A
MISÉRIA DA MICROECONOMIA
A
moderna ciência económica conhece dois padrões de interpretação do seu
objecto. A chamada macroeconomia ocupa-se do contexto global dos processos económicos
e das relações com os seus elementos particulares, por exemplo, a relação
entre o desenvolvimento da conjuntura e a taxa de inflação. A chamada
microeconomia, por sua vez, parte do comportamento de cada “sujeito económico”
particular, onde é suposto um cálculo individual da “maximização do
lucro”. Ambas as aproximações pressupõem cegamente a forma capitalista da
sociedade como “fundamento natural”. A teoria de Marx, pelo contrário, não
só se refere de antemão ao contexto social global, mas também critica como
“fetichistas” as formas económicas que lhe servem de fundamento e toda a
organização da valorização do capital, como fim em si irracional e em última
instância destruidor.
Na
evolução das últimas décadas a teoria de Marx foi rejeitada e, pelo menos
desde o colapso do socialismo de Estado, amplamente banida da empresa científica.
De par com isto, contudo, ocorreu também uma revolução no interior da ciência
económica burguesa. Já há muito que o ponto de vista macroeconómico era
crescentemente subordinado ao microeconómico. A totalidade da economia surgia
apenas como resultado de decisões dos sujeitos económicos individuais, que era
preciso expor na forma de “modelos” matemáticos, em si considerados pelos
práticos capitalistas como estranhos à realidade. A chamada revolução
neoliberal não se limitou a radicalizar a microeconomia. A “dama de ferro”
Margret Thatcher pôs os pontos nos is com a sua célebre tirada: “A sociedade
não existe, só existem os indivíduos e as famílias”.
Este
imperialismo da microeconomia constitui o cerne do radicalismo de mercado do
neoliberalismo, na forma de uma “economia da oferta” individual. A nova
profissão de fé reza: “Torna-te barato” a qualquer preço. O capitalismo
deveria ser libertado dos seus problemas de valorização com uma política drástica
de redução de custos e o correlativo embaratecimento da mercadoria força de
trabalho. Quando todos se comportarem individualmente apenas “de acordo com o
mercado”, essa a ideia fundamental, o sistema na prática voltará a
funcionar. O esconder do todo social vai de par com a “individualização”
social pós-moderna, segundo a palavra de ordem: cada um por si e Deus contra
todos. A “micro-economificação” foi ideologicamente estendida a todos os
domínios da vida, da cultura às relações pessoais.
Mas
o contexto sistémico da relação social, a famosa “totalidade”, tinha de
se vingar da ignorância da microeconomia. Já o desenvolvimento, como imagens
invertidas, de desemprego em massa, por um lado, e, por outro, da economia das
bolhas financeiras e da globalização apontava para o facto de o todo ser algo
diferente da mera soma das partes. A presente crise financeira, com a sua
iminente repercussão sobre a conjuntura mundial, designada pelo ex-presidente
da Reserva Federal dos EUA como “a crise do século”, põe a ridículo a
sobrevalorização descontextualizada dos dados económicos. A microeconomia já
não consegue explicar nada. A sua actual miséria é também a miséria da
“individualização”. Os seres humanos vão bater com o nariz no facto de
serem de natureza social.
Original
DAS
ELEND DER MIKROÖKONOMIE em www.exit-online.org. Publicado em “Neues
Beutschland”, 15.08.2008