O PODER DOS IMPOTENTES

Porque se tornou o conflito ferroviário uma peça didáctica

 Robert Kurz

Há dezenas de anos que não havia nada disto na cultura de compromisso e paz social da RFA: a discussão das tabelas salariais entre a empresa ferroviária e o sindicato dos maquinistas preocupa o país há já vários meses e não chegará facilmente à almejada paz dos cemitérios. É verdade que o consenso social há muito que foi anunciado, mas apenas de modo extremamente unilateral, a partir de cima. O que ainda se faz passar sob a designação ritual de compromisso, na relação entre "economia" e sindicatos, consistiu por regra em cortes sem compromisso, à custa dos empregados. Supressão de postos de trabalho, prolongamento de horários e redução de salários fazem parte dos grandes "sucessos" dos últimos anos, incluindo nos caminhos-de-ferro. Precisamente nestes tempos de crise social e de concorrência agravada nos mercados de trabalho, subitamente ganha possibilidade o sopro de uma capacidade de conflito com a qual ninguém tinha contado. E precisamente com o pequeno e até agora quase desconhecido sindicato dos maquinistas, embora se trate de um dos mais antigos sindicatos alemães, que em todo o caso ainda nunca dera nas vistas como lutador.

Por todo o lado há uma raiva surda contra a tendência geral para a decadência social. Mas a impotência individualizada e a falta de perspectiva político-social esvaziam as ideias de resistência. Se o sindicato dos maquinistas se tornou inesperadamente o símbolo do possível poder dos impotentes, isso não tem a ver apenas com a posição chave dos maquinistas. Fica claro também que, sob as condições de uma produção just in time globalizada, organizações relativamente pequenas e ligadas a áreas limitadas, em que a capacidade de discussão não fica limitada ao aparelho, são mais fortes que os grandes sindicatos tornados inertes, eles próprios há muito semelhantes a conglomerados empresariais. A individualização pode, de certa maneira, ser combatida com os seus próprios meios, através do desmantelamento do anonimato. O mesmo se aplica à área dos contratos. Não é por acaso que aqueles que gritam agora, na política e no management, por uma tabela salarial de unidade são precisamente os mesmos que a esvaziaram sistematicamente, através de cláusulas de excepção, mudanças para acordos de empresa e outsourcing calculista, porque lhes parecia de exigir uma maior condescendência dos empregados perante as exigências que lhes eram colocadas. Agora estão chocados porque vêem que a caça se pode virar contra o caçador. Uma soma de conflitos e tabelas salariais sectoriais, exigidas com vigor à moda dos maquinistas, pode tornar-se mais arriscada do que o manso ritual do acordo das tabelas unitárias, logo que outros grupos de empregados lhe tomem o gosto.

Também do ponto de vista ideológico, parece que o cartel neoliberal se revelou com pés de barro no caso do conflito ferroviário. A invocação do já gasto "interesse geral", feita nos moldes habituais, obviamente que já não pegou como se esperava. A gritaria mediática encenada de que uns milhares de maquinistas transviados "paralisam um país inteiro" não conseguiu abrir caminho como antes. Pelo menos em privado, talvez que os indivíduos flexibilizados à força não fiquem todos assim tão tristes quando o transporte para o emprego de miséria fica paralisado por uns tempos. Quando a realidade se torna mesmo insuportável anseia-se por um tremor de terra de vez em quando. Mesmo a acusação de que a "retoma" seria provavelmente prejudicada pela greve já não comove ninguém. Qual retoma? Para a grande maioria não houve retoma nenhuma. E quando os mercados financeiros entrarem em crash não se pode responsabilizar o sindicato dos maquinistas por isso. Em todo o caso, nos inquéritos de opinião, e apesar do impedimento da circulação ferroviária, uma maioria mantém-se firme, tomando posição a favor do sindicato e contra a direcção dos caminhos-de-ferro.

Os modestos maquinistas certamente não se sentem bem na sua pele, desde que o seu "standing [estatuto social]" cresceu para o top político e mediático. Não era isso que eles queriam. Mas o que eles queriam transformou-se, sem eles nada fazerem por isso e sem se dar conta, numa peça didáctica. A condução da greve foi até agora bastante hesitante, por receio quanto à própria coragem e por medo da opinião pública. O emocionante deste conflito, porém, reside em que está praticamente excluído um pseudo compromisso como o da Telekom, que foi na realidade uma capitulação do sindicato Verdi. Pois se o sindicato dos maquinistas tivesse de acabar por ceder, em nome do palavreado da "consciência da mais elevada responsabilidade", com isso não apenas sofreria uma pesada derrota, mas selaria também o seu fim como organização. Como é que diz a palavra de ordem com que desde sempre tem sido submergida a humanidade casada com o capitalismo? É preciso ousar arriscar

Original DIE MACHT DER OHNMÄCHTIGEN in www.exit-online.org. Publicado em Freitag 23.11.2007.

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