PERSPECTIVAS
ECONÓMICAS RASTEIRAS
O
capitalismo é o primeiro sistema social na história. Nunca a concatenação da
reprodução da vida foi tão especializada e tão densificada. A economia
empresarial tem sido extensivamente decomposta. Já nem graxa para sapatos pode
ser produzida sem profundas divisões de funções e infra-estruturas; até a
fruta e o leite são distribuídos a nível continental. Mas esta socialização,
assinalada com uma expressão famosa como ligação em rede universal,
encontra-se na forma da privacidade e da particularidade de empresas e indivíduos.
O contexto do conjunto, designado nas ciências sociais como “síntese
social”, é dirigido pela “mão invisível” da concorrência universal do
mercado, que se apresenta a todos os actores como um cego poder de leis sistémicas.
Embora
a dinâmica independentizada deste contexto descontrolado caminhe ecológica e
economicamente para um beco sem saída, nada é considerado tão tabu como um
planeamento social consciente. O neo-liberalismo está considerado falido, mas
deixou na consciência social uma orientação sem precedentes para perspectivas
económicas rasteiras. As expressões de regulação fraca das cimeiras económicas
embatem nos interesses particulares de empresas e nacões, que já pressupõem
sempre as cegas “forças do mercado”. Mas também os indivíduos, mesmo os
mais pobres e precarizados, sentem-se átomos sociais concorrentes como nunca
antes. Dos produtores de leite aos controladores de tráfego aéreo, há apenas
e só lutas especiais particulares, que deixam de fora o impenetrável contexto
social. Quando os trabalhadores de uma empresa de fabrico automóvel em
dificuldades circulam com T-shirts com a inscrição “Somos da Opel” é
porque já assumiram o ponto de vista da economia empresarial como próprio;
incluindo a disponibilidade para cortar na própria carne em prol do interesse
da existência precária da empresa.
Mas
também a crítica social desmoralizada pensa a partir de perspectivas económicas
rasteiras. A “economia solidária” pretende apenas pequenas alternativas
“paralelas” à “síntese social” destrutiva – desde a ajuda de
vizinhança à trapalhice monetária das moedas regionais. Cooperativas, ocupações
de empresas e empresas em auto-gestão limitam-se à tentativa de
auto-administração no interior da respectiva área de produção, mas acabam
por fracassar, como recentemente na Argentina, perante as coerções da concorrência
no mercado, ou têm de se transformar em auto-exploração. A “pobreza
auto-organizada” é em todo o caso uma opção da administração capitalista
da crise.
Enquanto
não se resolver o problema da “síntese social” não existe outra
alternativa. É tempo de os movimentos sociais redescobrirem a questão do
planeamento social. Isso não funciona em “modelos” particulares, mas apenas
em grande escala social, incluindo as infra-estruturas. O Estado seria a este
respeito como uma raposa a guardar o galinheiro, porque ele é apenas a instância
de conexão dos interesses privados do mercado. Foi por isso mesmo que falhou o
socialismo real como planeamento burocrático estatal do mercado. A tarefa
pendente consiste num planeamento
social global do fluxo dos recursos para além do mercado, do Estado e da
tacanhez nacional ou regional. Actualmente quase ninguém quer pensar nisso. Mas
a crise profunda da forma dominante de sociabilidade poderá colocar o problema
na agenda histórica.
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