ENTREVISTA À REVISTA ON-LINE
TELEPOLIS
(Hannover, Alemanha)
Sr.
Kurz, o senhor já tinha dado uma entrevista à
TELEPOLIS em 2002, após o colapso da new
economy. O que é que mudou desde então?
Então rebentou a bolha financeira especial
do sector das dot-com, que estava astronomicamente
sobrevalorizado. O respectivo sector do novo mercado
na bolsa foi liquidado, o que levou a um crash geral das
acções. Com o corte desta veia diminuiu correspondentemente a
reciclagem do dinheiro das bolhas financeiras na chamada economia
real (investimentos, construção, consumo), ocorrendo uma curta
fase de recessão ou estagnação da conjuntura mundial. Fez-se
face a esta crise parcial com uma corrida dos bancos centrais à
redução dos juros, sobretudo através da oferta excedentária
de dólares, sob a égide de Alan Greenspan. Deste modo começou
uma nova e muito maior bolha financeira, a célebre bolha do
imobiliário, nos EUA e em partes da Europa e da Ásia. Uma vez
que subiram extraordinariamente os preços de todo o tipo de
imóveis, foi possível hipotecar vivendas e apartamentos para
obter empréstimos, que animaram o consumo e o investimento numa
amplitude muito maior do que no caso das bolhas financeiras
anteriores. Assim se alimentou uma conjuntura de deficit global,
que expandiu fortemente o circuito do deficit do Pacífico, de
exportação asiática (como parte da estratégia transnacional
dos conglomerados empresariais) de sentido único para os EUA, e
que esteve na base do milagre do crescimento da China
e da Índia. A partir da 2005 também a conjuntura de
exportação europeia beneficiou, não em último lugar o sector
de construção de máquinas alemão. Os índices de acções
rapidamente subiram de novo por todo o mundo até aos altos
níveis anteriores. Para um pensamento positivista, que se atém
aos factos, abstraindo do contexto, já parecia que
se abria uma nova era de prosperidade pelo século XXI adentro.
Agora, ao contrário de 2002, não rebentou uma simples bolha
especial. A crise das hipotecas estendeu-se a todo o sistema
bancário e creditício, e colocou fundamentalmente em questão o
posterior refinanciamento das montanhas de dívidas globais
acumuladas nas últimas décadas. Isto é muito mais dramático
do que o anterior colapso do segmento da new economy. Por
isso também as suas repercussões cairão drasticamente sobre a
conjuntura mundial e não se poderá tão facilmente reverter a
queda das cotações das acções num novo movimento ascendente
de longo prazo.
Faz-se muitas vezes a acusação de
que alguns maus gestores, com a sua avidez e frequente falta de
carácter, seriam os culpados da crise mundial dos mercados
financeiros. Outros entendem que a crise tem causas estruturais,
ligadas à crescente dificuldade de valorização do capital.
Pode dar-nos a sua opinião sobre a presente crise financeira?
A busca de culpados subjectivos é o modo
predilecto de a razão capitalista reagir à crise objectiva,
porque o sistema de fim em si mesmo da valorização do
valor e as condições de vida por ela determinadas
constituem o fundamento histórico desta razão e surgem-lhe como
dados naturais. As contradições são empurradas
para a ética individual. É aqui que se agarram as
tradições ideológicas, por exemplo o anti-americanismo e o
anti-semitismo. A crise é então reduzida a supostas qualidades
negativas de culturas ou sujeitos colectivos. Mas
mesmo os que falam de causas estruturais
frequentemente não se desprendem deste modo de ver. Pois em
regra, quando se fala de estrutura e de
sistema, não se refere o capitalismo como tal, mas
apenas um determinado modelo, um determinado modo de
moderação e regulação do contexto da forma capitalista
cegamente pressuposto. É assim que presentemente se
responsabiliza o modelo anglo-saxónico pela crise.
Mas não se trata aqui de um modelo, que pudesse ser
substituído por outro sobre as mesmas bases, mas da própria
lógica da valorização, seja qual for o modo de regulação ou
a política económica. Segundo Marx, a
substância do valor e da valorização (mais-valia)
é o dispêndio de energia humana abstracta nesta forma social. A
força de trabalho, porém, só pode ser utilizada ao nível do
standard de produtividade em cada caso posto pela concorrência.
