Já ninguém está à espera de Godot. Todos o sabem: O pleno emprego tornou-se uma impossibilidade objectiva, sob todas as condições económicas e políticas ainda imagináveis do capitalismo transnacional. E ainda não estão nada esgotadas as capacidades de racionalização da microelectrónica e da globalização. Em Janeiro o número de desempregados na RFA subiu, contra todas as previsões, acima da marca temida de 5 milhões. Não é credível pretender subvalorizar esta situação ao remeter-se a factores específicos sazonais. De facto trata-se de um desenvolvimento estrutural a longo prazo. É indício disto também o fracasso entretanto admitido das reformas Hartz, revelado pela mega-análise de oito institutos económicos, encomendada pelo próprio governo federal. Recordemos: No verão de 2002 relacionou-se com as propostas de Hartz ainda a expectativa oficial de o número de desempregados, então de 4 milhões, poder diminuir para metade nos quatro anos seguintes. O resultado vê-se agora.
Também não se trata de um desenvolvimento específico da RFA, causado por ela própria, como é repetidamente afirmado pelos ideólogos económicos neoliberais. Na realidade a crise do emprego é global e independente de padrões nacionais diversos na política do mercado de trabalho e económica. Foi também em Janeiro que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) anunciou, no seu relatório anual, que o número mundial de desempregados alcançou em 2005 o valor mais alto de sempre. "Estamos perante uma crise global enorme de falta de emprego", declarou o Secretário-Geral da OIT Juan Somavia. E o aumento do número de desempregados para quase 200 milhões abrange apenas uma fracção do desemprego real. Quase em toda a parte a estatística é manipulada através da crescente exclusão de novas categorias sociais do cálculo (assim, nos Países Baixos aparece um número extremamente alto de pessoas consideradas "inválidas"). Em muitos países da periferia a estatística já só se refere a uma minoria da população.
A classe política parece reagir ao desastre estrutural com uma crescente perda de sentido de realidade e autismo social, enquanto ao mesmo tempo a administração da crise dos aparelhos executa burocraticamente as contradições sistémicas. O avanço de Müntefering,1 no sentido da antecipação do prolongamento do período de vida activo para 67 anos já a partir de 2029 ou mesmo de 2023, e assim duma diminuição do prazo de adaptação de 24 para 18 ou até 12 anos, significa claramente que está perdida a longo prazo a esperança numa viragem fundamental no mercado de trabalho. Já não se tem consciência da lógica absurda inerente a esta medida, face ao desenvolvimento imenso das forças produtivas. Além disso é improvável que as caixas de pensões possam recuperar desta maneira. Para a maioria dos que têm mais de 60 anos nem sequer há empregos. Segundo informações do seguro de pensões alemão, apenas 39 por cento dos que têm entre 55 e 64 anos estão actualmente empregados. O efeito real só pode ser uma diminuição drástica das pensões e uma explosão da pobreza dos idosos, que pelos vistos já se incluiu no cálculo.
Mas também dentro do próprio emprego se verificou uma modificação dramática. O número dos que recebem um salário muito baixo em empregos part-time ou Mini-Jobs2, em regime de trabalho por conta própria fictício ou em outros empregos precários aumentou ainda mais do que o dos desempregados. Também este subemprego maciço é um fenómeno global. Na RFA há hoje entre 6 e 7 milhões de empregos certos, normais ou a tempo inteiro, a menos do que no início dos anos 90; actualmente reduzem-se em média por dia 1000 empregos cobertos pela segurança social. Desta maneira multiplicam-se os efeitos negativos da projectada reforma das pensões. Também os outros organismos seguradores ficam sem receitas. Só agora se torna visível a dimensão profunda de uma crise de reprodução geral, que a longo prazo não será superável pela política conforme ao sistema. O sistema de normalidade nos países industrializados construído na história pós-guerra, que marcou a perspectiva de desenvolvimento da periferia, está a desfazer-se com velocidade crescente.
Não são poucas as vozes da esquerda a dizer que o capitalismo, após a denúncia do compromisso social, apenas está a voltar à sua própria normalidade anti-social. Mas a destruição dos sistemas da segurança social, desenvolvidos durante mais de 100 anos, demonstra que o que está em jogo não são apenas as gratificações dos tempos da prosperidade fordista. O pauperismo do capitalismo primordial pôde ser absorvido pela industrialização que ocorreu no século XIX. A pobreza relativa na base do sistema industrial estava localizada dentro do pleno emprego e deu espaço a reformas sociais estatais; o desemprego constituía um "exército industrial de reserva" (Marx) para o respectivo ciclo seguinte, enquanto a reprodução era almofadada por elementos de economia de subsistência e pelas comunidades familiares ainda até 1945. O desemprego maciço e o subemprego estruturais de hoje, no entanto, já não têm nenhuma perspectiva reconhecível de desenvolvimento imanente. O grau de socialização da individualização e da globalização tornou-se uma condição de acumulação do próprio capital. Por isso não se pode voltar ao passado. Os limites da reprodução social estão idênticos aos limites do sistema unificado à escala planetária. Se não queremos que a paralisia da política oficial se torne a paralisia da resistência social, a velha questão da crítica do sistema após o fim do socialismo burocrático de estado tem de ser colocada de novo.
1 Vice-Chanceler e Ministro Federal do Trabalho e Assuntos Sociais
2 empregos (que se pode ter à parte do emprego principal) com um salário máximo de 400 / mês, que é o limite do valor não cativo de impostos e segurança social.
Original DAS ENDE DER NORMALITÄT
publicado no semanário "Freitag" de 10-02-2006 numa versão ligeiramente reduzida
tradução de Nikola Asif