MORTOS
DE FÉRIAS
O
colapso dos mercados de trabalho tornou-se concebível
Existe
uma crise económica mundial com mercados de trabalho estáveis? A este
respeito, ao que parece, o governo federal ainda acredita na quadratura do círculo.
Mas, logo no início do ano de crise de 2009, o número de desempregados
aumentou meio milhão em poucas semanas. Se já em Janeiro foram ultrapassadas
as piores expectativas, pode-se imaginar o desenvolvimento posterior. Ainda não
surgiu nenhuma mezinha contra a quebra da procura nas exportações e no consumo
interno. Apesar dum novo endividamento record de 50 mil milhões de euros, os
programas de apoio à conjuntura assemelham-se à tentativa de segurar uma
avalanche com pastas de papéis. O sucesso anunciado precipitadamente com os prémios
de abate de automóveis já se viu que foi por água abaixo; não só na
Alemanha, as quedas nas vendas de automóveis atingiram uma dimensão sem
precedentes. Em todos os sectores se esperam más notícias, embora a reacção
em cadeia global da espiral descendente da conjuntura ainda não se tenha feito
sentir em toda a sua dimensão.
Ainda
se procede como se estivéssemos perante um dos habituais rombos na conjuntura,
talvez um pouco maior. Na verdade, o "crescimento financeiramente
induzido" de mais de duas décadas cessou. Os lucros fictícios, também no
sector industrial, a partir das bolhas de acções e do imobiliário
dissolveram-se em nuvens de fumo. A conjuntura de deficit alimentada por eles já
era um programa keynesiano indirecto de salvação mundial, o qual também tinha
estabilizado relativamente os mercados de trabalho, apesar de um aumento do nível
do desemprego e do subemprego. Só assim é que os conglomerados empresariais
conseguiram manter os empregados efectivos, ainda que estes viessem sendo
reduzidos, num processo larvar. A propagação do trabalho a tempo parcial a
partir da indústria automobilística mostra que a estabilização está a
chegar ao fim. É verdade que governo federal pretende adiar a ruptura, através
do prolongamento do subsídio ao trabalho a tempo parcial, contudo tais subsídios,
na melhor das hipóteses, podem aguentar uns meses. Milhões de postos de
trabalho em empresas de fornecedores e de serviços dependem do emprego a tempo
inteiro nos grandes conglomerados. Para aqueles não haverá qualquer etapa
intermédia de trabalho a tempo parcial, mas sim uma transição directa para
despedimentos em massa.
Mesmo
no auge da conjuntura de deficit, os sindicatos foram demasiado brandos para se
opor seriamente à queda dos níveis salariais, nem que fosse dos empregados
efectivos. Na crise económica global, as próximas rondas negociais prometem
tornar-se uma tragédia, se a concorrência aos postos de trabalho remanescentes
se disputar com unhas e dentes, enquanto a ligação das próprias reivindicações
ao crescimento do lucro, em conformidade com o capital, perde o seu objecto.
Agora também os "aristocráticos" empregados efectivos não passam de
“mortos de férias” [“Tote auf Urlaub”] na sua vida de trabalho; já não
apenas sob a forma de uma redução lenta, mas em grande escala. Depois de o
sistema financeiro já ter lançado em massa os banqueiros outrora orgulhosos
nas pedras da calçada, é de certa maneira inconcebível por que há-de ser
poupado o sector produtivo, o qual já há muito tempo não era auto-sustentado,
mas ultimamente vinha vivendo apenas do poder de compra irregular das bolhas
financeiras.
Quando
os pacotes de salvamento e programas de conjuntura já nem conseguem evitar o
desabar do emprego efectivo para além de alguns meses, é previsível qual o
destino do entumecido sector de subemprego num prazo ainda menor. Em todos os países
industrializados, soa a hora da verdade para as estatísticas retocadas do
desemprego. Muito rapidamente irá faltar à administração de crise o dinheiro
para as medidas com que os desempregados de longa duração, idosos ou pessoas
com deficiência foram sendo empurrados para um estado de esperança
miseravelmente equipado. Acima de tudo, no entanto, está a ameaça de se
afundar o emprego mal pago de milhões, numa ordem de grandeza até aqui
inimaginável. Na última década a RFA criou, como nenhum outro país europeu,
um enorme sector de baixos salários por opção politico-social. Correspondendo
especularmente à sempre crescente orientação para a exportação, o mercado
de trabalho cindiu-se num sector de trabalho normal reduzido amplamente
globalizado e num sector interno de trabalho precário em crescimento. Parece
que há a intenção de, na crise, manter à tona de água o primeiro sector,
mesmo a custo, e expandir ainda mais o segundo, em condições ainda piores.
Assim, o salário mínimo prometido aos trabalhadores a tempo parcial voltará a
ser uma miragem.
Se
a primeira conta já não dá certo, a segunda muito menos. Os vulneráveis
trabalhadores contratados a prazo e sub-contratados, bem como os empregados
ocasionais e a tempo parcial, pseudo-autónomos e trabalhadores a 1 euro por
hora são os primeiros a ficar no fio da navalha, pois todo este pseudo-emprego
está construído ainda mais sobre terreno movediço do que o do primeiro
sector. A Volkswagen já anunciou a primeira vaga de despedimentos entre os
sub-contratados; e esta ainda é a nata do emprego barato. Seria um milagre se
sobrevivesse precisamente a grande quantidade de irrelevantes pequenos
estabelecimentos de serviços domésticos e de pequenas reparações. Tornou-se
concebível um colapso dos mercados de trabalho numa frente ampla. Até a "Wirtschaftswoche"
[Semanário Económico] desenvolveu um cenário pessimista que considera possível
na RFA até 2013 uma queda do
produto interno bruto em 15 por cento e um volume de desemprego de 8 milhões. Já
não é uma recessão, mas uma crise sistémica histórica, não mais susceptível
de ser abordada com a capacidade de imaginação e com a caixa de ferramentas de
Merkel, Steinbrück Cª.
Original
TOTE AUF URLAUB In www.exit-online.org
. Publicado na edição
online do semanário Freitag (Berlin) em 06.02.2009.