NÃO
HÁ MESTRE DA CRISE
Com
a ida do presidente do Banco Central Alemão, Axel Weber, para a presidência do
Banco Central Europeu favorece-se uma
política monetária de linha dura
Embora
o mandato de Jean-Claude Trichet só termine no Outono de 2011, já começou a
disputa sobre quem deve ficar à frente do Banco Central Europeu (BCE). À
primeira vista, parece tratar-se do habitual regatear dos lugares e do
bizantinismo opaco que caracteriza as instituições europeias. Dado que o BCE
está concebido como independente da influência directa dos governos nacionais,
tanto maior o regateio, a disputa e os truques baixos, quando se trata do
preenchimento dos cargos mais importantes. Após o holandês Wim Duisenberg e o
francês Jean-Claude Trichet, o governo alemão gostaria agora, obviamente, de
fazer subir a presidente do BCE o actual presidente do Banco Central Alemão,
Axel Weber, para também aí ficar sintonizado.
O
certo é que a chanceler Angela Merkel, como aluna política da Helmut Kohl, lança
mão de todas as conhecidas manobras de bastidores para colocar o candidato por
si desejado. No carrossel do pessoal da Comissão Europeia o honesto Günther Öttinger,
não muito forte no Inglês, foi deportado para a pasta menos importante da
energia, ao invés de reclamar a das finanças, cuja ocupação por um alemão
teria barrado o caminho a Weber para o topo do BCE. Pela mesma razão, Merkel
fez passar a nomeação do Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio,
para vice-presidente do BCE. Segundo as regras não escritas da representação
regional proporcional na União Europeia, a presidência pertence a uma
“europeu do Norte” quando um "europeu do Sul" é vice-presidente
(e vice-versa). A nomeação do português é considerada como um acordo de
Merkel com o presidente francês Nicolas Sarkozy para deixar o caminho livre a
Weber. Pelo menos segundo as regras da proporcionalidade, o presidente da Banca
d' Italia, Mario Draghi, até então considerado o principal adversário,
estaria agora fora da corrida. Draghi também é acusado de, na sua qualidade de
ex-gestor do banco Goldman Sachs, ter ajudado o Ministério das Finanças da Grécia
a falsificar as contas públicas.
Mas
a candidatura de Weber ainda não passou, longe disso. O "fogo amigo"
vem do próprio partido de Merkel. O deputado europeu da CDU Werner Langen
pronunciou-se abertamente contra o favorito da sua chanceler. Este fogo cruzado
pode ter a ver com o facto de o êxito de Weber provocar uma nova dança de
cadeiras. De acordo com as mesmas regras de representação proporcional, teria
então de sair o até agora economista-chefe do BCE, Jürgen Stark, para dar o
lugar a um francês. Isso poderia também estar incluído no acordo de Merkel
com Sarkozy.
As
repugnantes disputas de sensibilidades nacionais e panelinhas pessoais, que
teriam acontecido de qualquer maneira, passam a ter um pano de fundo explosivo
na situação de crise objectiva. Trata-se também da organização da política
monetária e cambial, que há muito deixou de ser óbvia. A chamada doutrina
monetarista da estabilidade monetária a todo o custo há muito carrega consigo
o pecado original. A enxurrada de dinheiro dos presidentes da Reserva Federal
americana, Greenspan e Bernanke, foi acompanhada pelo BCE com Trichet, sob a
influência da crise económica e financeira mundial. Se agora se fala numa
estratégia de saída, a escolha é apenas entre a peste e a cólera. Nos países
anglo-saxónicos discute-se entretanto abertamente a possibilidade de uma
"inflação controlada" para tirar os Estados da armadilha da dívida.
Esta tendência vem ao encontro da política financeira tradicional do sul da
Europa, que nos casos da Grécia, Portugal, Espanha, Itália (e Irlanda) já
provocou um teste crucial do Euro.
Axel
Weber não é um mestre da crise, mas é considerado um radical da opção de saída
anti-inflacionista a todo o custo. Enquanto os europeus do sul pretendem evitar
cortes severos, com a consequente ameaça de revoltas sociais, para fazer
silenciosamente mais cortes no bem-estar através da política de inflação, a
estratégia "alemã" assenta claramente mais num empobrecimento de
massas imposto politicamente de imediato, para manter o Euro estável. Esta política
não tem qualquer suporte adequado, porque as finanças públicas da RFA estão
no fundo tão sobrecarregadas como noutros sítios. Todavia a Alemanha já agora
está servida com o maior sector de baixos salários da União Europeia. Uma
contracção maior do consumo interno favorece de facto uma orientação
unilateral para a exportação relativamente ao resto da União Europeia,
enquanto se acredita poder ignorar a resistência social interna.
A
presidência do BCE de Weber iria, portanto, apoiar uma estratégia de saída
dura, necessariamente à custa da maioria dos outros Estados do Euro. Assim, não
estão excluídas a quebra dos compromissos e a trapaça. Isto é especialmente
verdadeiro sendo também a França uma das vítimas. A objectividade da nova
dimensão da crise, que em toda a parte já se transferiu para as finanças públicas,
não pode em todo o caso ser superada pela política de pessoal institucional.
Com a personagem Weber abre-se caminho a uma forma de desenvolvimento em que se
poderia consumar o desmembramento da zona Euro e a sua retracção a uma zona
central com foco na Europa Setentrional. A questão é saber se a União
Europeia pode participar numa política monetária sob o lema "A Alemanha
contra o resto do mundo”. Há de facto consenso em que as dores sociais devem
ser suportadas acima de tudo numa proporção superior à actual. Mas nos próximos
anos vai haver receitas contraditórias para tratar de matéria explosiva.
Original
KEIN
MEISTER DER KRISE
in
www.exit-online.org.
Publicado na edição impressa do semanário Freitag,
25.02.2010