CAPITALISMO
POPULAR NUNCA MAIS
A longa
ressaca após o desastre da Telekom
Quem se recorda ainda?
Nos anos noventa o pico bolsista era um grande sucesso. A prosaica comunidade
alemã transmutou-se em grupo de apostadores. Artesãos e donas de casa,
agricultores biológicos e avós contagiavam-se pela febre da bolsa; os telemóveis
aqueciam de tanto uso. Não havia um encontro à volta da mesa de um bar sem o
seu auto-proclamado especialista na matéria. De orelhas vermelhas, todos
aguardavam um lucro fácil. A entrada em bolsa do ex-consórcio estatal Telekom
veio mesmo a calhar. Com mais de mil milhões de acções, emitidas em três
tranches, de 1996 até 2000, foi a maior emissão na história da bolsa alemã.
A corrida à aquisição de acções fazia lembrar os assaltos aos saldos em fim
de estação. Logo na primeira emissão, em 1996, entraram cerca de 1,9 milhões
de investidores privados. Quem chegava atrasado ia para casa a chorar de mãos
vazias. Um novo capitalismo popular com accionistas vindos do povo e prenhes de
dinheiro, era a visão gloriosa do momento. Desde o boom do consumo até
aos fundos de pensões, passando por uma franca boa vida, tudo deveria ser
financiado pelas subidas sem fim das cotações, as quais eram projectadas a
cinquenta anos.
No
seu spot publicitário à Telekom, o actor Manfred Krug sugeriu que as
novas acções populares, qual vinho tinto generoso, deveriam ser deixadas em
depósito a amadurecer. Saltaram as rolhas das garrafas de champanhe, quando o
papel da Telekom, na primavera de 2000, imediatamente antes da emissão da
terceira tranche, atingia um novo record de 104,87 Euros. Contudo, de então
para cá em queda livre, o vinho rapidamente amadurecido transformou-se em
vinagre. No início de Abril 2008, a cotação era de 11,18 Euros. Segundo o
semanário económico, “Wirtschaftswoche”, até agora arderam mais de 267
mil milhões de Euros no valor bolsista da Telekom, com tendência para este número
aumentar. A crise financeira global ameaça atingir a economia real; e atingidas
serão principalmente as grandes empresas de electrónica e telecomunicações,
para as quais se esperam pesadas quebras nos ganhos. Nos Estados Unidos, a
General Electric já teve mesmo de baixar as calças. Desde o início de 2008,
os grandes índices bolsistas perderam o crescimento fictício de valor de mais
de um ano, que fora obtido na senda da igualmente fictícia retoma
“impulsionada financeiramente”. Porém a Telekom já não fazia parte do
pacote. Com as suas acções (1) já só se poderá verdadeiramente poupar papel
higiénico.
É significativa a reacção
ao fiasco das pretensas acções populares em particular e à maior crise
financeira desde os anos 30 em geral. O que são os banqueiros e os gestores de
topo? “Tubarões vorazes”, evidentemente. O que são os políticos?
Vigaristas infames, como sempre se soube. E o que são os fogosos apostadores de
ontem? Naturalmente vítimas defraudadas e inocentes. Foram manipulados e atraiçoados.
Não é a reflexão crítica que ganha expressão, mas a massiva auto-ilusão
que se repercute no ressentimento pequeno-burgês duma longa ressaca. Assim, a
maior operação de bolsa na Alemanha transformou-se no maior processo económico
de todos os tempos. À boa maneira norte-americana, foi posta em marcha uma acção
colectiva. 900 advogados representam os 17.000 pequenos accionistas coléricos
que exigem justiça capitalista. Aquando da primeira tranche da operação de
bolsa, a Telekom terá sobrevalorizado os seus bens imobiliários e na terceira
tranche não terá mencionado nas brochuras da bolsa a aquisição da operadora
norte-americana de telecomunicações, Voicestream, embora esta estivesse
vinculada a grandes endividamentos.
Não estamos perante uma
crise do capitalismo, mas apenas perante erros de gestão e vigarices. Embora
tudo e todos estejam, de uma forma ou de outra, envolvidos, saber-se-á
encontrar os culpados. Ainda está no segredo dos deuses saber se se conseguirá
obter da Telekom a indemnização especial no valor de 80 milhões de Euros. A
sentença do megaprocesso não se espera para antes de 2010. Até lá, o valor
do imobiliário da Telekom em 1996 tem de ser calculado a posteriori num
complicado processo de avaliação. Só isso custará à volta de 20 milhões de
Euros. Pelo menos consegue-se assim que os postos de trabalho dos advogados e
suas equipas fiquem desde logo assegurados. Enquanto a imprensa económica enche
as páginas com receitas pouco credíveis para os pequenos investidores, a ideia
das acções populares esfumou-se. Já só há meia dúzia de inamovíveis a
comprar tais acções, muito menos do que no início dos anos noventa. Nem o
chefe do SPD, Kurt Beck, se atreve a falar do conceito, a propósito do já de
si polémico processo de cotação em bolsa da Bahn, AG (caminhos de ferro). O
capitalismo de Estado morreu, o capitalismo popular morreu e o capitalismo
privado clássico também já não está lá muito bem. Tudo parece indicar que
as fábricas de conceitos para a administração do capitalismo estão a ficar
sem “modelos”. Talvez seja de lhes mover um processo a pedir uma indemnização
pelas ilusões desfeitas.
Original