Perplexidade
organizada
Dez
problemas insolúveis para a Cimeira do G-20
1.
Nos tempos da economia das bolhas financeiras e da conjuntura global de deficit,
as instituições financeiras internacionais já eram consideradas quase supérfluas,
sobretudo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O dinheiro parecia existir em
abundância, desde que se pudesse participar no jogo. Agora o jogo acabou. Sob a
impressão da devastadora crise financeira global, a cimeira do G-20 pretende
renovar de alto a baixo a arquitectura do sistema financeiro internacional e
especialmente reanimar o FMI. Mas na realidade já é tarde demais. Onde irá o
FMI buscar os recursos? Numa situação de "perplexidade organizada",
um bom conselho ameaça tornar-se proibitivamente caro.
2.
Já antes da realização da cimeira se disputam as competências
institucionais. A China propõe que no futuro o FMI controle o sistema
financeiro internacional, reservando-se ao Banco de Pagamentos Internacionais
(BIS), em Basileia, o papel de definir as novas regras. Isso, porém, suscita a
oposição dos EUA, que não querem ficar sujeitos a quaisquer regras. Além
disso, a repartição do poder institucional refere-se a um futuro que talvez
nem chegue a vir. Se, de certo modo, nada mais há para controlar, o que resta
é apenas a gestão da crise. E aqui de pouco serve regatear sobre competências
futuras.
3.
Na actual situação de emergência, ameaçam entrar em cena numerosos
"falling states" [“estados cadentes”], da Islândia à Roménia,
nos quais a falência do Estado teria de ser evitada. Nesses países, o FMI não
deve voltar a impor exigências discriminatórias quando da concessão de crédito.
Apesar disso, a ajuda do Fundo está ligada a um estigma nos mercados
financeiros, que ainda piora mais a situação. Por isso, a Coreia do Sul, por
exemplo, não pretende recorrer aos recursos do Fundo, embora deles necessite.
É um dilema.
4.
Para vencer a crise, o FMI pretende inventar um novo programa de crédito,
denominado “Flexible Credit Line” (FCL) [“Linha de Crédito Flexível”].
Mas esse bonito nome não diz nada sobre a origem do dinheiro com que o programa
deve ser financiado, nem tampouco sobre a sua afectação. Não existe mais
nenhuma cornucópia cujas benesses possam ser derramadas. As zonas monetárias
centrais já precisam de enfrentar as próprias crises.
5.
A médio prazo, todos os programas de crédito do FMI só podem ser
implementados com base no dólar. Mas é precisamente nos EUA que agora foi
accionada a máquina de imprimir notas. Este ano o endividamento deverá atingir
no mínimo 15% do Produto Interno Bruto. A mesma tendência se revela também no
Japão e na União Europeia. A potência inflacionária aí escondida e de
qualquer modo já global só pode reforçar-se com os créditos adicionais
concedidos pelo FMI.
6.
Países como a China e a Índia reivindicam uma quota mais elevada de direitos
especiais de saque no FMI; a China detém actualmente uma quota de apenas 3,7%.
Afirma-se que isso já não corresponde ao peso económico do país. Mas uma
quota mais elevada para a China seria à custa de outros países, como a Suíça,
que naturalmente se lhe opõem. Além disso, no decurso da crise económica
global, não tarda que a China e a Índia se voltem a transformar de pesos
pesados em pesos plumas. A redistribuição das quotas refere-se ao passado.
7.
Outro tema do G-20 será a substituição do dólar como dinheiro mundial,
naturalmente para irritação dos EUA. O primeiro-ministro russo Vladimir Putin
pretende "minar" a posição do dólar. Mas ele é uma toupeira
incompetente, pois o próprio rublo está em queda. O iene e o euro também não
podem substituir o dólar. Todas as moedas centrais sofrem da mesma crise
financeira. Trata-se de uma crise geral do dinheiro como "equivalente
geral", e não de uma mera debilidade da moeda de referência, na concorrência
habitual entre as designações nacionais do dinheiro.
8.
Com razão a China se opõe cepticamente aos objectivos de Putin. Mas a ideia
chinesa de substituir o dólar como moeda de referência justamente pelos
direitos especiais de saque do FMI não é nada melhor. Esta moeda artificial não
tem em si qualquer base económica e tem de fracassar como moeda de reserva
internacional, por representar apenas uma superstrutura sintética do dinheiro
real de todos os Estados nacionais membros do Fundo. Com este sucedâneo é que
não se conquista a famosa "confiança" dos mercados.
9.
Com certeza que no encontro do G-20 será ritualmente invocada a cooperação
internacional construtiva no meio da crise. Mas, quanto mais fortes forem as
advertências de todos contra os "reflexos proteccionistas", tanto
mais todos estarão preparando na prática medidas proteccionistas internamente.
Isso aplica-se em especial à China e aos EUA, cujas advertências são
particularmente audíveis. Cada um cuida primeiramente de si, embora todos
saibam que, no patamar económico alcançado, a globalização só é reversível
à custa de muito mais graves desabamentos da crise.
10.
Causam perplexidade não apenas as contradições recíprocas, mas também as
contradições internas dos Estados membros. Os partidos lutam em toda a parte
por concepções igualmente arriscadas. A queda dos governos checo e húngaro
levanta a questão de saber se os ministros presentes no encontro de Londres em
geral ainda podem falar em nome dos respectivos países, e se a cimeira ainda
tem capacidade de negociar soluções de longo prazo. O êxito da cimeira da
crise é mais do que duvidoso. Provavelmente os participantes vão despedir-se
com cortesia, sem terem chegado a resultados palpáveis, e procurarão
exclusivamente salvar a própria pele. A interdependência de todos tende mais
à paralisia, pois no mundo do capital não há qualquer instância comum.
Original
ORGANISIERTE
RATLOSIGKEIT. Zehn unlösbare Probleme für den G-20-Gipfel in
www.exit-online.org. Publicado na
Folha de S. Paulo de 29.03.2009, com o título O
G-20 em 10 questões