Robert Kurz  

SOBREPRODUÇÃO

 

A crise traz à luz do dia que no capitalismo se produziu "demais". A lógica económica abstracta não faz qualquer distinção entre bens de uso necessários, tais como alimentação, vestuário, habitação etc., e bens de luxo, ou mesmo produtos meramente destrutivos, tais como armas de guerra. Como se sabe, o que está em causa não é o conteúdo das necessidades, mas tão só o poder de compra, como meio de valorização do capital. Segundo um preconceito persistente entre os marxistas, a sobreprodução ocorre quando a mais-valia produzida não se “realiza” suficientemente, por falta de poder de compra. Daqui deriva, por exemplo, a argumentação sindical, em conformidade com o sistema, de que o poder de compra teria de ser reforçado, para impulsionar a economia. Contudo, o poder de compra resulta apenas da criação de mais-valia. Quando se produz mais-valia suficiente também se pode realizá-la. A falta de poder de compra significa, na realidade, que foi produzida muito pouca mais-valia. Essa é a essência da crise.

 

Como exemplo, pode-se apresentar o problema no sector-chave da indústria automóvel. O aspecto qualitativo é que a mobilidade tem sido orientada unilateralmente para o transporte individual, porque a produção de automóveis tem sido um importante segmento da valorização real do capital. Aqui surgiu um foco importante das emissões poluentes e da destruição do clima. Os transportes públicos, entretanto, foram reduzidos porque, enquanto consumo público, pelo contrário, oneravam a valorização do capital. O lado quantitativo é que o desenvolvimento das forças produtivas, na 3ª revolução industrial, racionalizou a força de trabalho criadora de mais-valia, numa escala sem precedentes. A fim de atingir o mesmo lucro, teria de se produzir uma massa material de carros cada vez maior. O mesmo se aplica ao conjunto da produção capitalista. Finalmente, diminuiu a massa de mais-valia na sociedade, o que se expressou na queda dos lucros, precisamente também da indústria automóvel. Por um lado, o problema foi adiado, com o financiamento a crédito e a leasing, tanto da produção como do consumo. Por outro lado, os transportes públicos remanescentes foram privatizados, com as consequências conhecidas, por exemplo, submetidos à racionalidade do lucro da economia empresarial, a fim de incorporá-los a bem ou a mal na valorização real do capital e aliviar o estado de necessidade desta.

 

O crash do sistema de crédito inflado ainda não acabou de se realizar em toda a sua extensão, mas o terramoto financeiro já tornou manifesta a falta de conteúdo de mais-valia da sobreprodução material. Mais uma vez, com particular clareza na indústria automóvel, porque aqui a falta de poder de compra real se repercute mais rapidamente do que nos bens de uso imediatamente necessários à vida. As medidas públicas de salvamento tomadas em pânico dizem respeito, além do sector bancário, sobretudo às grandes empresas do sector automóvel, consideradas também "sistemicamente relevantes". Mas deste modo não se elimina o problema da sobreprodução material, medida pela capacidade de valorização. Pelos critérios capitalistas, as sobrecapacidades têm de ser encerradas. A falência das grandes empresas do sector automóvel está a ser retardada; a GM e a sua filial Opel são apenas mortos de férias. Uma “limpeza” neste sentido, no entanto, não abre automaticamente uma nova via de crescimento; pelo contrário, ameaça provocar uma reacção em cadeia de queda de lucros, com mais redução de poder de compra e mais quebra de vendas. A indústria automóvel torna-se o sector chave tanto da crise ecológica como da crise económica do capitalismo.

Original Überproduktion in www.exit-online.org.  Publicado em Neues Deutschland 11.12.2009

http://obeco-online.org/

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