente. De fato, estavam em causas alternativas, embora objetivamente limitadas ao âmbito de um determinado sistema histórico de referência e de um determinado estádio de desenvolvimento. A maneira bárbara pela qual essa época foi moldada, especificamente na Alemanha, pela vitória do fascismo de modo algum era compulsória, e embora uma vitória do movimento operário não pudesse ter constituído um outro estádio formativo do sistema produtor de mercadorias, teria dotado a história com uma outra face seguramente menos assassina.
Contudo, depois de mais de meio século a luta por tais alternativas tornar-se-ia desprovida de objeto, e quase nos envergonhamos de afirmar uma verdade tão banal. A história aconteceu tal como aconteceu, e uma alternativa perdida não pode ser retroativamente realizada. Dito de maneira agressiva: o antifascismo, ele próprio envelhecido, referido a um contexto já passado e vivendo de uma época há muito desaparecida, perdeu a hora no processo histórico, e justamente por isso reage de modo senil, inflexível e saudosista em relação ao novo radicalismo de direita. A isso corresponde a cegueira diante das identidades estruturais entre RDA e sociedade nazista. A RDA, um produto artificial do contexto bipolarizado da política mundial do pós-guerra, havia copiado da União Soviética, de um modo tão inconsciente quanto compulsório, a forma de regulação totalmente inadequada de uma sociedade de modernização retardatária. Desse modo, a lógica do trabalho abstrato não seria superada, mas congelada ou atrasada anfibiamente no nível de desenvolvimento encontrado nos anos 40 e 50. Agora, depois de meio século, nada mais sobrou senão a ruína de um sistema de referência já ultrapassado; e numa perversa ironia da história, de um outrora poderoso contexto de conflito não sobrevive mais na Alemanha Ocidental o conflito antigo já sem objeto, mas apenas a situação mumificada ou o terreno comum de luta de outrora, que após a derrocada da RDA pode se tornar húmus frutífero para o novo radicalismo de direita em um contexto de crise européia e mundial inteiramente diferente.
Por esse prisma, não se trata de uma tomada de partido cega pela Alemanha Federal da economia de mercado afirmar que as pessoas na RDA não participaram das mudanças da individualização do período do pós-guerra, e em especial dos anos 80. Também o fato de que nesse processo o movimento de 68 tenha passado quase despercebido na Alemanha do Leste não dá motivo a sentimentos ocidentais de superioridade; pois a nova esquerda também não esteve desde 1968 em condições de realizar uma crítica do sistema produtor de mercadorias, ajudando em última análise apenas a efetivar seu estádio mais recente (e assim, até, a crise atual). Mas não pode haver dúvidas de que o novo radicalismo de direita no Ocidente e no Leste encontra estruturas e formas de subjetividade muito diversas, e de que, embora na dimensão numérica, pode se mediatizar na crise da Alemanha Oriental de um modo muito diferente em face dos meios disponíveis de comunicação e socialização.
Desde o começo tinha que saltar aos olhos a continuidade sem interrupção do manancial fascista de organização dos jovens pelo Estado, desfiles marciais, saudações à bandeira etc. no Estado operário e camponês (tanto faz quem tenha copiado o cenário de quem; não se trata de direitos autorais, mas do confinamento comum em uma estrutura determinada). A voz popular sabia interpretar essa referência à Juventude Alemã Livre (FDJ, da RDA): "Ainda no começo dos anos 50 falava-se, à boca pequena, de früheren deutschen Jungvolk"[1] (Burkhar Schröder, Rechte Kerle. Skinheads, Faschos, Hooligans, Reinbeck, 1992, p. 100). Essa estrutura e socialização, após a derrocada da RDA e na crise da unificação alemã, seriam mobilizadas compreensivelmente pela direita radical, e os "caras de direita", embora em número não superior aos da Alemanha Ocidental, aparecem mais sob os refletores: "Um movimento contrário de esquerda e um ambiente que a sustentasse como na antiga Alemanha Ocidental faltam inteiramente" (Schröder, op. cit. P. 14). Com muito menos acanhamento do que no Ocidente, a mentalidade radical de direita é apresentada em público e exposta nas discotecas: "e então, para onde quer que se olhe, bottoms com a inscrição ‘Tenho orgulho de ser alemão’ e suásticas em jaquetas militares. Isso seria impensável na antiga Alemanha Ocidental. Os jovens parecem ver com normalidade a nova manifestação" (op. cit., p. 37).
