MILAGRES DEMORAM UM POUCO MAIS

 Robert Kurz

Na maioria das regiões do mundo e em todos os países industrializados, à excepção de um, a procura no consumo paralisa ou seca por falta de poder de compra de massas, enquanto a conjuntura só é sustentada por um crescente excedente de exportações. Os Estados Unidos da América são a excepção. Aqui passa-se exactamente o contrário: só um consumo de massas sempre crescente aquece a conjuntura, enquanto as exportações estagnaram e os excedentes das importações atingiram valores astronómicos. Não se trata de nenhuma particularidade nacional, mas de uma relação de troca no interior do capital mundial. O limite interno da acumulação global de capital há muito que se teria transformado numa crise geral de vendas, se os Estados Unidos não absorvessem a produção excedentária de mercadorias de todo o mundo. Foi este "milagre do consumo" da economia americana que até agora deteve todas as manifestações de crise; começando com o rebentar da bolha financeira japonesa em fins dos anos oitenta, passando pela crise asiática dos "pequenos tigres" em meados dos anos noventa, até à crise da Argentina e ao colapso da New Economy após a passagem do século.

Quanto mais a tosca ideologia do "anti-americanismo", tanto de direita como de esquerda, se espalha pelo mundo, tanto mais essa mesma humanidade capitalista se torna dependente do facto de que são os consumidores americanos que controlam a crise mundial, por eles estancada através do consumo do excedente de mercadorias. O "milagre" desta economia vudu assenta, como é sabido, num mega endividamento interno e externo. Os Estados Unidos precisam diariamente de um fluxo líquido de capital entre 2 e 4 milhares de milhões de dólares para cobrirem o déficit externo. A dívida interna dos orçamentos privados chega a quase 14 biliões (!) de dólares, 136% do rendimento nominal. Mas nem o estatuto de potência militar mundial pode manter duradouramente esta discrepância; o "payday" não pode ser protelado eternamente. Entretanto, os moinhos da crise moem com relativa lentidão. As compras e os pagamentos separam-se cada vez mais no tempo, através dos mecanismos globais de financiamento. E a circulação do capital, nas suas diferentes formas de aparência, como capital produtivo, capital mercadoria e capital monetário, prolonga-se por anos, adicionalmente estendidos pelas cadeias de crédito.

Os "milagres" demoram, portanto, um pouco mais do que parece permitir a pura lógica. Apesar disso, a crise de endividamento dos Estados Unidos vai amadurecendo pouco a pouco. Uma expressão do afluxo de capital monetário sem investimento real foi o crescimento fictício do valor dos imóveis, ocorrido durante longos anos, que funcionava como máquina de dinheiro para os consumidores, apesar da queda de longo prazo dos salários reais. O esvaziar desta bolha desde o início de 2007 deixou atrás de si uma massa crescente de créditos hipotecários malparados, que se podem ler nas provisões para amortizações dos bancos, na ordem dos milhares de milhões, em crescimento num ritmo já quase semanal. Uma vez que o banco central americano reagiu ao problema com uma redução unilateral dos juros, tendo com isso a cotação do dólar baixado, no último trimestre de 2007 parou o afluxo de capital monetário global. O financiamento dos excedentes de importação começa a paralisar. Simultaneamente, na economia interna americana, a crise do crédito hipotecário estende-se à crise das dívidas dos cartões de crédito, em que se refugiaram muitos orçamentos privados sob pressão. Só em 2008 e 2009 se tornará clara a verdadeira dimensão da crise das dívidas do consumo americano. Contudo, o fim adiado do "milagre do consumo" nos Estados Unidos equivale ao fim dos excedentes de exportação no resto do mundo. Vão regressar e vão juntar-se todas as crises dos anos noventa.

Original WUNDER DAUERN ETWAS LÄNGER in www.exit-online.org. Publicado em Neues Deutschland 23.11.2007.

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