Daí decorre uma auto-contradição sistémica, que se vai
manifestando numa escala histórica crescente. Quanto maior se
torna a força produtiva com a cientificização, tanto menor é
a substância de valor em cada mercadoria e maiores os custos
prévios de produção. O movimento desta contradição leva a
que os mercados tenham de crescer ininterruptamente e a
valorização se torne cada vez mais fortemente dependente do
crédito, como antecipação de mais-valia futura. Esta
contradição culmina na Terceira Revolução Industrial da
microelectrónica. O crescimento já só prossegue através dum
endividamento crescente a todos os níveis, ou seja, através de
uma cada vez maior antecipação de mais-valia futura, que
realmente nunca mais se poderá realizar, porque o crescimento da
produtividade esvazia a substância do valor. A
super-estrutura financeira começou já nos anos 80 a
desacoplar-se da produção real de mais-valia. Desemprego em
massa, subemprego e precarização, por um lado, e expansão do
capital fictício, por outro, constituíram as duas
faces da mesma moeda. Desde os anos 90 começou o processo de
reciclagem do capital das bolhas financeiras na economia real. A
produção e o consumo passaram a ser suportados cada vez menos
por lucros e salários reais, e cada vez mais por rendimentos das
subidas fictícias de valor no plano da circulação (compra e
venda de títulos financeiros). Isso provocou a ilusão óptica
do crescimento conjuntural, que em todo o caso ia de par com o
insuflar das bolhas financeiras. A cisão social entre crescente
riqueza abstracta aparentemente sem limites e pobreza
em massa precarizada ocorreu perante este pano de fundo. A
compacta cadeia de crises financeiras desde o fim dos anos 80 era
uma indicação do carácter capitalistamente improdutivo deste
desenvolvimento. Com a actual nova qualidade da crise financeira
também nesta perspectiva se atingiu o ponto culminante. A
fusão nuclear em curso no sistema de crédito
dificulta o insuflar de novas bolhas financeiras, ou torna-as
mesmo impossíveis. O novo excesso de moeda dos bancos centrais
já não alimenta indirectamente a conjuntura, mas limita-se a
administrar a massa falida da economia das bolhas financeiras.
O rebentar da bolha do imobiliário
foi uma crise já há muito tempo prevista por alguns
economistas. A política, depois de durante anos ter ignorado as
reflexões contra o negócio da especulação, mostra-se agora
surpreendida. É ingenuidade ou há aqui uma estratégia
escondida?
Os economistas da fracção
Cassandra, de que agora se fala, chamaram de facto a
atenção para o potencial de crise da bolha financeira, mas
viram aí apenas um desenvolvimento errado, ou um
excesso, sem reconhecerem a conexão interna com a
falta de base de valorização real e com a conjuntura do
deficit. Por isso eles partiam do princípio de que o rebentar
desta bolha levaria apenas a uma mossa passageira na conjuntura
mundial, que em breve se ergueria de novo. Nas últimas décadas
a classe política, por todo o mundo e independentemente dos
partidos, passou-se de armas e bagagens para o neoliberalismo e
seu postulado de desregulamentação, precisamente porque assim
se podia aparentemente iludir os limites da valorização do
capital, que já estavam à vista. A actual viragem, com os
traços bizarros de uma mudança milagrosa de liberais hard
core para capitalistas de Estado, deve ser antes de mais
considerada como um acto de desespero. Tal como já a viragem
neoliberal fora uma cega fuga em frente, por maioria de razão o
é esta inversão. Isto não tem nada a ver com ingenuidade, nem
com grande estratégia, mas com o beco sem saída em que estão
as instituições capitalistas, que no entanto se apresentam às
elites económicas e políticas como a única forma de
socialidade possível.
Peer Steinbrück apresentou um
chamado plano de 8 pontos para a remoção dos produtos tóxicos
dos bancos. Como avalia estas propostas?
Este plano, assim designado com optimismo,
é um insustentável programa de disparates, e como tal poucos
dias depois já é lixo. Ele não passava de exigências, tão
banais como baratas, de mais transparência nos
negócios bancários, reflexões completamente indefinidas sobre
a re-regulação e um virar de casaca populista, no sentido da
fúria popular contra os altos rendimentos dos
gestores, como mera manobra de diversão. O que Steinbrück
referia apenas envergonhadamente parece agora ter-se tornado
claro na cimeira do G-7: garantias estatais generalizadas, amplas
estatizações de bancos e passagem à contabilidade
criativa (modificação das regras do balanço). Trata-se
da mesma farsa que no caso da modificação criativa
das estatísticas do desemprego e do cálculo da inflação. Mas
a massa dos créditos malparados não se pode escamotear tão
facilmente como as estatísticas sociais.