De modo algum trata-se apenas de exterioridades. Na verdade o novo radicalismo de direita, num certo sentido, nada como um peixe na água das velhas estruturas de socialização da RDA, e não somente entre os jovens: "Os grupos fascistas [...] que surgiam no começo dos anos 80 na antiga RDA, sobre os quais manteve-se no início um silêncio mortal, juntam valores e virtudes clássicos do ambiente operário com um simbolismo de provocação, o do nacional-socialismo [...] os jovens partem de sistemas de valores existentes, interpretando-os de forma nova. A mudança de interpretação surge simplesmente pela vinculação de comportamentos iguais a novos símbolos [...] Eles não são de esquerda e não imitam as novas subculturas do Ocidente – por exemplo, os verdes – porque os valores e normas destes já não provêm da cultura operária e por isso não são compreensíveis nem adequados ao protesto [...] O ‘soldado alemão’ [torna-se] plano de projeção para todas as virtudes, que um ‘jovem alemão’ pode absorver sem quebra de continuidade do ambiente operário protestante-prussiano-socialista" [op. cit., pp. 70 ss.].
Por essa via ocorre algo muito particular. Era de esperar que na crise da unificação, que se tornava manifesta, surgisse na Alemanha Oriental algo como uma nostalgia da RDA, uma lembrança repentinamente tornada positiva das "panelas egípcias de carne", de trabalho assegurado e necessidades básicas garantidas pelo Estado, e sem a tortura das alternativas constantes, que continuamente demandam decisões por conta própria e trazem risco permanente. Mas quem teria imaginado que essa nostalgia se manifestaria com uma polaridade ideológica tão invertida? E é justamente o que acontece, numa seqüência que pode ser reproduzida analiticamente e observada em toda a Europa oriental e na ex-URSS. Em toda parte os elementos "comunistas" do antigo regime se relacionaram ou até se uniram a correntes nacionalistas, radicais de direita, racistas e, sobretudo, também anti-semitas. De novo uma vergonha terrível para a antiga esquerda antifascista, da qual uma parte até teria esperado um retorno comunista contra os reformadores neoliberais orientados para o Ocidente.
Ao que tudo indica, tal como no Ocidente, o novo radicalismo de direita é uma posição minoritária mais ou menos forte, mas que se sente mais à vontade nas estruturas sociais vigentes. Os radicais da direita da Alemanha Ocidental não podem apelar para os valores, para as representações axiológicas individualistas dominantes na Alemanha Ocidental do próprio pós-guerra; sua ideologia oposicionista está em contradição com a estrutura própria da socialização, que a controla ou desvia para o lado. Mas para os radicais de direita do Leste alemão essa contradição não existe, e mesmo quando são aparentemente recusados em termos políticos, eles se encontram subterraneamente bem mais vinculados às representações axiológicas e condições de socialização existentes em sua sociedade. Sua ideologia mexe com hábitos e costumes até mesmo nas almas de seus adversários locais, aliás até profundamente dentro do PDS [2] e agarra o trabalhador do Leste até há pouco administrado pelo Estado pelo boldrié de suas interiorizadas virtudes secundárias.
Isso não significa que o radicalismo de direita tem mais chances de ampliação na Alemanha Oriental, pois ali até agora também não foi mais numeroso. Mas também, com o desenvolvimento maior da crise, a forma de sua expressão e manifestação permanecerá marcada pelos respectivos pressupostos sociais e históricos. Quanto maior a força da crise social econômica em avanço, tanto maior a nostalgia do Estado socialista do Leste, tanto mais explosiva a reação do novo radicalismo de direita contra as condições estruturais e formas subjetivas no Leste e no Ocidente. Um consenso emergencial capitalista que se vislumbra com a inclusão dos verdes e dos sindicatos, que precisa excluir socialmente uma massa muito grande, continuará aplainando o terreno para a plebe racista e por isso terá de ser responsabilizado publicamente. Com isso, traçam-se novas e talvez perturbadoras linhas de conflito, tão foscas e contraditórias como em todas as outras frentes da "guerra civil mundial". Nesses termos, a bárbara ideologia racista poderia, mesmo que como tal ela própria em parte alguma fosse majoritária, contribuir decisivamente para a catálise do processo de crise e para a ruptura das estruturas de reprodução social.
1 – Alusão à juventude hitlerista (Jungvolk). (N.T.)
2 – Partido que congrega parte dos ex-comunistas da RDA. (N.T.).
* Capitúlo XI de "O retorno de Potemkin", Robert Kurz, Paz e Terra, 1993