O COMBOIO DO LUCRO ESTÁ EM MARCHA

De Serviço Público a Global Player e Objecto dos Investidores

Robert Kurz

Quando em 1994 os caminhos de ferro federais (ex-Bundesbahn) passaram a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (Bahn AG), não apenas se conseguiu os requisitos formais para uma privatização, mas também a forma de gestão foi radicalmente reorientada: foram postas de lado as tarefas básicas própria da prestação dum serviço público e caminhou-se para a maximização do lucro numa "empresa da mobilidade" virada para o mercado. Foi uma opção política na senda da economificação neoliberal de todas as áreas da vida. O Presidente dos Caminhos de Ferro, Mehdorn, sonha com a entrada em Bolsa, qual Junkie pós-moderno antes de uma grande competição. "Transformar os caminhos de ferro numa Global Player", assim reza a auto-apresentação numa campanha publicitária. Desde 2002 que a Bahn AG dá cartas no poker das fusões e aquisições de empresas. Depois do grupo de logística Schenker, absorveu outras empresas, quer de transportes aéreos, quer marítimos. A liberalização jurídica do transporte de mercadorias por via férrea, em vigor desde início de 2007 na UE, veio permitir a absorção de parte dos transportes ferroviários de mercadorias ingleses e espanhóis. Mehdorn galga em via larga rumo aos seus grandes objectivos de expansão, como se de um campeonato mundial de mobilidade "para a Alemanha" se tratasse.

A outra face da moeda: enquanto que nos últimos anos o volume de negócios duplicou para 30 mil milhões de Euros, disparando o lucro, a redução drástica de pessoal foi ainda mais rápida; apesar da expansão, o número de empregados foi reduzido em mais de 50.000. A pressão no trabalho aumentou drasticamente, na mesma proporção em que os serviços se deterioraram. A consequente falta de segurança é um risco calculado e assumido. Simultaneamente, as linhas dos caminhos-de-ferro alemães, que têm vindo a ser desmanteladas desde há muito, foram ainda reduzidas em mais 5.000 Kilometros, ou seja, em mais de 10%. Acresce que as infraestruturas das linhas férreas cronicamente sub-financiadas estão sobrecarregadas até ao limite dos limites, o que inevitavelmente conduz a mais falhas e problemas de segurança. Muito parecido, de resto, com os postes de electricidade dos grupos privados de fornecimento de energia que, por falta de investimento em infraestrutras, "produziram" diversos Black-Outs por essa Europa fora.

Agora, como passo seguinte, o governo Federal, pela pena do Ministro do SPD, Tiefensee, promulgou o Projecto de Lei para a privatização parcial da empresa ferroviária até finais de 2008. 49 % das acções são para repartir por investidores como Blackstone ou o Deutsche Bank. Aqui, o problema chave é o facto de a rede ferroviária ser, por Lei Constitucional, artigo 87-e, propriedade do Estado Federal. Tiefensee quer contornar este "handicap" com uma construção aventureira: a rede ferroviária deverá ficar formalmente propriedade do Estado, contudo, ao mesmo tempo, a Bahn AG ficará com administração e orçamento autónomos durante os próximos 15 anos, sendo que os critérios para manter a qualidade não são claros. O fracasso estrondoso da privatização dos caminhos-de-ferro britânicos manda cumprimentos: aqui, a empresa Railtrack, cotada na bolsa, deixou que a rede ferroviária se deteriorasse de tal modo que provocou inúmeros acidentes, com casos mortais a lamentar. Esta empresa faliu entretanto. A segurança de Tiefensee neste aspecto deixa muito a desejar: enquanto que o Estado continua a desembolsar anualmente 2,5 mil milhões de Euros para a conservação das ferrovias, só ao fim dos citados 15 anos é que se decide se a Bahn AG terá tido o cuidado de atingir os níveis necessários para uma rede de caminhos de ferro com qualidade. Mesmo em caso negativo, o Estado terá de pagar a esse grupo, pela reversão, 8 mil milhões de euros a título de compensação, ou seja, como agradecimento pela sua incompetência.

Não é pois de admirar que um investment-banker tenha afirmado, em artigo no "Wirtschaftswoche [Semanário Económico]", que os investimentos nos Caminhos de Ferro alemães podem ser muito rentáveis para "investidores astutos". Por outro lado, os investidores minoritários nos caminhos de ferro gritam que não se desactivam em número suficiente as "linhas não rentáveis". A "Handelsblatt [Folha Comercial]" reclama contra todas aquelas "pretensões" políticas, sindicais e ecológicas, que reivindicam uma ligação ferroviária para cada "aldeiazinha, por mais remota que seja". Sob esta perspectiva, a empresa ferroviária seria "tão imprópria para entrar na bolsa como a Caritas". Se é possível exercer uma pressão tão descarada, tal deve-se aos próprios procedimentos políticos: a privatização ou é total ou não existe, e as premissas para tal já há muito foram elaboradas. As lamentações dos políticos Verdes sobre a auto-expropriação do Estado merecem pouco crédito, uma vez que foi o governo Verde-Vermelho que preparou a actual situação. Não é por acaso também que um Ministro SPD é o responsável número um pela liquidação dos caminhos-de-ferro. A liquidação dos serviços públicos está programada. Enquanto sobem de tom as críticas contra o sindicato dos maquinistas, os quais apesar das reivindicações separatistas, ao contrário da Transnet, lutam contra os baixos salários e a demasiada pressão no trabalho, a "empresarialização rentável" dá-se à custa de limitações à mobilidade da população. Afinal o que representa uma simples greve de maquinistas face à entrada em bolsa dos Caminhos de Ferro? O último passo seria a privatização total, e depois a sociedade anónima ferroviária, player de fusões e aquisições, seria ela própria absorvida e desmantelada.

Original DIE PROFITBAHN ROLLT em http://www.exit-online.org. Publicado em Freitag, 03.08.2007

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