O Estado, apesar de se mostrar avaro
no rendimento mínimo para os beneficiários do [programa
anti-social] Hartz-IV, tem agora de repente uma soma de milhares
de milhões a mais par aguentar os bancos. Donde vem ela?
Não tem nada essa soma a mais. Só que
não está disposto a recorrer a estes métodos de financiamento
aventureiros para acudir à existência de seres humanos,
supérfluos segundo os critérios capitalistas, mas
sim para a conservação do sistema financeiro. Estas somas nunca
vistas (biliões e não milhares de milhões) têm de ser
conseguidas esta a única possibilidade no mercado
financeiro global, através de empréstimos adicionais, o que no
entanto se deve ter tornado difícil nas novas condições. O
Estado teria de pagar juros mais altos, o que faria subir o
nível geral dos juros, contrariando a política de redução de
juros dos bancos centrais, ou então teria de subir drasticamente
os impostos. Qualquer das hipóteses mandaria de vez abaixo a
conjuntura à beira da queda. A outra hipótese consiste em os
bancos centrais transferirem simplesmente para o Estado dinheiro
criado do nada, sem contra-garantias; e possivelmente também
para os cambaleantes conglomerados empresariais, para adiar a
crise económica mundial. Isso significaria portanto liquidar os
limites institucionais à criação de dinheiro e recorrer
directamente à impressão de notas, como na economia de guerra
da Primeira Guerra Mundial. O que mais não seria que usar de
novo, desenfreadamente e numa nova dimensão, o mesmo meio que
agora é lamentado como a causa da crise financeira. O resultado
seria a inflação galopante que agora já se faz notar num
nível baixo. Se um café custar, digamos, 30 euros, um
crescimento assim induzido reduzir-se-ia ao absurdo, enquanto
simultaneamente seriam desvalorizadas todas as poupanças em
dinheiro. As garantias estatais vendidas de momento como
medidas geradoras de confiança podem transformar-se
rapidamente no seu contrário, se as modalidades de questionar o
financiamento se concretizarem. Ironicamente o terror da
financiabilidade, até aqui vigente na administração de crise
anti-social, vira-se agora contra o próprio sistema capitalista.
Fica-se com a impressão que, depois
de décadas em que os lucros obtidos na especulação foram parar
aos bolsos privados, os prejuízos são agora socializados, e
talvez mesmo, com os pacotes de ajuda estatal, de novo imensas
somas de dinheiro lançadas nas goelas dos que causaram a crise e
se abotoaram com os lucros (Paulsen)?
No capitalismo os lucros são sempre
privatizados e as perdas socializadas na crise, isso é inerente
ao sistema, não é nada de novo. E desde logo a especulação
não é a causa da crise, mas sim a consequência da falta de
possibilidades de valorização real, que finalmente se manifesta
na crise. O ressentimento popular contra os tubarões da finança
não tem nada a ver com crítica emancipatória, mas resulta da
ilusória confiança atávica no capitalismo são,
que é precisamente o que provoca a crise.
Respeitável nesta sociedade é pura e simplesmente
abotoar-se com os lucros; qualquer titular de pequena ou média
empresa é um aproveitador dos lucros profundamente decente, para
já não falar dos empresários dos pequenos estabelecimentos com
salários de miséria. Este apropriar-se dos lucros não é
sequer uma relação de vontade subjectiva, mas uma necessidade
objectiva do sistema; os gestores são apenas funcionários
deste. Quando o preconceito popular geral face à crise
financeira denuncia como apropriadores de lucros apenas os
banqueiros, de quem é de desconfiar, tem de ser ele próprio
denunciado como mentalidade de solícito animal de trabalho, que
a si mesmo se vê como apropriador de lucros normal e
sério. De resto o apropriador de lucros da
economia real, aparentemente regulares, da
conjuntura de exportação e serviços baseada no deficit já
viveu nos últimos anos precisamente do deficit
spending da economia das bolhas financeiras. Os amantes do
capitalismo decente deveriam verdadeiramente estar
agradecidos pelo facto de a especulação lhes ter oferecido um
tempo de vida suplementar, pois de outro modo a mãe de
todas as crises teria chegado muito mais cedo. Em todo caso
esta crise assumiu tal dimensão que a própria socialização
das perdas se torna precária. Se o Estado assume o comando,
então os banqueiros tornam-se de facto seus empregados, e as
somas imensas não são despejadas nas goelas de Ackermann e Cª,
mas no buraco negro da administração da falência global.
