SOBREPRODUÇÃO
A
crise traz à luz do dia que no capitalismo se produziu "demais". A lógica
económica abstracta não faz qualquer distinção entre bens de uso necessários,
tais como alimentação, vestuário, habitação etc., e bens de luxo, ou mesmo
produtos meramente destrutivos, tais como armas de guerra. Como se sabe, o que
está em causa não é o conteúdo das necessidades, mas tão só o poder de
compra, como meio de valorização do capital. Segundo um preconceito
persistente entre os marxistas, a sobreprodução ocorre quando a mais-valia
produzida não se “realiza” suficientemente, por falta de poder de compra.
Daqui deriva, por exemplo, a argumentação sindical, em conformidade com o
sistema, de que o poder de compra teria de ser reforçado, para impulsionar a
economia. Contudo, o poder de compra resulta apenas da criação de mais-valia.
Quando se produz mais-valia suficiente também se pode realizá-la. A falta de
poder de compra significa, na realidade, que foi produzida muito pouca
mais-valia. Essa é a essência da crise.
Como
exemplo, pode-se apresentar o problema no sector-chave da indústria automóvel.
O aspecto qualitativo é que a mobilidade tem sido orientada unilateralmente
para o transporte individual, porque a produção de automóveis tem sido um
importante segmento da valorização real do capital. Aqui surgiu um foco
importante das emissões poluentes e da destruição do clima. Os transportes públicos,
entretanto, foram reduzidos porque, enquanto consumo público, pelo contrário,
oneravam a valorização do capital. O lado quantitativo é que o
desenvolvimento das forças produtivas, na 3ª revolução industrial,
racionalizou a força de trabalho criadora de mais-valia, numa escala sem
precedentes. A fim de atingir o mesmo lucro, teria de se produzir uma massa
material de carros cada vez maior. O mesmo se aplica ao conjunto da produção
capitalista. Finalmente, diminuiu a massa de mais-valia na sociedade, o que se
expressou na queda dos lucros, precisamente também da indústria automóvel.
Por um lado, o problema foi adiado, com o financiamento a crédito e a leasing,
tanto da produção como do consumo. Por outro lado, os transportes públicos
remanescentes foram privatizados, com as consequências conhecidas, por exemplo,
submetidos à racionalidade do lucro da economia empresarial, a fim de incorporá-los
a bem ou a mal na valorização real do capital e aliviar o estado de
necessidade desta.
O
crash do sistema de crédito inflado ainda não acabou de se
realizar em toda a sua extensão, mas o terramoto financeiro já tornou
manifesta a falta de conteúdo de mais-valia da sobreprodução material. Mais
uma vez, com particular clareza na indústria automóvel, porque aqui a falta de
poder de compra real se repercute mais rapidamente do que nos bens de uso
imediatamente necessários à vida. As medidas públicas de salvamento tomadas
em pânico dizem respeito, além do sector bancário, sobretudo às grandes
empresas do sector automóvel, consideradas também "sistemicamente
relevantes". Mas deste modo não se elimina o problema da sobreprodução
material, medida pela capacidade de valorização. Pelos critérios
capitalistas, as sobrecapacidades têm de ser encerradas. A falência das
grandes empresas do sector automóvel está a ser retardada; a GM e a sua filial
Opel são apenas mortos de férias. Uma “limpeza” neste sentido, no entanto,
não abre automaticamente uma nova via de crescimento; pelo contrário, ameaça
provocar uma reacção em cadeia de queda de lucros, com mais redução de poder
de compra e mais quebra de vendas. A indústria automóvel torna-se o sector
chave tanto da crise ecológica como da crise económica do capitalismo.
Original
Überproduktion in www.exit-online.org.
Publicado
em Neues Deutschland 11.12.2009