A MISÉRIA DA MICROECONOMIA

Robert Kurz

A moderna ciência económica conhece dois padrões de interpretação do seu objecto. A chamada macroeconomia ocupa-se do contexto global dos processos económicos e das relações com os seus elementos particulares, por exemplo, a relação entre o desenvolvimento da conjuntura e a taxa de inflação. A chamada microeconomia, por sua vez, parte do comportamento de cada “sujeito económico” particular, onde é suposto um cálculo individual da “maximização do lucro”. Ambas as aproximações pressupõem cegamente a forma capitalista da sociedade como “fundamento natural”. A teoria de Marx, pelo contrário, não só se refere de antemão ao contexto social global, mas também critica como “fetichistas” as formas económicas que lhe servem de fundamento e toda a organização da valorização do capital, como fim em si irracional e em última instância destruidor.

Na evolução das últimas décadas a teoria de Marx foi rejeitada e, pelo menos desde o colapso do socialismo de Estado, amplamente banida da empresa científica. De par com isto, contudo, ocorreu também uma revolução no interior da ciência económica burguesa. Já há muito que o ponto de vista macroeconómico era crescentemente subordinado ao microeconómico. A totalidade da economia surgia apenas como resultado de decisões dos sujeitos económicos individuais, que era preciso expor na forma de “modelos” matemáticos, em si considerados pelos práticos capitalistas como estranhos à realidade. A chamada revolução neoliberal não se limitou a radicalizar a microeconomia. A “dama de ferro” Margret Thatcher pôs os pontos nos is com a sua célebre tirada: “A sociedade não existe, só existem os indivíduos e as famílias”.

Este imperialismo da microeconomia constitui o cerne do radicalismo de mercado do neoliberalismo, na forma de uma “economia da oferta” individual. A nova profissão de fé reza: “Torna-te barato” a qualquer preço. O capitalismo deveria ser libertado dos seus problemas de valorização com uma política drástica de redução de custos e o correlativo embaratecimento da mercadoria força de trabalho. Quando todos se comportarem individualmente apenas “de acordo com o mercado”, essa a ideia fundamental, o sistema na prática voltará a funcionar. O esconder do todo social vai de par com a “individualização” social pós-moderna, segundo a palavra de ordem: cada um por si e Deus contra todos. A “micro-economificação” foi ideologicamente estendida a todos os domínios da vida, da cultura às relações pessoais.

Mas o contexto sistémico da relação social, a famosa “totalidade”, tinha de se vingar da ignorância da microeconomia. Já o desenvolvimento, como imagens invertidas, de desemprego em massa, por um lado, e, por outro, da economia das bolhas financeiras e da globalização apontava para o facto de o todo ser algo diferente da mera soma das partes. A presente crise financeira, com a sua iminente repercussão sobre a conjuntura mundial, designada pelo ex-presidente da Reserva Federal dos EUA como “a crise do século”, põe a ridículo a sobrevalorização descontextualizada dos dados económicos. A microeconomia já não consegue explicar nada. A sua actual miséria é também a miséria da “individualização”. Os seres humanos vão bater com o nariz no facto de serem de natureza social.

Original DAS ELEND DER MIKROÖKONOMIE em www.exit-online.org. Publicado em “Neues Beutschland”, 15.08.2008  

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