Na sua opinião há algum político,
a nível nacional ou mundial, que proponha medidas acertadas?
Agora é para eu dizer Obama? Ele provavelmente vai ter de pagar as favas pela confusão nos EUA, e tem chance de uma carreira de bode expiatório negro, pois a sua campanha de change, bastante pobre de conteúdo e apenas mediaticamente eficaz, vai ter de se revelar como completamente vazia. Aqui já não há carisma que ajude. A chamada política é simplesmente a forma de administração do sistema e dos seres humanos, enquanto a outra face da relação de capital. Quem entra na política já bateu a bota, com a configuração nos critérios sistémicos, na matrix fetichista da valorização do valor. É por isso que também a esquerda política chega sempre de novo ao capitalismo. A política apenas pode administrar as gritantes contradições e tapar buracos para voltar a abri-los. O azar é que, sob determinadas circunstâncias, o ouvido da política no pulsar das sondagens não ouve nenhuma chance, a não ser a surda ameaça da exaltação populista de uma consciência de massas que procura vítimas, quando as condições de vida capitalistas são retiradas aos complacentes normalzinhos.
Diz-se hoje que a coligação
SPD-Verdes teria no seu tempo colocado as bases para que a crise
financeira atingisse a Alemanha. Há aqui algo de verdade? Se
então o ministro das finanças Oskar Lafontaine tivesse podido
aplicar a sua política com êxito estaria a Alemanha melhor?
Há uma continuidade sem ruptura na viragem
neoliberal, desde a administração Kohl, passando pela verde
vermelha sob Schröder, até à actual grande coligação de
Merkel. Tons intermédios são aqui apenas espasmos; as
modificações cosméticas, por causa das diferentes colorações
ideológicas, não foram essenciais. Evidentemente que os verdes
vermelhos fizeram a agulha para o desenvolvimento que haveria de
levar à presente crise, por exemplo através das bonificações
fiscais para a grande farra da batalha das fusões e
aquisições. Isso foi apenas o reverso do [programa anti-social]
Hartz-IV. Os verdes vermelhos neste caso seguiram não apenas o mainstream
neoliberal, mas também a dinâmica objectiva do processo de
crise capitalista. Após o fim da prosperidade fordista e o
desabar da regulação keynesiana no desenvolvimento
inflacionista do começo dos anos 80, o crescimento posterior só
podia ser simulado através da expansão do capital
fictício, o que foi executado pela desregulação
neoliberal. O governo verde vermelho era um governo capitalista,
que fazer? Como tal ele só pôde fazer jus, no quadro da
globalização, às condições de valorização tornadas sem
base. Lafontaine e os seus seguidores não são críticos do
capitalismo, mas nostálgicos do keynesianismo nacional que há
muito tempo deixou de funcionar. Como política de governo isso
teria já então fracassado. A invocação da Alemanha
modelo, que se poderia desacoplar do capital mundial, é
não apenas uma ilusão, mas na essência nacionalista e
reaccionária. Tais entoações fazem-se agora ouvir também da
parte de Merkel e de Steinbrück, que procedem com se o mal
tivesse vindo dos EUA invadir a inocente e sólida Alemanha, mas
que na realidade desde o princípio se envolveram fortemente,
até mesmo com os ávidos pequenos especuladores
comuns, que agora mais do que nunca fazem o papel de enganados. O
programa de Lafontaine só tem eficácia para as sondagens e
para o voto, na medida em que ele na prática nunca
deverá tornar-se política de governo. Onde o Partido da
Esquerda participa no governo do Land (Berlim) apoia as
restrições sociais como coerções objectivas. Por
isso há entre eles, como antes entre os Verdes, uma fracção de
realos que gostaria de conter Lafontaine, para conseguirem
tornar-se capazes de governar. O que não é assim tão
improvável, em caso de posterior agravamento da crise. Os realos
poderiam cavalgar na onda do capitalismo de Estado
pragmático, trazido de volta mais que de repente,
pois os realos rapidamente serão aceites junto do poder,
se fornecerem a legitimação da co-gestão da crise como bons
alunos.
A ATTAC é publicamente considerada
como o Forum para a mais aguda crítica do capitalismo financeiro
neoliberal. Que pensa disso, em termos analíticos e práticos?
