COM ÓCULOS Cor-de-rosa VÊ-SE MELHOR
Até
há pouco tempo, esta ainda era a mãe de todas as crises financeiras – e, de
repente, tudo se resolveu a contento de toda a gente. Nas suas entrevistas mais
recentes Josef Ackermann, chefe do Deutsche Bank, afirmou que o incêndio saído
da crise do crédito hipotecário dos Estados Unidos se aproximaria do fim. Os
efeitos sobre a economia real seriam suportáveis e não haveria sinais de crise
económica mundial. Os banqueiros de investimento, se não foram despedidos,
aconselham a clientela a regressar aos belos derivados financeiros; afinal eles
têm de ter alguma coisa para viver e para pagar o seu Porsche. Com óculos
cor-de-rosa tem-se óptimas vistas e a coisa não estava assim tão má. Graças
aos excedentes de dinheiro dos bancos centrais e ao agressivo abaixamentos de
juros nos EUA, há liquidez suficiente no mercado para inflar de novo o sistema
de crédito, que estava em baixa. Mas isto já se está a passar há um ano. O
alarme foi desactivado a um ritmo mensal para, em cada caso, vir depois uma nova
onda de choque.
Na
realidade calcula-se em um bilião de dólares a necessidade de amortizações,
só em consequência da derrocada do mercado hipotecário dos EUA. Até agora
foram abatidos apenas 344 mil milhões de dólares. Grande parte das perdas
ainda não apareceu nos balanços, porque os bancos e serviços financeiros
escondem ou adiam as amortizações. Só foram abatidas as perdas de valor em
posições de curto prazo, flagrantemente insustentáveis. Os empréstimos de
longo prazo com hipoteca, pelo contrário, continuam no balanço pelo valor
nominal (presumivelmente também no Deutsche Bank), embora ninguém os queira
comprar. A esperança de que o valor destes papéis suba novamente quando os
mercados financeiros “normalizarem” é, no entanto, completamente ingénua.
O pressuposto seria a rápida subida do mercado imobiliário dos EUA, para o que
não há quaisquer indícios. Acresce ainda a crise do sistema de cartões de crédito
nos EUA. Muitos proprietários de imóveis em estado de necessidade voltaram a
endividar-se por esta via. Com isso, porém, apenas foi adiada a posterior
repercussão da crise do crédito.
Mas,
sobretudo, ainda está longe de ter sido realizada a inevitável repercussão
sobre a conjuntura dos EUA, suportada em mais de 70% pelo consumo. Desde 2002
que o “milagre do consumo” tem sido alimentado principalmente com créditos
facultados pela bolha imobiliária. Não está à vista de onde possa vir o
poder de compra para amortecer a queda da conjuntura após o rebentar desta
bolha, perante um desemprego que cresce todos os meses. Não se pode contar com
as poupanças, pois elas não existem em volume significativo. As reduções de
impostos, a entrar em vigor até meados de Julho, com um volume de 100 mil milhões
de dólares, dos quais foram dados pelo governo americano 130 milhões do orçamento,
são como uma gota de água num ferro em brasa. Presentemente, estão no ponto
mais alto dos últimos 30 anos tanto as expectativas de recessão como as
expectativas de inflação nos EUA. É perante esta realidade que vai ficar à
vista o dilema do banco central nos próximos meses, pois ele não pode,
simultaneamente, baixar e subir os juros. Apesar das ajudas maciças, com injecções
de liquidez e dinheiro dos impostos, a nível mundial nem os balanços foram
saneados, nem a repercussão sobre a economia real for “apreciada” nos
mercados financeiros. Não se devia dar grande esperança de vida ao novo
optimismo de óculos cor-de-rosa; o próximo ataque de pessimismo de Josef
Ackermann está pré-programado.
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