POR
ÁGUA ABAIXO
A
conjuntura mundial começa a desmoronar-se
Crise,
qual crise? Assim soava, ainda há pouco, o populismo de fim de alarme e de
aquietação, até na esquerda. Desta vez, a retoma da extremamente flexível
economia capitalista mundial deveria ser finalmente sustentável, e calculava-se
já que por muitos anos. A crise financeira latente a nível mundial desde o verão
de 2007 parecia pouco poder prejudicar os anúncios de sucesso. E se tal
acontecia tratava-se talvez de uma pequena depressão conjuntural nos EUA. A
zona Euro não seria afectada e os países emergentes poderiam facilmente fazer
de locomotiva, em virtude das elevadas taxas de crescimento. Este discurso mediático
e político distinguia-se sobretudo pela ignorância. Agora, em apenas uma
semana, só se vê choverem dados trimestrais negativos e prognósticos
sombrios.
A
maioria das empresas do índice DAX, incluindo a Daimler e a BMW, teve de rever
drasticamente em baixa as previsões de resultados. Após o tombo do sector bancário,
com imensas amortizações, agora quase todos os ramos industriais estão
“sensíveis à conjuntura”. As carteiras de encomendas supostamente cheias
chegam ainda até ao Outono; a seguir predomina um enorme vazio, pois já começam
a faltar as encomendas para depois. “Muito má” é a perspectiva para o
Inverno, segundo o Instituto IFO de Munique; com a redução de postos de
trabalho na indústria e nos serviços tem de se contar com uma frente mais
alargada. Desapareceu a subida do consumo interno, ainda esperada na Primavera,
com os postos de trabalho suplementares. Donde viria ela, face aos baixos salários,
trabalho temporário e contratos a prazo? As vendas de fim de Verão foram as
mais miseráveis desde há anos. E as revisões salariais até aqui negociadas
pelos maiores sindicatos, que mal conseguem mover-se de tanta moderação, na
melhor das hipóteses cobrem a taxa de inflação crescente.
O
boom da exportação aparentemente sem fim, que tinha mais que compensado a
fraqueza da procura interna, tornou-se um modelo em fim de linha; a conjuntura
mundial começa a desmoronar-se. A recessão nos EUA continua em primeiro plano.
Na verdade ocorreu aí já no último trimestre de 2007 um crescimento negativo,
pela primeira vez desde há muito tempo. Mas na primavera de 2008 o consumo foi
novamente apoiado com créditos fiscais de 100 mil milhões de dólares. Este
fogo de palha deverá extinguir-se no segundo semestre. As consequências da
crise do imobiliário atingem a economia real em toda a sua extensão. Mesmo a
destruição de jobs no abalado sector bancário está apenas no começo; apesar
disso a taxa de desemprego nos EUA já subiu claramente. Anuncia-se a próxima
onda da crise financeira: segundo declarações do economista de nomeada Nouriel
Roubini, o sector dos cartões de crédito nos EUA está a desmoronar-se em
larga escala exigindo amortizações entre 1 e 2 biliões de dólares, excedendo
a dimensão do estouro da bolha do imobiliário.
Até
ao inverno, o fim do “milagre do consumo” nos EUA vai repercutir-se
duramente na conjuntura mundial. “A América caminha para a pior crise económica
desde a grande depressão” (Handelsblatt de 4.8). Mas a Europa não vai ficar
à espera do desastre do outro lado do Atlântico; ela produziu o seu próprio
sorvedouro. Entretanto rebentaram as bolhas imobiliárias na Grã-Bretanha e na
Espanha, estrangulando o consumo alimentado pelos créditos hipotecários, como
nos Estados Unidos. Também a Itália e a França meteram marcha atrás. Um
panorama semelhante se apresenta na Europa Oriental. Os “tigres bálticos”,
Estónia, Letónia e Lituânia, já foram ao tapete. O “tigre celta” Irlanda
espera o mesmo destino até ao fim do ano. A tendência negativa é agravada
pela impossibilidade de mais endividamento, Segundo um novo estudo do Deutsche
Bank, a oferta de crédito a empresas e particulares ficará limitada em pelo
menos 15% até 2010, nos EUA e na zona Euro, em consequência da crise
financeira.
Com
tudo isto, não se trata de um clássico movimento cíclico. Há quase 30 anos
que a conjuntura da economia real perdeu a sua sustentabilidade própria. O sobe
e desce da economia mundial tem sido cada vez mais comandado pelos mercados
financeiros autonomizados. A causa não foi a “avidez” dos especuladores,
mas a incapacidade de o capital mobilizar trabalho humano, como substância da
criação de valor real, à escala necessária, sob as condições da 3ª revolução
industrial. De facto a “revolução neoliberal” não pôde suplantar a
fraqueza estrutural do crescimento que veio à luz do dia nos anos 70. Em vez
disso, o mercado mundial, incluindo o volante da exportação asiática, tem
sido suportado por orgias de endividamento e bolhas financeiras. O reverso foi
desemprego em massa, sub-emprego e baixos salários. Agora chega ao fim a onda
longa do crescimento “financeiramente induzido”.
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