MEDO DO
MONSTRO
O populismo de crise das elites nada explica e nada controla
Um alemão federal em
cada quatro vive no limiar da pobreza e a classe média também se está a
esvair. Atestar um depósito de combustível leva quase à ruína um orçamento
mensal médio. Vislumbra-se no horizonte o colapso do regime de pensões e, na
medicina de segunda classe, os insolventes não podem dar-se ao luxo de adoecer.
Ao mesmo tempo, a crise global na área alimentar faz manchetes nos jornais.
Receia-se que, para as massas de milhares de milhões, dentro em pouco não haja
nada para levar à boca. E tudo isto acontece em plena “retoma” da
conjuntura de deficit, que se alimentou de bolhas financeiras e que só teve
entrada nos palácios de cristal da globalização. No entanto também ela
poderia estar perto do fim. O mal-estar dos créditos hipotecários nos EUA,
agravado meses a fio, despoletou uma crise financeira mundial; a maior desde
1945 e provavelmente a pior desde os anos 30. Mas, em comparação com isto, o
que é a catástrofe climática, que os media relegaram novamente para planos
recuados?
Quando a questão é
socializar as perdas do desastre financeiro, nem mesmo o próprio chefe do
Deutsche Bank acredita mais “nas forças de auto-recuperação do mercado”.
A bancarrota do neoliberalismo passou a vias de facto.
Mas, como já dizia Margret Thatcher: não existe nenhuma alternativa; enquanto
o capitalismo for tomado como o princípio de vida. A divisa “Fechar os olhos
e seguir em frente” converte-se em medo e pânico, mesmo no seio das elites,
até agora tão narcisistas, da administração de crise radical do mercado.
Subitamente o Presidente Federal, Köhler, já reconhece “que os mercados
financeiros internacionais se tornaram num monstro”. Ao que parece ele padece
de lapsos de memória, tendo em conta o seu tempo como director do Fundo Monetário
Internacional. É verdade que não é o único. Já Franz Müntefering, o
social-democrata do cachecol vermelho, assegurou que os culpados eram os
“gafanhotos” dos fundos de investimento, esquecendo-se contudo,
grandiosamente, que foi o governo vermelho-verde que capitulou perante as “forças
do mercado”.
De repente, os alunos
aplicados de ontem já não se querem assumir. Agora todos se promovem a
lutadores da resistência contra os “excessos” neoliberais, porque para eles
se trata apenas e só de um capitalismo de boas pessoas; contudo, assim sustenta
Köhler, “sem perder de vista os mecanismos do mercado e do preço”. Esta opção
é tão verosímil como a esperança de que o quarteirão dos ministérios de
Berlim seja povoado por anjos-da-guarda do foro social. Até mesmo toda a
imprensa económica procura as causas primordiais da miséria meramente na
“ganância” subjectiva dos actores, que deverão ser tidos como bodes expiatórios.
Também Köhler apela à coesão de grupo, quando ele estigmatiza as “bizarras
altas gratificações para cada um dos gestores financeiros”. E os banqueiros,
com receio dos esqueletos no armário, não só cessaram o crédito mútuo,
como, influenciados pela reprimenda presidencial, estão na mira uns dos outros
para poderem trazer à praça pública aqueles que alimentaram o “monstro”.
Para eles, ao que parece, o facto de estarem a servir o ressentimento e o
sentimento anti-semita não tem importância nenhuma, não lhes diz nada.
“Bizarro” é, principalmente, como a comunidade dos democratas da crise se
está colando aos ideais do NPD, mesmo que eles não o queiram admitir.
As metáforas
do “monstro” e dos “gafanhotos” remetem para o estado de necessidade, no
que respeita a esclarecimento de uma consciência que interiorizou o
capitalismo. O populismo de crise das elites fixadas no medo nada explica e nada
controla. Uma análise às causas da crise iria inevitavelmente conduzir à crítica
da economia política de Marx. Contudo, a cultura teórica desta crítica foi
interrompida, desde que uma grande parte das esquerdas chegou à digestão
enganadora do colapso do socialismo real, face ao princípio da realidade
capitalista. Agora o intocável “mecanismo do mercado e do preço”
envergonha os seus boys. Por isso até a expertocracia oficial fica sem
acção. Os licenciados em ciência económica que povoam os sindicatos, as
associações empresariais, os partidos, o funcionalismo público e as fundações,
podem perfeitamente ser trocados uns pelos outros e estão impregnados da mesma
mentalidade, como ovelhas clonadas. Face ao “monstro” que ela própria
gerou, a economia empresarial despede os seus filhos espertos. Estes já não
entendem o seu próprio mundo. Se os profissionais de ideias ocas chegam com Köhler
à conclusão de que nós, enfim, estivemos
“perto de um colapso nos mercados financeiros mundiais”, mas
actualmente já teria sido desactivado o alarme, isto por si só já deveria
constituir um sinal de alarme. A repercussão da crise financeira na vida
quotidiana ameaça acordar os demónios de uma desesperada concorrência
generalizada. Nessa altura também já não adianta aos guardiães da
financiabilidade lavarem as mãos na inimputabilidade do populismo.
Original
ANGST VOR DEM MONSTER em www.exit-online.org. Publicado em “Freitag”,
23.05.2008