A crítica da ATTAC não é aguda, mas
obtusa, e foi desde sempre, à semelhança das ideias de
Lafontaine, marcada pela nostalgia keynesiana. Uma crítica
isolada do neoliberalismo não serve de nada, porque não analisa
a conexão interna da viragem neoliberal com os limites da
valorização real do capital, mas considera esta doutrina apenas
como política económica errónea, supostamente
imposta através duma espécie de putsch. Se agora as elites
capitalistas lançam pela borda fora o neoliberalismo, tão
nervosamente como outrora se desfizeram do keynesianismo, isso
só mostra que o capitalismo não coincide com um determinado
modo de regulação. Por maioria de razão uma crítica isolada
do capitalismo financeiro não serve para nada, porque põe de
pernas para o ar a relação entre a economia real e a
superstrutura financeira, e porque responsabiliza a especulação
por uma crise que tem a sua origem precisamente na própria
lógica da valorização. Também a ATTAC não queria mais nada
que um bom capitalismo dos postos de trabalho. Há
muito que vem sendo criticado que esta espécie de crítica
do capitalismo é reaccionária e, consciente ou
inconscientemente, querendo ou não querendo, contém um
anti-semitismo estrutural, porque não ataca os
fundamentos do capitalismo, mas obedece apenas ao preconceito
popular do capital rapinante, que é responsabilizado
por todos os males sociais e já desde há 200 anos é ligado aos
judeus. A defesa da ATTAC contra esta acusação foi sempre, na
melhor das hipóteses, titubeante e duvidosa. Por isso houve e
há no círculo nada transparente da ATTAC simpatias pelo
devorador de judeus Ahmadinejad, que é estilizado como luminosa
figura anti-imperialista e também declarou
publicamente como causa da crise financeira uma ameaça
judaica mundial. Actualmente a ATTAC parece estar ocupada
em sentir, em vez de imaginar, que fantasmas foram acordados pela
crítica isolada da especulação. Quando a ATTAC agora, com a
grande crise financeira, com o fim do neoliberalismo e com a
passagem à re-regulação e à estatização dos bancos, vê
amadurecer os seus sonhos de florescência, e espera, com o
ministro do trabalho Scholz, o regresso do Estado social
keynesiano, ela só pode vir a envergonhar-se desta opção a
muito curto prazo. Na realidade, o capitalismo vai ser reduzido
às suas reais condições de valorização. Em consequência,
está à vista uma depressão global e não o regresso ao
crescimento real após os desvios. O novo
capitalismo de Estado vai mostrar uma face horrorosa a agravar
dramaticamente a administração de crises repressiva. Talvez que
mesmo [o programa anti-social] Hartz-IV venha a parecer em
retrospectiva relativamente acolhedor. E depois? Terá a ATTAC de
acabar por reivindicar o regresso da economia das bolhas
financeiras, porque é incapaz de pôr em causa as condições de
vida capitalistas enquanto tais? Ou uma pessoa desfaz-se no
turbilhão das ideologias de massas que confirma os piores
receios? Ou já só nos resta rezar, uma vez que ainda assim nos
tornámos Papa?
O que se segue a esta crise
aniquiladora?
Falar de uma crise aniquiladora
coloca numa certa inadequação a pergunta sobre o que vem
depois. A crença congénita da esquerda na
capacidade de regeneração do capitalismo corresponde
tão-somente aos comentários na imprensa económica, que também
falam de após o capitalismo, enquanto a verdadeira
dimensão da crise apenas começa a revelar-se. Naturalmente que
vai haver reacções técnicas das bolsas em movimento
ascendente, talvez alimentadas pelas esperanças de curto prazo
na eficácia do pacote de medidas estatais. Mas a dinâmica do
processo de crise já não vai voltar ao nível anterior, se não
surgirem novos potenciais de valorização real, que não estão
à vista em lado nenhum. Cada estabilização temporária só
pode preparar o próximo surto de crise tanto mais violento.
Seria necessário um contra-movimento social autónomo, para lá
do espaço nacional, que não permitisse aos administradores de
crises contrariarem os interesses vitais, e que negasse qualquer
exclusão social, sexual, étnica ou rácica.
Movimento que, no entanto, está tão-pouco à vista como os
novos potenciais de valorização. Portanto, o que se pode dizer
é que a desintegração social vai prosseguir, numa dimensão
até aqui nunca vista, também nos centros do capitalismo,
incluindo na inocente RFA.
Original
(Publicado na revista online TELEPOLIS
e 2ª parte.