ECONOMIA FAMILIAR
Quando a crise social se agrava os ideólogos gostam de se refugiar na biologia. Daí que o debate da crise alemã tenha descoberto de novo os laços de sangue pessoais. O que a classe média em queda mais gostaria era de fazer de grande família de Thomas Mann numa "nova condição burguesa", para simular saturação numa espécie de Biedermeier (1) de crise. Mas este programa não funciona. É revelador que o autor best-seller conservador Frank Schirrmacher goste acima de tudo de invocar as virtudes femininas como programa de salvação para a situação de catástrofe social. Não se invoca o grande príncipe intelectual da burguesia culta, nem o sustentáculo da família patriarcal tradicional, mas sim o trabalho amoroso e o auto-sacrifício maternais sem limites, que devem substituir o estado social em derrocada. A propaganda de um novo idílio familiar pretende lançar o peso da crise sobre as mulheres, o que elas não podem comprar ao preço da sua hipócrita glorificação como o verdadeiro sexo forte.
Antes de mais é falso o argumento de que o aumento do gosto de dar à luz poderia desempanar a carroça da segurança social. O que se gostaria mesmo, na verdade, era de deixar morrer rapidamente a responsabilidade social para com os velhos, que no passado suportaram o processo de valorização então ainda com bom resultado, e que agora fazem valer o seu direito à reforma. É nessa direcção que aponta o aumento da idade da reforma, já decidido para 67 anos e logo que possível para idade superior, tal como a assistência médica de segunda classe. Jovens famílias com muitos filhos devem povoar a paisagem social, em vez do ameaçador excesso de reformados não financiáveis. Mas as crianças que vierem agora ao mundo crescerão num futuro programado de desemprego e baixos salários. Já os seus potenciais pais estão presentemente precarizados nas biografias do seu ganha-pão. A crise dos mercados de trabalho e a crise da segurança social condicionam-se reciprocamente. E a tendência de desvalorização da força de trabalho também já atingiu há muito os sectores qualificados. Pelo que, sob o diktat da capacidade de financiamento capitalista, mais crianças hoje não podem assegurar amanhã as reformas e os cuidados médicos dos seus pais.
Os novos ideólogos da família fazem de conta que em breve haverá o perigo de um cruel conflito de gerações, porque os jovens, que são cada vez menos, já não quererão alimentar financeiramente o número cada vez maior de velhos. Na verdade, com as gerações actuais passa-se precisamente o contrário: muitos jovens adultos já não têm nenhuma perspectiva profissional, ficam pendurados em estágios não remunerados nas sociedades unipessoais ou no fado do Hartz-IV (2), e continuam dependentes e acocorados no ninho dos seus pais. Assim, o desnível social é menos entre quem agora consegue, ou não, sucesso numa carreira, e mais entre quem recebe ou espera receber, ou não, uma herança do património, em dinheiro ou em espécie, poupado dos velhos tempos de prosperidade que já lá vão. Mas qualquer dia acaba-se esta reserva. Então apenas restará aos avós, pais e filhos administrar a sua pobreza comum. Sob tais condições de futuro não é de modo nenhum racional, mas sim um sinal de perda do sentido da realidade, pretender que os jovens casais devam fugir à falta de perspectiva social precisamente "fazendo filhos". O que está na ordem do dia não é a construção do ninho à moda neo-Biedermeier (1), mas sim a crítica radical das relações burguesas de produção e das relações burguesas entre os sexos.
1. Biedermeier : movimento cultural afirmativo pequeno burguês na Alemanha e Áustria entre 1820 e 1840. Literalmente, feitor honesto.
2. Programa de liquidação do estado social em curso na Alemanha.
Original FAMILIENÖKONOMIE in Neues Deutschland, 07.04.2006.