QUEM REGULA
O QUÊ?
Porque está
a cimeira do G20 com medo da sua própria coragem já na fase preparatória
Após o grande crash,
havia um consenso geral sobre a causa da crise: a culpa do desastre seria dos
"excessos" no sistema financeiro, causados pela desregulamentação
neoliberal demasiado forçada e por uma política de dinheiro barato dos bancos
centrais. Para além de displicentes declarações de intenções, não houve até
agora quaisquer consequências. É previsível que também a próxima reunião
de Chefes de Estado e de Governo dos 20 principais países industrializados e
emergentes (G20) não consiga fazer nada a sério. Os principais bancos centrais
já fizeram saber que vão deixar as taxas de juros em nível historicamente
baixo, para não estrangular completamente a recuperação da conjuntura económica
em queda. O que passa por ser a causa da crise, portanto, é precisamente o que
vai continuar a ser promovido. Já aqui se mostra uma contradição na explicação
oficial da crise.
Esta contradição também
é notória na questão central da re-regulamentação. Com efeito, a Cimeira do
G20 deve trazer exigências mais rigorosas de capitais próprios para os empréstimos
bancários, a fim de criar uma "mais espessa capa de protecção"
contra o iminente colapso do sistema financeiro. Isso significaria um menor
retorno para os bancos. A praça financeira de Nova York toma posição contra,
e Londres também. A Europa, mais uma vez, não fala a uma só voz. Da mesma
forma, os operadores do centro financeiro de Frankfurt, com o chefe do Deutsche
Bank, Josef Ackermann, à cabeça, nem querem ouvir falar de novos requisitos de
capitais próprios. Não se trata simplesmente do poder dos bancos, mas dum
problema objectivo. Exigir mais capitais próprios significa também uma redução
na concessão de crédito. Ao mesmo tempo acusam-se os bancos de se tornarem
mesquinhos, deixando as empresas sem recursos com o “aperto do crédito”.
O problema do crédito
vai piorar nos próximos meses, pois espera-se, no Outono, na esteira dos cortes
drásticos das grandes empresas, elas próprias ameaçadas de insolvência, uma
onda de falências em todo o espectro das indústrias fornecedoras e do sistema
de transportes. Por que hão-de os bancos confiar dinheiro maciçamente aos
candidatos à queda e à bancarrota, se eles próprios já estão sentados sobre
uma montanha de créditos malparados? A re-regulação, portanto, está
bloqueada desde o início pela situação da economia real, e a Cimeira do G20
vai, provavelmente, dar em nada nesta questão crucial. Agora diz-se com
franqueza: "Em tempos de crise, deve ser permitido que a capa protectora
seja fina, em tempos bons é que deve ser reforçada" (Handelsblatt). Ou
seja, esperar por tempos melhores, esta a última palavra das fantasias da
regulação.
Esta paralisação
aponta para a falsidade da explicação oficial da crise. Não se trata de um
mau desenvolvimento autónomo do sistema financeiro, mas de uma barreira interna
da chamada economia real em si. O sistema de crédito e especulação que vem
sendo inflado há mais de duas décadas foi o resultado de uma falta de produção
de lucro real, e não vice-versa. Portanto, a conjuntura económica mundial
alimentada artificialmente pelas bolhas financeiras encontrou os seus limites e
agora tem de ser mimada com o dinheiro do Estado no nível da queda a que
chegou. O discurso de fim de alarme dos últimos meses foi prematuro. Os chefes
de Estado contam histórias sobre as estratégias de "saída" dos
programas de salvamento e de apoio à conjuntura, embora a pretensa estabilização
se baseie exclusivamente nesses programas, cuja capacidade de financiamento a
longo prazo é mais que duvidosa. Pretender agora obrigar os bancos precisamente
a que continuem atentos às pretensas causas da crise e que a regulação seja
suspensa é um empreendimento condenado ao fracasso. O que surgiu como um
"aperto do crédito" é na verdade um “aperto do lucro"
generalizado. E os bancos não vão colmatar a brecha, porque isso seria
desistir da sua racionalidade empresarial a favor do conjunto global e promover
a sua própria ruína. Mesmo sem o agravamento das exigências de capitais próprios,
eles vão continuar a restringir a concessão de crédito e, com base no
dinheiro barato, a procurar a salvação nos negócios de investimento, cuja
reciclagem na economia real parou. A bola continua, portanto, bem do lado do
Estado.
O Ministro das Finanças, Steinbrück, fez uma fuga para a frente antes da cimeira do G20, ao invocar um imposto global sobre o mercado financeiro, com o qual os bancos e os fundos de investimento deveriam partilhar os custos da crise. Mas a taxa Tobin, já defendida pela ATTAC, baseia-se na mesma falsa explicação da crise, pois já tinha sido precisamente a "embriaguez comatosa dos mercados financeiros" (Steinbrück) que mantivera em andamento a conjuntura baseada no deficit. De qualquer modo será de esperar ainda menos um acordo global sobre a taxa Tobin do que sobre o aumento dos capitais próprios. Em caso de fracasso do seu plano, Steinbrück quer introduzir na Alemanha, como substituto, um imposto nacional sobre as operações de bolsa, o qual no entanto pouparia as operações interbancárias fora da bolsa, as mesmas que trouxeram a público os famosos “papéis tóxicos”. Nem uma coligação amarela e preta nem uma nova grande coligação se vão ocupar de tal projecto mal cozinhado. Provavelmente trata-se apenas de uma cortina de fumo em tempos de campanha eleitoral, para esconder o dilema objectivo da regulação.
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