A
GUERRA CONTRA OS JUDEUS
Porque
se volta a opinião pública global contra Israel na crise económica
As reacções políticas à guerra em Gaza mostram que quanto mais crítica é a situação militar de Israel menor é o número dos seus amigos. Ocorre um deslocamento tectónico na relação de forças. Desde sempre o Médio Oriente foi palco não de conflitos limitados entre interesses regionais, mas de um conflito por procuração paradigmático e com forte carga ideológica. Na época da Guerra Fria, o conflito entre Israel e a Palestina era visto como paradigma da oposição entre um imperialismo ocidental liderado pelos EUA e um campo “anti-imperialista”, cuja liderança era disputada pela União Soviética e pela China. A propaganda de ambos os lados ignorava então o duplo carácter do Estado de Israel que, por um lado, é um país moderno vulgar no quadro do mercado mundial, por outro lado, porém, constitui a resposta dos judeus à ideologia de exclusão eliminatória do anti-semitismo europeu e sobretudo alemão. Subsumia-se Israel a uma constelação da política mundial com a qual ele nunca coincidiu.
Depois
do colapso do socialismo de Estado e dos “movimentos de libertação
nacional”, que tinham formulado um programa de “desenvolvimento atrasado”
com base no mercado mundial, a natureza do conflito por procuração
modificou-se profundamente. No Médio Oriente e não só, o lugar dos regimes
desenvolvimentistas laicos foi ocupado pelo chamado islamismo, que apenas na
aparência se apresenta como movimento religioso tradicional. Na realidade,
trata-se de uma ideologia de crise culturalista pós-moderna de parte das elites
dos países islâmicos há muito ocidentalizadas, que representam o potencial
autoritário da pós-modernidade e absorveram o anti-semitismo europeu
totalmente não-islâmico. Nessa região, os segmentos do capital que
fracassaram no mercado mundial declararam guerra aos judeus como combate
paradigmático contra a dominação ocidental. Inversamente, o imperialismo de
crise ocidental, encabeçado pelos EUA, transformou o islamismo no novo inimigo
principal, depois de o ter amamentado e abastecido com armas durante a Guerra
Fria.
Essa
nova constelação levou a confusões ideológicas duma dimensão nunca
imaginada. O neoliberalismo parecia identificar-se com a guerra de ordenamento
mundial capitalista contra os “Estados em desagregação” nas regiões de
crise e com Israel no Médio Oriente. Desde então, correntes neofascistas do
mundo inteiro andam de mãos dadas com a “luta de resistência” islâmica
anti-semita, embora ao mesmo tempo aticem sentimentos racistas contra migrantes
dos países islâmicos. Segmentos expressivos da esquerda global também
passaram a conferir sem cerimónia a glorificação do velho
“anti-imperialismo” aos movimentos e regimes islâmicos. Isso só pode ser
caracterizado como abandalhamento ideológico, pois o islamismo é contra tudo o
que a esquerda sempre defendeu; ele persegue qualquer pensamento marxista com
repressão e tortura impiedosas, pune a homossexualidade com a pena de morte e
trata as mulheres como seres humanos de segunda classe. A responsabilidade por
isso também não deve ser atribuída a nenhuma religião tradicional, mas a uma
militância de tons culturalistas do patriarcado capitalista na crise, que também
no Ocidente se dá a conhecer de maneira diferente. A nada santa aliança entre
o caudilhismo “socialista” de Hugo Chávez e o islamismo representa apenas a
ratificação dessa decadência ideológica no plano da política mundial, sem
qualquer perspectiva emancipadora.
Desde
o recente crash financeiro, sem precedentes na história, a constelação
global está rodando novamente. Agora fica claro que o colapso do socialismo de
Estado e dos regimes de desenvolvimento nacional foi apenas o prenúncio de uma
grande crise do mercado mundial. O neoliberalismo está falido e a guerra de
ordenamento mundial capitalista já não pode ser financiada. Nessa situação
evidencia-se que Israel sempre foi apenas um peão no tabuleiro de xadrez do
imperialismo de crise global. A própria administração Bush acabou por
considerar inofensivo o programa iraniano de armamento nuclear. Os interesses
dos EUA e de Israel separam-se; Obama já não dispõe de qualquer margem de
manobra político-militar. A guerra islâmica contra os judeus é aceite como
inevitável. Por isso os lançamentos de mísseis do Hamas sobre a população
civil israelita se afiguram sem importância. A opinião pública global
caracteriza o contra-ataque israelita majoritariamente como
“desproporcionado”. Os palestinianos em Gaza são como vítimas
identificados com o Hamas, como se este regime não se tivesse imposto numa
sangrenta guerra civil contra a laica Fatah.
Assim
a propaganda islâmica do massacre da população civil cai em terreno fértil.
Com efeito, o Hamas transforma a população em refém, exactamente como o
Hezbollah libanês em 2006, ao transformar mesquitas em depósitos de armas e ao
permitir que seus quadros armados atirem a partir de escolas ou hospitais. A
opinião pública mundial não dá importância a isso, pois já reconheceu o
Hamas como “força da ordem” no meio da crise social. Por isso o pragmatismo
capitalista se volta cada vez mais contra a autodefesa israelita, como se pode
observar até na imprensa burguesa liberal. Este é, afinal, o segredo da
viragem neo-estatista perante a queda da economia global: as massas depauperadas
devem ser pacificadas autoritariamente, e para isso agora até o islamismo
serve, mais ainda se ele logra legitimar-se formalmente como democracia. Mesmo
uma esquerda, que já não tem qualquer objectivo socialista e se vangloria da
“perda de todas as certezas” pós-moderna, corre o risco de ser absorvida
pela administração autoritária da crise e como flanqueamento ideológico
aceitar a inevitabilidade da guerra islâmica contra os judeus. O conflito por
procuração alcançou uma dimensão social no plano global. Contra o mainstream
ideológico, faz-se mister constatar que o aniquilamento do Hamas e do Hezbollah
é condição elementar não apenas de uma paz capitalista precária na
Palestina, mas também de uma melhoria das condições sociais. Se as
perspectivas para tanto são más, são boas para a desagregação da sociedade
mundial na barbarização.
Original DER KRIEG GEGEN DIE JUDEN in www.exit-online.org . Publicado na Folha de S. Paulo, 11.01.2009.