CORTAR
A EITO NA CLASSE MÉDIA
A
classe política assenta de preferência lá onde julga encontrar uma suave
almofada de descanso, com o olho nas sondagens: no chamado centro. Este conceito
esponjoso tem uma base económico-social, a qual, contudo, entrou em declínio.
Por um lado afirma-se que é a classe média que sustenta os pilares tanto da
economia como da sociedade. Por outro lado, os ideólogos de uma condição
burguesa sólida estão sob a ameaça de o centro desta se perder. Segundo um
estudo do Instituto Alemão de Pesquisa Económica, Deutschen Instituts für
Wirtschaftsforschung (DIW), a camada média [Mittelschicht] sofreu, só
entre 2000 e 2006, uma queda dramática de cerca de 8 por cento. Porém, há que
apontar aqui uma diferença. Como posição média [Mittelstand], em termos económicos,
consideram-se as pequenas e médias empresas, das quais se diz que, ao contrário
das grandes empresas, seriam máquinas de fabricar jobs [empregos
ocasionais]. Por outro lado, camada média é definida como sendo um grupo da
população que aufere até 150 por cento do rendimento médio. A ela pertencem
os assalariados “mais bem pagos” e os profissionais livres, cujo “capital
humano” assenta nas suas habilitações literárias. Entretanto, ambos estes
sectores do centro se interpenetram mutuamente, devido à precarização dos
empregos.
A
nova camada média floresceu no século XX, principalmente no pós-guerra,
devido à crescente cientificização. Assim se expandiram as áreas da educação
e saúde, bem como sectores qualificados da economia empresarial. Estes sectores
desfazem-se agora, sob as condições de crise da globalização e da Terceira
Revolução Industrial. Infra-estruturas públicas são reduzidas e privatizadas
em condições miseráveis, qualificações na área de economia empresarial são
deslocalizadas ou suprimidas por racionalizações. A camada média está a
sofrer uma rápida desvalorização do seu “capital humano”. São cada vez
mais os finalistas de liceus e de escolas superiores que engrossam a fila de
espera da “geração-estágio”, mal paga ou até não paga, cuja pobreza na
velhice está perfeitamente à vista. Por outro lado as médias empresas também
já não são o que eram. O que elas vendem como “inovação”, na maioria
dos casos, são produtos de outsourcing dos grandes conglomerados
industriais ou das telecomunicações. Uma parte da camada média está
novamente perante a humilhante situação do cliché da venda da alma no sector
da prestação de serviços. Até as próprias universidades privadas e os
escritórios de advogados se aproveitam da nova inteligência barata. De vagar e
aos poucos, a antiga burguesia culta ameaça vir a tornar-se uma
lumpenburguesia.
A
desvalorização da força de trabalho não constituiu qualquer problema para os
media enquanto se tratava apenas de, “fomentando e exigindo”, enviar para
salários de miséria os desempregados pouco qualificados. Já há muito que,
com a ajuda do Instituto de Emprego, se constituiu uma larga camada inferior de
“pobres com emprego”, a viver no limiar do mínimo de subsistência. Esta
situação só se tornou escandalosa quando também atingiu “o centro áureo”,
de que os optimistas profissionais gostam de deduzir a paz e a ordem. A lógica
da economia é cega para as “pequenas diferenças”. Estas deveriam ser
porventura politicamente restauradas a um nível mais baixo. Existe agora o
perigo de, na embrulhada da “financiabilidade”, serem dadas condições à
camada média em queda às custas da camada inferior excluída. O potencial
ideológico para isso germina na consciência de um centro que se autonomeia o Lázaro
nº 1 da crise social. Mas, se a solidariedade for selectivamente canalizada por
baixo da mesa, ela torna-se o seu próprio contrário.
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